Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00118/10.1BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/05/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA AO JUIZ- MATÉRIA DE FACTO- RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR ATO MEDICO.
Sumário:I- O princípio da plenitude da assistência do juiz ou da identidade do julgador não tem tutela absoluta, gozando o julgado ordinário de ampla margem de conformação e de restrição desse princípio, sempre que essa restrição se mostre necessária à salvaguarda de outras dimensões em que se desdobra o direito fundamental de acesso ao Direito, na sua vertente de tutela jurisdicional efetiva, que conflituam com esse princípio, de modo a garantir a máxima aplicação prática possível de todas essas dimensões conflituantes desse direito fundamental (princípio da concordância prática), como seja a obtenção pelos pleiteantes de decisões materialmente justas em tempo razoável, e desde que, nessas restrições, o legislador observe estritamente os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade e não elimine o núcleo essencial ou fundamental de nenhuma dessas dimensões.

II- As restrições àquele princípio que decorrem do DL n.º 81/2018, de 15/10, que no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal criou equipas de recuperação de pendências, a quem atribuiu competência para tramitar os processos entrados em juízo até 31/12/2012, pendentes de decisão final, mesmo que, nesses processos, tenham sido já realizadas diligências de prova, não padecem de qualquer inconstitucionalidade material.

III- Em relação a esses processos, a não coincidência entre o juiz que preside à produção da prova e o que profere a sentença, em que seja contido o julgamento da matéria de facto, não constitui causa invalidante da sentença.

IV- Embora constitua ónus de impugnação primário do julgamento da matéria de facto a obrigação do recorrente de, nas conclusões de recurso, indicar os concretos pontos de matéria de facto e, ainda (segundo a jurisprudência maioritária) a concreta decisão que, no seu entender, deve ser proferida em relação a essa concreta facticidade que impugna, ao abrigo do princípio da proporcionalidade deve entender-se que o recorrente cumpre com esses ónus impugnatórios sempre que, embora nas conclusões, não indique quais os concretos pontos da matéria de facto que impugna, sequer a decisão que deve recair sobre essa matéria, da leitura das antecedentes motivações de recurso se extraia, clara, implícita e sem margem para dúvidas, quais os concretos pontos da matéria de facto que impugna e a decisão que, na sua perspetiva, deve recair sobre esses factos.

V- Em ação de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais assente em responsabilidade médica, por atos clínicos e/ou cirúrgicos praticados ou omitidos em estabelecimento do SNS, na vigência do DL n.º 48.051, de 21/11/1967, incumbe ao demandante/autor alegar e provar factos integradores dos pressupostos da responsabilidade civil aquiliana, ou seja: facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.

VI- Nessas ações, a ilicitude decorre do corpo clínico do demandado ter, nos atos médicos prestados ou omitidos ao lesado, infringido o dever geral de cuidado e/ou a legis artis próprias da sua atividade, atento o desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico da arte médica, no concreto momento em que foram prestados ou omitidos os atos médicos ao doente, independente do resultado alcançado (a obrigação do corpo clínico perante o doente é de meios e não de resultado).

VII- O preenchimento do requisito da ilicitude exige que o demandante/autor alegue e prove factos, com poder persuasivo bastante, para que num juízo corrente de probabilidade, se firme o convencimento de que o resultado danoso verificado na pessoa do doente (lesado) foi antecedido de atos clínicos cirúrgicos, praticados ou omitidos, com desrespeito das regras de ordem técnica e/ou científica próprias da atividade médica e/ou do dever geral de cuidado, próprio dessa atividade.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:Centro Hospitalar (...)
Recorrido 1:C.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO

1.1.C., residente na Rua (…), intentou junto do Tribunal Judicial de Penafiel a presente ação declarativa comum, com processo ordinário, contra Centro Hospitalar (...), E.P.E, com sede no Lugar (…), pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 40.000,00 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos, e a quantia de 35.000,00 euros, a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da prática do facto que serve de causa de pedir à presente ação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto alega, em síntese, que no dia 13/04/2005, pelas 3 horas, deu entrada no serviço de obstetrícia da Ré, com diagnóstico e trabalho de parto, com uma gravidez de termo e que fruto dos procedimentos clínicos a que foi submetida, contrários à legis artis, sofreu lesões, que lhe determinaram danos patrimoniais e não patrimoniais que pretende ver indemnizados.
1.2. Citada, a Ré contestou defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocou a exceção dilatória da incompetência, em razão da matéria, dos tribunais comuns para apreciar a relação jurídica material controvertida delineada na petição inicial, sustentando que como resulta desse articulado, o direito indemnizatório reclamado pela Autora funda-se exclusivamente em factos geradores de alegada responsabilidade civil extracontratual da Ré, quando esta era constituída por uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, depois transformada, em 31/12/2005, em Hospital EPE, pelo que a competência material para conhecer da relação material controvertida submetida pela Autora à apreciação do tribunal se encontra deferida aos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Invocou a exceção perentória da prescrição do direito indemnizatório que a Autora vem exercer nos autos, alegando que a presente ação foi intentada em 15/01/2009, quando os factos que lhe são imputados, segundo a tese da Autora, ocorreram em 13/04/2005, tendo o internamento decorrido até 15/04/2005, estando, consequentemente, à data da instauração da presente ação, decorridos mais de três anos desde a data em que a Autora teve conhecimento do pretenso direito indemnizatório que lhe compete;
Impugnou parte dos factos alegados pela Autora, sustentando que nos procedimentos médicos a que esta foi submetida foram observadas integralmente a legis artis, não se verificando os requisitos da ilicitude, da culpa, sequer qualquer do nexo causal entre a ação assistencial realizada e os danos que aquela pretende demonstrar nos presentes autos, os quais decorrem antes de causa natural associada ao parto ou a outras situações, autónomas e estranhas a qualquer intervenção médica.
Conclui pedindo que se julgue as exceções que invocou procedentes e que a ação seja julgada improcedente por improvada.
1.3.A Autora replicou concluindo pela improcedência das exceções invocadas pela Ré.
1.4. Por decisão proferida em 08/06/2009, entretanto transitada em julgado, o Tribunal Judicial de Penafiel conheceu da exceção dilatória da incompetência, em razão da matéria, dos tribunais comuns para conhecer da relação jurídica material delineada pela Autora na petição inicial, julgando-a procedente e, em consequência, absolveu a Ré da instância.
1.5. A Autora, com a concordância da Ré, requereu a remessa dos autos para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, o que foi deferido por despacho de 06/11/2009.
1.6. Realizou-se audiência preliminar, em que se proferiu despacho saneador tabelar, fixou-se a matéria assente e a base instrutória, não tendo havido reclamações. Conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes e uma vez concluídos os exames periciais a que se submeteu a Autora, designou-se data para a realização de audiência final, a qual teve o seu início em 26/02/2015 e termo em 14/07/2016, com vicissitudes várias no seu decurso, incluindo a realização de exames periciais.
1.7. Em 06/07/2020, foi proferida sentença, por juiz distinto daquele que presidiu à audiência final, contendo essa sentença o julgamento de facto e de direito, onde se julgou parcialmente procedente a presente ação, a qual consta da seguinte parte dispositiva:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente a presente ação, condenando-se o Réu ao pagamento à Autora de danos patrimoniais, no montante de €40.000,00 (quarenta mil Euros), e danos não patrimoniais, no montante de € 20.000,00 (vinte mil Euros), acrescidos de juros de mora, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo-se o Réu do remanescente pedido de condenação formulado pela Autora, no valor de €15.000,00.
Fixa-se o valor da causa em EUR 75.000,00.
Custas a cargo das partes na proporção de 80% para o Réu e 20% para a Autora, sem prejuízo do apoio judiciário a que tenha direito.
Registe e notifique”.

1.8. Inconformado com o assim decidido, o Réu interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

I- Conscientes do trilhar espinhoso do caminho, porém a quo animo, concluiremos nos pontos subsequentes o nosso entendimento fruto de uma representação ponderada da doutrina e jurisprudência, assente numa incursão expressiva destes institutos, com a certeza de que “Da mihi factum, dabo tibi jus”;
II- O ora Recorrente não se pode conformar com a decisão proferida pelo juiz a quo, porquanto, não interpretou nem aplicou corretamente aos factos constantes dos autos as normas de direito que lhe eram aplicáveis, violando a decisão ora o princípio da plenitude da assistência do juiz, porquanto, o Meritíssimo Juiz que proferiu a sentença não presidiu à audiência de discussão e julgamento, como tal, não tendo assistido a todos os atos de produção de prova encontra-se inquinada a habilitação para decidir sobre a matéria de facto (provada ou não provada), tendo dessa violação resultado um incorreto julgamento de facto e, subsequentemente, de Direito sobre a causa;
III- A decisão recorrida enferma de erro de julgamento porquanto verifica-se contradição insanável entre os factos que considerou provados e não provados, pois que a prova testemunhal e documental em que assenta a sua convicção e fundamentação encontra-se ipisi verbis em manifesta oposição/contradição com o Tribunal a quo concluiu, como supra se encontra demonstrado quanto aos factos que erradamente considerou provados e não provados;
IV- A decisão recorrida consubstancia uma clara e inequívoca violação das regras subjacentes ao instituto do onus probandi, pois que, caberia à Autora, não obstante aplicação dos princípios que regulam o nexo de causalidade no campo médico se revestirem de particular dificuldade, provar, pelo menos com grande probabilidade, que a ocorrência dos factos geradores do dano resultaram do incumprimento e /ou de cumprimento defeituoso, e depois tem ainda de demonstrar que o médico não praticou todos os atos normalmente tidos por necessários para alcançar a finalidade desejada;
V- A decisão recorrida errou na apreciação da prova ao dar como provados os factos O) e Q), atente-se no depoimento da testemunha A. e no Relatório do Serviço de Urgência de Obstetrícia, de 13/04/2005, que facilmente permitem concluir que a A. foi acolhida no Serviço de Urgência por médico da especialidade, a que se seguiu internamento, local onde foi sempre acompanhada pelo corpo clínico do recorrente;
VI- A decisão recorrida errou, do mesmo, ao dar como provado os factos V) e W) que merecem ser revistos no sentido de não provados em face dos depoimentos das testemunhas M. e M., que de forma unânime, espontânea e clara afastaram a prática da manobra de “Kristeller” no serviço de obstetrícia do Recorrente, e que impõem resposta diferente;
VII- Na mesma senda, a decisão recorrida errou em toda a sua linha de raciocínio ao considerar como provado o facto Y, atribuindo ao corpo clínico do Recorrente a responsabilidade pela ocorrência da laceração perineal de 2.º grau sofrida pela A. Aqui, nesta que podemos considerar o núcleo central de todas as questões sub judice, com todo o respeito pelo Digníssimo Tribunal, o juízo sobre a prova produzida nos autos, testemunhal, pericial e documental correm em sentido diametralmente oposto, pese embora tenha sido com base nela que o Tribunal afirma a formação da sua convicção.
VIII- Com efeito, do computo da prova testemunhal produzida, veja-se os depoimentos testemunhas, M., M., J., A., J., M., que aqui se dá por reproduzida a transcrição parcial dos seus depoimentos, pois não é em sede de conclusões que os seus extratos devem constar, afirmaram de forma clara, espontânea e isenta, merecedores de todo o crédito, que as lacerações ocorrem devido a condições próprias, individuais, de cada paciente no momento do parto, não acontecem por razões externas relacionadas com a intervenção ou não intervenção da equipa médica que está a acompanhar o parto.
IX- Mais esclareceram o douto Tribunal que, a fim de evitar este tipo de lesões, na fase final do parto, no momento em que se aproxima a expulsão do feto, em que a vulva e a zona perineal estão completamente distendidas, se demonstrado sofrimento em face das investidas do feto com vista a concretizar o nascimento, é realizada episiotomia na tentativa de impedir e menorizar a ocorrência de lacerações, lacerações erráticas e graves, ao ponto da vagina e ânus se unirem num só;
X- In casu, pese embora todo o cuidado e uso de todos os meios e práticas médicas ao alcance não foi possível evitar a sua ocorrência, porque aqui também manda a mãe natureza, e as características próprias e individuais de cada parturiente ditam o resultado final;
XI- A questão sub judicie mereceu da testemunha J., que referindo-se ao caso em apreço refere que a formação de neuromas nunca poderá ser atribuída à episiotomia porque não chega tão profundamente, as lacerações ocorrem independente de se fazer episiotomia, sendo que esta prática tem como objetivo único impedir que aconteçam e, acontecendo, que surjam de forma errática e na zona de maior fragilidade do períneo como é a sua zona média, isto é, na direção da zona vaginal para o ânus, de modo a prevenir-se incontinências fecal e urinária;
XII- De igual modo se refere o Relatório Pericial da Consulta Técnico-científica, do INMLCF, de 24 de julho de 2013 que responde perentoriamente nada indica que a laceração perineal possa ser atribuída à conduta das ginecologistas obstetras ao serviço do Recorrente, porque inclusivamente foi realizada episiotomia, cujo objetivo é evitar/ reduzir o risco da sua ocorrência, que ocorrem espontaneamente e que constituem uma intercorrência frequente nas suas formas menos graves, como in casu de 2.º grau;
XIII- A sentença recorrida incorre novamente em erro quando dá como provado que à A. poderia ter sido aplicada outra técnica cirúrgica, nomeadamente a cesariana, como decorre do afirmado na alínea JJ) da douta sentença, pelo que mais uma vez se requer a sua revisão no sentido de ser considerado não provado;
XIV- A prova testemunhal consubstanciada nos depoimentos das testemunhas J., J., M., M., M. e B., inquiridas em sede de audiência de julgamento sobre este mesmo facto afirmaram e confirmaram a inexistência de critérios para tal procedimento, pelo nunca poderia ser retirado do depoimento daquelas fundamento para dar como provado a necessidade de aplicação de outra técnica cirúrgica nomeadamente a cesariana, contrariando a convicção formada pelo douto tribunal;
XV- Mais se disse, que da mesma forma que a OMS recomenda o abandono da episiotomia de forma rotineira, igualmente se recomenda a diminuição do n.º de cesarinas, porquanto, considera um procedimento cirúrgico invasivo com elevados riscos, recomendando-se quando há risco materno ou fetal, o que representa apenas 15% dos casos entre o total de grávidas, de acordo com esta mesma entidade;
XVI- Por outro lado, não foi valorizado o relatório pericial da consulta técnica científica do Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013 que, com o devido respeito, merece outra avaliação e impondo decisão diversa da recorrida, pois que de forma absolutamente clara e isenta refere a inexistência de requisitos que determinassem a realização de uma cesarina;
XVII- Quanto aos factos KK) e LL) dados como provados, “tout court” pelo Meritíssimo Juiz a quo, ao Recorrente apraz dizer que a prova dos mesmos deveria ter levado em linha de conta o documento constante fls. 721 dos autos – Relatório de Exame – DPSM – Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental, Registo Diário de 16/09/2014, no qual é referido «Sofreu depressão pós-parto devido a dificuldades no parto. Relação conjugal foi-se deteriorando por falta de amor da doente pelo marido. “Sentia apenas amizade por ele (sic). Pediu o divórcio há 4 anos, mal-aceite pelo marido o qual esteve muito tempo ainda confiante num regresso.»;
XVIII- E, bem assim, também o relatório do IML de 11 de março de 2013, página 4, ponto B, último parágrafo: «Foi novamente revista a situação em consulta de cirurgia plástica em 16-09-2008: “pós-operatório de 6 meses que tem correção completa com ausência de dor que lhe permite uma relação normal e completa.”»;
XIX- O douto Tribunal deu como provado, em WW), que mercê da enfermidade e das sequelas de que foi e é vítima, a A. ficou a padecer de uma incapacidade de 19 % por diminuição do nível de eficiência pessoal;
XX- Decorre dos autos que a A. foi submetida à realização de perícia de avaliação do dano corporal em direito civil, cujo relatório final, a título de danos permanentes, arbitrou a desvalorização de 2,0 pontos;
XXI- Com efeito, e de outra forma não podia ter sido, pois é certo que a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial – artigo 388.º do CC;
XXII- Com vista a assegurar ao tribunal a perceção dos factos suscetíveis de apreensão por qualquer dos sentidos, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas;
XXIII- O Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P. (INMLCF), nos termos da Lei Orgânica, aprovada pelo DL n.º 166/2012, de 31 de julho, respetivos Estatutos, aprovados pela Portaria n.º 19/2013, de 21 de Janeiro, e do seu Regulamento interno, tem por missão assegurar a prestação de serviços periciais médico-legais e forenses, a coordenação científica da atividade no âmbito da medicina legal e de outras ciências forenses, bem como a promoção da formação e da investigação neste domínio, superintendendo e orientando a atividade dos serviços médico-legais e dos profissionais contratados para o exercício de funções periciais;
XXIV- Destarte, cabe-lhe, no exercício das suas atribuições periciais forenses, cooperar com os tribunais, realizando os exames e as perícias de medicina legal e forenses que lhe forem solicitados, nos termos da lei, bem como a prestação de apoio técnico e laboratorial especializado e pareceres técnicos científicos pelo Conselho Médico-Legal;
XXV- Este conjunto de critérios objetivos permite ao juiz, na ausência de conhecimentos científicos equiparáveis ao do perito, formular um juízo sobre o mérito intrínseco e grau de convencimento a atribuir ao laudo pericial;
XXVI- Pelo que, sempre se dirá que no que tange aos critérios de valoração da prova pericial, quer no caso de perícia uniforme quer no caso de perícias contraditórias, os fatores que deverão ser tidos em conta para apreciar a força de convicção dos laudos e a escolha por um em detrimento de outros serão, a qualificação do perito e a maior especialização e prática na matéria objeto da perícia; contacto direto e a imediação temporal no exame que constitui a fonte de prova; a disponibilidade de meios técnicos e equipamentos de análise, assim a coerência, motivação e racionalidade das conclusões;
XXVII- Tendo sido a A. submetida a perícia médico-legal, cujo relatório não foi objeto de reclamação e muito menos requerida a realização de segunda perícia com vista a corrigir ou suprir eventuais inexatidões ou deficiências de avaliação, nem o perito médico foi chamado, quer a pedido da A., quer oficiosamente pelo tribunal, a prestar em audiência de julgamento os esclarecimentos que forem julgados pertinentes;
XXVIII- O presente facto terá que ser impreterivelmente dado como não provado merecendo a respetiva e competente revisão, sem conceder, in extremis, poder-se-ia levar em consideração o depoimento da testemunha J., relatório clínico por este aventado e junto aos autos, o qual justifica a atribuição de incapacidade de 10% de acordo com a TNE;
XXXIX- Mais se deve acrescentar à matéria provada pela sentença recorrida os factos n.º 3 e 4, por aquela erradamente dados como Não Provados, isto é, que “aquando da realização da episiotomia, ainda ocorre laceração, evidencia-se por esse facto consequente, que a episiotomia prévia era e foi indicada” e que “a laceração seria muito maior e mais grave não fora a episiotomia;
XXX- Confrontado com a prova testemunhal e pericial oferecida nos autos, ou seja, pelos depoimentos das testemunhas J., B., J., M., M. e pelo relatório pericial de consulta técnico cientifica ao Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013, a fls. 499 a 501 do SITAF, o qual ao quesito 37.º responde expressamente que a laceração seria muito maior e mais grave não fora a episiotomia, impõe-se a respetiva revisão tal como o pedido;
XXXI- A episiotomia é profilática, visa impedir ou minimizar o risco de ocorrerem lacerações, in casu, pese embora este procedimento a laceração acabou por acontecer, tornando legitimo dizer-se que a probabilidade de ser mais grave é por demais evidente;
XXXII- Demonstra-se claro que, in casu, nos encontramos perante uma situação subsumível ao regime responsabilidade civil extracontratual decorrente de um ato praticado no exercício da função administrativa;
XXXIII- Não obstante da existência de um regime próprio, os pressupostos em que assenta a responsabilização ao abrigo da Lei n.º 67/2007 de 31/12, coincidem com os pressupostos comuns da responsabilidade civil prevista no artigo 483º do Código Civil;
XXXIV- Assim, para que seja imputada responsabilidade ao aqui Recorrente, é necessário que, tenha ocorrido facto voluntário, ilícito e culposo, de que resultaram danos para a Autora, e que do facto praticado e os danos verificados se possa estabelecer o indispensável nexo de causalidade;
XXXV- Ora, a A. imputa ao Recorrente a prática de um ato médico – episiotomia- o qual de per si configura um ato, o ato do qual nasceram todos os males e por via do qual a A. entende haver fundamento para o direito a que se arroga;
XXXVI- Não olvidemos que, a obrigação de prestação de serviços médicos assume a natureza de prestação de meios não a de resultado, porque na prestação de cuidados podem interferir variáveis absolutamente incontroláveis e imprevisíveis, mesmo que empregue toda a diligência, nec plus ultra;
XXXVII- O facto do resultado pretendido com o tratamento prescrito não ser obtido não significa que isso se ficou a dever a falta censurável ou ilícita. E isto porque a obrigação do médico consiste, apenas e tão só, em prestar ao doente os tratamentos exigidos pelo seu estado, com vista a restituir-lhe a saúde ou minorar-lhe os padecimentos, nela não estando incluída a obrigação de garantir o seu êxito;
XXXVIII- A circunstância do resultado desejado não ter sido alcançado não significa que as opções tomadas não tenham sido as devidas ou as mais aconselháveis no momento em que ocorreram tanto mais quanto é certo que, sendo a natureza e a constituição física de cada doente diferente e única, não é possível garantir que a terapêutica que resultou nuns casos resulta em todos os demais. E, porque assim é, não se pode afirmar que o médico errou só porque o doente não reagiu ou reagiu mal ao tratamento ministrado (Vd. A. Henriques Gaspar “A Responsabilidade Civil do Médico”, in Coletânea de Jurisprudência, ano III, 1978, Tomo I, pg. 342.);
XXXIX- À luz dos princípios acabados de expor a análise dos factos permite-nos ter por adquiridas duas certezas, a primeira, a de que não é frequente que uma parturiente que sempre gozou de boa saúde, como a Autora, após um parto considerado normal passe pelos sofrimentos que ela passou, designadamente que em fase de cicatrização venha a formar neuromas nas terminações nervosas dos tecidos; depois, a de que a aparente anormalidade da evolução do estado de saúde da Autora após o parto não garante que a forma como este foi executado tenha decorrido de violações das regras de ordem técnica e científica ou de experiência e prudência comum que deviam ser observadas e que tal determine a responsabilidade civil do Recorrente;
XL- E isto porque, sendo a obrigação desta uma obrigação de meios e não de resultados, a ocorrência daquelas complicações e o facto de a técnica utilizada não ter conduzido ao resultado pretendido não significa que o seu corpo clínico agiu de forma ilícita e culposa. Sendo certo que só uma conduta com violação daquelas regras, isto é, com a prática de atos ilícitos e culposos é suscetível de fundamentar um pedido indemnizatório como o formulado nos autos, o que, desde já se adianta, não sucede in casu;
XLI- Decorre do probatório que a episiotomia foi realizada de acordo com as técnicas médicas habituais, porém, na sequência do parto podem ainda, assim, ocorrer lacerações e em fase cicatricial a formação de neuromas, mesmo nos casos em que não houve a prática de qualquer ato cirúrgico, o que equivale a dizer que não se pode ter como adquirido que tenham decorrido da episiotomia. E daí que, aquela incisão como a sua sutura não possam ser qualificadas como atos ilícitos e culposos suscetíveis de fundar a pretensão indemnizatória da Recorrente;
XLII- As lacerações traduzem-se no rompimento não intencional da pele e outras estruturas dos tecidos moles que, nas mulheres, separam a vagina do ânus. Este tipo de lesões ocorre sobretudo nas mulheres como consequência do parto vaginal que estica o períneo provocando fissuras, acontecendo sem que dela haja previsão ou qualquer indicador prévio, ocorrer com qualquer mulher durante o trabalho de parto, com maior probabilidade, entre outras, de acontecer no primeiro parto vaginal;
XLIII- Ora, está amplamente provado, resulta da saciedade da prova testemunhal e documental que os serviços do Recorrente deram à Autora o tratamento que consideraram mais adequado não se tendo demonstrado que o mesmo não era o mais aconselhável nem o mais apropriado às circunstâncias do caso e, igualmente, não ficou demonstrado que o juízo feito pelos profissionais do Recorrente acerca do procedimento técnico a adotar, foi errado e que este erro se ficou a dever a falta de cuidado, de ponderação ou dos conhecimentos técnicos e científicos que lhes eram exigíveis;
XLIV- Não se provando este elemento fundamental da obrigação de indemnizar, despiciendo se torna toda e qualquer consideração aos demais elementos constitutivos da obrigação de indemnizar;
XLV- Por todo o exposto, devem Vossas Excelências, em abono do princípio legal da liberdade de julgamento consagrado no artigo 607.º do CPC e do princípio constitucional do direito à justiça, apreciar a decisão proferida, à luz de todos os elementos de prova que estão carreados para os Autos, e concluir-se pela revogação da decisão proferida;
XLVI- O presente recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao Recorrente, nos termos do n.º 3 do artigo 635.º do CPC, não se restringindo nas conclusões o objeto do recurso, para efeitos do disposto no n.º 4 do mesmo artigo.
NESTES TERMOS, nos mais e melhores de direito, que V. Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, julgando a ação integralmente improcedente e não provada.

1.9.A apelada contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação.

1.10. No despacho de admissão do recurso, a 1ª Instância pronunciou-se quanto às pretensas nulidades imputadas pelo apelante à sentença sob recurso, concluindo pela improcedência das mesmas, despacho esse que dada a sua relevância aqui se transcreve e que consta do seguinte teor:
“A Recorrente invoca a nulidade da sentença, apresentando como fundamentos:
- a violação do princípio da plenitude da assistência do juiz;
- a contradição entre a prova produzida e os factos dados como provados;
- a inversão do ónus da prova;
As causas de nulidade da sentença estão expressamente previstas no art. 615.º do CPC:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Como sintetizou o STJ em Ac. de 22-01-2019, proc. 19/14.4T8VVD.G1.S1:
Os vícios da nulidade do acórdão correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa a sua autenticidade (falta de assinatura do juiz), ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou ocorra alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).
No que diz respeito à violação do princípio da plenitude da assistência do juiz, incumbe-nos dizer que tal violação não se reconduz às causas de nulidade da sentença previstas no art. 615.º do CPC. Antes, tratar-se-á de uma nulidade processual, a qual consiste na “prática de um ato que a lei não admita,” ou “a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva … quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa” (art. 195.º/1 do CPC).
No presente caso, poder-se-ia considerar que a referida nulidade processual está coberta por decisão judicial (a sentença) e se consubstancia precisamente na prolação desta (v. Miguel Teixeira de Sousa, Blog do IPPC, Jurisprudência 2018 (163), disponível em https://blogippc.blogspot.com/2019/01/jurisprudencia-2018-163.html), pelo que se responderá aqui a este considerando.
O princípio da plenitude da assistência do juiz vem previsto no art. 605.º do CPC:
1 - Se durante a audiência final falecer ou se impossibilitar permanentemente o juiz, repetem-se os atos já praticados; sendo temporária a impossibilidade, interrompe-se a audiência pelo tempo indispensável, a não ser que as circunstâncias aconselhem a repetição dos atos já praticados, o que é decidido sem recurso, mas em despacho fundamentado, pelo juiz substituto.
2 - O juiz substituto continua a intervir, não obstante o regresso ao serviço do juiz efetivo.
3 - O juiz que for transferido, promovido ou aposentado conclui o julgamento, exceto se a aposentação tiver por fundamento a incapacidade física, moral ou profissional para o exercício do cargo ou se for preferível a repetição dos atos já praticados em julgamento.
4 - Nos casos de transferência ou promoção, o juiz elabora também a sentença.
Como explica Lebre de Freitas, este princípio “é um corolário dos princípios da oralidade e da apreciação da prova: para a formação da livre convicção do julgador, este terá que ser o mesmo ao longo de todos os atos de instrução e discussão da causa realizados em audiência” (v. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. II, 3.ª ed., p. 694).
A respeito deste princípio, mas tendo em vista a realidade do processo tributário, o Ac. do STA n.º 3/2019 esclareceu que este princípio não é um princípio absoluto.
Assim enquadrados, diga-se que o legislador entendeu criar equipas de recuperação de pendências no seio da jurisdição administrativa e fiscal, conforme decorre do Decreto-Lei n.º 81/2018 de 15 de outubro, atribuindo-lhes a competência para “a tramitação dos processos pendentes de decisão final, ainda que tenham sido realizadas diligências de prova, e que tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2012.”
A intenção do legislador, expressa não só no elemento literal, mas também no elemento teleológico de agilização dos processos antigos, foi precisamente atribuir estes processos a outros juízes.
No âmbito da recuperação de pendências, este processo do juiz que presidiu à produção de prova transitou para o acervo da recuperação e foi atribuído a um juiz da equipa (em conformidade com o Decreto-Lei n.º 81/2018 de 15-10). Posteriormente, em razão da colocação de juízes em regime de estágio junto de formadores colocados nas equipas de recuperação de pendências, veio o processo a ser atribuído ao juiz que proferiu a sentença (Provimento 1/2020 e art. 71.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro) e ao agora juiz titular (Provimento 5/2020 e o mencionado art. 71.º)
Por isso não foi a sentença final, aqui recorrida, elaborada pelo Mmo. Juiz que presidiu à produção de prova, o que se encontra legitimado ao abrigo das disposições legais aplicáveis.
Quanto à alegada contradição entre a matéria de facto dada como provada e a prova produzida, esta não se traduz efetivamente numa oposição entre os fundamentos e a decisão, mas, tão somente, na discordância da Recorrente quanto às conclusões probatórias que o Tribunal extraiu dos meios de prova.
Tal vem expressamente reconhecido pela Recorrente quando, no ponto B.v., diz que “é notório a existência de erro de julgamento quando o Tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova que o alicerce”. Esta prossegue no ponto B.vii., dizendo que “sempre se dirá que pese embora o contexto da livre convicção, o Meritíssimo Juiz a quo errou, de forma flagrante, no julgamento da matéria de facto em função das provas produzidas”.
Apesar de esta ter enquadrado este ponto no âmbito das nulidades da sentença, verifica-se que esta subsume a sua invocação a erro de julgamento.
Caso se considere que não é esse o sentido a atribuir à alegação da Recorrente, sempre se diga que é pacífico na doutrina e na jurisprudência que a nulidade de sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão é uma contradição lógica entre as premissas e a conclusão por elas reclamada (Ac. STJ de 30-05-2015, proc. 660/1999.P1.S1, Ac. STJ de 22-01-2019, proc. 19/14.4T8VVD.G1.S1).
No caso em apreço, como se disse já, não existe a exigida contradição lógica entre conclusão e premissas, mas apenas uma discordância quanto ao resultado probatório vertido na sentença.
Relativamente à inversão do ónus da prova, a Recorrente defende que “mal caminhou o Meritíssimo Juiz a quo a subverter … o princípio … actor incubit probatio” (ponto C.x.), concluindo que “foi feita contraprova bastante e suficiente que permitisse o aniquilamento da «prova prima facie», suscitando sérias dúvidas sobre a realidade da aparência construída pela Autora, não se deixe entrar pela janela o que não entra pela porta” (C.xiv.).
A Recorrente não invoca nenhuma norma processual, mas um princípio de direito probatório material, previsto no art. 342.º do CC (v. José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, 4.ª ed., 2013, p. 250-253), cuja violação, verificando-se, se traduz não numa decisão incompreensível, mas apenas e tão somente numa decisão assente em pressupostos factuais errados (erro de julgamento).
Assim, é nosso entender que a decisão recorrida não padece das nulidades invocadas pela Recorrente”.
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1.11. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou sobre o mérito do recurso.

1.12. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.

Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se ao seguinte:
a- se na sentença sob sindicância ocorreu violação do princípio da plenitude da assistência do juiz, em virtude do magistrado judicial que presidiu à audiência final não ter sido o que proferiu a sentença recorrida, isto apesar desta ter sido proferida já na vigência do CPC na redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, contendo o julgamento da matéria de facto e de direito e, no caso positivo, quais as consequências jurídicas decorrentes da violação desse princípio;
b- se a dita sentença padece de erro quanto ao julgamento da matéria de facto nela realizado pela 1ª instância em relação à facticidade julgada provada nas alíneas O, Q, V, W, Y, JJ, KK, LL e WW e a nela julgada não provada sob os pontos 3º e 4º, e se uma vez revisitada e reponderada a prova produzida se impõe concluir pela não prova da facticidade julgada provada nas alíneas V, W, Y, JJ e WW; e pela prova da facticidade julgada não provada nos pontos 3º e 4º.
A propósito da impugnação do julgamento da matéria de facto operado pela apelante coloca-se a questão prévia de se saber se esta cumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto enunciados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, no que respeita à impugnação do julgamento da matéria de facto que opera quanto à facticidade julgada provada nas alíneas O, Q, KK e LL e, no caso de incumprimento desses ónus, quais as consequências jurídicas daí decorrentes para a sorte do presente recurso;
c- se a sentença recorrida ao julgar parcialmente procedente a pretensão indemnizatória deduzida pela apelada padece de erro de direito por nela a 1ª Instância ter fundado o direito indemnizatório que reconheceu àquela na ausência de consentimento informado prestada pela última quanto aos atos médicos que lhe foram prestados, quando a apelada não alicerçou a sua pretensão indemnizatória nos presentes autos nesse concreto fundamento (causa de pedir); e por não se encontrar apurada facticidade que permita concluir pela verificação, no caso, dos requisitos da ilicitude e da culpa, porquanto a apelada não logrou fazer prova em como tivesse ocorrido da parte dos médicos que a assistiram qualquer violação da legis artis em relação aos serviços médicos que lhe foram prestados, assistindo-se, na sentença recorrida, a uma ilegal inversão do ónus da prova quanto a tais requisitos.

Precise-se que contrariamente ao que se escreve no despacho de admissão do recurso, em que se lê que “A Recorrente invoca a nulidade da sentença, apresentando como fundamentos: a) a violação do princípio da plenitude da assistência do juiz; b) a contradição entre a prova produzida e os factos dados como provados; e c) a inversão do ónus da prova”, do objeto do presente recurso não faz efetivamente parte a questão da apreciação da nulidade da sentença com base nesses fundamentos. Com efeito, lidas e relidas as alegações de recurso, não vislumbramos que nelas, em sede de conclusões, sequer na antecedente motivação do recurso, o apelante tivesse arguido qualquer causa de nulidade da sentença, nomeadamente, com base nos enunciados fundamentos.

É certo que o apelante argui, nas conclusões de recurso, expressamente que na sentença recorrida ocorre violação do princípio da plenitude da assistência do juiz, pelo que é indiscutível que se trata de questão que faz parte do thema decidendum colocado pelo apelante a esta Relação e, como tal, incumbe-lhe apreciar, sob pena de incorrer em nulidade do presente acórdão, por omissão de pronuncia (arts. 615º, n.º 1, al. d) e 666º, n.º 1 do CPC).
No entanto, quer nas conclusões, quer nas antecedentes motivações de recurso, o apelante exime-se em identificar qual a concreta consequência jurídica que extrai da pretensa violação do enunciado princípio, não qualificando, portanto, essa violação como causa determinativa de nulidade da sentença sob sindicância, sequer como nulidade processual, sequer ainda como erro de direito, pelo que caberá ao tribunal ad quem, verificar se ocorre ou não a invocada violação do mencionado princípio da plenitude do juiz e, uma vez que conclua pela positiva, extrair as consequências jurídicas decorrentes dessa violação.
Também é certo que nas alegações de recurso o apelante expressamente invoca ocorrer contradição entre a prova produzida e os factos julgados provados e não provados na sentença, bem como a existência de uma “contradição insanável, inultrapassável, ainda que com recurso ao contexto da decisão no seu todo ou às regras da experiência comum, quando se deram como provados e não provados factos que se encontram em manifesta oposição com a prova testemunhal e documental carreada para os autos, que culminou com a condenação do Recorrente” (cfr. Alínea B da fundamentação de recurso, que tem por epígrafe “Da contradição entre a prova produzida e os factos dados como provados e que naquela encontram motivação” – fls. 867 verso a 868), mas salvo o devido respeito por opinião contrária, o apelante nunca enquadra os apontados vícios como causas determinativas de nulidade da sentença recorrida, mas antes (e bem) como erros de julgamento da matéria de facto, conforme de resto se extrai do ponto V das alegações de recurso, em que escreve “In casu, é notório a ocorrência de “erro de julgamento” quando o Tribunal dá como “provado” certo facto relativamente ao qual não foi feita prova que o alicerce, pelo contrário, a prova produzida evidencia clara contradição com o facto assente”; e ainda, ponto VII, em que se lê: “Isto posto, face à decisão sub judice e considerando a prova concretamente elencada na mesma, da audição do registo áudio e confrontação com a prova testemunhal, sempre se dirá que pese embora o contexto da livre convicção, o Meritíssimo Juiz a quo errou, de forma flagrante, no julgamento da matéria de facto em função das provas produzidas, inviabilizando deste modo um juízo de mérito” (sublinhado nosso).

Também é certo que nas alegações de recurso o apelante acusa a 1ª Instância de ter incorrido na “inversão do ónus da prova” (fá-lo na alínea C, que tem por epígrafe “Da Inversão do Ónus da Prova” – cfr. fls. 868 verso e 869), ao sustentar que é sobre a apelada (demandante) que impende o ónus da prova de facticidade de que resulte ter ocorrido falta de diligência do médico nos serviços médicos que lhe prestou, advindo dessa prova a verificação do requisito de “ilicitude” e “só após ser feita essa prova, funciona a presunção de culpa”, e sustenta que, nos caso dos autos, não se quedaram provados factos que permita concluir pela verificação do requisito da culpa, sendo, nesse contexto que aquele acusa o tribunal a quo de ter incorrido numa inadmissível inversão do ónus da prova.

No entanto, mais uma vez, o apelante não qualifica esse pretenso vício como causa determinativa da nulidade da sentença, mas antes, a nosso ver corretamente, como erro de direito, conforme aliás, resulta dos pontos X e XI (fls. 869 dos autos), da motivação do recurso, em que expressamente escreve: “Com efeito e com o devido respeito que muito é, mal caminhou o Meritíssimo Juiz a quo ao subverter, em todo e por completo, o princípio que a esta matéria subjaz, cujo atropelo não se consente, actor incumbit probatio. Por mera cautela de patrocínio e não olvidando, no que concerne à matéria em discussão, os vários entendimentos Doutrinais sobre a conjetura de uma presunção de «nexo de causalidade», em que opera a presunção de culpa fundada na prova prima facie (…)” (sublinhado nosso).

Precise-se que dizemos que o apelante enquadrou corretamente os apontados vícios que assaca à sentença recorrida, respetivamente, como erro de julgamento da matéria de facto e erro de direito (e não como causas determinativas da nulidade da sentença), porquanto, como é sabido, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade, a saber: a) por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC Ac. STA. de 09/07/2014, Proc.00858/14, in base de dados da DGSI..

Por sua vez, as causas determinativas de nulidade das decisões judiciais (aqui se incluindo as sentenças – n.º 1 do art. 615º -, os despachos – n.º 3 do art. 613º - e os acórdãos – n.º 1 do art. 666º do CPC) encontram-se taxativamente enunciadas no art. 615º, n.º 1, e reportam-se a vícios formais da sentença em si mesma considerada, decorrente de na sua elaboração e/ou estruturação não terem sido respeitadas as normas processuais que regulam essa sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão nela proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao último conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém – omissão de pronúncia – ou indo além da causa de pedir e/ou do pedido – respetivamente, excesso de pronúncia ou condenação ultra petitum ou em objeto diverso do pedido), tratando-se, portanto, de defeitos de atividade ou de construção da própria decisão judicial em si mesma considerada, ou seja, reafirma-se, está-se na presença de vícios formais que afetam essa decisão de per se ou os limites à sombra dos quais é proferida.

Neste sentido escreve Abílio Neto que os vícios determinativos de nulidade da decisão judicial “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia) ” Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734..

Diferentemente dos vícios determinativos da nulidade da sentença são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com vícios quanto ao julgamento da matéria de facto e/ou quanto ao julgamento de direito nela realizados, decorrentes de, respetivamente, o juiz, na sentença, ter incorrido numa distorção da realidade factual julgada provada e/ou não provada, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do realizado pelo tribunal a quo (error facti) e/ou por ter incorrido em erro na aplicação do direito, em virtude de ter identificado erroneamente as normas e institutos jurídicos aplicáveis ao caso, ter procedido a uma errónea interpretação dessas normas e/ou por ter procedido a uma errónea aplicação das mesmas aos factos que se quedaram provados e não provados no caso concreto (error juris).

Nos erros de julgamento assiste-se assim, ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente identificação das normas legais aplicáveis ao caso concreto e/ou na interpretação desses normas e/ou na aplicação das mesmas aos factos, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença em si mesma considerada ou aos limites à sombra dos quais é proferida, não a inquinam de invalidade, mas sim de error in judicando, atacáveis em via de recurso Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI., onde os erros de julgamento da matéria de facto carecem de solucionados pelo tribunal ad quem, mediante recurso ao poderes de substituição ou de cassação que lhe assistem, e que se encontram elencados no art. 662º, n.ºs 1 e 2, e os erros de direito carecem de ser corrigidos pelo tribunal ad quem mediante a aplicação da solução jurídica que se lhe prefigure ser a correta.

Deste modo, como bem ponderou o apelante, caso seja certo que a prova produzida não consinta o julgamento da matéria de facto que foi realizado na sentença sob sindicância – a por ele denominada “contradição entre a prova produzida e os factos dados como provados e que naquela encontram motivação” –, está-se perante um caso de erro de julgamento da matéria de facto (error facti), a ser solucionado pelo tribunal ad quem mediante recurso aos poderes previstos no art. 662º, n.ºs 1 e 2, isto naturalmente, tratando-se de facticidade sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, contanto que sejam cumpridos pelo apelante os ónus impugnatórios desse julgamento de facto previstos no art. 640º, n.º s 1 e 2, al. a).

Por outro lado, se ocorrer a por si denominada “inversão do ónus da prova” por parte da 1ª Instância, está-se perante um inequívoco erro de julgamento de direito (error juris), a ser solucionado pelo tribunal ad quem, mediante a avocação dos preceitos legais corretos que se impõe aplicar ao caso concreto, a correta interpretação desses mesmos preceitos legais e a correta aplicação dos mesmos aos factos se quedaram provados e não provados nos autos.

Logo, contrariamente àquela que é a posição expandida pela 1ª Instância no despacho de admissão de recurso, o apelante não imputou qualquer nulidade à sentença sob sindicância, pelo que, salvaguardada a questão da invocada violação do princípio da plenitude da assistência do juiz, que conforme bem ponderou a 1ª Instância, não configura qualquer causa determinativa de nulidade da sentença sob sindicância do tipo elencado no n.º 1 do art. 615º do CPC, mas antes, a verificar-se, consubstanciará nulidade processual secundária, a questão da pretensa nulidade da sentença não faz parte do thema decidendum submetido pelo apelante ao presente TCAN.

Os pretensos erros de julgamento da matéria de facto e de direito que o apelante assaca à sentença recorrida, terão e serão apreciados por este tribunal na sede própria, isto é, em sede de apreciação da impugnação do julgamento da matéria de facto operado pelo apelante, enquanto os erros de direito terão de ser apreciados em sede de apreciação dos erros de direito que o mesmo assaca à subsunção jurídica operada pela 1ª Instância na sentença sob sindicância.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
B. DE FACTO

3.1.Com interesse para a apreciação da causa, o Tribunal a quo julgou provada a seguinte facticidade:

«A) A Autora, no dia 13 de abril de 2005, pelas 03 horas da manhã, deu entrada no serviço de obstetrícia do Réu, com o diagnóstico de trabalho de parto e com uma gravidez de termo (cf. matéria assente);
B) À Autora, na enfermaria, foram-lhe ministradas duas injeções para provocar o parto (cf. matéria assente);
C) A Autora começou a sentir fortes dores nas costas e barriga (cf. matéria assente);
D) A Autora fez episiotomia prévia, verificando-se, também, laceração perineal do 2.º grau (cf. matéria assente);
E) A referida laceração foi corrigida pela obstetra de serviço (cf. matéria assente);
F) Conforme relatório médico do Hospital de (...), da consulta da dor pélvica crónica, datado de 15/09/08, a Autora apresentou dispareunia marcada como consequência de trabalho de parto com episiotomia e laceração perineal (cf. matéria assente);
G) No relatório de especialidade de cirurgia plástica do hospital de (...), datado de 16 de junho de 2008 refere expressamente que à Autora foi proposta a realização de uma cirurgia a qual foi realizada em 08 de fevereiro de 2008, consta que: é de facto encontrada uma área de fragilizada dos tecidos que apresenta uma zona de dor intensa e áreas de dor dispersa que se caracterizam como a sua área de neuroma e microneuromas. Esta sintomatologia é compatível com as queixas de dispareunia e de dificuldade na defeção (cf. matéria assente);
H) A Autora, após o parto, pediu para ser consultada pelo serviço de Ginecologia do Réu (cf. matéria assente);
I) A Autora foi atendida no serviço de ginecologia do Réu pela Dr.ª I., Médica obstetra (cf. matéria assente);
J) A Autora, conforme relatório médico do Hospital de (...), EPE, fez bloqueios seriados de ponto gatilho e infiltração com toxina botulínica, sem efeito, tendo-lhe sido proposta intervenção cirúrgica para correção pélvica desta situação (cf. matéria assente);
K) Segundo consta no processo clínico da consulta externa de cirurgia plástica e reconstrutiva, a D. C., foi observada nesta consulta a pedido da consulta da Dor. Este pedido de colaboração deve-se ao facto de a doente apresentar dor na região vulvoperineal, que segundo relata provém do pós-parto, onde terá havido laceração perineal. É de facto encontrada uma área de fragilização dos tecidos que apresenta uma zona de dor intensa que se caracterizam como a sua área de neuroma e microneuromas. Esta sintomatologia é compatível com as queixas de dispareunia e dificuldade de defeção. Foi proposta cirurgia exploratória da área cicatricial, sendo exposta a área do pretenso neuroma que parece encontrar-se no “entrapment” cicatricial e que foi transposto para região com menor traumatismo, mais profundamente e lateralmente. Foi efetuada vulvovaginectomia com reconstrução dos vários planos vulvovaginorectais. A doente cicatrizou bem, sem complicações cirúrgicas, tendo obtida redução das queixas que neste momento se limitam no terço mais externo, e que são mais suportáveis (cf. matéria assente);
L) A presente ação foi instaurada no dia 15 de janeiro de 2009 (cf. matéria assente);
M) O internamento da Autora decorreu até 15 de abril de 2005 (cf. matéria assente);
N) Cerca das 8 horas da manhã, a Autora dirigiu-se pelo seu próprio pé para a sala de partos (cf. matéria assente);
O) A Autora foi assistida no trabalho de parto pelas enfermeiras – parteiras T. e F. (cf. matéria assente);
P) A Autora chamou o enfermeiro que estava de serviço, dando-lhe conta das fortes dores que sentia nas costas e na barriga (cf. declarações da Autora, declarações de A., M. e M., relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF);
Q) A ginecologista que assistiu a Autora durante o trabalho de parto apenas a observou entre as 7/8 horas da manhã, momento em que a Autora tinha 5 dedos de dilatação (cf. declarações da Autora e declarações de A., relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF);
R) No percurso para a sala de partos a Autora deixou espalhado pelo chão sangue (cf. declarações da Autora e depoimento de C. e I., J., Dr.ª A., J., M., M., relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF);
S) À Autora foi perguntado se queria epidural (cf. declarações da Autora, depoimento de M., M. e M.);
T) A Autora respondeu que sim (cf. declarações da Autora, depoimento de M., M. e M.);
U) À Autora não aplicaram epidural (cf. declarações da Autora, depoimento de M., M. e M., relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF);
V) A Autora viu uma enfermeira a debruçar-se sobre a sua barriga, tendo sentido o bebé a sair mas, de imediato, o mesmo voltou a entrar (cf. declarações da Autora, depoimento de M. e M., relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, notícia de nascimento a fls. 262 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF);
W) A Autora sentiu que lhe puxaram o bebé com as mãos, tendo ouvido, depois de o mesmo ter nascido, às 9h43m da manhã, do citado dia 13 de abril de 2005, a médica que havia entrado de turno dizer: “não sei como é que vou coser isto”, “a pele desfaz-se” (cf. declarações da Autora, depoimento de A., M. e M., relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, notícia de nascimento a fls. 262 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF);
X) Nesse mesmo dia, quando visitada pelos seus familiares referido hospital, todos ficaram aterrorizados pelo facto de a Autora estar muito inchada (cf. declarações da Autora, de C. e I., A., M. M., J., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...) de 07 de fevereiro de 2008, a fls. 204 do SITAF, e relato cirúrgico do Hospital de (...), de 08 de fevereiro de 2008, a fls. 210 do SITAF, relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, notícia de nascimento a fls. 262 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF, nota de alta do Hospital P., a fls. 313 do SITAF);
Y) A laceração perineal de II grau sofrida pela Autora foi consequência da conduta das ginecologistas - obstetras que assistiram ao trabalho de realização do parto (cf. declarações da Autora, depoimento de J., M., M., M., M., B. e M., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...) de 07 de fevereiro de 2008, a fls. 204 do SITAF, e relato cirúrgico do Hospital de (...), de 08 de fevereiro de 2008, a fls. 210 do SITAF, relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF, nota de alta do Hospital P., a fls. 313 do SITAF, relatório pericial de consulta técnico científica ao Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013, a fls. 486 a 491 do SITAF, consulta técnica científica do Conselho Médico Legal, de 20 de novembro de 2019, a fls. 1133 a 1138 do SITAF, relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF);
Z) A laceração perineal sofrida pela Autora foi corrigida pela Obstetra de serviço de acordo com a técnica habitual (cf. depoimento de J. e M., relato cirúrgico do Hospital de (...), de 08 de fevereiro de 2008, a fls. 210 do SITAF, relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF, relatório pericial de consulta técnico científica ao Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013, a fls. 486 a 491 do SITAF, consulta técnica científica do Conselho Médico Legal, de 20 de novembro de 2019, a fls. 1133 a 1138 do SITAF, relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF).
AA) A Autora passou a padecer de dor na região vulvoperineal (cf. declarações da Autora, depoimento de C., M., M. e J., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF, relato cirúrgico do Hospital de (...), de 08 de fevereiro de 2008, a fls. 210 do SITAF, relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF, relatório pericial da especialidade de ginecologia do Hospital de (...), de 17 de janeiro de 2012, a fls. 417 a 420 do SITAF, relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 440 a 452 do SITAF, relatório pericial de consulta técnico científica ao Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013, a fls. 499 a 501 do SITAF, relatório pericial de psiquiatria do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 16 de dezembro de 2019, a fls. 1141 a 1145 do SITAF, consulta técnica científica do Conselho Médico Legal, de 20 de novembro de 2019, a fls. 1133 a 1138 do SITAF, relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF);
BB) A Autora, durante cerca de 3 meses, não conseguia conter as fezes (cf. declarações da Autora, depoimento de C., de M. e I., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF, relato cirúrgico do Hospital de (...), de 08 de fevereiro de 2008, a fls. 210 do SITAF, relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF, relatório pericial da especialidade de ginecologia do Hospital de (...), de 17 de janeiro de 2012, a fls. 417 a 420 do SITAF, relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 440 a 452 do SITAF, relatório pericial de consulta técnico científica ao Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013, a fls. 499 a 501 do SITAF, consulta técnica científica do Conselho Médico Legal, de 20 de novembro de 2019, a fls. 1133 a 1138 do SITAF, relatório pericial de psiquiatria do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 16 de dezembro de 2019, a fls. 1141 a 1145 do SITAF, relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF);
CC) Cerca de 2 meses após o parto, a Autora fez um papanicolau por indicação do seu médico de família, tendo, como consequência do mesmo, ficando cheia de sangue (cf. declarações da Autora e depoimento de C., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF, relato cirúrgico do Hospital de (...), de 08 de fevereiro de 2008, a fls. 210 do SITAF);
DD) A Autora não podia ter relações sexuais em virtude das dores fortíssimas que sentia sempre que o tentou fazer (cf. declarações da Autora, depoimentos de C., M., M., M., J. e J., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF, relatório pericial da especialidade de ginecologia do Hospital de (...), de 17 de janeiro de 2012, a fls. 417 a 420 do SITAF, relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 440 a 452 do SITAF, relatório pericial de consulta técnico científica ao Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013, a fls. 499 a 501 do SITAF, consulta técnica científica do Conselho Médico Legal, de 20 de novembro de 2019, a fls. 1133 a 1138 do SITAF, relatório pericial de psiquiatria do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 16 de dezembro de 2019, a fls. 1141 a 1145 do SITAF, relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF);
EE) A Autora pediu para ser consultada pelo serviço de ginecologia cerca de 6 meses após o parto (cf. declarações da Autora e depoimento de C., de I. e M., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF, registos clínicos do Hospital de (...), a fls. 176 a 237 do SITAF, história clínica do Hospital de (...) de 07 de fevereiro de 2008, a fls. 204 do SITAF, e relato cirúrgico do Hospital de (...), de 08 de fevereiro de 2008, a fls. 210 do SITAF, relatório médico de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF);
FF) A Autora foi consultada e avaliada pela médica Dr.ª I. no dia 29 de junho de 2006, cerca de um ano depois do parto (cf. declarações da Autora e depoimento de C. , de I., M., e J., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF e registos clínicos do Hospital de (...), a fls. 176 a 237 do SITAF);
GG) A Dr.ª I., médica - obstetra, após ouvir as queixas da Autora e ainda antes de a observar, disse-lhe que tudo se resolvia com um pequeno corte (cf. declarações da Autora e depoimento de C., de I., M., e J., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF e registos clínicos do Hospital de (...), a fls. 176 a 237 do SITAF);
HH) Depois da Dr.ª I. observar a Autora disse-lhe que não linha solução para lhe dar (cf. declarações da Autora e depoimento de C., de I., M., e J., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF e registos clínicos do Hospital de (...), a fls. 176 a 237 do SITAF);
II) Passados cerca de 2 meses a Dr.ª I. na indicou Autora que se dirigisse ao Hospital de (...), entregando-lhe uma carta dirigida a uma médica de nome M. (cf. declarações da Autora e depoimento de C., de I., M., e J., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF e registos clínicos do Hospital de (...), a fls. 176 a 237 do SITAF);
JJ) À Autora poderia ter sido aplicada outra técnica cirúrgica, nomeadamente a cesariana (cf. declarações da Autora e depoimento de I., J., M., M., M. e M., relatório pericial de psiquiatria do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 16 de dezembro de 2019, a fls. 1141 a 1145 do SITAF, consulta técnica científica do Conselho Médico Legal, de 20 de novembro de 2019, a fls. 1133 a 1138 do SITAF, relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF);
KK) Por não conseguir manter um relacionamento sexual normal, foi Autora muitas vezes confrontada com a desconfiança por parte do marido acerca da sua fidelidade (cf. declarações da Autora, M. e J., parecer psiquiátrico de 12 de julho de 2007 e relatório de avaliação psicológica de 25 de junho de 2007, de fls. 35 a 39 do SITAF, certidão de ata de conferência de processo de divórcio por mútuo consentimento, certidão de registo civil, e acordo sobre a prestação de alimentos, casa de morada de família e exercício de responsabilidades parentais, a fls. 111 a 136 do SITAF, história clínica do Hospital de (...) de 07 de fevereiro de 2008, a fls. 204 do SITAF, relatório preliminar pericial da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 21 de novembro de 2011, a fls. 326 a 334 do SITAF, relatório da perícia médico legal de psiquiatria forense do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 349 a 360 do SITAF, relatório pericial da especialidade de ginecologia do Hospital de (...), de 17 de janeiro de 2012, a fls. 417 a 420 do SITAF, relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 440 a 452 do SITAF, relatório da perícia médico legal de psiquiatria forense do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 349 a 360 do SITAF, relatório pericial de psiquiatria do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 16 de dezembro de 2019, a fls. 1141 a 1145 do SITAF, consulta técnica científica do Conselho Médico Legal, de 20 de novembro de 2019, a fls. 1133 a 1138 do SITAF, relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF);
LL) A Autora e o marido tiveram sérias e constantes discussões tendo mesmo o seu casamento sido posto em causa (cf. declarações da Autora, M. e J., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF, parecer psiquiátrico de 12 de julho de 2007 e relatório de avaliação psicológica de 25 de junho de 2007, de fls. 35 a 39 do SITAF, certidão de ata de conferência de processo de divórcio por mútuo consentimento, certidão de registo civil, e acordo sobre a prestação de alimentos, casa de morada de família e exercício de responsabilidades parentais, a fls. 111 a 136 do SITAF, história clínica do Hospital de (...) de 07 de fevereiro de 2008, a fls. 204 do SITAF, relatório da perícia médico legal de psiquiatria forense do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 349 a 360 do SITAF);
MM) A Autora sentiu vergonha (cf. declarações da Autora, M. e J., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF, parecer psiquiátrico de 12 de julho de 2007 e relatório de avaliação psicológica de 25 de junho de 2007, de fls. 35 a 39 do SITAF, história clínica do Hospital de (...) de 07 de fevereiro de 2008, a fls. 204 do SITAF, relatório da perícia médico legal de psiquiatria forense do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 349 a 360 do SITAF);
NN) A Autora ficou impossibilitada de tratar o seu filho recém-nascido como devia e desejaria, tendo chegado ao extremo de o rejeitar (cf. declarações da Autora, depoimento de C. e J. e parecer psiquiátrico de 12 de julho de 2007 e relatório de avaliação psicológica de 25 de junho de 2007, de fls. 35 a 39 do SITAF, certidão de ata de conferência de processo de divórcio por mútuo consentimento, certidão de registo civil, e acordo sobre a prestação de alimentos, casa de morada de família e exercício de responsabilidades parentais, a fls. 111 a 136 do SITAF, relatório pericial de psiquiatria do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 16 de dezembro de 2019, a fls. 1141 a 1145 do SITAF e relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF);
OO) A Autora esteve sujeita a dores fortíssimas e constantes, sempre com sintomas de mau estar durante o período decorrente entre a data do parto, 13 de abril de 2005, até à altura em que passou para o serviço da Dor do Hospital de (...), no dia 26 de julho de 2006, não sabia o que tinha (cf. declaração da Autora, depoimentos de C., de M., J., relatório de nascimento do Serviço de Ginecologia /obstetrícia do Centro Hospitalar (...), de 25 de janeiro de 2008, a fls. 20 do SITAF, relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF, história clínica do Hospital de (...) de 07 de fevereiro de 2008, a fls. 204 do SITAF, relato cirúrgico do Hospital de (...), de 08 de fevereiro de 2008, a fls. 210 do SITAF, relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF, nota de alta do Hospital P., a fls. 313 do SITAF, relatório preliminar pericial da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 21 de novembro de 2011, a fls. 326 a 334 do SITAF, relatório da perícia médico legal de psiquiatria forense do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 349 a 360 do SITAF, relatório pericial da especialidade de ginecologia do Hospital de (...), de 17 de janeiro de 2012, a fls. 417 a 420 do SITAF, relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 440 a 452 do SITAF, relatório pericial de consulta técnico científica ao Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013, a fls. 499 a 501 do SITAF, relatório pericial de psiquiatria do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 16 de dezembro de 2019, a fls. 1141 a 1145 do SITAF, consulta técnica científica do Conselho Médico Legal, de 20 de novembro de 2019, a fls. 1133 a 1138 do SITAF, relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF);
PP) Foi-lhe sempre dito, pelos médicos que anteriormente a assistiram, que era psicológico (cf. declarações da Autora, M. e J. e J.);
QQ) A Autora sentiu angústia (cf. declaração da Autora, depoimentos de C. e J., relatório de nascimento do Serviço de Ginecologia /obstetrícia do Centro Hospitalar (...), de 25 de janeiro de 2008, a fls. 20 do SITAF, relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF, história clínica do Hospital de (...) de 07 de fevereiro de 2008, a fls. 204 do SITAF, relato cirúrgico do Hospital de (...), de 08 de fevereiro de 2008, a fls. 210 do SITAF, relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF, nota de alta do Hospital P., a fls. 313 do SITAF, relatório preliminar pericial da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 21 de novembro de 2011, a fls. 326 a 334 do SITAF, relatório da perícia médico legal de psiquiatria forense do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 349 a 360 do SITAF, relatório pericial da especialidade de ginecologia do Hospital de (...), de 17 de janeiro de 2012, a fls. 417 a 420 do SITAF, relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 440 a 452 do SITAF, relatório pericial de consulta técnico científica ao Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013, a fls. 499 a 501 do SITAF, relatório pericial de psiquiatria do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 16 de dezembro de 2019, a fls. 1141 a 1145 do SITAF, consulta técnica científica do Conselho Médico Legal, de 20 de novembro de 2019, a fls. 1133 a 1138 do SITAF, relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF);
RR) Os tratamentos realizados pela Autora são extremamente dolorosos (cf. declarações da Autora, e depoimento de M., J., J., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF, registos clínicos do Hospital de (...), a fls. 176 a 237 do SITAF, história clínica do Hospital de (...) de 07 de fevereiro de 2008, a fls. 204 do SITAF, relatório pericial da especialidade de ginecologia do Hospital de (...), de 17 de janeiro de 2012, a fls. 417 a 420 do SITAF, relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 440 a 452 do SITAF, relatório pericial de consulta técnico científica ao Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013, a fls. 499 a 501 do SITAF, consulta técnica científica do Conselho Médico Legal, de 20 de novembro de 2019, a fls. 1133 a 1138 do SITAF, relatório pericial do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 16 de dezembro de 2019, a fls. 1141 a 1145 do SITAF, relatório pericial do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF);
SS) A cirurgia foi efetuada com a necessidade de recurso a anestesia geral (cf. depoimento de J., registos clínicos do Hospital de (...), a fls. 176 a 237 do SITAF, mormente história clínica do Hospital de (...) de 07 de fevereiro de 2008, a fls. 204 do SITAF, e relato cirúrgico do Hospital de (...), de 08 de fevereiro de 2008, a fls. 210 do SITAF).
TT) De toda a situação resultaram graves sequelas para a Autora do foro psicológico e psiquiátrico como documentam os relatórios médicos, nomeadamente:
a) Dores fortíssimas nas relações sexuais;
b) Perda da libido;
c) Humor depressivo;
d) Baixa autoestima;
e) Enfraquecimento das defesas psicológicas:
f) Ansiedade marcada;
g) Angústia;
h) Irritabilidade;
i) Isolamento interpessoal;
j) Anedonia;
l) Ideação suicida;
m) Inadequação pessoal;
n) Dificuldade em iniciar e manter os relacionamentos interpessoais;
o) Presença de expectativas negativas relativas aos mesmos;
p) Acentuada sensibilidade interpessoal;
q) Desconforto localizado na musculatura:
r) Cefaleias;
s) Sentimentos de desmoralização;
t) Sentimentos de inutilidade e incapacidade para encarar o dia-a-dia de forma intimista e agradável;
u) Repressão, confusão mental, afeto inapropriado e humor disfórico;
v) Stress situacional (cf. declarações da Autora, depoimento de C., de J., parecer psiquiátrico de 12 de julho de 2007 e relatório de avaliação psicológica de 25 de junho de 2007, de fls. 35 a 39 do SITAF, relatório da perícia médico legal de psiquiatria forense do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 349 a 360 do SITAF, registos clínicos da especialidade de psiquiatria do Centro Hospitalar (...), a fls. 938 a 971 e 972 a 1004 do SITAF, e relatório médico de 25 de janeiro de 2008, a fls. 20 do SITAF, relatório médico de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica, datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF, parecer psiquiátrico de 12 de julho de 2007 e relatório de avaliação psicológica de 25 de junho de 2007, de fls. 35 a 39 do SITAF, relatório da perícia médico legal de psiquiatria forense do INML, a fls. 349 a 360 do SITAF, relatório completo de episódio de urgência e relatório médico, a fls. 588 a 594 do SITAF, atestado médico de incapacidade multiuso, datado de 02 de fevereiro de 2015 e relatório de avaliação psicológica datado de 17 de dezembro de 2014, a fls. 640 a 646 do SITAF, e registos clínicos da especialidade de psiquiatria do Centro Hospitalar (...), a fls. 938 a 971 e 972 a 1004 do SITAF, relatório pericial de 16 de dezembro de 2019, a fls. 1141 a 1145 do SITAF, e relatório pericial de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF);
UU) A Autora chegou a rejeitar o filho até aos nove meses de idade do mesmo (cf. declarações da Autora, depoimento de C., J., parecer psiquiátrico de 12 de julho de 2007 e relatório de avaliação psicológica de 25 de junho de 2007, de fls. 35 a 39 do SITAF, certidão de ata de conferência de processo de divórcio por mútuo consentimento, certidão de registo civil, e acordo sobre a prestação de alimentos, casa de morada de família e exercício de responsabilidades parentais, a fls. 111 a 136 do SITAF, relatório da perícia médico legal de psiquiatria forense do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 349 a 360 do SITAF, relatório pericial de psiquiatria do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 16 de dezembro de 2019, a fls. 1141 a 1145 do SITAF);
VV) A Autora desejou que o seu filho não tivesse nascido, tendo-o culpado por diversas vezes do estado em que se encontrava (cf. declarações da Autora, depoimento de C., J., parecer psiquiátrico de 12 de julho de 2007 e relatório de avaliação psicológica de 25 de junho de 2007, de fls. 35 a 39 do SITAF, relatório da perícia médico legal de psiquiatria forense do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 349 a 360 do SITAF, relatório pericial de psiquiatria do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 16 de dezembro de 2019, a fls. 1141 a 1145 do SITAF);
WW) Tais sequelas são causa para a Autora de uma incapacidade de 19% (diminuição do nível de eficiência pessoal) (cf. declarações da Autora, depoimento de C., de J., psiquiatra, e parecer psiquiátrico de 12 de julho de 2007, a fls. 34 a 38 do SITAF, relatório da perícia médico legal de psiquiatria forense do INML, a fls. 349 a 360 do SITAF, relatório completo de episódio de urgência e relatório médico, a fls. 588 a 594 do SITAF e atestado médico de incapacidade multiuso, datado de 02 de fevereiro de 2015, relatório de avaliação psicológica datado de 17 de dezembro de 2014, a fls. 640 a 646 do SITAF, e registos clínicos da especialidade de psiquiatria do Centro Hospitalar (...), a fls. 938 a 971 e 972 a 1004 do SITAF, relatório pericial de psiquiatria do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 16 de dezembro de 2019, a fls. 1141 a 1145 do SITAF, relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF);
XX) O bebé nasceu com 3.350 gramas e APGAR 9 ao 1.º minuto e 10 ao 5.º minuto de vida (cf. relatório médico de 25 de janeiro de 2008, a fls. 20 do SITAF, relatório médico de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, notícia de nascimento a fls. 262 do SITAF, depoimento de J. e A.);
YY) O parto ocorreu pelas 9:43h, com sucesso (cf. depoimento de J. e A., relatório de nascimento do Serviço de Ginecologia /obstetrícia do Centro Hospitalar (...), de 25 de janeiro de 2008, a fls. 20 do SITAF, relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, notícia de nascimento a fls. 262 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF, nota de alta do Hospital P., a fls. 313 do SITAF e relatório pericial ao registo cardiotocográfico, a fls. 1058 a 1064 do SITAF);
ZZ) Tendo saído a placenta cerca das 10h00 (cf. depoimento de J. e A., relatório de nascimento do Serviço de Ginecologia /obstetrícia do Centro Hospitalar (...), de 25 de janeiro de 2008, a fls. 20 do SITAF, relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF);
AAA) Após o que se iniciou a sutura, a qual foi executada em cerca de 15-20 minutos, pela médica Dr.ª A. (cf. depoimento de A. e J., relatório de nascimento do Serviço de Ginecologia /obstetrícia do Centro Hospitalar (...), de 25 de janeiro de 2008, a fls. 20 do SITAF, relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF);
BBB) Foi ministrado à Autora paracetamol, de acordo com os registos, cerca das 10h30 (cf. depoimento de A. e J., relatório de nascimento do Serviço de Ginecologia /obstetrícia do Centro Hospitalar (...), de 25 de janeiro de 2008, a fls. 20 do SITAF, relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF);
CCC) O que revela ter já terminado a realização da sutura (cf. declarações da Autora e depoimento de A. e J., relatório de nascimento do Serviço de Ginecologia /obstetrícia do Centro Hospitalar (...), de 25 de janeiro de 2008, a fls. 20 do SITAF, relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF);
DDD) Antes da alta clínica, foi a Autora avaliada pelos médicos Dr. J. e Dr.ª C., os quais confirmaram a boa fase de cicatrização da sutura (cf. depoimento de J. e relatório de nascimento do Serviço de Ginecologia /obstetrícia do Centro Hospitalar (...), de 25 de janeiro de 2008, a fls. 20 do SITAF, relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF);
EEE) A Autora, como se apurou mais tarde, desenvolveu neuromas nos tecidos da área suturada, os quais constituem pequenos tumores benignos das terminações nervosas (cf. depoimentos de J., I. e M., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF, registos clínicos do Hospital de (...), a fls. 176 a 237 do SITAF, história clínica do Hospital de (...) de 07 de fevereiro de 2008, a fls. 204 do SITAF, relato cirúrgico do Hospital de (...), de 08 de fevereiro de 2008, a fls. 210 do SITAF, relatório preliminar pericial da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 21 de novembro de 2011, a fls. 326 a 334 do SITAF, relatório pericial da especialidade de ginecologia do Hospital de (...), de 17 de janeiro de 2012, a fls. 417 a 420 do SITAF, relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 440 a 452 do SITAF, relatório pericial de consulta técnico científica ao Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013, a fls. 499 a 501 do SITAF, consulta técnica científica do Conselho Médico Legal, de 20 de novembro de 2019, a fls. 1133 a 1138 do SITAF, relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF);
FFF) Patologias que são consequência dos traumatismos do parto e são muito dolorosas (declarações da Autora, e depoimento de C., de J., I., M. e M., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF, relatório preliminar pericial da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 21 de novembro de 2011, a fls. 326 a 334 do SITAF, relatório pericial da especialidade de ginecologia do Hospital de (...), de 17 de janeiro de 2012, a fls. 417 a 420 do SITAF, relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 440 a 452 do SITAF, relatório pericial de consulta técnico científica ao Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013, a fls. 499 a 501 do SITAF, consulta técnica científica do Conselho Médico Legal, de 20 de novembro de 2019, a fls. 1133 a 1138 do SITAF, relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF);
GGG) Quando a Dr.ª I. observou a Autora a 29 de junho de 2006 esta não apresentava qualquer laceração (cf. declarações da Autora e depoimento de C., de I., A., M., e J., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF, relatório de nascimento do Serviço de Ginecologia /obstetrícia do Centro Hospitalar (...), de 25 de janeiro de 2008, a fls. 20 do SITAF, relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF);
HHH) A laceração sofrida pela Autora não poderá ter qualquer relação com a sutura de 13 de abril de 2005 (cf. depoimento de J., M. e de A., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF, registos clínicos do Hospital de (...), a fls. 176 a 237 do SITAF, história clínica do Hospital de (...) de 07 de fevereiro de 2008, a fls. 204 do SITAF, relato cirúrgico do Hospital de (...), de 08 de fevereiro de 2008, a fls. 210 do SITAF, relatório preliminar pericial da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 21 de novembro de 2011, a fls. 326 a 334 do SITAF, relatório pericial da especialidade de ginecologia do Hospital de (...), de 17 de janeiro de 2012, a fls. 417 a 420 do SITAF, relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 440 a 452 do SITAF, relatório pericial de consulta técnico científica ao Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013, a fls. 499 a 501 do SITAF, consulta técnica científica do Conselho Médico Legal, de 20 de novembro de 2019, a fls. 1133 a 1138 do SITAF, relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF);
III) A Autora passou a ser seguida pelo serviço da Unidade da Dor do Hospital de (...) no dia 26 de julho de 2006 (cf. declarações da Autora, depoimento de C., I. e M., relatório médico do Hospital de (...), de 15 de setembro de 2008, a fls. 21 do SITAF, história clínica do Hospital de (...), datada de 16 de junho de 2008, a fls. 22 do SITAF, registos clínicos do Hospital de (...), a fls. 176 a 237 do SITAF, história clínica do Hospital de (...) de 07 de fevereiro de 2008, a fls. 204 do SITAF, relato cirúrgico do Hospital de (...), de 08 de fevereiro de 2008, a fls. 210 do SITAF);
JJJ) À data dos factos, a Autora tinha 27 anos de idade (cf. notícia de nascimento a fls. 262 do SITAF);
KKK) O Réu foi citado no dia 19 de janeiro de 2009 (cf. aviso de receção a fls. 46 do SITAF).
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Por sua vez, a 1ª Instância julgou não provada a facticidade que se segue:
1. [No percurso para a sala de partos a Autora deixou espalhado pelo chão sangue] e bocados de placenta (cf. depoimento de I., J., Dr.ª A., J., M., M.);
2. O processo de sutura demorou cerca de 2h30m (cf. depoimento de A., relatório médico do nascimento, do Hospital P., de 03 de maio de 2007, a fls. 261 do SITAF, carta de transferência de enfermagem do Hospital P., a fls. 263 do SITAF, relatório do trabalho de parto do Hospital P., a fls. 266 do SITAF, relatório de período expulsivo do Hospital P., parto e dequitadura, a fls. 267 do SITAF, folha de enfermagem do Hospital P., a fls. 271 do SITAF, nota de alta do Hospital P., a fls. 313 do SITAF);
3. Quando, realizada a episiotomia, ainda ocorre laceração, evidencia-se, por esse facto consequente, que a episiotomia prévia era e foi indicada (cf. J., B. e M., relatório preliminar pericial da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 21 de novembro de 2011, a fls. 326 a 334 do SITAF, relatório pericial da especialidade de ginecologia do Hospital de (...), de 17 de janeiro de 2012, a fls. 417 a 420 do SITAF, relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 440 a 452 do SITAF, relatório pericial de consulta técnico científica ao Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013, a fls. 499 a 501 do SITAF, relatório pericial de consulta técnico científica ao Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013, a fls. 499 a 501 do SITAF, consulta técnica científica do Conselho Médico Legal, de 20 de novembro de 2019, a fls. 1133 a 1138 do SITAF, relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF);
4. A laceração seria muito maior e mais grave não fora a episiotomia (cf. J., B. e M., relatório preliminar da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 21 de novembro de 2011, a fls. 326 a 334 do SITAF, relatório pericial da especialidade de ginecologia do Hospital de (...), de 17 de janeiro de 2012, a fls. 417 a 420 do SITAF, relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 440 a 452 do SITAF, relatório pericial de consulta técnico científica ao Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013, a fls. 499 a 501 do SITAF, relatório pericial de consulta técnico científica ao Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013, a fls. 499 a 501 do SITAF, consulta técnica científica do Conselho Médico Legal, de 20 de novembro de 2019, a fls. 1133 a 1138 do SITAF, relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF);
5. A prática da episiotomia é corrente nos Serviços de Ginecologia e Obstetrícia do Centro Hospitalar, conforme indicação da ciência médica (cf. B., I., M., , relatório preliminar da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 21 de novembro de 2011, a fls. 326 a 334 do SITAF, relatório pericial da especialidade de ginecologia do Hospital de (...), de 17 de janeiro de 2012, a fls. 417 a 420 do SITAF, relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível do INML, de 13 de fevereiro de 2012, a fls. 440 a 452 do SITAF, relatório pericial de consulta técnico científica ao Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013, a fls. 499 a 501 do SITAF, relatório pericial de consulta técnico científica ao Conselho Médico Legal, de 24 de julho de 2013, a fls. 499 a 501 do SITAF, consulta técnica científica do Conselho Médico Legal, de 20 de novembro de 2019, a fls. 1133 a 1138 do SITAF, relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF)
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III.B. DE DIREITO
b.1- Violação do princípio da plenitude da assistência do juiz.

A presente ação deu entrada em juízo em 15/01/2009 (cfr. fls. 44), altura em que estava em vigor o Código de Processo Civil (CPC) anterior à revisão operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, em que a sentença não continha a decisão sobre a matéria de facto.

Com efeito, na versão do CPC aprovado pelo DL. n.º 329-A/95, de 12/12, na redação que vigorava à data da instauração da presente ação, a audiência de julgamento cindia-se em duas fases distintas, isto é, a fase respeitante ao julgamento da matéria de facto e a fase do julgamento respeitante à matéria de direito.

Previa-se que realizada as atividades de produção da prova, encerrada a discussão, o tribunal proferia a decisão sobre a matéria de facto, declarando os factos que julgava provados e quais os que julgava não provados, e fundamentando esse seu julgamento da matéria de facto, e feita a leitura dessa decisão, às partes assistia o direito a reclamarem por deficiência, obscuridade ou contradição da decisão sobre o julgamento da matéria de facto ou contra a falta da sua motivação. Seguia-se decisão sobre a reclamação ou reclamações que fossem eventualmente apresentadas, ficando, com essa decisão que incidia sobre as eventuais reclamações que tivessem sido apresentadas, encerrada a fase da audiência quanto ao julgamento da matéria de facto (art. 651º e 652º, n.ºs 1 a 4 do CPC de 1995).

Abria-se então a fase do julgamento da matéria de direito, em que as partes alegavam por escrito quanto ao aspeto jurídico da causa ou, caso nisso acordassem, faziam essa discussão oralmente, situação em que, caso a fase do julgamento da matéria de facto tivesse decorrido perante tribunal coletivo, essa discussão oral do aspeto jurídico da causa decorria perante o juiz a quem coubesse lavrar a sentença, a qual versava apenas sobre o julgamento da matéria de direito (arts. 653º, n.º 3, 657º e 659º do CPC de 1995).

O princípio da plenitude da assistência dos juízes, também denominado princípio da identidade do julgador, que então tinha consagração no art. 654º, n.º 1 do CPC, e que no atual e desde 01/09/2013 vigente CPC, fruto da revisão operada pela Lei n.º 41/2012, de 26/06, tem consagração no seu art. 605º, significa que só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os atos de instrução e discussão praticados em audiência final Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 1987, Lex, pág. 335, isto porque a convicção judicial, como ato complexo que é, forma-se na dinâmica da audiência, com a intervenção presente e ativa do juiz. A formação da livre convicção do julgador exige que ocorra identidade deste ao longo de todos os atos de instrução e discussão da causa, como corolário dos princípios da oralidade, da imediação e da livre convicção do julgador, posto que só assim se salvaguarda uma sã e plena formação da livre convicção judicial.

O princípio da plenitude da assistência do juiz é, assim, um corolário dos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e como tal, a observância desse princípio coloca-se apenas ao nível do julgamento da matéria de facto.

A consagração desse princípio tem subjacente a consideração de que ainda que o registo da prova, supra, em alguma medida, a falta de presença física do juiz no ato da sua produção, a convicção judicial forma-se na dinâmica da audiência, com a presença física e ativa do juiz, pelo que qualquer convicção que se forme fora desse condicionalismo será defeituosa José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, 3ª ed., Almedina, págs. 694 e 695., configurando a violação de tal princípio uma nulidade processual secundária, face à suscetibilidade de a regularidade cometida poder influir no exame ou na decisão da causa Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, 2015, Almedina, pág. 337..

Face à cisão que se verificava, à data da instauração da presente ação, entre julgamento da matéria de facto e julgamento da matéria de direito, em que a sentença se cingia a este último julgamento (o de direito), compreendia-se que respeitando o princípio da plenitude da assistência dos juízes ao julgamento da matéria de facto, nenhum óbice processual ou de princípio existia a que a sentença fosse proferida por juiz distinto daquele que interveio no julgamento da matéria de facto, uma vez que, na sentença, reafirma-se, o juiz se limitava a fazer o enquadramento jurídico dos factos julgados provados e não provados na anterior fase do julgamento em que foi produzida a prova constituenda quanto aos factos em julgamento, conhecendo, na sentença, o juiz apenas de direito.

Acontece que na sequência da revisão operada ao CPC, pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, entrada em vigor em 01 de setembro de 2013 (art. 8º da mencionada Lei), a sentença passou a conter tanto o julgamento sobre a matéria de facto como o julgamento de direito (art. 607º do atual CPC), compreende-se que, na sequência dessa revisão, não existindo já a cisão que anteriormente se verificava entre julgamento da matéria de facto e de direito, sendo antes ambos incorporados na sentença, por força do princípio da plenitude da assistência do juiz, o julgador que preside à audiência final e que, por isso, assiste à atividade de produção da prova, tenha de ser, em princípio, aquele que tem de elaborar a sentença.

Acontece que o enunciado princípio não é absoluto, comportando exceções, conforme decorre do próprio teor do art. 605º do atual vigente CPC, o qual não é avesso à possibilidade de a sentença ser proferida pelo juiz substituto em caso de aposentação do juiz ou quando ocorra o falecimento ou a impossibilidade permanente deste José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 695.
.

Acresce que o princípio da plenitude da assistência do juiz não consubstancia um direito fundamental, constitucionalmente tutelado, a não ser por via indireta, em sede de tutela do direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (art. 20º da CRP).

A constitucionalização do direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, a par de uma dimensão material, em que se garante o acesso de todos à via judiciária, enquanto reconhecimento de um direito subjetivo de levar as suas pretensões ao conhecimento de um órgão jurisdicional, enquanto órgão independente e imparcial, comporta uma dimensão organizacional, procedimental e processual, que evidentemente pode ser colocada em crise quando o princípio da plenitude da assistência do juiz seja comprimido de forma injustificada, desadequada ou desproporcional, de modo a colocar em crise a ideia de um processo equitativo.

Note-se, porém, que nesta vertente organizacional, procedimental e processual, a exigência de um processo equitativo que é reclamada pelo n.º 4 do art. 20º da CRP exige, antes de mais, “que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialética que elas protagonizam no processo” postulando, por isso, “a efetividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas”, mas também que o processo esteja estruturado em termos tais que permita, “num prazo razoável, a descoberta da verdade material e uma decisão da causa ponderada” Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, tomo I, 2ª ed., Wolters Kluwer e Coimbra Editora, págs. 423, 433 e 441., dispondo o legislador ordinário de uma ampla margem de liberdade na conformação do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva com vista à salvaguarda das diversas dimensões em que se desdobra esse direito fundamental, de modo a proceder à concordância prática de todas essas dimensões, quando conflituantes, de modo a que todas elas possam ter a máxima aplicação prática, estando nessa tarefa o legislador ordinário submetido aos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

Conforme sublinha o Tribunal Constitucional, “a Constituição não impõe um determinado modelo concreto do processo, reconhecendo ao legislador uma liberdade constitutiva muita ampla na concretização do princípio do contraditório e da proibição de indefesa (Ac. n.º 222/90). E, na sua concretização, contanto que se observem os limites às leis restritivas, o legislador pode, inclusivamente, em determinadas situações, introduzir limitações em sentido amplo ao contraditório ou diferir o seu exercício. (…). Deixando as particularidades do processo penal, o legislador ordinário dispõe de uma ampla margem de liberdade, mesmo em relação à configuração do regime de citação, na construção das soluções que adota (Ac. n.º 353/08). Em particular, a prossecução dos princípios da celeridade processual e da estabilidade, segurança e paz jurídicas, constitucionalmente protegidos, legitima a adoção de mecanismos que obstem a que os processos fiquem indefinidamente parados à espera de que os intervenientes processuais sejam localizados (Ac. n.º 104/06)” Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit., págs. 445 a 447..

Resulta do que se vem dizendo que para além do direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva não ter uma tutela constitucional absoluta, mas antes é a própria CRP que admite a compressão desse direito fundamental sempre que seja necessária a salvaguarda de outros direitos fundamentais constitucionalmente tutelados que com aquele sejam conflituantes, impondo que, nesses casos, o legislador ordinário (e o intérprete) procedam à compressão de todos esses direitos fundamentais conflituantes, de modo a garantir a máxima aplicação prática possível de todos eles (princípio da concordância prática), estando nessa compressão o legislador e o intérprete da lei submetido aos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, com o único limite que a compressão não poderá nunca eliminar o núcleo essencial ou fundamental de nenhum dos direitos fundamentais em confronto, o próprio direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva comporta várias dimensões, que quando conflituantes impõem iguais restrições, de modo que todas as dimensões em que subdivide esse direito fundamental possam ter a máxima aplicação prática possível, devendo o legislador ordinária, assim como o intérprete, nas restrições a operar a cada uma dessas dimensões seguir os princípios da necessidade, adequação e da proporcionalidade e ter presente o limite irredutível que nenhuma restrição que venha a efetuar a cada uma dessas dimensões podem envolver a eliminação do núcleo essencial ou fundamental de cada uma dessas várias dimensões.

Nesta linha de pensamento, o princípio da plenitude da assistência do juiz não tem, sequer pode ter, uma dimensão absoluta, mas há-se sofrer restrições em homenagem às várias dimensões em que se subdivide o direito fundamental de acesso ao direito, na dimensão de tutela jurisdicional efetiva.

Nessa dimensão, o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva comporta em si a ideia que o processo tem de ser equitativo, o que pressupõe que este tem de se encontrar estruturado e funcionalizado de modo a permitir a obtenção de decisões materialmente justas, em detrimento de decisões de forma, mas também que essas decisões materialmente justas têm de ser obtidas pelas partes (pleiteantes) em tempo razoável.

Neste sentido pronuncia-se o STA, no seu acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 3/19, publicado no DR. N.º 199/2019, Série I, de 16/10/2019, em que uniformizou a seguinte jurisprudência: “O princípio da plenitude da assistência dos juízes, corolário dos princípios da oralidade e da imediação na apreciação da prova, não é um princípio absoluto. Com a alteração ao CPC introduzida pela Lei n.º 41/13, de 26/06, este princípio passou a aplicar-se também à fase da audiência final, pois que o julgamento da matéria de facto passou a conter-se nesta. Esta alteração, embora aplicável aos processos pendentes, não tem eficácia retroativa, por isso não influencia o julgamento em sede de impugnação judicial se, como no caso dos autos, a inquirição de testemunhas ocorreu antes de 2013 e antes da entrada em vigor daquela alteração ao CPC. Tendo a recolha da prova em sede tributária sido efetuada antes da referida alteração da lei processual civil é admissível, ponderadas as circunstâncias do caso concreto, que o juiz que elaborou a sentença não seja o mesmo que procedeu à inquirição de testemunhas, não ocorrendo, como tal, nulidade que possa influir no exame ou na decisão da causa”.

Expende-se no mencionado aresto que “O novo CPC, enquanto compêndio normativo processual que é, sendo aplicável às ações pendentes desde logo por força do art. 5º, n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26/06, não possui eficácia retroativa (vide art. 12º, n.º 1 do CC). E daí que as alterações introduzidas que determinaram que o princípio da plenitude da assistência aos juízes passou a vigorar/valer também para a fase da sentença apenas são de considerar no processo comum, naquelas situações em que tanto a fixação da matéria de facto resultante da prova oferecida, com a prolação da sentença ocorreram já no âmbito do novo CPC (…) o facto do DL n.º 81/2018, publicado em 15/10, referenciar a data de 31 de dezembro de 2012 para autorizar a intervenção dos juízes que integram as equipas criadas pelo diploma, para prolatarem, as sentenças em processos pendentes, entradas até àquela data, independentemente do magistrado que recolheu a prova testemunhal, o que resulta da expressão “ainda que tenham sido realizadas diligências de prova”, só pode ter o significado de que, em processo tributário se pretendeu valorar a celeridade e a certeza da decisão judicial mesmo que com algum sacrifício ou compressão do dito princípio da plenitude, na sua pureza e conceito inicial/geral” (…). “Ocorrem casos excecionais (…) em que se deve ponderar o manifesto prejuízo para a tutela jurisdicional efetiva sempre que se verifiquem situações de manifesta demora na solução judicial do pleito, que a solução propugnada pelos recorrentes agravaria, sem dissonância com a evolução legislativa recente que determinam a criação das supra referidas equipas extraordinárias de recuperação de pendências, demora esta que (…) tem preocupado o próprio Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, com a expressão nas suas deliberações acerca da gestão das pendências processuais, designadamente a mais recente supra referida”.

Flui do que se vem dizendo, que à semelhança do que acontece com os próprios direitos fundamentais constitucionalmente tutelados, o princípio da plenitude da assistência do juiz não tem tutela constitucional (indireta) absoluta, mas admite que o legislador ordinário introduza restrições/limitações a esse princípio que se mostrem necessárias, adequadas e proporcionais à salvaguarda das outras várias dimensões em que se desdobra o direito fundamental de acesso ao direito, na sua dimensão de tutela jurisdicional efetiva, à qual é imanente a ideia de um processo equitativo, o que reclama não só que o processo se encontre estruturado e organizado de modo a garantir a obtenção de decisões materialmente justas, mas também que essas decisões sejam obtidas em tempo razoável.

Como tal, é a própria Constituição que impõe ao legislador que adote soluções processuais que garantam a concretização prática e máxima de todas as dimensões em que aquele direito fundamental se desdobra sempre que elas entrem em conflito.

É o caso da solução legislativa verdadeiramente extraordinária consagrada pelo legislador ordinário para os Tribunais Administrativos e Fiscais no DL. n.º 81/2018, de 15/10, na qual criou equipas de magistrados judiciais que têm por missão proceder à recuperação de pendências nessa jurisdição, e à implementação de outras medidas acessórias de caráter extraordinário.

Mediante esse diploma, o legislador ordinário criou as denominadas “equipas de recuperação de pendências”, entre as quais a Equipa de Recuperação de Pendências da Zona Norte, com competência para os processos pendentes nos tribunais administrativos e fiscais de Braga, Mirandela, Penafiel e Porto (art. 2º, al. c) do DL 81/2018), em cujo art. 3º, n.º 1 atribuiu competência a essas equipas para tramitar os processos pendentes de decisão final, ainda que tenham sido realizadas diligencias de prova, e que tenham entrado em juízo até 31/12/2012 (sublinhado nosso).

Como se lê no Preâmbulo desse diploma, o propósito do legislador foi pôr termo aos reflexos negativos que decorrem da “morosidade no funcionamento dos tribunais administrativos e fiscais, que obsta à realização plena da justiça e tem também um impacto significativo na vida dos cidadãos e das empresas, afetando de forma determinante a competitividade da economia”.

Isto é, com vista a salvaguardar o direito das partes a obterem uma decisão judicial em tempo razoável, direito esse que, como referido, é uma das várias dimensões em que se desdobra o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, o legislador, em relação à jurisdição administrativa e fiscal, quanto a processos que deram entrada em juízo até 31/12/2012 e em relação aos quais não tivesse sido ainda proferida decisão final, procedeu à compressão do princípio da plenitude da assistência do juiz, atribuindo excecionalmente a competência jurisdicional para tramitar esses processos aos magistrados judiciais que integram as equipas especiais de recuperação que criou, ainda que as diligências instrutórias já tivessem sido realizadas no âmbito desses processos por magistrado distinto.

Dir-se-á que atenta a justificação avocado pelo legislador ordinário para proceder à compressão excecional do princípio da plenitude da assistência do juiz, não se vislumbra que essa medida legislativa de caráter verdadeiramente extraordinário e excecional se mostre desnecessária, desadequada e/ou desproporcional face ao efetivo elevado de pendências existentes na Jurisdição Administrativa e Fiscal que aguardavam decisão final, o que muito contribui para o desprestígio do sistema da justiça em geral, mas da Administrativa e Fiscal em particular, com graves prejuízos que esses atrasos demandam para as partes e para a economia em geral.

Com efeito, uma justiça a desatempo já não é Justiça e é contrário à ideia de um processo equitativo que é imanente ao direito fundamental consagrado no art. 20º da CRP, não tendo, por isso, nessa compressão, o legislador ordinário incorrido em qualquer inconstitucionalidade material.


De resto, a propósito da questão que vimos tratando existe jurisprudência consolidada no sentido de que, na Jurisdição Administrativa e Fiscal, quanto a processos entrados em juízo até 31/12/2012, existe uma compressão legal do princípio da plenitude decorrente do DL n.º 81/2018, de 15/10, pelo que a não coincidência entre o juiz que preside à produção da prova e aquele que profere a sentença, não constitui causa invalidante da sentença Acs. RC. de 18/03/2014, Proc. 371/11.9TBLRA.C1; TCAS de 10/12/2012, Proc. 311/01.8BTSLB; TCAN de 28/02/2020, Proc. 00047/09.1BEPNF, in base de dados da DGSI..

Revertendo ao caso dos autos, como referido, a presente ação deu entrada em juízo em 15/10/2012, altura em que vigorava o CPC de 1995, em que se assistia à já enunciada cisão entre julgamento da matéria de facto, em relação ao qual vigora o princípio da plenitude da assistência do juiz, e julgamento de direito (sentença).

Em 01 de setembro de 2013, entrou em vigor a Lei n.º 41/2013, de 26/06, que reviu o CPC, pondo termo a essa cisão, passando a sentença a englobar o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito.

Nos autos, a audiência final iniciou-se em 26/02/2015 (cfr. fls. 491 dos autos) e, portanto, já no âmbito da atual versão do CPC.

Essa audiência foi encerrada em 14/07/2016 (cfr. fls. 801) e encontrava-se, desde então, há cerca de quatro anos, por referência a 06/07/2020, data em que acabou por ser prolatada a sentença recorrida (cfr. fls. 864), a aguardar a prolação dessa sentença.

A sentença foi proferida, conforme dá nota o Senhor Juiz do tribunal a quo, a fls. 946 a 948 dos autos, por magistrado judicial que integra as equipas de recuperação de pendências criadas pelo supra identificado DL n.º 81/2018, de 15/10.

O presente processo, dada a data em que entrou em juízo, cai no âmbito objetivo do mencionado diploma.

Deste modo, apesar de a sentença recorrida não ter sido prolatada pelo magistrado judicial que presidiu à instrução da prova constituenda nos presentes autos, a mesma foi proferida no âmbito do DL n.º 81/2018, de 15/10, que procede à compressão excecional, necessária, adequada e proporcional do princípio da plenitude da assistência do juiz em virtude dos atrasos significativos que se verificavam no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal na prolação das decisões finais em tempo útil, atrasos esses que são em si contrários à ideia de um processo equitativa que é imanente ao direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrado no art. 20º da CRP, não decorrendo, por isso, da compressão daquele princípio qualquer irregularidade ou nulidade processual, sendo essa compressão totalmente legal.

Decorre do exposto, improceder o mencionado fundamento de recurso aduzido pelo apelante.

b.2- Impugnação do julgamento da matéria de facto.

O apelante imputa erro ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª instância quanto à facticidade que julgou provada nas alíneas O, Q, V, W, Y, JJ, KK, LL e WW na sentença recorrida e, bem assim quanto à nela julgada não provada nos pontos 3º e 4º.
Como acima se referiu, a propósito da impugnação do julgamento da matéria de facto operado pelo apelante coloca-se a questão prévia de se saber se este cumpriu com os ónus impugnatórios do art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, no que respeita à impugnação do julgamento da matéria de facto que opera em relação à facticidade julgada provada nas alíneas O, Q, KK e LL e, no caso de incumprimento desses ónus, quais as consequências jurídicas daí decorrentes para a sorte do presente recurso.

b.2.1- Ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto em geral

Na sequência das alterações legislativas introduzidas ao CPC pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador introduziu o registo da audiência final, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de julgamento da matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no anterior regime processual era excecional, passou a ser uma função normal da Relação.

Nessa operação foi propósito do legislador que a 2ª Instância realize um novo julgamento em relação à matéria de facto impugnada pelo recorrente, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta expressamente do estabelecido no art.º 662º, n.º 1 do CPC, na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, quando estabelece que a 2.ª Instância deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI..

Deste modo é que perante as regras positivas vigentes na atual lei processual civil, tendo o recurso por objeto a impugnação do julgamento da matéria de facto, o Tribunal de 2.ª Instância deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada pelo recorrente, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como faz o juiz da primeira instância, embora, nessa tarefa, esteja naturalmente limitado pelos princípios da imediação e da oralidade.

Nesse novo julgamento, como verdadeiro tribunal de substituição que é, a 2.ª Instância aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil) e que, por isso, se encontra subtraída ao princípio da livre apreciação da prova do julgador, mas antes se encontra sujeita a prova tarifada, em que o tribunal tem de julgar a matéria de facto de acordo com as regras de direito probatório material aplicáveis ao caso, sem qualquer margem de subjetivismo conferida ao julgador.

Precise-se que quanto ao julgamento da matéria de facto sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, a 2.ª Instância não está condicionada pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido, uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que esta fez dessa mesma prova, podendo na formação dessa sua convicção autónoma, recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI..

No entanto, incumbe precisar que apesar da 2.ª Instância dever efetuar um novo julgamento em relação aos factos sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, não foi propósito do legislador que o julgamento a realizar se transformasse na repetição do antes efetuado pela 1ª Instância, uma vez que conforme se escreve no Preâmbulo do D.L. n.º 329-A/95, de 12/12, a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência”, mas apenas “detetar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento”.

Daí que o legislador tenha rodeado o recurso da impugnação do julgamento da matéria de facto à imposição ao recorrente de determinados ónus que enuncia no art. 640º do CPC, com vista a obstar que o julgamento a realizar pela 2.ª Instância se transforme na repetição do antes efetuado em 1ª Instância e evitar recursos de pendor genérico.

É assim que com vista a atingir esses desideratos, o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª Instância que é, este deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 153., estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.

Depois, tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo do princípio da autorresponsabilidade e dos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, o recorrente indicar não só a matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclama que tivesse sido proferida, os concretos meios de prova que ancoram esse julgamento diverso que postula, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada pelo tribunal a quo.

Dito por outras palavras, “nos termos do n.º 1, da al. b), recai sobre o apelante o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente: cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente” Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 797. .

Na verdade, “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para delimitar o objeto do recurso”, conforme o determina o princípio do dispositivoAntónio Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 228., e como decorrência desse princípio, mas também do contraditório, terá o recorrente de indicar qual a concreta decisão fáctica que se impõe extrair da prova produzida em relação à matéria de facto que impugna, as concretas provas que alicerçam esse julgamento diverso que propugna e as concretas razões pelas quais essa prova em que funda o recurso afasta os fundamentos probatórios invocados pelo tribunal a quo para motivar o julgamento de facto que realizou, mas antes impõe o julgamento de facto propugnado pelo recorrente.

Deste modo é que o art. 640º, n.º 1 do CPC, estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 640º).

Precise-se que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial de delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que impugna.

E é entendimento jurisprudencial maioritário que, nas conclusões, o recorrente tem, também, de indicar a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve ser dada à matéria de facto que impugna.

Já quanto aos demais ónus, os mesmos, porque não têm aquela função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.

Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155., sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d)…; e) o recorrente deixará expressa, na motivação (segundo a posição, que nos prefigura ser ainda atualmente maioritária do STJ, nas conclusões), a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente.

O cumprimento dos referidos ónus, conforme adverte Abrantes Geraldes, tem a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, finalmente, o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações, uma vez que só na medida em que se conhece especificamente o que se encontra impugnado e qual a lógica de raciocínio expandido pelo recorrente na valoração e conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita o recorrido de todos os elementos que lhe permitam contrariar essa impugnação em sede de contra-alegações.

A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos enunciados princípios de autorresponsabilização, de cooperação, lealdade e boa fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159.
Ac. RC, de 11.07.2012, Proc. n.º 781/09, in base de dados da DGSI, onde se lê que este “especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor”, constituindo “simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso”.
No mesmo sentido vide Acs. S.T.J. de 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, todos in base de dados da DGSI..

Como consequência, impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 6411º, n.º 2, al. b) do CPC); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC); c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e e) falta de posição expressa, na motivação (segundo a posição maioritária do STJ, nas conclusões), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação” Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 158 e 159..

Esta posição tem sido a que tem sido seguida, de forma praticamente uniforme, pela jurisprudência do STA e STJ, que, como referido, têm sustentado, de forma, cremos que maioritária, que a decisão que, na perspetiva do apelante, deve ser proferida quanto à concreta matéria de facto que impugna, deve constar, também, das conclusões Acs. do STJ de 26/09/2018, Proc. 141/17.5T8PTM.E1-S1; 05/09/2018, Proc. 15787/15.8T8PRT.P1-S2; 01/03/2018, Proc. 85/14.2TTMAI.P1.S1; de 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1; 06/06/2018, Proc. 1474/16.38CLD.C1.S1; 06/06/2018, Proc. 552/13.5TTVIS.C1.S1; e de 16/05/2018, Proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1, todos in base de dados da DGSI..

b.2.1.1- Ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto em concreto
b.2.1.1.1 – Impugnação da facticidade julgada provada nas alíneas O) e Q – incumprimento dos ónus impugnatórios.

Posto isto, lidas as conclusões de recurso e as antecedentes motivações, é indiscutível que o apelante cumpriu com todos os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade julgada provada nas alíneas V, W, Y, JJ e WW na sentença recorrida, bem como quanto à nela julgada não provada nos pontos 3º e 4º, na medida em que indica, nas conclusões, quais os concretos pontos de facto que impugna, e identifica, uma vezes, nas conclusões, e outras vezes nas motivações (o que de acordo com a corrente do STJ e do STA mais benévola para o apelante, satisfaz o ónus de impugnação primário enunciado na al. c), do n.º 1 do art. 640º do CPC, exigindo-se apenas que o ónus impugnatório da al. a) daquele n.º 1 conste das conclusões, podendo os restantes ónus constar da motivações do recurso) a concreta decisão que, na sua perspetiva deve recair sobre essa facticidade (a julgada provada terá, em função da prova produzida, de ser julgada como não provada; e a dos pontos 3º e 4º dos factos julgados não provados na sentença, terá de ser julgada provada), e indica quais os concretos meios probatórios que, na sua perspetiva, impõem esse julgamento de facto diverso que propugna, e faz uma análise crítica suficiente desses meios de prova por forma a indicar o porquê destes imporem essa decisão diversa que postula.

Finalmente, quanto à prova gravada, o apelante procede à transcrição dos excertos dessa prova em que funda o seu recurso.

Já mais problemático se mostra o cumprimento por parte do apelante dos mencionados ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto em relação à facticidade julgada provada pela 1ª Instância nas alíneas O, Q, KK e LL, que impugna.

Com efeito, lidas e relidas as conclusões de recurso e as antecedentes motivações, o apelante não indica, de forma expressa, qual a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve recair sobre essa matéria que impugna, com o que aparentemente não deu cumprimento ao ónus impugnatório primário previsto na al. c), do n.º 1 do art. 640º do CPC.

No entanto, impõe-se aqui fazer uma distinção entre, por um lado, a matéria de facto julgada provada nas alíneas O e Q e, por outro, em relação à matéria de facto julgada provada nas alíneas KK e LL.

Com efeito, em relação à matéria de facto julgada provada pelo tribunal a quo nas alíneas O e Q, o apelante impugna o julgamento positivo realizado pela 1ª Instância, mas conforme se vê das motivações de recurso de fls. 977 verso a 978 verso e da conclusão X, acusa a 1ª Instância de ter ignorado o depoimento da testemunha A. e o relatório do serviço de urgência de obstetrícia de 13/04/2005, os quais “facilmente permitem concluir que a Autora foi acolhida no serviço de urgência por médico de especialidade, a que se seguiu internamento, local onde foi sempre acompanhada pelo corpo clínico do recorrente”.
Ou seja, o apelante não pretende que se conclua pela não prova da totalidade da facticidade que a 1ª Instância julgou provada nas mencionadas alíneas O e Q, mas, quando muito, pretende que se conclua pela não prova de parte dessa facticidade que a 1ª Instância julgou provada e/ou que se adite a esses factos julgados provados outra facticidade que, na sua perspetiva, também se impunha que fosse julgada provada.

No entanto, o apelante não cuida em concretizar de entre a facticidade julgada provada pela 1ª Instância aquela que eventualmente pretende ver julgada não provada, sequer a que pretende ver aditada aos factos provados, deixando indevidamente essa tarefa para o tribunal.

Acontece que esse procedimento do apelante consubstancia indiscutivelmente recurso genérico, por incumprimento do ónus impugnatório primário previsto na al. c), do n.º 1 do art. 641º do CPC, impondo a rejeição do presente recurso quanto à impugnação do julgamento da matéria de facto em relação às alíneas O e Q.

Já em relação à matéria das alíneas KK e LL, apesar de nas motivações de recurso (fls. 897 verso a 898) e de nas conclusões XVII e XVIII, o apelante não indicar expressamente qual a resposta que, na sua perspetiva, atenta a prova produzida, deve recair sobre essa concreta facticidade que a 1ª Instância julgou provado, é indiscutível que face ao teor dessas motivações e conclusões resulta implícito que o mesmo pretende que toda essa facticidade seja julgada não provada.

Neste sentido aponta-se a circunstância de na motivação do recurso o apelante escrever: “68- Resulta, porém, uma abismal divergência e contradição entre a convicção do tribunal e a prova produzida nos autos, sendo que, em momento algum quer do depoimento da testemunha J., quer da prova documental, se pode extrair tal conclusão, merecendo para o efeito nova apreciação por erro notório na apreciação da prova” (sublinhado nosso).

Assim também o entendeu a apelada nas suas contra-alegações de recurso, onde nos pontos 153º a 158º dessas contra-alegações (cfr. fls. 930 frente e verso) demonstra claramente ter interpretado a alegação do apelante quanto à identificada facticidade julgada provada pela 1ª instância nas enunciadas alíneas KK e LL no sentido de que pretende que se julgue a mesma como não provada.

Porque assim é, assistindo-se recentemente ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a uma atenuação das exigências na apreciação do cumprimento dos ónus de impugnação primários, ao ponto de se sustentar que quando, nas conclusões de recurso, não há uma indicação rigorosa dos pontos de facto especificamente impugnados pelo apelante, deve admitir-se a apreciação do recurso ainda que ali seja omissa, desde que os factos impugnados resultem claramente identificados nas antecedentes alegações Ac. do STJ, de 08.02.2018, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1; de 08.02.2018, Processo n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1; de 06.06.2018, Processo n.º 552/13.5TTVIS.C1.S1, estes in base de dados da DGSI, e ainda Ac. do STJ, de 13.11.2018, Processo nº 3396/14, este ainda inédito., dentro desta linha jurisprudencial e apelando ao critério da proporcionalidade e, bem assim à atual filosofia do CPC, que privilegia a justiça material em detrimento da meramente formal, entendemos que resultando das alegações de recurso apresentadas pelo apelante inequivocamente implícito que este pretende que essa facticidade seja julgada não provada e considerando que assim o entendeu a própria apelada nas suas contra-alegações (pelo que se encontra plenamente salvaguardado o princípio do contraditório quanto a esta concreta facticidade), julgamos estar em condições de podermos concluir que o apelante cumpriu, ainda que de forma assaz deficiente, mas ainda suficiente, os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto quanto à mencionada facticidade das alíneas KK e LL, pelo que nenhum óbice processual se levanta no sentido da reapreciação por este TCAN da sindicância que o apelante faz quanto a essa concreta facticidade.

Não assim quanto à facticidade julgada provada nas alíneas O) e Q), em relação à qual, conforme já demonstrado, o apelante não deu indiscutivelmente cumprimento ao ónus impugnatório primário da al. c), do n.º 1 do art. 640º do CPC.

O incumprimento desse ónus, nos termos do art. 640º, n.º 1, al. c) do CPC, impõe que se tenha de rejeitar o presente recurso quanto a essa impugnação.

Nesta conformidade, por via do incumprimento por parte do apelante do ónus de impugnação primário da al. c), do n.º 1 do art. 640º do CPC, rejeita-se o presente recurso quanto à impugnação da facticidade julgada provada na sentença sob sindicância nas alíneas O) e Q).

b.2.1.1.2 – Impugnação da facticidade julgada provada na alínea V – manobra de Kristeller.

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
“V- A Autora viu uma enfermeira a debruçar-se sobre a sua barriga, tendo sentido o bebé a sair, mas de imediato, o mesmo voltou a entrar”.

O apelante impugna o julgamento de provado feito pela 1ª Instância em relação a esta concreta facticidade, sustentando que perante a prova produzida, nomeadamente aos depoimentos prestados pelas testemunhas M. e M., não podia o tribunal a quo concluir pela respetiva prova, mas antes se impunha que se tivesse concluído pela não prova da mesma e, antecipe-se desde já, com razão.

Precise-se que analisamos toda a prova documental e pericial junta aos autos e procedemos à audição da totalidade da prova pessoal produzida em audiência de julgamento.

Nos registos clínicos juntos aos autos não existe qualquer referência em como a Autora tivesse sido objeto da manobra de Kristeller, manobra esta que de acordo com a totalidade da prova produzida é conhecida há mais de duzentos anos e que consiste em pressionar o ventre /barriga da parturiente para que esta expulse o feto do respetivo interior.

As únicas pessoas que estiverem presentes ao parto foi a própria Autora, que prestou depoimento de parte e, bem assim as testemunhas M., enfermeira especialista em obstetrícia, que na altura se encontrava em estágio, no segundo ano da sua formação na especialidade de obstetrícia, e que apesar de não ter memória deste concreto parto, na sequência da análise que fez dos registos clínicos da Autora, confirmou ter sido ela que fez o parto à Autora, sob a orientação da sua formadora, enfermeira M., bem como a testemunha M., enfermeira especialista em obstetrícia, que confirmou ter estado presente ao parto, efetuado pela sua formanda M., parto esse que orientou.
De resto, ninguém, à exceção da Autora e destas duas testemunhas referiu que a primeira tivesse sido objeto (ou não) da mencionada manobra de Kristeller.

Conforme decorre da fundamentação exarada pela 1ª Instância, esta fundamentou/motivou o julgamento positivo que realizou em relação a esta concreta facticidade no depoimento de parte prestado pela própria Autora em audiência final, que considerou credível e, bem assim na consideração que esta manobra que foi descrita pela Autora corresponde a uma manobra de mais de duzentos anos, que era utilizada, pelo menos, até data recente, nos partos, concluindo, a partir dessa circunstância, que basicamente a Autora na descrição que fez não inventou, mas descreveu uma manobra que era utilizada frequentemente nos partos.

Precise-se que em sede de depoimento de parte, a Autora efetivamente referiu que após a médica obstetra ter saído da sala de partos, ao que diz, chamando-a de “histérica” e de que “eu já não consigo ouvir mais esta histérica. Se continuar a gritar vou tapar-lhe a boca”, deixando-a com as enfermeiras, estas disseram-lhe para que ela continuasse a puxar, mas como não conseguisse, as enfermeiras comunicaram-lhe que “iam tentar com a mão puxar o bebé para baixo. O bebé estava a sair e saltaram-lhe para cima da barriga e o bebé saiu”.

Por sua vez, a testemunha M., que como dito, confirmou ter efetuado o parto à Autora sob orientação da sua formadora, M. (o que também foi confirmado pela testemunha M.), negou que se tivesse debruçado sobre a barriga da Autora, sendo que mal questionada sobre se o fez, logo espontaneamente respondeu: “Isso não se faz”.
Por sua vez, a testemunha M. afirmou não se lembrar deste parto em concreto, mas referiu que “na prática diária não é comum fazer-se esta manobra” e que “ela nunca fez esta manobra”, pelo que daqui cremos ser legítimo concluir que se a manobra de Kristeller não é feita pela formadora, também não é realizada pela formanda, sobretudo na presença da primeira.

Referindo-se as duas testemunhas ao episódio relatado pela Autora, segunda qual a cabeça do bebé terá saído do canal vaginal e, de imediato, recuado, entrando novamente no canal, M. e M. disseram unanimemente que isso é impossível, afirmando que os ossos do crânio, quando saem do canal vaginal encavalitam-se uns encima dos outros e que uma vez fora desse canal é de todo impossível a cabeça recuar novamente para o interior do canal vaginal.

Analisados as enunciadas versões de facto, dir-se-á que é um dado da experiência comum que para ser expelido o feto do interior do canal vaginal, os ossos da caixa craniana deste retraem-se, encavalitando-se e que mal expelido o feto para o exterior, esses ossos retomam automaticamente à sua posição normal, pelo que fisicamente é de todo impossível que tendo a cabeça do feto saído do interior da cavidade vaginal da parturiente possa regressar ao seu interior.

Acresce que dada a posição habitual em que se encontra uma parturiente quando em trabalho de parto, dificilmente aquela terá campo de visão para a zona vaginal para ver o que aí se passa e, consequentemente, poder afirmar que o bebé saiu do canal vaginal, mas, de imediato, voltou a entrar no mesmo.
Logo, dir-se-á que a “sensação” tida pela Autora de que a cabeça do seu bebé saiu do canal vaginal, mas que, de imediato, voltou a entrar nesse canal, não passa disso mesmo, isto é, uma mera “sensação”, sem aderência factual possível, não só porque a Autora não viu essa saída e refluxo, como essa possibilidade contraria as leias da física – a cabeça contrai-se para passar no canal vaginal, e mal expelida deste, regressa à sua forma normal, de modo que é totalmente impossível nele tornar a entrar.

De resto, dir-se-á que quer se adira à corrente jurisprudencial que defende que as declarações e o depoimento de parte, sem valor confessório, mas que antes beneficiam a própria pessoa que as produz, nunca podem servir, de per se, para se julgar como provada essa concreta facticidade favorável ao próprio declarante ou depoente, carecendo esses factos de serem corroborados por outros elementos de prova, quer se adira à corrente que sustenta que as declarações e o depoimento de parte sem valor confessório e benéficas à tese de quem as produz ficam sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, tal como determina o n.º 3 do art. 466º do CPC, pelo que não se pode, de antemão, degradar as declarações e o depoimento de parte sob pena de ilegalidade, não havendo, por isso, qualquer óbice legal a que o juiz dê como provados determinados factos favoráveis aos declarante e ao depoente nas declarações ou no depoimento por ele prestados, toda a doutrina e jurisprudência é unânime no sentido de que essas declarações e depoimento de parte têm de ser vistos com as necessárias reservas, nunca se perdendo de vista que estas são produzidas por quem tem interesse direto no desfecho da causa e que, por isso, há o sério risco de quem as presta faltar à verdade ou perder, ainda que involuntariamente, a objetividade.

Acontece que no caso, diremos que contrariamente ao entendimento da 1ª Instância, tendo procedido, reafirma-se, à audição de toda a prova produzida nas múltiplas sessões em que se desdobrou a audiência final e à análise de toda a ampla prova testemunhal e pericial produzida nos autos, não comungamos da perceção de que o depoimento de parte prestado pela Autora tenha sido objetivo.

Com efeito, tal como resulta do que anteriormente já se enunciou, o depoimento de parte prestado pela Autora carece de objetividade.
Acresce que estamos em posição de afirmar que a Autora, nesse depoimento, faltou inclusivamente à verdade em vários aspetos nucleares e estruturantes para o desfecho da presente causa, designadamente, conforme infra se verá, pretendeu que antes do parto era pessoa cheia de saúde, alegre e com amigos, que nunca tinha tido problemas psicológicos ou emocionais, quando, conforme infra se verá, existe prova objetiva nos autos em como assim não é, incluindo que a mesma tinha inclusivamente, por uma vez, tentado suicidar-se, e quando pretendeu que a causa ou a principal causa do seu divórcio advém das lacerações e das sequelas (dores e impossibilidade de ter relações sexuais com o seu então marido) que para si emergiram do parto objeto dos presentes autos, no que foi desmentida pelo seu próprio marido, que quando questionado, foi perentório e espontâneo em afirmar que as sequelas emergentes para a Autora do parto contribuíram numa “pequena parte” para o divórcio entre aquele e a Autora.

Aqui chegados, diremos que perante as contradições verificadas entre a versão dos factos apresentadas, por um lado, entre a Autora e, por outro, as testemunhas M. e M., a propósito da sujeição da Autora à manobra de Kristeller, a falta de objetividade que a Autora revelou a propósito da pretensa saída da cabeça do seu bebé do canal vaginal e imediato recuo dessa cabeça para o interior desse canal (de todo impossível à luz das regras da física) e as inverdades em que esta incorreu, nomeadamente nos aspetos supra já identificados, que são estruturantes para a sua pretensão indemnizatória, o que a mesma não desconhece, e porque a manobra de Kristeller tem mais de duzentos anos, tendo sido muito utilizada nos partos até data recente, podendo perfeitamente o conhecimento da Autora dessa manobra advir daquilo que ouviu à sua mãe, familiares e conhecidos dizerem sobre os procedimentos a que foram sujeitas quando deram à luz (e não porque a mesma foi efetivamente sujeita a essa manobra), a prova produzida, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não permitia à 1ª Instância concluir pela prova da facticidade julgada provada na alínea V) dos factos provados na sentença sob sindicância, mas antes impunha que concluísse pela não prova dessa concreta facticidade.

Termos em que na improcedência deste fundamento de recurso, determina-se a eliminação do elenco dos factos provados da facticidade da alínea V), a qual transita para os factos não provados.

b.2.1.1.3 – Impugnação da facticidade julgada provada na alínea W.

Na alínea W a 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade: “A Autora sentiu que puxaram os bebés com as mãos, tendo ouvido, depois de o mesmo ter nascido, às 09h43 da manhã, do citado dia 13 de abril, a médica que havia entrado de turno dizer: “não sei como vou coser isto”, “a pele desfaz-se”.

O apelante impugna o julgamento assim realizado pela 1ª Instância, sustentando que a prova produzida não permitia que se concluísse pela prova desta concreta facticidade, mas antes impõe que se conclua pela não prova desta, valendo-se das incongruências do depoimento da Autora e dos depoimentos prestados pelas testemunhas M. e M., que não corroboraram esta matéria.

A este propósito diremos que é um facto que a Autora deu à luz no dia 13 de abril de 2005, às 09h43m, porquanto esse facto é corroborado pelos documentos juntos aos autos, nomeadamente, a fls. 19, 27, 211 e 218, pelo que a prova produzida impõe que se conclua pela prova desta concreta facticidade.

Está em causa a restante facticidade que a 1ª Instância julgou provada.
A Autora em sede de depoimento de parte referiu que uma das enfermeiras lhe meteu a mão no canal vaginal e puxou o bebé para o exterior, sendo assim que deu à luz. Mais referiu que após ter dado à luz, estando cheias de dores, olhou “e viu tudo desfeito e as enfermeiras preocupadas e uma foi chamar a médica porque o intestino podia ter rebentado e ela ter de ir para o bloco operatório”.

Mais pretendeu que apesar dessa conversa da enfermeira para a médica, não a levaram para o bloco operatório, mas antes “as médicas começaram a coser e uma virou-se para a outra e disse: isto podia ter sido evitado se tivéssemos feito uma cesarina, porque isto se desfez tudo, não sei como vou coser isto”.

Acontece que para além do depoimento de parte prestado pela Autora padecer das insuficiências probatórias decorrentes da falta de objetividade e das inverdades já assinaladas (e que infra se concretizarão), verifica-se que a testemunha A., médica ginecologista e obstetra a exercer funções no hospital apelante há 23 anos, apesar de referir não se lembrar da Autora, sequer do específico parto objeto dos presentes autos, após análise dos registos clínicos de fls. 209 a 219, confirmou ter sido ela que efetuou a sutura à Autora (o que é corroborado pelo teor do documento de fls. 218 verso), isto é, não participou, sequer assistiu ao parto propriamente dito, o qual foi “feito pelas parteiras”, mas “foi chamada apenas para fazer a sutura”. Como não se lembra do caso concreto, não pode dizer que na altura tenha afirmado ou não: “não sei como vou fazer isto porque a pele desfaz-se”, o que pode garantir é que não costuma fazer esse tipo de comentários; que a sutura não demorou duas horas, isto porque da análise dos registos clínicos verifica-se a existência de um registo, com letra da sua autoria, em que cerca de meia hora depois do parto receitou à Autora medicamentos para a dor. Pode afirmar que “foi uma sutura simples, para ela foi um parto normal, tanto assim que não tem memória de nada”.

Por sua vez, a testemunha M., que fez o parto à Autora, sob a orientação da sua formadora, M., assim como a própria testemunha M., que corroborou ter assistido e orientado o parto na qualidade de formadora de M., pronunciaram-se no sentido de que o parto da Autora nada de anormal teve em relação à generalidade dos partos, tendo sido um parto rápido, dado que a Autora deu entrada no hospital pelas 3 horas da manhã, entrou na sala da partos e cerca de uma hora depois deu à luz (versão dos factos esta corroborado pelo teor dos registos clínicos de fls. 217 a 218, 223).

Mais referiram que, não obstante a enfermeira M. ter feito episiotomia à Autora, esta última, ainda assim, sofreu dilaceração dos tecidos e, nesses casos, a sutura tem de ser feito pela médica, após o parto chamaram a médica, que fez a sutura, não confirmando qualquer uma destas testemunhas que a médica, isto é, a testemunha A., tivesse feito os comentários supramencionados que lhe são imputados pela Autora.

Neste contexto, em que as testemunhas A., M. e M., únicas que estiveram presentes aos eventos, não corroboram os pretensos comentários que a Autora atribui à testemunha
A., em que os registos clínicos se mostram concordantes que a versão dos factos apresentados por essas três testemunhas, isto é, tratou-se de um parto com “boa evolução, rápido”, em que os registos clínicos nada referem sob qualquer evento anormal que tivesse ocorrido antes, durante e após o parto, em que toda a prova produzida (conforme infra se verá) é concordante no sentido de que apesar da Autora ter sido objeto de episiotomia, ainda assim pode sofrer as lacerações ao nível do esfíncter e da vagina que acabou por sofrer, lacerações essas que não foram provocadas pela episiotomia, que se traduz num pequeno corte reto, que nunca atinge a profundidade onde ocorreram aquelas lacerações sofridas pela Autora, em que se verifica que esta recebeu alta logo no dia 15/04 (fls. 19, 219 verso e 220), aliado à falta de objetividade e às inverdades já enunciadas e que infra se enunciarão em que incorreu a Autora ao longo do depoimento de parte que prestou em audiência final, impede que se conclua pela veracidade dos factos relatados pela Autora em sede de depoimento de parte e que, consequentemente, se conclua pela prova em como o bebé daquela tenha nascido na sequência da enfermeira ter introduzido a mão no canal vaginal da Autora, puxando o bebé para o exterior e, bem assim que a médica que suturou a Autora tivesse acabado de entrar de turno e tivesse comentado “não sei como é que vou coser isto”, “a pele desfaz-se toda”, mas antes impõe que se conclua pela não prova desta concreta facticidade.

Nesta conformidade, na parcial procedência deste fundamento de recurso, altera-se a redação da alínea V dos factos julgados provados na sentença recorrida, a qual passa a constar da seguinte facticidade, que se julga como provada:
“V- O bebé da Autora nasceu às 09h43m da manhã do dia 13 de abril de 2005”.
Julga-se como não provada a seguinte facticidade:
“6- O bebé da Autora tivesse nascido na sequência da enfermeira que lhe fez o parto ter introduzido a mão no canal vaginal da Autora e ter puxado o bebé para o exterior com as mãos. A médica que suturou a Autora tivesse acabado de entrar de turno e tivesse comentado: “não sei como é que vou coser isto”, “a pele desfaz-se”.

b.2.1.1.4 – Episiotomia - Impugnação da facticidade julgada provada na alínea Y e a julgada não provada nos pontos 3º e 4º.

O apelante impugna o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade julgada provada na alínea Y, e quanto à julgada não provada nos pontos 3º e 4º, pretendendo que em função da prova produzida se impõe concluir pela não prova da facticidade julgada provada na sentença sob sindicância e pela prova da que nela foi julgada não provada.
Na identificada alínea Y, a 1ª Instância conclui pela prova da seguinte facticidade:
Y- A laceração perineal de II grau sofrida pela Autora foi consequência da conduta das ginecologistas-obstetras que assistiram ao trabalho de parto”.

Por sua vez, nos pontos 3º e 4º dos factos julgados não provados na sentença, a 1ª Instância concluiu pela não prova da seguinte facticidade:
“3- Quando, realizada a episiotomia, ainda ocorre laceração, evidencia-se, por esse facto consequente, que a episiotomia prévia era e foi indicada”.
“4- A laceração seria muito maior e mais grave não fora a episiotomia”.

Conforme supra já enunciamos, mas aqui reafirmamos, a fim de que dúvidas não se suscitem na mente de quem quer que seja a esse respeito, para podermos cabalmente realizar a sindicância da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo apelante, não nos limitamos a analisar a prova documental e pericial que por ele, e pela apelada, vem indicada nas alegações e contra-alegações de recurso, sequer a ouvir a prova pessoal produzida em audiência final que igualmente foi identificada por apelante e apelada.
Porque cremos que para que possamos realizar uma verdadeira, real e efetiva apreciação dessa impugnação teremos de estar na posse de todos os dados, procedemos à análise da totalidade da prova documental e pericial produzida nos autos e à audição integral de toda a prova pessoal produzida em audiência final.

Antes de avançarmos, cumpre esclarecer que contrariamente àquilo que nos pareceu resultar da postura assumida pela sua ilustre mandatária que, em audiência final, a dado passo, derivou as questões que ia colocando às testemunhas para a existência ou inexistência de consentimento informado prestado pela Autora quanto à episiotomia a que foi submetida durante o trabalho de parto, essa discussão não faz parte do thema decidendum nos presentes autos, pela simples razão de que não foi na inexistência desse consentimento informado que esta, em sede de petição inicial, estribou a pretensão indemnizatória que deduz contra o hospital Réu, ora apelante.

Logo, a existência/inexistência de consentimento informado prestado pela Autora no sentido de ser objeto de episiotomia não integra a causa de pedir eleita pela Autora para suportar a pretensão indemnizatória (pedido) a que se arroga titular perante o apelante, não fazendo essa matéria, por conseguinte, parte da prova constituenda a produzir nos presentes autos, tanto mais que a Autora não alegou, na petição inicial, os concretos factos essenciais atinentes a essa concreta causa de pedir – inexistência de consentimento informado para ser objeto de episiotomia, caso durante o parto, fosse necessário recorrer a essa técnica cirúrgica –, pelo que, sob pena de se ter considerar esses factos como não escritos, na sentença, o tribunal nunca podia julgá-los como provados ou não provados (por não alegados) - arts. 5º, n.º 1, 552º, n.º 1, al. d) e 607º, nºs 3 e 4 do CPC.

Precise-se, aliás, porque justamente a Autora, em sede de petição inicial, nada alegou a propósito da existência ou inexistência do enunciado consentimento informado, compreende-se que na sentença recorrida, em sede de factos provados e não provados, a 1ª Instância nada tenha considerado provado ou não provado a propósito sobre se a Autora prestou ou não consentimento para que fosse submetida a episiotomia, caso essa técnica se mostrasse necessária durante o trabalho do parto.

Não obstante isto, conforme bem diz o apelante, na sentença sob sindicância, em sede de direito, a 1ª Instância fundamentou a pretensão indemnizatória que reconheceu à Autora, entre outros, na inexistência desse consentimento informado por parte da Autora em relação à episiotomia que lhe foi realizada.

Acontece que essa condenação, nessa parte atinente à inexistência do referido consentimento informado em relação à episiotomia, não assenta em qualquer facticidade que tivesse sido julgada provada pela 1ª Instância, o que, de per se, inquina o decidido de erro de direito.

Acresce que essa sentença, nessa parte, padece do vício da nulidade a que alude a al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC, consubstanciando excesso de pronúncia, decorrente do tribunal a quo ter conhecido de causa de pedir (inexistência de consentimento informado prestado pela Autora à Ré para ser objeto de episiotomia, caso essa técnica cirúrgica, se mostrasse necessária ser realizada durante o trabalho de parto) não invocada pela Autora, em sede de petição inicial, em que sustentou a sua pretensão indemnizatória contra o Réu (apelante).

Posto isto, não existe dúvidas que durante o trabalho de parto, a enfermeira M., que realizou o parto à Autora, sob a superintendência da enfermeira M., formadora da primeira, realizou episiotomia à Autora, uma vez que a realização dessa técnica cirúrgica na pessoa da Autora, durante o trabalho de parto, foi corroborada pela própria testemunha M., assim como pela testemunha M., sua formadora, que superintendeu o parto.
Acresce que a realização da episiotomia pela enfermeira M. na pessoa da Autora foi também confirmada pela testemunha A., que apesar de não ter assistido ao parto propriamente dito, foi chamada para suturar a Autora, uma vez que esta apesar da episiotomia, sofreu laceração.
Acresce ainda que a episiotomia é corroborada pelos registos clínicos juntos aos autos relativos ao parto, designadamente, a fls. 223, onde se lê: “13/04, M Parto eutócito com episiotomia à esquerda (…); 10.00 Foi suturada pela Drª A., apresentava laceração de 2ª grau”.
Deste modo, é indiscutível que durante o trabalho de parto, as enfermeiras obstetras que realizaram o parto, efetuaram episiotomia.
De acordo com as testemunhas médicos que depuseram em audiência final (B., M., I., J., J., A., J., C. e M.), mas também de acordo com os depoimentos prestados pelas testemunhas M. e M., a episiotomia consiste num pequeno corte reto, que se faz à saída do canal vaginal, com vista a alargar essa saída, e que pode ser realizado tendo em vista duas finalidades: a) evitar que o períneo da parturiente rasgue/faça uma laceração descontrolada, atingindo músculos profundos do períneo; b) acelerar o parto.

De acordo com os depoimentos unânimes daquelas testemunhas a episiotomia consiste na realização de um pequeno corte superficial, à saída do canal vaginal e, como tal, traduz-se numa técnica cirúrgica.
Essa técnica cirúrgica deverá ser seletiva, ou seja, deverá ser realizada apenas quando a parteira que está a efetuar o parto, durante o trabalho de parto, constate que há o risco eminente do períneo da parturiente rasgar descontroladamente; nesse caso, faz-se a episiotomia, isto é, um pequeno corte reto à saída do canal vaginal, para o alargar o canal e evitar que o períneo da parturiente rasgue descontroladamente, dilacerando músculos mais profundos, nomeadamente, os músculos do esfíncter e os músculos mais profundos do períneo, como é o caso do músculo podengo.

A outra situação em que deverá ser realizada a episiotomia é quando a enfermeira, durante o trabalho de parto, constate que o parto não avança/evolui e que o feto está retido no canal vaginal, em sofrimento, havendo o risco daquele, permanecendo retido no canal vaginal, sofrer uma gradual falta de oxigenação sanguínea ao cérebro e sofrer malformações neurológicas.

As testemunhas M. e M. foram concordantes entre si que a própria episiotomia, na medida em que se traduz num pequeno corte do períneo da parturiente, pode ser qualificada de per se como laceração de segundo grau, indo os depoimentos prestados pelas testemunhas médicos acima identificadas em igual sentido, extraindo-se, no entanto, dos respetivos depoimentos que existem quatro graus para qualificar as lacerações.

Mais se retira que embora não exista unanimidade entre os médicos a propósito da qualificação das lacerações nesses quatro graus possíveis de graduação, que as lacerações de 2º grau reportam-se, em regra, a lacerações superficiais do períneo, como é o caso da episiotomia, que sendo um pequeno corte reto do períneo da parturiente, que nunca é suscetível de atingir os músculos do períneo mais profundos, não deixa de ser uma laceração suscetível de ser qualificada como “laceração de 2º grau”. Já as lacerações mais profundas, como as sofridas pela Autora na sequência do parto sobre que versam os autos, costumam ser qualificadas como lacerações de 3º grau ou de 4º grau.

Precise-se que tendo ouvido integralmente a prova pessoal produzida em audiência final, pareceu-nos que a ilustre mandatária da Autora, pelas perguntas que a dado passo passou a colocar às testemunhas médicos e enfermeiras, questionando-as sistematicamente se a episiotomia era ou não em si mesma uma laceração de segundo grau, ao que aquelas naturalmente iam respondendo positivamente, dir-se-á que de nada aproveita à Autora pretender equiparar a episiotomia a uma laceração de 2º grau, uma vez que conforme resulta dos depoimentos prestados pela totalidade das testemunhas médicos acima identificadas e, bem assim, pelas testemunhas M. e M., que efetuaram o parto da Autora (a M. efetuou o parto sob a superintendência da M., sua formadora, conforme supra já se deixou dito), embora seja certo que a episiotomia, como pequeno corte reto do períneo da parturiente que é, mais concretamente, à saída do canal vaginal, que é realizado pelas parteiras com as finalidades já acima enunciadas, possa de per se ser efetivamente qualificada como “laceração de 2º grau”, não é deste tipo de laceração (a resultante da episiotomia) que manifestamente se queixa a Autora e em que esta alicerçou o pedido indemnizatório que deduz, em sede de petição inicial, contra o hospital apelante, sequer é ao tipo de laceração perineal de grau II que resulta da episiotomia (de per se) a que se reporta a 1ª instância nas alíneas Y, Z a JJ da matéria de facto que julgou como provada na sentença sob sindicância.
Na verdade, as lacerações de 2º grau a que alude a Autora na petição inicial, e a que se refere o tribunal a quo nas identificadas alíneas Y, Z a JJ da facticidade que julgou provada na sentença, são lacerações profundas que provocaram na Autora, desde o parto até à reconstrução vaginal a que foi submetida, intensas dores, que se agravavam aquando das relações sexuais, ao ponto de a impedir de manter relações sexuais e que não foram atenuadas na sequência dos tratamentos a que a Autora foi submetida no Hospital de (...), na consulta da dor.

Na verdade, conforme resulta dos depoimentos prestados por todas as testemunhas médicos acima identificados, bem como dos depoimentos das enfermeiras M. e M., a episiotomia, embora de per se possa se qualificada como laceração perineal de 2º grau, é uma laceração superficial que nunca atinge os músculos mais profundos do períneo da parturiente, nomeadamente, o músculo podengo, sequer os músculos dos esfíncteres e, por isso, nunca provocam as lacerações profundas como aquelas que foram sofridas pela Autora, com o consequente quadro doloroso acabado de descrever.

Conforme resulta dos depoimentos das supra identificadas testemunhas, mas também dos registos médicos e das periciais a que se submeteu a Autora, esta, na sequência do parto, sofreu lacerações profundas do períneo, que lhe atingiram o músculo podengo e os músculos dos esfíncteres, o que lhe provocou dores intensas, que eram agravadas com a penetração no ato sexual, de modo que a Autora ficou impedida de ter relações sexuais enquanto não fez a reconstrução vaginal, e durante 3 ou 4 meses após o parto, impediam-na de reter as fezes.

Esse quadro doloroso, como dito, nem sequer foi debelado com o tratamento a que se submeteu a Autora, no Hospital de (...), na consulta da dor, mas que apenas foram debeladas, mas não totalmente eliminadas, com a reconstrução vaginal a que foi submetida.

Ora, conforme emerge da simples leitura da petição, foi com base nestas concretas lacerações profundas e sequelas que a Autora ancorou a sua pretensão indemnizatória contra o hospital apelante e é a essas concretas lacerações e sequelas a que se reporta a 1ª Instância na facticidade que julgou como provada nas enunciadas alíneas Y a JJ.
Embora as lacerações sofridas pela Autora sejam profundas e, na perspetiva das testemunhas médicos supra identificadas que depuseram em audiência final, devessem, na sua perspetiva, antes ser qualificadas como lacerações de 3º ou 4º grau, também conforme referiram, há quem as qualifique como de 2º grau.
Essas lacerações profundas sofridas pela apelante, nada tem a ver com a laceração em que se traduz a episiotomia, que é uma laceração superficial, pelo que não há que confundir.

Logo, dir-se-á que atenta a causa de pedir alegada pela Autora na petição inicial para ancorar a pretensão indemnizatória que aí deduz contra o hospital apelante, as questões que estão em discussão nos presentes autos a propósito da facticidade julgada provada pela 1ª Instância na alínea Y e da julgada não provada nos pontos 3º e 4º, traduzem-se no seguinte: a) a episiotomia realizada à Autora no parto, de acordo com a legis artis médicas, era ou não necessária/justificada; b) quais as concretas lacerações sofridas pela Autora e que concretas sequelas que esta sofreu no parto; c) é possível estabelecer qualquer nexo causal entre essas concretas lacerações e sequelas sofridas pela Autora no parto e os procedimentos médicos realizados para enfermeiras/parteiras na pessoa da Autora, nomeadamente a episiotomia que então lhe foi realizada.

Passando à análise destas concretas questões, segundo a versão dos factos apresentada pela Autora em sede de petição inicial, a episiotomia é uma prática clínica que apesar de muito utilizada nos hospitalares nacionais, constitui má prática clínica e para demonstrar esta sua posição juntou aos autos o artigo científico de fls. 72 a 79.

Conclui a Autora que tendo aquela, no parto, sido objeto de episiotomia, os serviços médicos do hospital Autor sujeitaram-no a uma prática desconforme à legis artis médicas, e foi essa má prática médica, traduzida na episiotomia, que deu causa às graves lacerações e fenómenos dolorosos que descreve na petição inicial, as quais não foram debeladas com os tratamentos clínicos a que se sujeitou na consulta da dor, no Hospital de (...), mas que apenas foram atenuadas com a cirurgia plástica reconstrutiva da vagina a que foi submetida.

Ora, tendo as coautoras daquele artigo científico de fls. 72 a 79 deposto em audiência final – as testemunhas B. e M. -, verifica-se que as mesmas foram concordantes em afirmar que efetivamente, na sua perspetiva, há um excesso de recurso a episiotomias nos partos efetuados nos hospitais portugueses, quando nem sempre é necessário o recurso a essa técnica cirúrgica, a qual tem riscos associados.

No entanto, ambas as testemunhas foram concordantes em afirmar que do que se acaba de dizer não deriva que não existam casos em que é boa prática clínica a realização de episiotomia e que não seja necessária a realização dessa técnica.

Conforme referiu M., com a publicação daquele artigo científico, foi seu ensejo e das duas colegas, coautoras desse artigo, deixaram claro que “nem todos os casos necessitam de episiotomia. Nunca defenderam que se deixasse de fazer as episiotomias porque há situações em que é importante fazer a episiotomia, ou seja, por exemplo, nas situações em que está em risco de haver uma laceração pélvica eminente” (sic).

Na mesma linha B. referiu que “durante muitos anos fizeram-se as episiotomias, segundo a regra mais vale cortar do que rasgar. No entanto, entretanto, foram feitos estudos em que se conclui que a circunstância de se fazer a episiotomia, nem sempre evita a laceração ou em que o risco de laceração é o mesmo”.

No entanto, afirmou “há situações em que defende a episiotomia, por exemplo, quando o bebé está em sofrimento ou a mãe está muito excitada”, concretizando que “é o médico que tem de avaliar se no caso concreto deve ou não se fazer a episiotomia”.

Por sua vez, a testemunha M., que consultou a Autora na consulta da dor do Hospital de (...), referiu que a episiotomia é um corte no canal para o bebé ser expelido mais facilmente e que a circunstância de uma parturiente ser submetida a episiotomia, nem sempre evita a laceração profunda do períneo da parturiente, isto porque “há fatores que não se conseguem controlar durante o parto”, especificando que a própria irmã da depoente sofreu uma laceração profunda no parto, à frente dela durante um parto”.
Já a testemunha I., que consultou a Autora no hospital Réu por via das dores que esta sentia na sequência do parto e que acabou por a encaminhar para a consulta da dor do Hospital de (...), concordantemente com as testemunhas coautoras do identificado artigo científico de fls. 72 a 79, referiu que, na sua perspetiva, nos hospitais, faz-se muitas vezes episiotomias desnecessariamente e que existem autores que defendem que esta prática deve ser feita de modo seletivo. Fazem-se as episiotomias para evitar a laceração/rompimento descontrolado e para também facilitar a saída do feto, concluindo que as episiotomias são feitas “para bem da mãe e do feto”. Referiu que na sua prática clínica nunca fez episiotomias sistemáticas, mas sempre seletivas, “tudo dependendo do caso concreto” e que “apesar de se fazer a episiotomia para evitar a laceração descontrolada, nem sempre se evita esta”; “mesmo com a episiotomia nunca se sabe o que seria se não se tivesse feito”, querendo com isto significar que embora a episiotomia seja feita com o propósito (um deles, já que o outro, é o risco que resulta do feto estar em sofrimento e haver necessidade de acelerar o parto) de evitar a laceração descontrolada do períneo da parturiente, nem sempre se evita essa laceração descontrolada do períneo, e que nunca se sabe se essa laceração seria mais grave ou igual caso não se tivesse feito a episiotomia.

A testemunha J., médico anestesista no Centro Hospitalar de Hospital de (...), apesar de, por razões óbvias, não ter estado presente no parto da Autora, já que este aconteceu no Hospital de (…), após análise dos registos clínicos da Autora, valendo-se do que está aí escrito, referiu que a Autora “sofreu uma laceração pós-parto”, sustentando que se trata de uma situação “relativamente frequente”. “Ao fazer o parto, por vezes, é a cabeça do feto faz a laceração e, por isso, faz-se a episiotomia”, especificando que esta é “um pequeno corte para facilitar a saída da cabeça do bebé e evitar grandes lacerações”, concretizando ser “a favor da episiotomia seletiva”. “A expulsão rápida do feto tem muitas vantagens, porque quanto maior for o tempo em que o feto estiver retido no canal vaginal maior é o risco de este entrar em sofrimento e de sofrer paragem cardíaca”. Concluiu afirmando que “quando se faz episiotomia, na generalidade dos casos em que ocorre laceração, em princípio, a laceração seria maior se não se tivesse feito a episiotomia”.
A testemunha J., médico de cirurgia plástica, que efetuou a reconstrução vaginal da Autora, relatou que a última sofreu laceração perineal no parto, mas que essa laceração “não foi causada pela episiotomia, porque esta não chega tão profundo. A episiotomia tem por finalidade orientar a laceração para evitar um mal maior”. Trata-se de um “corte para orientar a laceração, mas pode não se conseguir fazer essa orientação”. Na “episiotomia faz-se corte orientado da pele e não se atinge os músculos mais profundos, designadamente, os músculos levantadores do esfíncter e do próprio esfíncter, visando a episiotomia evitar que estes músculos sejam atingidos”, concluindo que “ainda hoje é defensor da episiotomia seletiva, que deve ser feita quando houver sofrimento do períneo”, não podendo “dizer que o facto de ter sido feita à Autora episiotomia levou a que esta sofresse as lacerações que sofreu ou que foi o facto de não ter sido feita episiotomia que levou que aquela sofresse a laceração que sofreu”, uma vez que tendo sido feita episiotomia à Autora “a laceração pode ter sido causada por outras razões, designadamente, relacionadas com a fisionomia da própria” Autora.
A testemunha A., que, como dito, suturou a Autora, referiu que no hospital apelante, onde exerce a sua atividade profissional de médica ginecologista e obstetra, se fazem episiotomias frequentes vezes, mas nem sempre, tudo dependendo do caso concreto, querendo com isto significar que nele são realizadas episiotomias seletivas, explicitando que as finalidades da episiotomia, umas vezes é para abreviar o parto no período expulsivo, outras vezes, têm por finalidade evita a dilaceração, porque o períneo da parturiente está demasiado estendido. No entanto, explicitou, em qualquer parto, mesmo que se faça a episiotomia há sempre a possibilidade da parturiente sofrer lacerações profundas e de serem atingias extensões nervosas profundas, isto porque “complicações acontecem, depende de muitos fatores, desse a estrutura da mulher, ao tipo de pele desta, dimensão do períneo, como dimensão do bebé e posição deste”, “não é possível prever que vai haver laceração”, não podendo “afirmar que se não fosse feita a episiotomia, que a laceração seria maior”.

Já a testemunha J., que à data dos factos exercia a sua atividade de médico ginecologista e obstetra no hospital apelante e que atualmente a exerce no privado, relatou que nos dias seguintes ao parto, estando a Autora ainda internada, lhe fez uma visita de rotina. Apesar de não se recordar do que então viu, da leitura do processo clínico da Autora e em função daquilo que então escreveu nesse processo clínico, aquando dessa visita, a Autora “tinha ligeira equimose no períneo, na zona onde levou os pontos. É uma situação normal e na altura a parturiente não apresentava queixas distintas das habituais para quem apresenta aquele tipo de equimose”. Não sabe se houve ou não laceração do períneo, “isto porque isso não é visível”, mas do processo clínico que entretanto leu, a Autora sofreu laceração profunda do períneo, “mas isso pode acontecer mesmo que se faça ou não se faça episiotomia”, concretizando ter presente uma jovem parturiente, que deu à luz um bebé de 4 Kgs. e que não fez episiotomia e não sofreu laceração alguma, enquanto teve “outras que deram à luz bebés de 3 Kgs. e sofreram laceração, “tudo depende da fragilidade do períneo”, isto é, da maior ou menor elasticidade deste; “pensa que se não se fizesse episiotomia à Autora que a laceração sofrida seria pior, embora pudesse não o ser”, concluindo, “é difícil de prever. É como um papel, corta-se retamente para ele rasgar direito, mas depois tal pode não acontecer”. A cabeça do bebé da Autora estava de cabeça para baixo, mas ao descer, se a cabeça não estiver bem posicionada, pode rasgar”.

A testemunha C., médica ginecologista e obstetra, a exercer funções no hospital apelante, e que fez uma das visitas de rotina à Autora na sequência do parto, quando esta aí se encontrava internada, referiu que no hospital apelante apenas se fazem episiotomias seletivas, isto é, quando “durante o trabalho de parto preveem que está iminente uma laceração profunda, o que não significa que, ainda assim, não venha a ocorrer a tal laceração que se quis evitar”. Questionada sobre se é ou não previsível que determinada parturiente vai ou não sofrer laceração, respondeu que tal não é previsível, “é previsível se há maior ou menor risco”, mas teve situações em que previa que a parturiente ia sofrer laceração e esta não ocorreu”, sendo o inverso também verdadeiro, concluindo que “não é possível abolir totalmente as episiotomias”.

Por sua vez, a testemunha M., que, relembra-se, efetuou o parto à Autora, sob a supervisão da sua formadora, enfermeira M., relatou que apesar de não se lembrar da Autora e do parto concreto, que sempre fez episiotomias seletivamente, com uma única exceção, que se relaciona com os partos prematuros, explicitando que os bebés prematuros são frágeis e que existe a forte probabilidade de entrarem em sofrimento na passagem do canal e de sofrerem hemorragia cerebral, pelo que há necessidade de em relação a esse específico caso dos bebés prematuros se abreviar o parto para evitar o risco de sofrerem lesões cerebrais, pelo que de antemão opta-se pela realização da episiotomia.

Em todos os outros casos, as episiotomias são feitas seletivamente, sendo a necessidade de recurso (ou não) a essa prática “feita segundo a segundo”, “avaliam o estado fetal do bebé e da mãe; estão atentas, se o bebé começa a braquizar, a sofrer, o batimento cardíaco deste começa a diminuir” ou se “há risco iminente de laceração grave” da mãe, “fazem a episiotomia”.
No entanto, especificou, “os partos são sempre uma surpresa”, “são todos muito diferentes”, “as vaginas são todas diferentes”, “é como um elástico”, “há vaginas enormes, com muita elasticidade, e outras que são muito estreitinhas, sem elasticidade nenhuma”, pelo que a circunstância de se efetuar a episiotomia para evitar a laceração, nem sempre se consegue alcançar esse objetivo.

Na mesma linha se pronunciou M., que confirmou ser, à data do parto, formadora da M. e que, como tal orientou e esteve presente ao parto da Autora enquanto este era feito pela sua formanda, a qual referiu que apesar de não se lembrar do concreto parto objeto dos autos, garantiu que as episiotomias realizadas no hospital apelante são feitas seletivamente. “Quem faz a episiotomia é quem está a fazer o parto”. Essa pessoa “é quem tem de avaliar se é ou não necessário fazer a episiotomia; se vê um períneo a rachar, a abrir, faz a episiotomia”. A episiotomia é feita “para evitar que haja uma maior laceração”. Na episiotomia há um corte reto do períneo. Esse corte tem, em regra, 1 a 1,5 centímetros de extensão, sem prejuízo de “em situações anormais o corte ser maior”.
Questionada sobre se tudo foi normal, conforme refere, qual a explicação que dá para o sucedido, respondeu “a única explicação que encontra para o sucedido é que as pessoas não são todas iguais, umas fazem laceração, outras não; uma fazem bem a cicatrização, outras não”.

Aqui chegados, resulta dos depoimentos de todas as testemunhas atrás identificadas, que a episiotomia, consiste numa prática clínica que é feita nos partos e que consiste num pequeno corte reto que o enfermeiro obstetra ou o médico obstetra realiza nas parturientes em situações específicas, e que apenas deve ser realizada nessas situações específicas, umas relacionadas com a parturiente e outras relacionadas com o bebé.

Constitui má prática clínica realizar essa prática cirúrgica em que se traduz a episiotomia realizá-la, sistematicamente, mas também constitui má prática clínica a sua não realização quando se encontram preenchidos os pressupostos necessários para a sua realização.

Os critérios que demandam o recurso à episiotomia relacionados com a parturiente, prendem-se com a circunstância de, no decurso do parto, o enfermeiro obstetra ou médico obstetra concluir que a parturiente está em risco iminente de sofrer uma laceração grave e descontrolada do períneo, impondo-se que, nessas situações, se execute a episiotomia, num pequeno corte reto, no termo do canal vaginal, com vista a facilitar a expulsão do feto e, assim, se evitar a laceração profunda e descontrolada do períneo, que podem atingir os músculos profundos do esfíncter e do períneo, como aconteceu com a Autora, com as graves e nefastas consequências que daí decorrem.

Os critérios relacionados com o feto que demandam a execução da episiotomia prendem-se com a necessidade de realizar essa técnica cirúrgica para abreviar o parto, em virtude do feto estar preso no canal vaginal, não descer com a desenvoltura que se impunha, e estar em sofrimento, com diminuição do ritmo cardíaco e haver o risco daquele sofrer graves lesões neurológicas por falta de oxigenação sanguínea ao cérebro.

Logo, de acordo com a legis artis, contrariamente ao pretendido pela Autora, da circunstância daquela ter sido objeto no parto a episiotomia, não se pode daqui concluir ter havido violação da legis artis médicas, havendo, aliás, casos concretos e específicos (os acabados de enunciar), que impõem que o enfermeiro ou o médico realizem a episiotomia, sob pena de violação dessas mesmas legis artis.

Essas legis artis impõem que a episiotomia apenas sejam realizadas em termos seletivos, isto é, específicos, isto é, quando perante o concreto trabalho de parto, a enfermeira especialista em obstetrícia ou o médico obstetra que está a fazer o parto concluam que, em concreto, se verifica uma daquelas duas situações que demandam a realização da episiotomia – risco eminente da parturiente sofrer uma laceração descontrolada ou do parto não evoluir e do bebé estar retido no canal vaginal em sofrimento, com o risco de sofrer graves lesões neurológicas por falta de oxigenação sanguínea do cérebro.

Nos casos em que a episiotomia seja feita para evitar o risco de laceração eminente e grave do períneo da parturiente, conforme resulta dos depoimentos de todas as testemunhas supra identificadas, nem sempre se consegue atingir esse desiderato, havendo múltiplos fatores, não controláveis e imprevisíveis para quem faz o parto, que ainda assim podem levar à laceração descontrolada do períneo da parturiente, com afetação dos músculos dos esfíncteres e dos músculos mais profundos do períneo desta, como foi o caso da Autora (vide depoimentos das testemunhas supra identificadas e registos clínicos de fls. 20 e 21 dos autos).

Esses fatores incontroláveis que podem levar a essa laceração grave e descontrolada do períneo da parturiente, relacionam-se uns com a própria parturiente, como é o caso da compleição do canal vaginal desta ter pouca elasticidade, tipo de pele e de tecidos, que podem ser mais propícios a sofrerem laceração, e outros relacionam-se com o próprio bebé, designadamente, dimensões deste, dimensão da sua caixa craniana, dos ombros, postura em que se encontra quando desce o canal vaginal, etc.

Note-se que o que se acaba de concluir face aos depoimentos das testemunhas supra identificadas é corroborado pelo teor dos pareceres técnico-científicos do IML juntos aos autos a fls. 347 a 348 a 820 a 822, que como prova pericial que é, apesar de nos termos do art. 389º do CC, se encontrar sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, sendo o “juiz perito dos peritos”, convém relativizar essa afirmação.

Na verdade, sendo o recurso à prova pericial justificada pela necessidade de percecionar ou apreciar factos por meio de peritos, por essa perceção ou apreciação demandar a detenção de conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos especiais, que não fazem parte da cultura geral ou da experiência comum, que pode e deve presumir-se serem detidos pelo juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas e que, por isso, reclamam o recurso a peritos, isto é, a pessoas que detêm esses conhecimentos especiais, residindo, aliás, nessa especifica circunstância a justificação e a razão de ser da prova pericial (art. 388º do CC), naturalmente porque livre apreciação da prova não equivale a prova arbitrária, no que tange à perceção ou à avaliação dos factos que exijam esses conhecimentos especiais, o juiz apenas pode afastar os juízos científico, técnico ou artístico do perito com fundamento em argumentos de igual teor Acs. RL de 11/03/2010, Proc. 949/05.4TBOVR-A.L1-8; RG. 26/10/2017, Proc. 5237/16.8GMR.G1, RE. 13/05/2014, Proc. 200/11.8GTEVR.E1, in base de dados da DGSI..

Ora, no caso, os juízos técnico-científicos, mais concretamente, médicos, que se encontram explanados nos identificados pareceres técnico-científicos de fls. 347 a 348 a 820 a 822, não são afastados pela prova testemunhal e documental juntas aos autos, mas antes pelo contrário, esses conhecimentos médicos correspondem àquilo que foi relatado em audiência final pelas supra identificadas testemunhas.

Aqui chegados, impõe-se precisar que a testemunha M., que efetuou o parto da Autora, sob a supervisão da sua formadora, a testemunha M.), lendo os registos clínicos deste concreto parto, referiu ter realizado a episiotomia na pessoa da Autora perante a constatação que o bebé entrara em sofrimento e que havia necessidade de acelerar o parto devido aos riscos do bebé sofrer lesões neurológicas.
Embora essa razão aduzida por M. para a execução da episiotomia não tenha sido corroborada pelas restantes testemunhas médicos supra identificadas, que à data do parto, exerciam funções no hospital apelante (até porque as mesmas não assistiram ao parto da Autor), sequer seja corroborada pela testemunha M., que supervisionou esse parto, sequer vislumbremos que seja corroborada pela prova documental ou pericial junta aos autos, verifica-se que todas essas testemunhas são perentórias em afirmar que à data do parto da Autora, no hospital apelante, não se faziam episiotomias indiscriminadamente, mas apenas seletivas, isto é, quando ocorresse, durante o trabalho de parto, a tal situação de perigo para o feto (motivo aduzido por M. para executar essa episiotomia na pessoa da Autora).

Deste modo, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não obstante os motivos aduzidos pela testemunha M. como justificação para ter realizado a episiotomia na pessoa da Autora não sejam corroborados por outros elementos de prova, face aos depoimentos daqueles médicos que então exerciam funções no hospital apelante, que foram unânimes em referir que, na altura, nele apenas se faziam episiotomias seletivas e, em particular de M. , que esteve presente ao parto e o supervisionou, que fez igual afirmação, apesar de não se lembrar já deste parto em concreto, tais depoimentos impedem que qualquer possibilidade de, perante a prova produzida, se concluir pela prova em como a episiotomia realizada à Autora tivesse sido realizada em contravenção às legis artis, consubstanciando, por isso, má prática clínica.

De resto, impõe-se precisar que o ónus da prova em como a episiotomia a que foi submetida a Autora foi realizada fora dos pressupostos médicos (legis artis) que reclamavam a sua execução, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova explanadas no n.º 1 do art. 342º do CC., impendia sobre a Autora (e não sobre o hospital apelante), uma vez que a violação da legis artis reconduz-se ao pressuposto da ilicitude necessário à constituição do hospital apelante na responsabilidade extracontratual por factos ilícitos (art. 483º do CC) em que a Autora faz assentar a sua pretensão indemnizatória a que se arroga titular perante aquele, requisito esse que não se presume, pelo que na dúvida sobre se a enfermeira e testemunha M., que realizou o parto sobre a supervisão da testemunha M., realizou ou não essa episiotomia em contravenção das legis artis (se dúvidas houvesse, o que não se nos prefigura ser o caso), nos termos do disposto no art. 414º do CPC, sempre se impunha resolver essa situação de dúvida contra a parte a quem o facto aproveita, isto é, no caso, contra a Autora, pelo que sempre se impunha concluir pela não prova em como a episiotomia realizada à última se mostrasse contrária à legis artis.

Avançando. Apesar de durante o trabalho de parto as enfermeiras especialistas em obstetrícia terem executada episiotomia na Autora, é indiscutível que, na sequência do parto, esta sofreu laceração perineal profunda, com laceração dos músculos dos esfíncteres, com formação de neuromas e de microneuromas, que lhe causavam dores intensas, que eram intensificadas durante as relações sexuais, impedindo-a de manter relações sexuais, e que não foram debeladas com o tratamento na consulta da dor a que foi submetida no Hospital de (...), mas que apenas foram debeladas, mas não totalmente eliminadas, com a cirurgia plástica de reconstrução vaginal a que foi submetida, lacerações essas que nos registos clínicos da Autora foram qualificadas como “laceração perineal de grau dois”.

Coloca-se a questão da existência (ou não) de nexo causal entre essas lacerações sofridas pela Autora durante o trabalho de parto e os cuidados prestados à Autora durante o parto, nomeadamente a episiotomia nela realizada.

Ora, conforme resulta dos depoimentos unânimes prestados pelas testemunhas médicos supra identificados, mas também das enfermeiras M. e M., bem como dos pareceres periciais de fls. 347 a 348 e 820 a 822, nada permitir nos autos afirmar a existência do nexo causal entre a episiotomia efetuada à Autora durante o trabalho de parto e aquelas profundas lacerações que a Autora efetivamente sofreu no parto, isto porque apesar da episiotomia se traduzir num corte reto que tem por função evitar a laceração profunda e descontrolado do períneo (ou, relembra-se, o acelerar do parto, dado o risco iminente do bebé sofrer lesões neurológicas, face ao seu sofrimento e à não progressão do parto), nem sempre a episiotomia evita essa laceração graves e descontroladas do períneo, uma vez que há outros fatores, uns atinentes à parturiente, outros atinentes ao bebé, que são imprevisíveis e incontroláveis para os médicos obstetras ou para os enfermeiros especialistas em obstetrícia que estão a fazer o parto, fatores esses que apesar de realização da episiotomia, ainda assim, podem levar a que a parturiente sofra lacerações graves, descontroladas e profundas do períneo.

Logo, dir-se-á que contrariamente ao decidido pela 1ª Instância, nada nos autos permite concluir que as mencionadas lacerações graves e descontroladas sofridas no parto pela Autora sejam consequência da episiotomia realizada pela testemunha M., sob a orientação da sua formadora, a testemunha M., tanto mais que essas lacerações, em princípio, mas não necessariamente, sofridas pela Autora, seriam maiores e mais graves não fora a episiotomia.
Nesta sequência, na parcial procedência deste fundamento de recurso:

a- altera-se a redação da alínea Y dos factos provados na sentença, que passa a constar da seguinte facticidade, que se julga provada:
“Y- Durante o trabalho de parto as enfermeiras especialistas em obstetrícia que assistiram ao trabalho de realização do parto, executaram episiotomia na Autora. Apesar disso, durante o trabalho de parto, a Autora sofreu laceração perineal profunda, com laceração dos músculos dos esfíncteres, com formação de neuromas e de microneuromas, que lhe causavam dores intensas, que eram intensificadas durante as relações sexuais, impedindo-a de manter relações sexuais, e que não foram debeladas com o tratamento na consulta da dor a que foi submetida no Hospital de (...), mas que apenas foram debeladas, mas não totalmente eliminadas, com a cirurgia plástica de reconstrução vaginal a que foi submetida, lacerações essas que nos registos clínicos da Autora foram qualificadas como “laceração perineal de grau dois”;

b- determina-se a eliminação do elenco dos factos provados da facticidade constante dos pontos 3º e 4º dos factos julgados provados na sentença sob sindicância, e julga-se provada a seguinte facticidade:
“Y1- A episiotomia deve ser realizada na parturiente, quando as enfermeiras especialistas em obstetrícia ou os médicos obstetras que assistem ao trabalho de parto, constatem em concreto, durante o trabalho de parto, que existe o risco iminente da parturiente sofrer laceração grave e descontrolada do períneo e/ou quando constatem que o parto não evolui e que o feto se encontra preso no canal vaginal, em taquicardia, havendo uma diminuição da irrigação sanguínea do cérebro daquele poder sofrer lesões neurológicas.
Y2- A laceração perineal profunda, com laceração dos músculos dos esfíncteres, com formação de neuromas e de microneuromas, sofridas pela Autora durante o trabalho de parto, relatadas em Y, seriam, em princípio, mas não necessariamente, maiores e mais graves não fora a episiotomia realizada à Autora.

c- conclui-se pela não prova da seguinte facticidade:
“3- A episiotomia realizada à Autora nas circunstâncias relatadas em Y) tivesse sido realizada pelas enfermeiras especialistas em obstetrícia que assistiram ao trabalho de realização do parto, fora dos critérios identificados em Y1.
4- A laceração perineal profunda, com laceração dos músculos dos esfíncteres, com formação de neuromas e de microneuromas, sofridas pela Autora durante o trabalho de parto, relatadas em Y, tivesse sido consequência da conduta das enfermeiras especialistas em obstetrícia que assistiram ao trabalho de realização do parto”.

b.2.1.1.5 – Cesariana - Impugnação da facticidade julgada provada na alínea JJ.
A 1ª Instância julgou provado que “À Autora poderia ter sido aplicada outra técnica cirúrgica, nomeadamente a cesariana” e fundamentou esta sua resposta positiva nas “declarações da Autora e depoimento de I., J., M., M., M. e M., relatório pericial de psiquiatria do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 16 de dezembro de 2019, a fls. 1141 a 1145 do SITAF, consulta técnica científica do Conselho Médico Legal, de 20 de novembro de 2019, a fls. 1133 a 1138 do SITAF, relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, do gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, de 27 de janeiro de 2020, a fls. 1151 a 1153 do SITAF”.

Advoga a apelante que a prova produzida em sede de audiência final e, bem assim a prova documental avocada pelo tribunal a quo não corrobora tal entendimento, mas antes impõe que se conclua pela não prova da mesma e, antecipe-se, desde já, com inteira razão.
Com efeito, as únicas pessoas que aludiram à conveniência de a Autora ter sido submetida a cesariana, foi a própria Autora, em sede de depoimento de parte, e o ex-marido desta, C., que referiu que o médico ginecologista que acompanhou a Autora durante a gravidez, terá referido que esta devia ser submetida a cesariana devido à circunstância de ter uma anca estreita.

Acontece que as declarações de parte prestadas pela Autora padecem das insuficiências probatórias já acima referidas e quanto ao pretenso ginecologista que terá acompanhado a Autora durante a gravidez, não vemos que o mesmo tenha sido arrolado como testemunha nos autos.
A testemunha I., quando questionada sobre a cesariana, foi perentória em afirmar que caso a Autora tivesse sido submetida a cesariana teria corrido muito mais riscos, afirmando: “uma cesarina é sempre uma cesariana. Tem outros riscos. Nas cesarinas corre-se muitos mais riscos, nem sequer é bom para o feto”.
Já a testemunha J. concluiu perentoriamente que não havia qualquer justificação médica para submeter a Autora a uma cesariana, referindo que “num parto que está a evoluir favoravelmente, nada indicava a necessidade de recorrer a cesarina”, concretizando esta sua afirmação, dizendo: “Claro está que a posteriori pode-se pensar que face aos resultados obtidos, que devia ter-se feito cesarina, mas não antes, ou no decurso do parto. O bebé da Autora era de peso e dimensão média a nada indicava que se devesse fazer a cesariana”.
Por sua vez, a testemunha C. referiu que o parto da Autora “foi rápido, porque esta foi internada pelas 3horas da manhã e deu à luz pelas 8/9 horas, não vendo nenhum motivo para fazer cesariana”. A cesariana é aconselhada em trabalho de parto que não progride, sofrimento do feto, impossibilidade de mãe ter o parto, “evitar lacerações, não é motivo para se fazer cesariana”.

Logo, dir-se-á que a prova pessoal produzida em audiência final, por parte de testemunhas que são médicos obstetras e ginecologistas é no sentido que nada justificava que se tivesse submetido a Autora a cesariana e, bem assim, que as lacerações profundas sofridas pela Autora no parto, além de serem imprevisíveis e incontroláveis para o médico ou parteira que o está a executar o parto, no momento em que o está a efetuar, nunca constituiriam motivo médico que justificasse a realização de cesariana.

Por sua vez, analisados os registos clínicos da Autora que se encontram juntos aos autos, nada neles vem evidenciado que justificasse a sujeição daquela a cesariana, tanto assim que a mesma deu entrada no serviço de obstetrícia pelas 03 horas da manhã do dia 13 de abril de 2005, pelas 08 horas desse mesmo dia dirigiu-se pelo seu próprio pé para a sala de partos, onde às 09h43m deu à luz, tratando-se efetivamente de um parto “rápido”.
De resto, colocada essa questão aos senhores peritos médicos, estes concluem no relatório pericial de fls. 347 a 348, que “Não existe quaisquer dados nos registos clínicos referentes à gravidez e ao parto que justificassem a realização de uma cesariana”.
Aqui chegados, resulta do que se vem dizendo que a prova produzida não permitia efetivamente que a 1ª Instância tivesse concluído pela prova da facticidade da alínea na alínea JJ), mas antes impõe que se conclua pela não prova desta.

Nesta conformidade, na procedência deste fundamento de recurso, determina-se a eliminação do elenco dos factos provados na sentença sob sindicância da facticidade vertida na alínea JJ) e julga-se não provada esta concreta facticidade.

b.2.1.1.6 – Repercussões no relacionamento da Autora com o marido - Impugnação da facticidade julgada provada nas alíneas KK e LL.

A primeira instância concluiu pela prova da seguinte facticidade:
“KK- Por não manter um relacionamento sexual normal, foi a Autora muitas vezes confrontada com a desconfiança por parte do marido acerca da sua fidelidade.
LL- A Autora e o marido tiveram sérias e constantes discussões tendo mesmo o seu casamento sido posto em causa”

E fundamentou estas respostas positivas nos concretos elementos de prova que indica em frente de cada uma dessas respostas.
O hospital apelante impugna este julgamento de facto, sustentando que a prova produzida não permite que se conclua pela prova dessa concreta facticidade, mas antes impõe que se conclua pela respetiva não prova.
Conforme já demonstrado, as graves lacerações sofridas pela Autora durante o trabalho de parto, eram extremamente dolorosas e esse quadro doloroso agravava-se aquando das relações sexuais, impedindo-a de manter relações sexuais com o marido, incluindo, na sequência do tratamento na consulta da dor a que foi submetida no Hospital de (...), pelo que aquela não teve relacionamento sexual enquanto não foi sujeita à reconstrução vaginal.
Note-se que apesar dessa construção vaginal a que foi submetida a Autora não ter totalmente eliminada a dor da Autora, esse quadro doloroso foi praticamente eliminado, não estando a Autora impedida de manter relacionamento sexual desde a reconstrução vaginal, facto que, aliás, foi confirmado pela testemunha C., ex marido da Autora, que foi perentório em afirmar que, na sequência da reconstrução vaginal, o casal passou a manter relacionamento sexual, sem impedimento, e que o divórcio é posterior.

Em sede de depoimento de parte, a Autora C. pretendeu que antes do parto era uma pessoa saudável, alegre, cheia de vida, sem quaisquer problemas emocionais ou psicológicos, sendo expressa em afirmar que nunca tinha frequentado psicólogo.
Mais referiu que fruto das lacerações que sofreu no parto e das dores intensas de que passou a padecer, ficou impedida de manter relações sexuais (o que é verdade) e que, em consequência disso, “o marido desconfiava dela, o que a deixava triste e fechava-se em casa”, dando a entender que toda esta situação está na base do seu divórcio”.
Finalmente afirmou que o quadro depressivo em que caiu na sequência do parto, se mantém, ainda atualmente, apesar da reconstrução vaginal a que foi submetida, continuando a sentir-se “inútil, triste, não serve para nada, anda sempre irritada”.
No mesmo sentido pronunciou-se a mãe da Autora, a testemunha M., afirmando que antes do parto a Autora tinha amigos, nunca teve problemas de depressão, mas depois de ter o filho “aterrou”, “nunca mais saiu com as amigas, fecha-se em casa, sente-se inútil, sofre de dores de cabeça, chora e já fez várias tentativas de suicídio.
Referindo-se ao relacionamento da Autora com o ex-marido, a testemunha M. referiu que o casal, antes do nascimento do filho, tinha “um bom relacionamento”, mas na sequência do nascimento do filho e dos problemas de saúde com que a Autora ficou a padecer, o relacionamento entre o casal mudou radicalmente. A filha confidenciava-lhe que por via das dores, que a impediam de manter relações sexuais com o marido, o “genro mudou como a água para o vinho”, “não era o mesmo homem”. A filha chegou a confidenciar-lhe que a marido dizia que “ela o traía” na sequência de, por via das dores, esta se recusar a manter relações sexuais, o que deixava a “Autora revoltada”.
Por sua vez, a testemunha J., médico psiquiatra, que exerce funções no hospital apelante, referiu ter vindo a consultar a Autora na sequência dos vários episódios de tentativa de suicídio desta e ser o autor do relatório médico junto aos autos a fls. 422.

Referindo ao teor desse relatório médico elaborado em 12/01/2015, a testemunha J., confirmou que a Autora sofre de depressão major e de transtorno de personalidade, que é avaliável, na sua perspetiva, numa incapacidade permanente parcial de 10%.
Explicou que atribui essas patologias psiquiátricas à Autora às sequelas que emergiram do parto, em virtude da Autora assim lho ter referido e não porque tenha conhecimento direto desses factos, já que à data do parto não consultava a Autora, foi esta que lhe falou “que os problemas dela surgiram na sequência do acontecimento traumático que é o parto, em 2005”.

Analisando os enunciados elementos de prova, diremos ser indiscutível que a Autora fez várias tentativas de suicídio na pendência dos presentes autos, conforme decorre dos registos clínicos juntos aos mesmos.

Acontece que a testemunha C., ex-marido da Autora, apesar de referir que depois do nascimento do filho, o casal não conseguia manter relações sexuais porque a Autora se queixava de dores, levando a que esta se tornasse uma pessoa irritadiça, muitas vezes insuportável e de ter relatado que apenas, na sequência da reconstrução vaginal, o casal passou a ter (e a poder) relações sexuais, foi perentório em afirmar que já antes do parto, a Autor teve um episódio depressivo, que na verdade nunca foi ultrapassado, mantendo-se esse episódio ao longo da gravidez e até se agravando e que a depressão ainda mais se agravou com o parto e as sequelas que dele emergiram para a Autora.

Explicitando estas suas afirmações, a testemunha C. relatou que a Autora não gosta de estar sozinha e como o casal tivesse mudado de residência para outro local onde anteriormente residia, e o depoente tivesse ido trabalhar para longe de casa, a Autora deprimiu e “quando engravidou, a depressão não estava curada e agravou-se”.

Questionada sobre as razões do divórcio do casal, designadamente sobre se este foi motivado pelas sequelas emergentes do parto, C. afirmou espontaneamente que “uma pequena parte do divórcio deve-se aos episódios do parto; outros fatores contribuíram para o divórcio”, acabando assim, o ex-marido da Autora por colocar em crise a versão dos factos apresentada pela Autora e pela mãe desta, quando pretenderam que antes do parto a Autora era pessoa saudável, emocional e psicologicamente equilibrada, advindo-lhe todas as maleitas psicológicas de que padece das lesões e sequelas que sofreu no parto e, bem assim que foram essas consequências advindas do parto que foi a causa, ou a principal causa do seu divórcio, acabando C. também por colocar em crise o relatório médico junto aos autos, elaborado pela testemunha João Paulo Maria Coelho da Silva.
Note-se que o mencionado depoimento da testemunha C. quando afirma que já antes do parto a Autora sofria de patologias emocionais e psicológicas é corroborado por prova objetiva, que é a documental, junta aos autos.

Com efeito, a fls. 245 a 248 dos autos encontram-se juntos aos autos os registos clínicos da Autora relativos ao centro de saúde por ela frequentado e neles lê-se que em 06/05/2004 (isto é, antes do parto), a Autora “Refere grande irritabilidade, tristeza e fez tentativas de suicídio (tomou os comprimidos todos) – cfr. fls. 246.

Logo, este registo clínico corrobora não só o depoimento do ex-marido da Autora, quando afirma que já antes do parto, a Autora estava deprimida, como, inclusivamente, evidencia que esta padecia de patologias emocionais e psicológicas graves, ao ponto de ter tentado suicidar-se.

Acresce que submetida em 13/02/2012, a perícia de psiquiatria forense junto do IML, o senhor perito médico concluiu que a Autora “não é portadora de patologia psiquiátrica passível de qualquer valorização” (cfr. fls. 268 a 270).

No relatório pericial de ginecologia e uroginecologia a que foi submetida a Autora no Hospital de (...), junto a fls. 309, dos autos, datado de 17/01/2012 (isto é, após a reconstrução vaginal) lê-se que “Na atividade sexual, refere (a Autora) apenas uma dor ligeira na parede lateral esquerda, na extremidade superior, somente aquando da penetração profunda ou em determinadas posições, mas que não a impedem de prosseguir com o ato sexual. Refere atividade sexual com prazer, embora sem orgasmo, desde que foi submetida à cirurgia plástica (…). Sem queixas de incontinência urinária e sem queixas de incontinência de gases ou fezes. Sem algias vulvo-vagino-perineias. Sem algias pélvicas (…) Sem outras queixas ginecológicas (…). Formações vulvares de características normais, com existência (…) de uma cicatriz linear (…), não dolorosa ao toque. (…). Foi efetuado exame com espéculo vaginal (tamanho médio), que foi totalmente aberto sem provocar qualquer queixa, que permitiu observar uma vagina de características normais, com cicatriz cirúrgica (…), praticamente indelével, não dolorosa ao toque. Não foi observado corrimento vaginal de aspeto patológico”.

No relatório médico efetuado à Autora em 16/09/2014, no departamento de psiquiatria do hospital apelante, junto aos autos a fls. 697, lê-se que a Autora sofre de “perturbação de personalidade: imaturidade, explosividade, rigidez. Mulher de 36 anos, empregada de balcão, vive sozinha; é divorciada há 4 anos; tem um filho de 9 anos cuja guarda ficou aos cuidados do pai. Visita esporadicamente o filho. A doente evita estar com ele devido aos desmaios. Infância difícil, pais complicados; falta de carinho dos pais (…) Casou com 19 anos. Sofreu depressão pós-parto devido a dificuldades no parto. Relação conjugal foi-se deteriorando por falta de amor pelo marido. Sentia apenas amizade por ele” (sic). Pediu o divórcio há 4 anos, mal aceite pelo marido, o qual este muito tempo ainda confiante num regresso. Pais não aceitaram o divórcio. Marido utilizava o filho para fazer chantagem com a doente. Dificuldades em lidar com o patrão, apontando esta como uma das principais queixas e problemáticas” (sublinhado e destacado nosso).

No relatório de 14/12/2014, junto aos autos a fls. 697 verso, lê-se que a Autora “Refere andar em baixo devido às várias dificuldades sobretudo ao nível económico (…) Refere manter pouco contacto com o filho. Evita ir a casa do pai por se sentir criticada por ele. Não se relaciona com uma tia paterna que apresenta uma atitude negativa para com a doente (…) Sente pouco apoio dos outros em geral. Apenas desabafa com o marido (referindo-se esta parte do relatório, ao ex-marido da Autora) que se encontra nas caraíbas (…).

No relatório de 18/11/2014, junto a fls. 698, escreve-se que a Autora “refere andar pior devido a dificuldades económicas. Teve comportamento auto-lesivo (…). Distanciou-se das pessoas em geral, mesmo dos irmãos, pais e filho. Namorado está emigrado (…).

E no relatório de 30/12/2014, junto a fls. 698 verso dos autos, lê-se que a Autora “vem com o companheiro Adão. Este apresenta-se triste, revoltado e com vontade de separação devido a desconfianças em relação à Celeste (provável relação ext. conjugal).

Analisados os identificados elementos de prova dir-se-á que a Autora já antes do parto padecia de características de personalidade que se mostram pouco consentâneas com um relacionamento com ela própria e com terceiros pacífico, percecionando sentimento de desamor dos pais e família em relação à mesma e falta de compreensão e de apoio da comunidade em geral em relação à sua pessoa; antes do parto sofreu uma depressão, que se agravou com a gravidez e que, inclusivamente, a levaram a efetuar uma tentativa de suicídio e a recorrer a apoio médico, do que nunca se curou.

Logo, a Autora e a mãe desta faltaram à verdade quando pretenderam que antes do parto, a primeira era pessoa saudável, sem quaisquer problemas emocionais e psicológicos, que nunca tinha frequentado psicólogo.

Os problemas emocionais e psicológicos, conforme é atestado por aqueles elementos clínicos, são anteriores ao parto e têm a sua sede, se não a principal sede, nas características de personalidade de mesma e nos sentimentos de desamor e de falta de apoio (justificados ou não) dos pais e família em relação àquela.

Naturalmente que as graves lacerações e sequelas que a Autora sofreu no parto, não poderam deixar de influir negativamente no estado emocional e psicológico, já fortemente patológico, de que já padecia a Autora e não deixaram de contribuir, em alguma medida, para a degradação do ambiente e relacionamento que aquela mantinha com o seu então marido, o qual, no entanto, não corroborou os alegados comportamentos de desconfiança acerca da fidelidade da Autora para com a sua pessoa que a Autora e a mãe desta lhe imputa.

De resto, conforme resulta do depoimento prestado pelo ex-marido da Autora e dos registos clínicos acima identificados, temos sérias reservas em concluir que C., então marido da Autora, tenha tido efetivamente semelhantes comportamentos para com a Autora, quando se verifica que é o próprio a dizer que após a realização da reconstrução vaginal, o casal mantinha relações sexuais e que o quadro doloroso de que padecia a Autora, com essa reconstrução, foi praticamente eliminado.
Acresce que é a própria Autora que, em audiência final, referiu que foi ela que abandonou o lar conjugal.
De acordo com os registos clínicos acima identificados, a Autora abandonou o lar conjugal porque deixou de gostar do marido, passando a vê-lo com um amigo.

O casal divorciou-se, mas de acordo com esses registos clínicos, o ex-marido da Autora, ou seja, a testemunha C., não aceitou o divórcio e, inclusivamente, teve a esperança no regresso da Autora e até terá utilizado o filho como instrumento para levar aquela a regressar ao relacionamento conjugal.
Os pais da Autora também não aceitaram o divórcio.
De acordo com o registo clínico de 14/12/2014, apesar de toda a situação acabada de descrever, a Autora continua a relacionar-se com o marido e a sentir a falta daquele, mais que não seja, para conversar, tanto assim que se queixa que este se encontra nas caraíbas.
Após a separação do casal, a Autora debateu-se com graves problemas económicos, solidão, desapoio, e com desconfianças do companheiro que então arranjou.
Neste contexto, concorda-se com o apelante quando sustenta que a prova produzida não permite que se conclua pela prova da facticidade julgada provada na alínea KK, mas antes impõe que se conclua pela não prova desta concreta facticidade.

Já em relação à facticidade da alínea LL), a prova produzida apenas permite concluir pela prova em como na sequência dos factos relatados em BB) e DD) a Autora viu o quadro depressivo de que já padecia antes do parto agravado, com agravamento das sérias e constantes discussões que já existiam entre o casal, acabando a Autora por deixar o lar conjugal e o casal por se divorciar.
Nesta conformidade, na procedência parcial dos fundamentos de recurso aduzidos pelo apelante, determina-se:
a- a eliminação da facticidade julgada provada na alínea KK na sentença, a qual transita para os factos não provados;
b- altera-se a facticidade julgada provada na alínea LL na sentença, a qual passa a constar da seguinte redação, que se julga provada:
“LL- Na sequência dos factos relatados em BB) e DD) a Autora viu o quadro depressivo de que já padecia antes do parto, agravado, com agravamento das sérias e constantes discussões que já existiam entre si e o marido, acabando a Autora por deixar o lar conjugal e o casal por se divorciar”.


b.2.1.1.7 – Impugnação da facticidade julgada provada na alínea WW.

O apelante impugna o julgamento da matéria de facto em relação à facticidade julgada provada pela 1ª Instância na alínea WW, em que esta conclui que as sequelas emergentes das lacerações sofridas pela Autora determinaram-lhe um grau de diminuição de nível de eficiência pessoal de 19%, pretendendo que se conclua pela não prova desta concreta facticidade.

Conforme acima se demonstrou, a Autora já antes do parto sofria de depressão, que, inclusivamente, a levaram a uma tentativa de suicídio, quadro depressivo esse que se agravou durante o parto.
Se esse quadro depressivo se agravou na sequência das lacerações que aquela sofreu no parto e o quadro doloroso com que então se viu confrontado, a Autora foi objeto de uma reconstrução vaginal, que eliminou os impedimentos à atividade sexual, e se não eliminou totalmente o quadro doloroso, praticamente pôs termo ao mesmo.

Neste contexto, tudo indica que o agravamento do quadro depressivo com que a Autora se viu confrontado na sequência das lesões que sofreu no parto, se encontra ultrapassado e que as atuais patologias emocionais e psicológicas que a afetam nada têm a ver com aquelas sequelas que emergiram do parto.

De resto, submetida a perícia psiquiátrica forense no IML de Penafiel, o senhor perito conclui que a Autora não é portadora de patologia psiquiátrica (referindo-se, naturalmente às sequelas imputáveis ao parto) - cfr. relatório de fls. 268 a 270.

No entanto, apesar da reconstrução vaginal a que a Autora foi submetida ter debelado o quadro doloroso com que a Autora se viu confrontada em consequência das lacerações que sofreu no parto, não o eliminou totalmente, compreendendo-se, por isso, que o senhor perito médico, no relatório pericial a que se submeteu a Autora junto do IML de Penafiel, junto aos autos a fls. 320 a 324, tenha concluído que aquela, por via das queixas dolorosas permanentes a nível perineal que sofreu em consequência das lacerações que sofreu no parto, se encontra afetada de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 2 pontos, o que se subscreve.
Termos em que na parcial procedência deste fundamento de recurso, altera-se a facticidade julgada provada na alínea WW, o qual passa a constar da seguinte facticidade, que se julga provada:
“WW- Tais sequelas são causa para a Autora de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 2 pontos”.

Introduzidas as alterações supra identificadas à facticidade julgada provada e não provada na sentença sob sindicância, resta verificar se a decisão de direito nela explanada se pode manter.

B.3- Do direito.

Com a presente ação administrativa comum, a Autora pretende ser indemnizada por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrente das lesões e respetivas sequelas por ela sofridas em consequência, em síntese, do parto que lhe foi realizado no Centro Hospitalar (...), EPE, no dia 13 de abril de 2005.
Precise-se que a responsabilidade médica, na falta de regime especial, tem sido enquadrada pela doutrina e pela jurisprudência, quer no âmbito da responsabilidade contratual, quando estejam em causa atos médicos ocorridos no seio do exercício da medicina privada, quer no domínio da responsabilidade civil extracontratual por atos de gestão pública, quando estejam em causa atos médicos praticados no âmbito do Serviço Nacional de Saúde.

É firme e pacifica a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo no sentido da responsabilidade civil decorrente da prática de atos médicos em estabelecimento do Serviço Nacional de Saúde, ser de natureza extracontratual ou aquiliana.

Nesse sentido, veja-se o Acórdão do STA de 09.06.2011, proferido no processo n.º 0762/09 no qual se enuncia que «A responsabilidade por actos ou omissões na prestação de cuidados de saúde em estabelecimentos públicos tem natureza extracontratual, incumbindo ao lesado o ónus de alegar e provar os factos integradores dos pressupostos dessa responsabilidade, regulada, fundamentalmente, no Decreto-Lei 48 051, de 21 de novembro de 1967».

Em igual sentido tome-se também em consideração o Ac. STA, de 16.01.2014, Processo nº 0445/13 no qual igualmente se adverte que «A responsabilidade civil decorrente de factos ilícitos imputados a um Hospital integrado no Serviço Nacional de Saúde não tem natureza contratual, sendo-lhe aplicável o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos».

Esta jurisprudência filia-se no entendimento de que nas relações entre o utente e o SNS se aplica o regime da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, e isso porque, os cuidados de saúde que são prestados aos pacientes por estabelecimentos ou profissionais SNS emergem da obrigação constitucional e legal do Estado de assegurar a todos os cidadãos que careçam de cuidados médico-cirúrgicos essa prestação de serviço público, não estando na disponibilidade dos profissionais/estabelecimentos hospitalares que integrem a rede do SNS a possibilidade de recusarem a prestação dos cuidados de saúde a quem deles necessite e se socorra desses serviços.
Nesse sentido, cita-se o Ac. do STJ de 25/02/2015, processo nº 804/03.2TAALM.L.S1, no qual aquela alta instância, acompanhando a jurisprudência já expressa, reiterou uma vez mais tal entendimento, ao expender que «O ato médico praticado em hospital público integrado no SNS representa um ato técnico no exercício de uma dada profissão de acordo com certas prescrições, naturalmente que da ciência médica, constituindo uma função pública, integrada na denominada “função técnica do Estado”, qualquer que seja a natureza de que se revista o hospital, com ou sem autonomia patrimonial, empresarial ou sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, segundo a classificação adoptada na Lei de Gestão Hospitalar n.º 27/2002, de 08-11.


É, pois maioritária a posição - excluindo-se, ainda a concepção da natureza atípica - que perfilha o entendimento de que a prestação de serviços médicos nos hospitais públicos se não enquadra no contrato de prestação de serviços previsto no CC, no art. 1154.º e ss., antes assumindo uma simples prestação de serviço público, em que, como regra, o médico é desconhecedor da pessoa do doente, e este da pessoa do médico, surgido acidentalmente, ignorando as suas qualidades técnicas, de quem espera o melhor desempenho na aplicação dos melhores e mais oportunos conhecimentos da sua ciência e que não recebe do beneficiário ordens ou instruções, gozando de uma quase total ou, melhor dizendo, total independência» - .cfr. Acs. do STJ, de 24/5/2011, Processo nº 1347/04.2TBPNF.P1.S1; de 29/10/2015,Processo nº 2198/05.2TBFIG.C1.S1.

Em suma, podemos afirmar que os hospitais públicos, em sentido amplo, sejam os que estão enquadrados no setor público administrativo, como os que apenas fazem parte do setor empresarial do Estado e as Parcerias Público-Privadas, todos eles, atuam no exercício de prerrogativas de poder público e/ou exercem atividades reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo, pelo que os atos médicos (sejam eles ações ou omissões) neles praticados correspondem, inequivocamente, ao exercício da função administrativa.
Foi também este o entendimento subscrito pela 1.ª Instância na sentença recorrida, em que se considera que a efetivação da responsabilidade médica por ato médico realizado no estabelecimento hospitalar demandado, integrado no SNS, é de natureza extracontratual ou aquiliana, o que conforme resulta do que se acaba de expandir se mostra conforme à jurisprudência largamente maioritária da jurisdição administrativa, a qual se subscreve.

Por outro lado, é igualmente pacífico que os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública decorrente de atos ilícitos praticados pelos seus agentes são idênticos aos do regime da responsabilidade civil extracontratual prevista e regulada no art. 483º Código Civil.

Nesse sentido, veja-se exemplificativamente a jurisprudência promanada no Ac. do STA, de 3/07/2007, processo nº 0443/07, no qual se enuncia que «A responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante (culpa), o prejuízo ou dano, e o nexo de causalidade entre este e o facto».

Cingindo-se especificamente à responsabilidade médica, no Ac. do STA de 20/04/204, Proc. 982/05, expande-se que “Nas ações de responsabilidade médica tem aplicação o regime geral do nosso ordenamento jurídico – art. 342º, n.º 1 do CC -, de acordo com o qual cabe à Autora fazer a prova dos factos constitutivos do direito à indemnização, salvo nos casos de presunção legal – art. 344º, n.º 1 do CC – ou quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado – art. 344º, n.º 2 do CC”.

Deriva do que se vem dizendo que ancorando-se a pretensão indemnizatória a que a Autora se arroga titular perante o hospital público Réu no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por ato ilícito de um ente público, cabe àquela o ónus da alegação e da prova da verificação dos requisitos gerais cumulativos da responsabilidade civil aquiliana, os quais se reconduzem ao facto, à ilicitude, à culpa, ao dano e ao nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano – neste sentido veja-se ainda os Acs. do STA, de 20/05/1999, Rec. 39535; 2/12/2009, Processo nº 0763/09; 10/05/2001, Proc. 47173; e de 14/04/2005, Proc. 0677/03.

O parto a que a Autora se submeteu junto do hospital Réu teve lugar no dia 13 de abril de 2005, altura em que se encontra em vigor o Decreto Lei n.º 48.051, de 21/11/1967, pelo que é à luz deste diploma que se terá de aferir do preenchimento ou não dos enunciados pressupostos legais constitutivos do direito indemnizatório a que aquela se arroga titular perante o hospital demandado.

Na responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos, conforme decorre do disposto no art. 6º do DL 48.051, relativamente aos atos e operações materiais, a ilicitude emerge da violação das normas legais ou regulamentares ou ainda de infração às regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.

Dito por outras palavras, a ilicitude não decorre imediatamente da verificação do dano (lesão de um direito subjetivo) e da sua decorrência em termos de causalidade adequada da ação imputada ao réu.

Conforme se pondera no acórdão do STA, proferido no Processo 0982/03: “(…) A lei não se basta com a produção causalmente adequada da ofensa dos direitos de terceiros ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses (art.3º do DL 48 051, de 1967.11.21). Exige a infração de regras técnicas e/ou do dever geral de cuidado, como dimensão ineliminável de um comportamento ilícito, significando que a ilicitude não está centrada exclusivamente no resultado danoso - ilicitude de resultado – e que, igualmente, está sempre na dependência do desvalor de um determinado comportamento – ilicitude de conduta (vide, neste sentido, na doutrina GOMES CANOTILHO, RLJ, Ano 125º, p. 84, MARCELO REBELO DE SOUSA, “ Responsabilidade dos Estabelecimentos Públicos de Saúde: Culpa do Agente ou Culpa da Organização? “, in “Direito da Saúde e Bioética”, ed, AAFDL, 1996, p. 172 e MARGARIDA CORTEZ, “Responsabilidade Civil da Administração por Atos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado”, pp. 50/53 e na jurisprudência deste Supremo Tribunal, por exemplo, o acórdão de 1998.03.17 – recº nº 42 505). Posto isto, podemos concluir que na responsabilidade civil extracontratual, por acto cirúrgico ilícito, o desvalor da ação do agente - a violação das legis artis ou do dever geral de cuidado – é um dos pressupostos constitutivos da obrigação de indemnizar. (…)”.

Como bem observa VERA LÚCIA RAPOSO in “Do ato médico ao problema jurídico. Breves Notas sobre o Acolhimento da Responsabilidade Médica Civil e Criminal na Jurisprudência Nacional”, Coimbra, 2015, pág. 17, «A ilicitude da atividade médica não resulta necessariamente de violação da lei, do contrato, e nem mesmo do interesse de outrem, mas sim da violação das regras próprias da prática médica, consagradas nos mais diversos locais». Note-se que no domínio da responsabilidade civil médica, «só existe falta médica quando o médico viola, cumulativamente, uma lei da arte e o dever de cuidado que lhe cabe, e assim se afasta daquilo que dele é esperado naquele caso (o que, no mundo anglo-saxónico, é conhecido como common practises”)».«Noutros casos a falta médica não radica no ato praticado – aquele resultado nefasto pode até ser considerado um dos riscos possíveis e inevitáveis do ato médico, ou uma consequência que no caso concreto não se ficou a dever a uma falta do agente – mas sim na ausência do subsequente ato que corrigiria o resultado lesivo».

De resto, o entendimento que tem seguido pela doutrina e pela jurisprudência administrativa que acabamos de enunciar, nos termos do qual, a ilicitude terá de radicar na violação pelo médico da legis artis própria da sua atividade e/ou na violação do dever geral de cuidado, não deixa de se mostrar conforme com a circunstância de, no ato médico, o prestador do ato não se obrigar a curar o doente da patologia de saúde que o afeta, mas sim a prestar-lhe tratamento adequado para essa patologia, mediante observância diligente e cuidada das regras da ciência e da arte médicas (legis artis), porquanto a prática da medicina envolve, em regra, uma natureza complexa e aleatória derivada da própria complexidade dos sistemas psicossomáticos humanos, a par do estado e desenvolvimento dos conhecimentos científicos e técnicos disponíveis e, nessa medida, a obrigação de prestar o ato médico configura-se, não como uma obrigação de resultado, mas de meios, em que o médico se obriga tão só a diligentemente, atento o conhecimento científico e o desenvolvimento da arte médica, a prestar o tratamento médico adequado ao doente Ac. STJ. De 23/03/2017, Proc. 296/07.7TBMCN.P1.S1, in base de dados da DGSI..

Como ensina Almeida Costa, “as obrigações de meios” são aquelas em que o devedor se compromete a desenvolver, prudente e diligentemente, certa atividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza” Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 11ª ed., Almedina, pág. 1039., pelo que sendo assim, a ilicitude nunca poderia resultar do ato médico praticado ou omitido ter tido como resultado a ofensa dos direitos subjetivos do doente ou de disposições legais destinadas a proteger os interesses destes, mas apenas pode derivar da circunstância do médico não ter agido de acordo com a legis artis próprios da sua arte (profissão) e do estado de desenvolvimento desta ou ter infringido o dever geral de cuidado.

Logo, deriva do que se vem dizendo que para se aferir do requisito da ilicitude é necessário que, no caso, a Autora tenha alegado e provado factos com poder persuasivo bastante para num juízo corrente de probabilidade firmar o convencimento de que o resultado danoso verificado na sua pessoa foi antecedido de gestos clínicos e/ou cirúrgicos dos serviços do Réu praticados ou omitidos com desrespeito das regras de ordem técnica e/ou do dever geral de cuidado, próprios da atividade médica Ac. STA de 16/01/2014, Proc. 0445/13, in base de dados da DGSI..

No caso dos autos, a Autora funda a pretensa ilicitude dos atos médicos que lhe foram prestados durante o parto, no dia 13 de abril de 2005, na circunstância de lhe ter sido feita uma episiotomia, durante o trabalho de parto, técnica cirúrgica essa que reputa como contrária à legis artis, e de que faz derivar as lacerações perineais que sofreu e as respetivas sequelas, das quais resultaram os danos patrimoniais e não patrimoniais cuja indemnização reclama.

Mais alega que essas mesmas legis artis impunham que fosse objeto de cesariana.
A episiotomia consiste num ato cirúrgico consubstanciado num pequeno corte reto, feito no termo do canal vaginal para facilitar a expulsão do feto do canal vaginal.

Esse ato cirúrgico nunca deve ser realizado generalizadamente, mas apenas em parturientes, em que as enfermeiras especialistas em obstetrícia que assistam ao trabalho de parto, constatem, em concreto, que existe o risco iminente da parturiente sofrer laceração grave e descontrolada do períneo e/ou quando constatem que o parto não evolui e que o feto se encontra preso/retido no canal vaginal, em taquicardia, havendo uma diminuição da irrigação sanguínea do cérebro, com o risco daquele poder sofrer lesões neurológicas (cfr. alínea Y1 da facticidade apurada).

No caso da Autora, apurou-se que durante o trabalho de parto as enfermeiras especializadas em obstetrícia que assistiram ao parto, realizaram-lhe efetivamente episiotomia (cfr. alínea Y dos factos apurados).

No entanto, conforme resulta da facticidade apurada sob a alínea Y1, contrariamente à tese da Autora, a circunstância do corpo clínico do hospital Réu lhe ter feito episiotomia, de per se, não permite concluir que aquelas atuaram em violação da legis artis, na medida que se é certo que constituirá violação dessas normas/regras técnico-científicas-médicas a realização generalizada a todas as parturientes desse ato cirúrgico, não menos certo é que existem situações (as descritas na mencionada alínea Y1), em que a não realização do mesmo pelo corpo clínico que faz o parto, apesar de necessário, para evitar o risco para a vida ou a integridade física do feto ou para a integridade física da mãe (parturiente), constituirá violação dessas mesmas regras.

Dir-se-á que o ato cirúrgico em que se consubstancia a episiotomia, será conforme às legis artis quando realizado seletivamente, isto é, quando o corpo clínico que faz o parto, durante o trabalho de parto, conclua pela existência de um daqueles dois riscos: risco do feto sofrer lesões neurológicas decorrentes de estar preso no canal vaginal e do parto não estar a evoluir e/ou risco da parturiente sofrer uma laceração perineal descontrolada eminente. E será contrária a essa legis artis quando seja realizado fora dessas duas situações de perigo acabadas de descrever.

Ora, porque cumpria à Autora o ónus da alegação e da prova em como a episiotomia nela realizada foi efetuada fora daquelas duas situações de perigo (art. 342º, n.º 1 do CC), por forma a demonstrar em como ao realizá-la, as enfermeiras que lhe fizeram o parto, não lhe prestaram o tratamento médico necessário e adequado durante o parto, de acordo com o estádio de conhecimento da ciência e da arte médica, não tendo a mesma Autora logrado fazer prova em como aquele ato cirúrgico tivesse sido realizado pelas enfermeiras fora das mencionadas situações de risco que impunham a sua realização (cfr. ponto 3º dos factos não provados), sequer que era reclamado que a mesma desse à luz por cesariana, é apodítico que da simples circunstância de à Autora ter sido realizada episiotomia durante o parto, não é possível concluir pela existência de qualquer ilicitude por parte do corpo clínico que lhe fez o parto.

Deste modo, impõe-se concluir pela improcedência da pretensão indemnizatória deduzida pela Autora contra o hospital Réu, por claudicação do requisito da ilicitude.

Acresce que essa pretensão também tinha de improceder, quando se constata que a Autora também não fez prova, conforme era seu ónus fazer (n.º 1 do art. 342º do CC) da existência do indispensável nexo causal entre a episiotomia que lhe foi realizada e as lacerações que sofreu no parto, com as inerentes sequelas, e que se encontram descritas na alínea Y dos factos apurados.

Com efeito, apesar de um dos critérios clínicos para ser efetuada episiotomia à parturiente ser o risco iminente desta sofrer laceração grave e descontrolada do períneo (cfr. al. Y1 dos factos apurados), nem sempre se atinge o resultado almejado, uma vez que existem vários fatores, incontroláveis para quem faz o parto, que, ainda assim, podem levar às lacerações profundas e graves que se quis evitar, não obstante a execução da episiotomia.

Ou seja, a circunstância da Autora ter sido objeto de episiotomia durante o parto, em princípio, mas não necessariamente, obstou a que a mesma tivesse sofrido lacerações maiores e mais graves que as que sofreu (cfr. alínea Y2 dos factos apurados), pelo que a episiotomia ou atenuou as lacerações e as inerentes sequelas adveniente para a Autora do parto, ou foi indiferente para esse resultado, mas nunca agravou o mesmo, pelo que não existe nexo causal entre episiotomia e as efetivas lacerações (e as inerentes sequelas) sofridas pela Autora no parto.

Resulta do que se vem dizendo, que contrariamente ao decidido pela 1ª Instância, impõe-se concluir pela improcedência da presente ação por a Autora não ter logrado demonstrar os requisitos da ilicitude, sequer do do nexo causal entre episiotomia e lacerações sofridas.

Na sentença recorrida, a 1ª Instância fez derivar o requisito da ilicitude, entre outros, da circunstância de a Autora não ter consentido que a Ré lhe executasse a episiotomia.

No entanto, conforme já referido, a Autora não estribou a sua pretensão indemnizatória nessa concreta causa de pedir, pelo que ao assim decidir, a 1ª Instância incorreu no vício da nulidade da sentença, na parte em que conheceu dessa concreta causa de pedir não alegada (inexistência do consentimento da Autora para ser submetida pelo corpo clínico do Réu a episiotomia, se necessário fosse, durante o trabalho de parto), por excesso de pronúncia a que alude a al. d), do n.º 1 do art. 615º do CPC.

De resto, independentemente dessa nulidade, justamente porque a Autora não assentara a sua pretensão indemnizatória nessa concreta causa de pedir e como tal, não alegou, na petição inicial, os pertinentes factos essenciais, a 1ª Instância acabou por concluir pela inexistência daquela autorização concedida pela Autora ao Réu para que lhe fosse executada episiotomia, caso se viesse a constatar, durante o parto, ser necessária, quando da facticidade que julgou provada na sentença, não consta qualquer facto que lhe permitisse concluir pela existência ou inexistência desse consentimento, pelo que não fora a nulidade por excesso de pronúncia, sempre o assim decidido teria de ser revogado por erro de julgamento.

Resulta do exposto, proceder a presente apelação e, em consequência, impõe-se revogar a sentença recorrida e absolver o Réu do pedido.
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IV- DECISÃO

Nestes termos, a conformidade, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte, em julgar a presente apelação procedente e, em consequência:
a- introduzem as alterações supra identificadas à facticidade julgada provada e não provada pela 1ª Instância na sentença recorrida;
b- revogam a parte decisória da sentença e absolvem o Réu Centro Hospitalar (...), E.P.E. do pedido.
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Custas em ambas as instâncias pela Autora (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 05 de março de 2021.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro