Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00407/16.1BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/27/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM; ESTADO PORTUGUÊS; ATRASO NO FUNCIONAMENTO DA JUSTIÇA; INDEMNIZAÇÃO; PRESCRIÇÃO.
Recorrente:M., e Outros
Recorrido 1:Estado Português
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
M., A. e D., todas melhor identificadas nos autos, propuseram ação administrativa comum contra o Estado Português, pedindo a sua condenação no pagamento das seguintes somas, a título de indemnização por atraso na justiça:
a) À Autora M. a quantia de EUR 50.000,00 (cinquenta mil euros);
b) À Autora D. a quantia de EUR 25.000,00 (vinte e cinco mil euros);
c) À Autora A. a quantia de EUR 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
Por sentença proferida pelo TAF de Mirandela foi julgada procedente a excepção peremptória de prescrição invocada na contestação.

Desta vem interposto recurso pelas Autoras M. e D..
Alegando, concluíram:

1. A sentença recorrida julgou totalmente improcedente por não provada a ação e absolveu o réu Estado Português do pedido de condenação no pagamento às recorrentes de uma indemnização, com fundamento na responsabilidade civil extracontratual, por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, tal como preceituado no art. 6.º, n.º 1 da CEDH e no art. 20.º, n.º 1 e 4 da CRP.
2. Na sentença, a M.mª Juiz a quo decidiu, por um lado, que a pretensão indemnizatória das recorrentes quanto à morosidade da ação laboral, da ação penal e da ação declarativa de responsabilidade civil que correram termos no Tribunal Judicial de Mirandela na sequência de um acidente de viação do qual resultou a morte do pai e filhas das recorrentes, se encontra prescrita.
3. Por outro lado, no que respeita à ação de consignação em depósito, decidiu que não se verifica o pressuposto da ilicitude porquanto entende ser razoável a duração de 3 anos na 1ª Instância e 5 anos na sua globalidade.
4. As recorrentes discordam das decisões proferidas porquanto entendem, desde logo, que não se verifica a prescrição do direito indemnizatório decorrente da violação do direito a uma decisão judicial num prazo razoável.
5. A questão decidenda, relativamente à qual há divergência de entendimento, reporta-se ao momento do início da contagem do prazo de prescrição em relação a cada uma das acções em causa, que estiveram pendentes e tiveram o seu desfecho em momentos diversos.
6. Na sentença recorrida, considera-se que o início da contagem do prazo de prescrição ou o momento em que o lesado tem conhecimento do respetivo direito de indemnização que lhe compete coincide com a data do desfecho de cada uma dessas acções.
7. As recorrentes defendem que apenas com a prolação da decisão judicial definitiva na acção de consignação em depósito, em 02.12.2013, tiveram conhecimento do direito a indemnização, porquanto apenas nesse momento tiveram conhecimento da existência de danos provocados pela morosidade da justiça.
8. Na verdade, à data da prolação da decisão judicial na ação de responsabilidade civil extracontratual, em 30.05.2008, decorridos 9 anos desde a sua entrada em juízo, as recorrentes encontravam-se a receber as pensões da Companhia de Seguros (...) (seguradora do acidente de trabalho) e do Centro Nacional de Pensões.
9. E no âmbito dessa ação, foi proferida uma sentença que, para além do mais, condenava a (...) Seguros, SA a pagar às aí autoras M., A. e D., a quantia global de 400.000,00€ acrescida de juros de mora legais, a contar da citação, ocorrida em fevereiro de 2001, até efectivo e integral pagamento, quantificando-se os referidos juros em montante superior a 100.000,00€.
10. As recorrentes haviam finalmente obtido uma decisão judicial, num prazo longe de ser razoável, mas o atraso verificado estava compensado na própria de decisão judicial com a condenação no pagamento às autoras de juros de mora sobre a quantia indemnizatória fixada, inexistindo por isso dano resultante do atraso na justiça.
11. Acontece porém que, na ação de consignação em depósito, que correu termos por apenso à ação de responsabilidade civil e que demorou mais 5 anos até à decisão judicial definitiva, foram decididas duas questões que influenciaram de forma significativa o valor das indemnizações que vieram a ser recebidas pelas recorrentes.
12. Por um lado, foi decidido que o montante de cerca de 100.000,00€ devido pela (...) Seguros a título de juros de mora sobre a indemnização arbitrada às recorrentes para ressarcimento dos danos patrimoniais, deveria ser pago na íntegra à seguradora do acidente de trabalho e não às recorrentes.
13. Por outro lado, foi decidido descontar os valores que o Centro Nacional de Pensões e a seguradora de acidentes de trabalho haviam pago às recorrentes durante 16 anos na indemnização global arbitrada para ressarcir os danos patrimoniais, desconsiderando os montantes parciais atribuídos a cada uma das recorrentes, resultando assim que à indemnização da recorrente M. foram descontadas verbas que o Centro Nacional de Pensões e a seguradora haviam pago às filhas A. e D..
14. O que significa que, contrariamente às suas expectativas, decorrentes da decisão judicial proferida na acção decorrente do acidente de viação – de receber a título de juros de mora um montante superior a 100.000,00€ - as recorrentes não receberam um euro que fosse a esse título.
15. Nessa data de 02.12.2013, em que foi proferida decisão judicial na ação de consignação em depósito e as recorrentes tomaram conhecimento destas circunstâncias, é que se se verificaram todos os factos geradores dos danos e consequentemente tiveram as recorrentes conhecimento dos mesmos e do seu direito e, na sequência, se iniciou o prazo de prescrição do direito indemnizatório face ao atraso da justiça na ação de responsabilidade civil extracontratual decorrente de acidente de viação e da ação de consignação em depósito.
16. E assim sendo, o prazo de prescrição do direito indemnizatório exercido pelas recorrentes iniciou-se em 02.12.2013, tendo-se interrompido em 25.11.2016, com a entrada em juízo da presente ação e citação do réu Estado Português.
17. Ao decidir que, quanto à ação declarativa de responsabilidade civil, se encontra prescrita a pretensão indemnizatória das recorrentes face à delonga em tal ação, a sentença recorrida viola o art. 498.º, n.º 1, do Código Civil.
18. O direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, garantido constitucionalmente no artigo 20.º n.º 4, que dispõe que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
19. Da factualidade provada resulta que a acção de responsabilidade civil extracontratual por acidente de viação e a ação de consignação em depósito estiveram diversas vezes paradas, sem qualquer movimentação, demorando respectivamente 9 anos e 5 anos até à prolação da decisão definitiva.
20. Era exigível que nos processos em questão, a decisão definitiva fosse obtida num prazo mais curto, atendendo à elevada importância do litígio para as partes e à sua relevância social.
21. Posto isto, e ao contrário do decidido na sentença recorrida quanto à ação de consignação em depósito - afigura-se tal duração violadora do direito das recorrentes a uma decisão em prazo razoável, tal como preceituado no art. 6.º, n.º 1 da CEDH e no art. 20.º, n.º 1 e 4 da CRP.
22. O sofrimento das recorrentes em resultado do atraso dos processos merece a tutela do direito, devendo as recorrentes ser compensadas com indemnizações justas e adequadas que devem atender, para além do mais, ao facto de as recorrentes não terem recebido qualquer quantia a título de juros de mora calculados sobre a indemnização arbitrada na ação de responsabilidade civil decorrente de acidente de viação e bem como ao facto de terem descontado à recorrente M. parte do valor das pensões recebidas pelas recorrentes, suas filhas A. e D., fixando-se as indemnizações nos termos peticionados na ação.
Nestes termos e nos melhores de direito que suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença proferida, substituindo-se por acórdão que julgue a ação procedente, por provada, e condene o Estado Português no pagamento de uma indemnização às recorrentes, assim se fazendo JUSTIÇA!

O MP, em representação do Estado Português, ofereceu contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:
Deve o presente recurso ser julgado não provido e improcedente;
Mantendo-se os termos da decisão recorrida.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. Em 26.03.1997, ocorreu um acidente de viação de que resultou a morte de A., marido da primeira Autora e pai das segundas Autoras (cfr. sentença a fls. 1071 e ss do 6.º volume do processo judicial que correu termos sob o n.º 525/1999, atualmente 284/14.7T8BGC).
2. Na sequência do acidente referido em 1, correu termos junto do Tribunal do Trabalho do Círculo Judicial de Barcelos o processo judicial com o n.º 191/97, que terminou com um acordo homologado na tentativa de conciliação realizada em 14 de julho de 1997.
3. O sinistro referido em 1 deu ainda origem a um processo-crime que correu termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Mirandela sob o n.º 65/2000 (e posteriormente sob o n.º 206/17.8TBMDL).
4. No âmbito do processo referido no ponto anterior, foi proferido Acórdão do Tribunal da Relação em 09.04.2003, do qual não foi apresentado recurso.
5. Correu ainda termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Mirandela, sob o n.º 525/99 (e posteriormente sob o n.º 284/14.7T8BGC), uma ação cível, à qual foi apensada a ação cível intentada pela 1.ª Autora, por si e em representação das 2.ª e 3.ª Autora, então menores, em 26.10.1999, que correu termos sob o n.º 38/01.
6. Em 13.01.2000, a 1.ª Autora remeteu ao Conselho Superior da Magistratura uma exposição sobre o atraso do processo, cuja resposta foi rececionada em 18.01.2000.
7. Em 08.02.2001, foi a 1.ª Autora notificada do teor do despacho judicial a ordenar o prosseguimento do processo e a junção de documentos.
8. Em 17.03.2000, foi determinada a apensação da ação ordinária que correu termos sob o n.º 462/99 (e que anteriormente teve o n.º 127/99) à ação referida em 5 (cfr. fls. 209 do 1.º volume do processo judicial que correu termos sob o n.º 525/1999, atualmente n.º 284/14.7T8BGC).
9. Em 02.03.2001, a 1.ª Autora juntou aos autos os documentos solicitados.
10. Em 30.03.2001, a 1.ª Autora foi notificada das contestações apresentadas pelos réus e, em 27.04.2001, deu entrada em juízo da réplica.
11. Em 10.05.2001, foi determinada a apensação da ação ordinária que correu termos sob o n.º 38/01 à ação referida em 5 (cfr. fls. 278 do 2.º volume do processo judicial que correu termos sob o n.º 525/1999, atualmente n.º 284/14.7T8BGC).
12. Em 19.09.2001, a autora foi notificada do despacho proferido sobre os pedidos de apoio judiciário.
13. Em 16.04.2002, a 1.ª Autora requereu a intervenção principal provocada do Gabinete Português de Carta Verde.
14. Em 04.07.2002, a 1.ª Autora foi notificada da contestação apresentada pelo Gabinete Português de Carta Verde.
15. Em 03.04.2003, a 1.ª Autora remeteu uma exposição sobre atraso na administração da justiça à Senhora Ministra da Justiça e ao Conselho Superior da Magistratura.
16. Em 16.02.2004, a 1.ª Autora foi notificada do despacho saneador.
17. Em 12.05.2004, a 1.ª Autora apresentou pedido de apoio judiciário junto dos Serviços da Segurança Social e juntou o respetivo comprovativo ao processo.
18. Em 18.10.2004 e em 12.11.2004, foram realizadas duas sessões da audiência de julgamento (cfr. fls. 454 e ss do 2.º volume e fls. 547 e ss do 3.º volume do processo judicial que correu termos sob o n.º 525/1999, atualmente n.º 284/14.7T8BGC).
19. Em 26.11.2004, a 1.ª Autora foi notificada da resposta à matéria de facto.
20. Em 31.05.2005, a 1.ª Autora foi notificada da sentença.
21. Em 09.02.2006, a 1.ª Autora foi notificada do acórdão do Tribunal da Relação que anulou o julgamento e atos posteriores, mais determinando que o Mm.º Juiz se pronunciasse sobre a ampliação do pedido que havia sido requerida (cfr. fls. 876 e ss do 5.º volume do processo judicial que correu termos sob o n.º 525/1999, atualmente n.º 284/14.7T8BGC).
22. Em 12.10.2006, a 1.ª Autora foi notificada do despacho de aditamento de quesito à base instrutória e, em 24.10.2006, foi notificada do despacho a designar a data para a realização da audiência de julgamento, tendo por objeto os factos constantes do quesito aditado à base instrutória.
23. Em 05.02.2007, no âmbito do processo judicial referido em 4, foi emitida pelo Tribunal Judicial de Mirandela sentença de que consta o seguinte segmento decisório parcial:
(…)
2.º
Condena-se os réus S., (...) Seguros, S.A. e E., Lda., solidariamente, a pagarem à autora M., por si e em representação das filhas menores, A. e D., a quantia global de € 297 142 (duzentos e noventa e sete mil cento e quarenta e dois euros); sendo, parcialmente, atribuída a todas as autoras, a quantia de 65 000 (sessenta e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais sofridos pelo seu falecido marido e pai; à autora M., a quantia de € 15 000 (quinze mil euros), por danos morais próprios, e a quantia de € 100 000 (cem mil euros), por danos patrimoniais; à autora A., a quantia de € 15 000 (quinze mil euros), por danos morais próprios, e a quantia de € 29 920 (vinte e nove mil novecentos e noventa euros), por danos patrimoniais; acrescidas todas as quantias de juros de mora legais, contar da citação, as que correspondem aos danos patrimoniais, e a contar da prolação da presente sentença, as correspondentes a danos não patrimoniais, até efectivo e integral pagamento.
(…)
4.º
Condena-se a ré (...) Seguros, S.A. a pagar à autora Companhia de Seguros Mundial – C., S.A., ora, Companhia de Seguros – (...), S.a., a quantia de € 134.595,79 (cento e trinta e quatro mil quinhentos e noventa e cinco euros e setenta e nove cêntimos) e o montante das prestações pagas na pendência da acção às autoras M., A. e D., sem prejuízo de estas optarem pela indemnização (cível ou laboral) que mais lhes convenha.” (cfr. fls. 1071 e ss do 6.º volume do processo judicial que correu termos sob o n.º 525/1999, atualmente n.º 284/14.7T8BGC).
24. Em 07.02.2007, a 1.ª Autora foi notificada da sentença referida no ponto anterior.
25. Da sentença proferida, foi interposto recurso, admitido por despacho notificado em 17.03.2007.
26. As alegações de recurso foram apresentadas pelos recorrentes no decurso do mês de Abril de 2007.
27. Em 10.07.2007, a 1.ª Autora foi notificada do despacho a ordenar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação.
28. Em 13.12.2007, no âmbito do processo judicial referido em 4, foi emitido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de que consta o seguinte segmento decisório:
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, em julgar:
- Improcedente a apelação interposta pela apelante seguradora “R., S.A.” e
- Parcialmente procedentes as apelações interpostas pelos AA. M., C., M., A. e D. e,
Consequente, no mais mantendo a sentença recorrida, condenam-se, nos termos que constam da fundamentação:
- Solidariamente as RR. “R., SA.” e “E., Ldª” a pagar aos AA. as seguintes quantias:
- Ao A. M. a quantia de 233.793,40 € e
- À A. C. a quantia de 33.000 € e
- Solidariamente os RR. “R. S.A.”, “E., Ldª” e S., a pagar às AA. as seguintes quantias:
- Às AA. M., A. e D. a quantia global de 410.000 €, sendo parcialmente atribuída a todas as AA. a quantia de 65.000 €, à A. A. a quantia de 70.000 €, à A. D. 45.000 € e à A. M. a quantia de 220.000,00 €.
(…)” (cfr. fls. 1308 e ss do 7.º volume do processo judicial que correu termos sob o n.º 525/1999, atualmente n.º 284/14.7T8BGC).
29. Em 18.12.2007, a 1.ª Autora foi notificada do Acórdão do Tribunal da Relação referido no ponto anterior.
30. Na sequência da interposição de recurso de revista, foi proferido despacho de admissão dos recursos, notificado à 1.ª Autora em 28.01.2008, e ordenada a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça por despacho notificado em 18.04.2008.
31. Em 27.05.2008, no âmbito do processo judicial referido em 4, foi emitido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de que consta o seguinte segmento decisório:

Pelo exposto, concedem-se parcialmente as revistas dos recorrentes M. e C., condenando-se, solidariamente, a R. R. e “E., L.da” a pagar aos AA. M. e C., respectivamente, as quantias de 243.793,40 € (100.000€ + 25.000€ + 9.409,20€ + 109.384,20€) e 48.000€ (40.000€ + 8.000€).
Concede-se parcialmente a revista da R. R., considerando-se que a sua responsabilidade, derivada do presente acidente, é limitada ao montante do seguro contratualmente estipulada, ou seja, 125.000.000$00 (623.497,50€), sem prejuízo dos jutos pelas quantias devidas.
Negam-se as revistas dos AA. M. e C. e da R. R., quanto ao mais, mantendo-se o decidido, designadamente, que às pensões arbitradas às AA. M. e filhas há que descontar as pensões por si auferidas do ISSS/CNP e as adiantadas pela Mundial S. A. e que a R. R. foi condenada a pagar; e bem ainda que não haverá sobreposição de pensões – laboral e com base no acidente de viação – devendo essas AA. optar pela que mais lhe convenha.
(…)” (cfr. fls. 1477 e ss do 9.º volume do processo judicial que correu termos sob o n.º 525/1999, atualmente n.º 284/14.7T8BGC).
32. Em 30.05.2008, a 1.ª Autora foi notificada do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça referido no ponto anterior.
33. Porque os autores da ação referida nos pontos anteriores não se entendiam quanto ao montante a receber da ré seguradora (...) Seguros, S.A., em 29.08.2008, esta apresentou no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Mirandela uma ação de consignação em depósito, entre outros, contra as Autoras, através de uma p.i. com o seguinte conteúdo parcial:
(...) Seguros, S.A., (….)
Vem propor contra,
M.,
C.
Z., COMPANHIA DE SEGUROS Y REASEGUROS,
M.,
A.
D.,
INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL
COMPANHIA DE SEGUROS (...) – M., S.A.,
(…)

Acontece que, por decisão judicial, já confirmada por Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, já transitada em julgado, já se encontram determinadas as quantias para os danos sofridos pelos RR acima mencionados.

Sucede que, o montante objecto de condenação excede, consideravelmente, o limite máximo coberto pela apólice (€ 623.497,50), sendo que a responsabilidade da ora requerente se encontra limitada ao montante de seguro contratualmente estabelecido, sem prejuízo dos juros pelas quantias devidas.
(…)
12º
A verdade é que, após várias tentativas, a A. não consegue de maneira nenhuma proceder ao pagamento junto dos RR, em virtude destes não estarem de acordo com os valores apresentados.
(…)
Termos em que deve a presente acção ser recebida por apenso e autorizado o depósito da quantia de € 623.497,50, sem prejuízo dos juros pelas quantias devidas até ao dia da consignação efectiva.” (cfr. fls. 4 e ss do 1.º volume do processo judicial que correu termos sob o n.º 525-A/1999, atualmente n.º 284/14.7T8BGC-A).
34. A ação intentada nos termos descritos em 33 correu termos junto daquele tribunal por apenso ao processo que correu termos sob o n.º 525/1999, sob o n.º 525-A/1999 (e posteriormente sob o n.º 284/14.7T8BGC-A).
35. A 1.ª Autora foi citada na referida ação em 28.11.2008.
36. As 2.ª e 3.ª Autoras foram citadas em 03.02.2009.
37. Em 11.03.2009, as Autoras (nesta altura já maiores de idade) apresentaram em juízo a sua contestação, com reconvenção (fls. 112 e ss do 1.º volume do processo judicial que correu termos sob o n.º 525-A/1999, atualmente n.º 284/14.7T8BGC-A).
38. Em 06.04.2009, as Autoras foram notificadas da réplica apresentada pela (...) Seguros, SA.
39. Em 07.10.2009, as Autoras foram notificadas do requerimento de alteração de valores apresentado pela F., SA, ao qual responderam em 16.10.2009.
40. Em 05.01.2010, as Autoras foram notificadas do despacho saneador.
41. Na sequência, ainda durante o mês de janeiro de 2010, foram apresentados os requerimentos de prova pelas partes.
42. Em 11.02.2010, as Autoras foram notificadas do despacho de admissão dos meios de prova.
43. Em 02.03.2010, as Autoras foram notificadas do despacho que designava a data para a realização do julgamento.
44. Por despacho de 17.05.2010, face à indisponibilidade de realização de videoconferência na data agendada, foi dada sem efeito a data designada para a realização do julgamento, tendo-se designado antes o dia 27.09.2010 (cfr. fls. 215 e ss do 2.º volume do processo judicial que correu termos sob o n.º 525-A/1999, atualmente n.º 284/14.7T8BGC-A).
45. Em 31.05.2010, a ré F. apresentou em juízo um requerimento de ampliação do pedido, ao qual as autoras responderam por requerimento de 07.06.2010.
46. Em 22.06.2010, as Autoras foram notificadas do despacho de indeferimento da ampliação do pedido.
47. Foi designada nova data de audiência de julgamento por despacho notificado às partes em 24.09.2010.
48. Em 05.12.2010, as Autoras foram notificadas do requerimento apresentado pela ré F. a informar da impossibilidade do seu mandatário comparecer na audiência de julgamento por motivo de doença.
49. Em 06.12.2010, as Autoras deslocaram-se ao Tribunal Judicial de Mirandela para realização da audiência de julgamento, que foi adiada.
50. Em 08.02.2011, as Autoras foram notificadas de despacho que designava nova data para a realização da audiência de julgamento.
51. Em 21.03.2011, realizou-se a audiência de julgamento.
52. Em 31.03.2011, as Autoras remeteram aos autos as alegações de direito.
53. Em 21.08.2011, foi emitida sentença pelo Tribunal Judicial de Mirandela com o seguinte segmento decisório:
Face ao exposto, julgo a acção procedente, por provada, e, consequentemente:
A) Procede-se aos necessários rateios e acertos nos seguintes termos:

A Requerente (...) Seguros pagará a:
(…)
4 - M.:
- A quantia global de € 59.353,075 (cinquenta e nove mil trezentos e cinquenta e três euros, e setenta e cinco cêntimos), sendo € 26.356,848 a título de danos patrimoniais, € 17.774,45 a título de danos morais próprios e € 19.255,66 a título de danos morais por morte do marido, com juros vencidos sobre a primeira no valor de € 10.076,259, sobre a segunda no valor de € 1.248,594, e sobre a terceira no valor de € 1.352,644; total a que se deduz o valor das prestações recebidas pela F. durante a pendência da acção e que é de € 16.711,38.
5 - A.:
- A quantia global de € 45.132,124 (quarenta e cinco mil cento e trinta e dois euros, cento e vinte e quatro cêntimos), sendo € 6.589,211 a título de danos patrimoniais, € 17.774,45 a título de danos morais próprios e € 19.255,66 a título de danos morais por morte do pai, com juros vencidos sobre a primeira no valor de € 2.519,064, sobre a segunda no valor de € 1.248,594, e sobre a terceira no valor de € 1.352,644; total a que se deduz o valor das prestações recebidas pela F. durante a pendência da acção e que é de € 3.607,5.
6 - D.:
- A quantia global de C 33.143,946 (trinta e três mil cento e quarenta e três euros, novecentos e quarenta e seis cêntimos), sendo € 3.294,606 a título de danos patrimoniais, € 17.774,45 a título de danos morais próprios, € 19.255,66 a título de danos morais por morte do pai, com juros vencidos sobre a primeira no valor de € 1.259,532, sobre a segunda no valor de € 1.248,594, e sobre a terceira no valor de € 1.352,644; total a que se deduz o valor das prestações recebidas pela F. durante a pendência da acção e que é de € 11.041,54.
(…)
*
B) Atento o rateio e depósito efectuados, declaro extintas as obrigações de indemnização pelos danos emergentes do sinistro da Requerente (...) Seguros, SA, perante os Requeridos.
*
C) Julgo a reconvenção formulada por M., A. e D. improcedente na medida do decidido supra. (cfr. fls. 343 e ss do 2.º volume do processo judicial que correu termos sob o n.º 525/1999, atualmente n.º 284/14.7T8BGC-A).
54. As Autoras foram notificadas da sentença, da qual interpuseram recurso em 13.10.2011.
55. Em 29.11.2011, as Autoras foram notificadas do despacho a reformar a sentença no que respeita à condenação em custas.
56. Em 15.03.3012, as Autoras foram notificadas do despacho de pronúncia sobre qual a redação do CPC aplicável ao recurso interposto.
57. Em 18.05.2012, as Autoras foram notificadas do despacho a ordenar a subida dos autos ao Tribunal da Relação.
58. Em 14.02.2013, foi emitido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de que consta o seguinte segmento decisório:
“Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso de apelação e, em conformidade, altera-se do seguinte modo a sentença recorrida:
a) As custas da acção são a cargo da Autora e das Rés e na proporção do respectivo decaimento
(….)
b) No mais, mantém-se o que na mesma antes ficou decidido.
(…)” (cfr. fls. 544 e ss do 3.º volume do processo judicial que correu termos sob o n.º 525/1999, atualmente n.º 284/14.7T8BGC-A).
59. Em 19.02.2013, as Autoras foram notificadas do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.
60. Em 04.04.2013, as Autoras remeteram a juízo um recurso de revista motivado.
61. O recurso de revista foi admitido por despacho notificado a 15.10.2013 e que subiu no dia seguinte.
62. Em 21.11.2013, foi proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso de revista excecional (cfr. fls. 725 e ss do 4.º volume do processo judicial que correu termos sob o n.º 525/1999, atualmente n.º 284/14.7T8BGC-A).
63. Em 02.12.2013, as Autoras foram notificadas do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
64. Na sequência da prolação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, as Autoras receberam da F. a indemnização devida pela morte do seu marido e pai.
65. À data da citação na ação principal, 15.02.2001, a Companhia de Seguros (...) Mundial e o Centro Nacional de Pensões tinham pago apenas uma parte dos montantes devidos a título de indemnização.
66. Foi ao longo dos anos seguintes, em prestações mensais, que a Companhia de Seguros (...) Mundial e o Centro Nacional de Pensões pagaram às Autoras os restantes montantes a reembolsar.
67. A p.i. dos presentes autos foi apresentada junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela em 25.11.2016 (cfr. fls. 1 dos presentes autos).
DE DIREITO
Está posta em crise a sentença que julgou procedente a excepção de prescrição.
Na óptica das Recorrentes, que não questionam a factualidade apurada, a decisão viola o preceituado no artigo 498º/1 do CC.
Cremos que carecem de razão.
Antes, atente-se no seu discurso fundamentador:
“(…..)
Como vimos, o Réu alega a prescrição do direito invocado pelas Autoras, em virtude do decurso do prazo de 3 anos de que as Autoras dispunham ao abrigo do disposto no art. 498.º do Código Civil.
Segundo alega, tendo sido proferido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, sem possibilidade de recurso, em 27.05.2008, a responsabilidade do Estado só pode contabilizar-se até essa data, porque o que de mais se passou – mais concretamente, a ação de consignação em depósito -, já não é da responsabilidade do Estado.
Alega ainda o Réu que o processo-crime, a ação ordinária e a ação de consignação em depósito constituem, cada uma per se, uma unidade lógico-processual e até uma significação social-emocional muito própria e diversa, que se esgotou e consumiu, na sua etiologia, com as realizadas prestações do direito à Justiça, respetivamente: (1) com o Acórdão do TRP, em 2003, (2) com o Acórdão do STJ em 2008 e (3) com o Acórdão do STJ, em 21.11.2013 (cfr. alegações a fls. 440 e ss dos autos).
Em sentido contrário, invocam as Autoras que as questões jurídicas que envolveram o acidente de viação apenas foram definitiva e totalmente decididas com a prolação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.12.2013 e que a situação de atraso na justiça não pode ser apreciada de forma individual relativamente a cada um dos processos judiciais, sob pena de, para além do mais, se exigir às Autoras que intentassem uma ação por cada um dos processos judiciais em causa.
Vejamos então.
Ora, desde já se diga que se sufraga o entendimento sustentado pelo Réu, de que cada um dos processos judiciais representa uma unidade lógico-processual.
Na verdade, o ilícito invocado pelas Autoras traduz-se na violação do direito à justiça em prazo razoável, que assegura o direito de obter do órgão jurisdicional competente uma decisão dentro de um prazo temporal proporcional e adequado.
É certo que, para efeitos de se aferir a existência de uma violação de tal direito, cada ação judicial deve ser analisada numa perspetiva global.
Recorrendo às doutas palavras do Tribunal Central Administrativo Norte, “A apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita analisando cada caso em concreto e numa perspetiva global, tendo como ponto de partida, no caso vertente (uma ação cível declarativa), a data de entrada da ação no tribunal competente e como ponto final a data em que é tomada a prolação definitiva, contabilizando as instâncias de recurso e ainda a fase executiva caso existam.
Contudo, deve reportar-se a uma ação judicial em concreto e não à globalidade das relações jurídico-processuais que se possam suscitar em torno de um determinado evento ou de uma determinada factualidade.
Assim, nos presentes autos estão indiscutivelmente em causa processos distintos, em que estão em causa questões jurídico-materiais totalmente diferenciadas, que visam a proteção de bens jurídicos também diferenciados, relativamente a cada um dos quais as Autoras teriam naturalmente direito a obter uma decisão em prazo razoável.
Note-se que, ao contrário do que invocam as Autoras, tal não as impede de formular os pedidos indemnizatórios atinentes ao atraso da justiça nos vários processos numa mesma ação, como de resto o fizeram.
Contudo, é incontornável que eventuais direitos indemnizatórios decorrentes da violação do direito a uma decisão em prazo razoável nos vários processos judiciais que correram termos na sequência do acidente de viação que lhes deu origem prescrevem decorrido que seja o prazo legal de prescrição quanto a cada um desses processos judiciais.
Ora, nos termos do art. 498.º, n.º 1, do Código Civil (CC), aplicável por remissão do art. 5.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEE), aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, contado da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com conhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.
Por conhecimento do direito deve entender-se o momento em que o lesado tem conhecimento do respetivo direito de indemnização que lhe compete, o que não significa que tenha de conhecer na perfeição e na sua integralidade todos os elementos que fazem nascer na sua esfera jurídica o direito de indemnização, uma vez que, nos termos do art. 498.º, n.º 1, do CC, não necessita de conhecer a identidade da pessoa responsável ou a extensão integral dos danos (cfr. Ac. do STA de 27.01.2010, proc. n.º 0513/09, in www.dgsi.pt).
Tal conhecimento não depende, assim, do trânsito em julgado da decisão final na ação judicial em causa.
Recorrendo às palavras do Tribunal Central Administrativo Sul a este respeito:
VI – O prazo de prescrição de três anos do direito de ação de indemnização tem início com o conhecimento pelo lesado da possibilidade legal do ressarcimento dos danos que ocorrem por virtude de certo facto danoso ou atuação danosa. Aquele conhecimento, na prática, presume-se com o conhecimento da ocorrência da factualidade, simples ou complexa, geradora de danos.
VII – O citado prazo de prescrição começa a correr no momento em que o lesado tem consciência de que o processo tem uma duração excessiva e que tal facto lhe está a causar danos. E não após o trânsito em julgado da sentença emitida no processo alegadamente moroso.” (cfr. Ac. do TCAS de 07.02.2019, proc. n.º 3/16.3BEALM, in www.dgsi.pt).
Contudo, se o prazo deve contar-se a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, tal já se verificará certamente aquando do desfecho da ação cuja decisão final não foi proferida em prazo razoável, pese embora não se verifique apenas necessariamente em tal momento.
*
Vejamos então, principiando pela análise da prescrição quanto aos processos de foro laboral e penal.
Revisitando os factos, salienta-se:
- O processo que correu termos junto do tribunal de trabalho teve o seu desfecho em julho de 1997 (cfr. ponto 2 do probatório).
- O processo-crime que correu termos junto do Tribunal Judicial de Mirandela obteve o seu desfecho em 09.04.2003, com a prolação Acórdão do Tribunal da Relação posteriormente transitado em julgado (cfr. ponto 4 do probatório).
Assim, tendo a presente ação sido apresentada em 25.11.2016 (cfr. ponto 67 do probatório), quer quanto à ação laboral, quer quanto à ação penal, aquando da apresentação da mesma, há muito que já havia decorrido o prazo de 3 anos previsto no art. 498.º, n.º 1, do Código Civil.
*
Relativamente às ações judiciais declarativa de responsabilidade civil e de consignação em depósito cumpre efetuar algumas considerações adicionais, uma vez que esta última correu por apenso à primeira e ambos os litígios subjacentes a tais ações se relacionam com uma mesma relação jurídico-material, a saber: a responsabilidade civil dos réus da ação inicial perante as Autoras.
Desde já se diga que, também quanto a ambas estas ações se entende estarem em causa questões jurídico-materiais totalmente diferenciadas, que visam a proteção de bens jurídicos também diferenciados, para efeitos de aferição da existência de uma violação ou não do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável.
Na verdade, através da ação de consignação em depósito, visou a seguradora (...) Seguros, S.A. obviar às dificuldades em proceder ao pagamento da indemnização devida aos réus da ação principal, em virtude de estes não estarem de acordo com os valores apresentados, uma vez que a condenação excedia o limite máximo coberto pela apólice (cfr. ponto 33 do probatório).
Ora, nos termos do art. 1024.º do CPC, na versão em vigor à data dos factos, “Quem pretender a consignação em depósito requererá, no tribunal do lugar do cumprimento da obrigação, que seja depositada judicialmente a quantia ou coisa devida, declarando o motivo por que pede o depósito.”
Através da ação de consignação em depósito, o devedor pode pretender exonerar-se de uma obrigação que sobre si impende.
A respeito da ação de depósito como objeto de ação autónoma, diz o autor Alberto dos Reis o seguinte:
A 1.ª espécie [de depósito] é a que se acha disciplinada nos arts. 1023.º a 1030.º. O devedor, querendo exonerar-se da obrigação nalgum dos casos dos arts. 759.º e 760.º do Cód. Civil, propõe contra o credor acção de consignação em depósito: deposita judicialmente a quantia ou coisa devida e faz citar o credor para impugnar o depósito. Este aparece então como objecto da acção intentada pelo devedor contra o credor. O fim da acção é discutir e apreciar se o devedor teve justo motivo para requerer o depósito ou se depositou o que devia depositar.”(cfr. REIS, Alberto dos – Código de Processo Civil Anotado. Reimpressão da 3.ª Ed. 1951. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 187).
Ora, no caso dos autos, a ação de consignação em depósito foi proposta, entre outros, contra as Autoras por uma das partes contrárias na ação declarativa que que correu termos sob o n.º 525/1999, com vista a esclarecer a forma como um dos réus nessa mesma ação deveria proceder ao pagamento da quantia a que vinha condenado.
Está em causa uma ação judicial autónoma, que tem por base uma nova e diferenciada contenda, no âmbito do qual as partes têm naturalmente o direito a uma decisão em prazo razoável, mas que não deve ser visto como uma globalidade, juntamente com a ação declarativa, para efeitos de aferição do respeito à decisão em prazo razoável.
A questão em causa relaciona-se a uma mesma relação jurídico-material, mas tem por objeto uma questão totalmente distinta da questão subjacente à ação de responsabilidade civil, que se prende antes com o rateio da indemnização fixada, face ao limite máximo coberto pela apólice de seguros (cfr. ponto 53 do probatório).
Este processo tem assim por base um litígio de índole totalmente distinta daquele que constituiu o objeto do litígio inicial.
Posto isto, salienta-se que a ação cível declarativa, com vista ao apuramento de responsabilidade civil, intentada pelas Autoras em 26.10.1999, terminou em 27.05.2008, com a prolação de Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. ponto 31 do probatório).
Por seu turno, a ação de consignação em depósito, intentada pela seguradora (...) Seguros, S.A., em 29.08.2008, terminou em 21.11.2013, com a prolação de acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. ponto 62 do probatório).
Assim, tendo a presente ação sido apresentada em 25.11.2016 (cfr. ponto 67 do probatório), quanto à ação declarativa de responsabilidade civil, aquando da apresentação da mesma há muito que já havia decorrido o prazo de 3 anos previsto no art. 498.º, n.º 1, do Código Civil, encontrando-se prescrita a pretensão indemnizatória das Autoras face à delonga em tal ação. Tal apenas não sucede no que respeita à ação de consignação em depósito, que foi intentada em 29.08.2008 e que terminou em 21.11.2013 (cfr. pontos 33 e 62 do probatório), devendo os autos prosseguir quanto à mesma.
*
À luz do que vem dito, considero prescrito o direito das Autoras de obter uma indemnização por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável quanto às ações judiciais referidas nos pontos 2, 3 e 5 do probatório.
Tal exceção improcede apenas quanto à ação judicial referida no ponto 33 do probatório, prosseguindo a ação para apuramento da existência da responsabilidade que vem imputada ao Réu, com base na delonga de tal ação judicial apenas.
**
Do invocado atraso na justiça na ação de consignação em depósito:
Vejamos então se procede a alegada responsabilidade civil do Réu em virtude da demora do processo judicial de consignação em depósito intentada em 29.08.2008, que correu termos junto do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Mirandela sob o n.º 525-A/1999 (cfr. pontos 33 e 34 do probatório), principiando por uma breve resenha legal.
A partir da entrada em vigor do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (RRCEE), aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, a lei passou a consagrar expressamente a responsabilidade por danos causados pela administração da justiça.
Nos termos do art. 12.º da Lei n.º 67/2007, “Salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.
Ora, prevê o art. 7.º, n.º 1, do mesmo diploma que “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.
São, assim, à luz de ambos estes preceitos, os seguintes os pressupostos cumulativos da responsabilidade civil:
(1) o facto, que se traduz num ato de conteúdo positivo ou negativo de natureza voluntária, praticado por um órgão ou agente no exercício das suas funções e por causa desse exercício;
(2) a ilicitude, que se traduz na ofensa de direitos de terceiros ou de disposições legais destinadas a proteger os seus interesses;
(3) a culpa, que se traduz num nexo de imputação ético-jurídica do facto ao agente através de um juízo de censura;
(4) um dano, que se traduz numa lesão de ordem patrimonial ou moral;
(5) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, apurado segundo a teoria da causalidade adequada.
*
Principiando pelo pressuposto da ilicitude, cumpre antes do mais, aferir se ocorreu, no caso dos presentes autos, a violação do direito a uma decisão em prazo razoável.
O direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, garantido constitucionalmente no artigo 20.º n.º 4, que dispõe que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
Também o artigo 6.º da CEDH, estabelece no seu n.º 1 que, “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (…).”.
Por seu turno, prevê o art. 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2000/C 364/01), que “Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.
No que respeita ao conceito “prazo razoável”, a doutrina e a jurisprudência, quer do TEDH, quer dos tribunais nacionais, tem evoluído no sentido da respetiva densificação, apontando uma metodologia adequada a avaliar a razoabilidade da duração de um processo.
Em termos quantitativos, neste âmbito, já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, nos seguintes termos:
“(…) De acordo com a jurisprudência do TEDH, a duração média – que corresponde à duração razoável – de um processo em 1ª. instância é de cerca de 3 anos e a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais (cf. Isabel Celeste Fonseca, in CJA, nº. 72, pags, 45 e 46). (…)” (assinalado nosso, Ac. do STA de 10.09.2014, proc. n.º 090/12, in www.dgsi.pt).
Mais recentemente, o Tribunal Central Administrativo Sul considerou que “A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vem evoluindo no sentido de qualificar como prazo razoável a duração média do processo, apontando para 3 anos de duração média, na primeira instância, para a generalidade das matérias e para 4 a 6 anos de duração global da lide.
Contudo, a consideração de tais parâmetros quantitativos deve conjugar-se com o apelo aos critérios que a jurisprudência do TEDH, acolhida pelos tribunais nacionais, tem apontado para se aferir da existência de uma violação do direito a uma decisão em prazo razoável, a saber: a) a complexidade do processo, b) o comportamento das partes, c) a atuação das autoridades competentes no processo e d) o assunto do processo e o significado que o mesmo pode ter para o requerente (veja-se, entre outros, o Ac. COMINGERSOLL, S.A. v. PORTUGAL do TEDH, de 06.04.2000, Proc. nº 35382/97, in https://hudoc.echr.coe.int).
Os critérios em questão têm vindo a ser objeto de densificação pela jurisprudência. Vejam-se as seguintes doutas palavras do Tribunal Central Administrativo Norte, que dispensam quaisquer considerações adicionais nesta matéria:
(…)
XVIII. Nessa medida, a apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita analisando cada caso em concreto e numa perspetiva global, tendo como ponto de partida a data de entrada da ação no tribunal competente e como ponto final a data em que é tomada a prolação definitiva, contabilizando as instâncias de recurso (incluindo a junto do Tribunal Constitucional) e ainda a fase executiva.
XIX. Para tal tarefa de avaliação e de ponderação afigura-se-nos adequado e útil fazer apelo à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) quanto à metodologia para avaliar a razoabilidade da duração dum processo [(…)].
(…)
XXI. Chamando aqui à colação aquela jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo para a definição ou integração de cada um destes critérios, tal como este TCA já havia feito apelo, mormente, nos supra citados acórdãos de 30.03.2006, de 15.10.2009 e de 22.10.2010 [respetivamente, Procs. n.ºs. 00005/04.2BEPRT, 02334/06.1BEPRT e 01357/07.8BEVIS], temos que quanto ao primeiro critério se analisam tanto as circunstâncias de facto como o enquadramento jurídico do processo [mormente, número de pessoas/partes envolvidas na ação; tipo de peças processuais, nomeadamente, articulados; produção de prova e que tipos de prova foram produzidos, incluindo a pericial ou a realização de prova com recurso a cartas precatórias/rogatórias, ou que envolvam investigações de âmbito ou dimensão internacional; sentença (as dificuldades da aplicação do direito ao caso concreto, dúvidas sobre as questões jurídicas em discussão ou própria natureza complexa do litígio); número de jurisdições envolvidas por via de recursos; elaboração da conta].
XXII. É, assim, que o número e a complexidade das questões de facto, a dificuldade das questões de direito, o volume do processo, a quantidade de provas a produzir, devem ser tomadas em conta no cômputo do prazo, sendo que não haverá que levar em conta quanto à complexidade da causa quando o atraso respeite a um ato ou uma fase processual em que ela não tenha incidência.
XXIII. Já quanto ao segundo critério a avaliação do comportamento das partes atende não só ao uso do processo para o exercício ou efetivação de direitos como à utilização de mecanismos processuais [afere-se, nomeadamente, o uso de expedientes ou certas faculdades que obstam ao regular andamento do processo, v.g., a constante substituição do advogado, a demora na entrega de peças processuais, a recusa em aceitar as vias de instrução oral, o abuso de vias de impugnação e recurso sempre que a atitude das partes se revele abusiva e dilatória]. Daí que o TEDH exige que o queixoso, aqui A., tenha tido uma “diligência normal” no decurso do processo, não lhe sendo imputável a demora decorrente.
XXIV. Relativamente ao terceiro critério atende-se não apenas aos comportamentos das autoridades judiciárias no processo mas também ao comportamento dos órgãos do poder executivo e legislativo, exigindo-se, assim, que o direito ao processo equitativo se concretize com reformas legislativas ao nível das leis de processo e com reformas estruturais, mormente, com reforço dos meios humanos e materiais.
XXV. A este propósito o TEDH tem considerado que a invocação de excesso de zelo para a realização de prova, a “lacuna na sua ordem jurídica”, a “complexidade da sua estrutura judiciária”, a doença temporária do pessoal do tribunal, a falta de meios e de recursos, uma recessão económica, uma crise política temporária ou a insuficiência provisória de meios e recursos no tribunal, não podem servir como razão suficiente para desculpar o Estado pelos períodos de tempo em que os processos estão parados traduzindo-se em situação de demora excessiva do processo o que constituiria infração ao art. 06.º da CEDH porquanto face à ratificação desta Convenção pelos Estados estes comprometem-se a organizar os respetivos sistemas judiciários de molde a darem cumprimento aos ditames decorrentes daquele preceito.
XXVI. Também a justificação do atraso na prolação de decisão judicial com base no volume de trabalho não tem merecido aceitação, pois, se pode eventualmente afastar a responsabilidade pessoal dos juízes não afasta a responsabilidade dos Estados.
(…)
XXIX. Por fim, quanto ao quarto critério analisa-se ou afere-se a natureza do litígio, assunto objeto de apreciação e tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional das pessoas ou sujeitos envolvidos, mormente, a importância que a decisão tem para as partes.
XXX. Este último critério tem desempenhado ou assumido um papel cada vez mais relevante a ponto de ser utilizado na apreciação da razoabilidade da duração dos processos em que se discutem certos direitos, mormente, em áreas como as da assistência social, as do emprego, as dos sinistros rodoviários ou ainda as relativas ao estado civil das pessoas (sua regularização). (…)” (cfr. Ac. do TCAN de 12.10.2012, proc. n.º 00064/10.9BELSB, in www.dgsi.pt).
Importa ainda ter presente que o direito à justiça em prazo razoável não passa pela escalpelização do cumprimento dos vários prazos processuais no âmbito de um processo.
Neste sentido, tenham-se presentes os seguintes ensinamentos do Supremo Tribunal Administrativo:
“(…) I – O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, é um facto ilícito, gerador de responsabilidade civil do Estado.
II – Quando, considerando o processo na sua globalidade, é manifesto que a sua duração ultrapassou o prazo razoável, não há que apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada acto, pois, ainda que assim se considerasse, não se poderia infirmar aquela conclusão, porque o Estado sempre teria que prover à criação de outros ou diferentes meios, mecanismos, prazos, organização para atingir o objectivo de administrar a justiça em prazo razoável. (…)” (assinalado nosso, Ac. do STA de 10.09.2014, proc. n.º 090/12, in www.dgsi.pt).
No mesmo sentido, vejam-se também as seguintes palavras do Supremo Tribunal Administrativo:
“I - Os tribunais apreciam a violação dos arts. 20º n.º 1 da CRP e 6º §1.º da CEDH preenchendo o conceito de "prazo razoável", isto é, o período de tempo dentro do qual, para aquele processo concreto, considerado na sua globalidade, seria expectável a emissão de uma decisão jurisdicional em tempo útil.
II - Nessa apreciação haverá que considerar todas as coordenadas do caso, como a duração média daquela espécie a complexidade e ocorrências especiais, os incidentes suscitados, entre outros factores, e que excluir o tempo de atraso injustificado que tenha ficado a dever-se à actuação da parte que pede a indemnização.
III - Se globalmente se houver de considerar excedido o prazo razoável de modo manifesto ou indiscutível não há lugar a apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada acto, porque mesmo quando se concluísse pelo respectivo cumprimento não se infirmaria a conclusão obtida, antes deveria concluir-se que os meios de resolução daquele conflito pela justiça estadual não são adequados e estruturados devidamente, o que envolve também responsabilidade do Estado por deficiência da organização.
IV - Se o prazo for de considerar razoável, sem margem de dúvida, também não importará que num acto, ou mesmo mais, tenha havido ligeiro atraso sem influência no resultado.
V - No caso de se suscitarem dúvidas quanto a concluir que foi ultrapassado, ou não, o prazo razoável, um caminho consiste em analisar o cumprimento dos prazos processuais em cada acto da sequência que o compõe (embora, não seja elemento exclusivo a ter em conta).” (cfr. Ac. do STA de 09.10.2008, proc. n.º 0319/08).
Note-se ainda que, excedido o prazo razoável, “(…) é ao Estado que o devia garantir, que incumbe alegar e provar qualquer causa justificativa do excesso verificado, já que tal constitui matéria de excepção, cujo ónus de alegação e prova cabe ao Réu, nos termos gerais (cf. artº 342º, nº 2 do CC).” (Ac. do STA de 01.03.2011, proc. n.º 0336/10, in www.dgsi.pt).
Resta então transpor a jurisprudência que vem citada para a situação dos autos.
Conforme decorre do probatório, a seguradora (...) Seguros, S.A., ré na ação que correu termos sob o n.º 525/1999, foi condenada, solidariamente com dois outros réus, entre outros, a pagar às Autoras uma indemnização no valor global de EUR 410.000,00 (cfr. pontos 23, 28 e 31 do probatório). Em sede de revista, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que a responsabilidade desta ré era limitada ao montante de seguro contratualmente estipulado, no valor de EUR 623.497,50 (cfr. ponto 31 do probatório).
Assim, em 29.08.2008, porque o montante objeto de condenação excedia o limite máximo da apólice e os autores da referida ação não se entendiam quanto ao montante a receber, a (...) Seguros, S.A. apresentou uma ação de consignação em depósito que correu por apenso àquela ação de responsabilidade civil (cfr. pontos 33 e 34 do probatório).
Após a fase dos articulados das partes, foi proferido despacho saneador de que as Autoras foram notificadas em 05.01.2010 (cfr. pontos 37 a 40 do probatório). Posteriormente, após a realização de duas tentativas de realização de audiência (em 02.03.2010 e em 24.09.2010), foi realizada a audiência de julgamento em 21.03.2011 (cfr. pontos 43 a 51 do probatório), tendo a ação sido decidida em 1.ª instância em 21.08.2011 (ponto 53 do probatório).
Apresentado recurso desta decisão pelas Autoras, em 14.02.2013 foi proferido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que revogou parcialmente a sentença recorrida (cfr. pontos 56 a 58 do probatório).
Apresentado novamente pelas Autoras recurso desta decisão judicial, em 21.11.2013 foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça que pôs termo à causa, não admitindo recurso de revista excecional (cfr. pontos 60 a 62 do probatório).
Ora, considerando os parâmetros quantitativos resultantes da jurisprudência supra citada (cfr. Ac. do STA de 10.09.2014, proc. n.º 090/12, in www.dgsi.pt), há que ter desde logo em consideração que, face à factualidade apurada, a duração média de um processo de cerca de 3 anos em primeira instância e a duração média de todo o processo de entre 4 e 6 anos, não foi excedida no caso dos autos.
Interessa assim ponderar se, face aos critérios casuísticos que devem nortear o julgador com vista a aferir da existência da violação de um prazo razoável de decisão, deveria ter sido considerado um prazo de duração inferior.
Desde já se diga que não.
Quanto à complexidade do processo, é certo que está em causa um processo de rateio de indemnizações previamente fixadas. Contudo, ainda assim o processo revestiu-se de alguma complexidade, desde logo por ter sido apresentado contra oito réus.
Note-se ainda que das próprias alegações da p.i. decorre que a questão em causa importava alguma complexidade jurídica.
Quanto ao comportamento do Autor ou das autoridades judiciárias no âmbito do processo judicial em causa nos presentes autos, nenhum facto específico se apurou que deva interferir no cômputo do prazo razoável a considerar.
Quanto ao assunto do processo, a elevada importância do litígio para as partes surge como um facto incontornável, estando em causa um processo em que se discute a indemnização a atribuir em resultado de um acidente de que resultou a morte do marido e pai das Autoras (cfr. ponto 1 do probatório).
Contudo, também resultou demonstrado que as Autoras foram recebendo prestações mensais da Companhia de Seguros (...) Mundial e do Centro Nacional de Pensões no decurso do processo (cfr. pontos 65 e 66 do probatório).
Assim sendo, não se afigura - nem de resto vem por estas invocado -, que a urgência para as Autoras no desfecho do processo fosse tal que pudesse determinar o encurtamento daquilo que tem vindo a ser considerado um prazo razoável de decisão pelos tribunais superiores.
Assim, à luz do que vem dito, atendendo a que a duração global da tramitação do processo que correu termos junto do Tribunal Judicial de Mirandela sob o n.º 525-A/1999 correspondeu a cerca de 3 anos em 1.ª instância e a 5 anos na sua globalidade, afigura-se tal duração conforme com o direito da Autora a uma decisão em prazo razoável, tal como preceituado no art. 6.º, n.º 1 da CEDH e no art. 20.º, n.º 1 e 4 da CRP.
Face ao que vem dito, falece o pressuposto da ilicitude, necessário para a condenação do Réu ao pagamento de uma indemnização a título de responsabilidade civil.
*
Refira-se ainda muito brevemente, a este respeito, que a alegação das Autoras, no sentido de que ficaram privadas dos juros devidos, não se reconduz a qualquer ilicitude face ao objeto dos autos, pois, ainda que procedesse tal alegação, não está em causa um qualquer ilícito para efeitos da verificação de um atraso da justiça.
Vejamos.
Segundo as Autoras, após toda a espera, não receberam sequer os juros de mora no que aos danos patrimoniais dizem respeito, em virtude do rateio das indemnizações fixadas no âmbito do processo judicial declarativo que correu termos sob o n.º 525/1999, efetuado na ação de consignação em depósito.
Invocam que, no processo de consignação em depósito, o julgador decidiu que os juros de mora deveriam ser calculados não sobre o montante das indemnizações fixadas, mas sobre o valor das indemnizações após rateio, procedendo assim ao rateio dos montantes devidos a título de juros. Segundo invocam, a sentença proferida, mantida pelas instâncias superiores, alterou a sentença que havia sido proferida no processo declarativo, transitada em julgado.
Ora, tais circunstâncias reconduzir-se-iam, quando muito, a um erro judiciário, o que constitui uma questão perfeitamente distinta do atraso na justiça, para a qual este tribunal não é sequer competente (cfr. art. 4.º, n.º 4, al. a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
Sendo uma questão que em nada se relaciona com a existência de um atraso na justiça, inexiste qualquer relação entre ela e o pedido formulado nos presentes autos, improcedendo necessariamente todo o alegado a este respeito.
Invocam ainda as Autoras que, por força das referidas circunstâncias, não receberam qualquer montante a título de juros de mora pelos cerca de 16 anos de atraso no recebimento efetivo e integral da indemnização, em violação da teoria da diferença prevista no art. 566.º, n.º 2, do CC.
Sucede que a indemnização a que correspondem os juros de mora e a indemnização devida por atraso da justiça constituem direitos indemnizatórios que visam a proteção de bens materiais diferentes e têm um escopo de proteção distinto.
Uma coisa é a indemnização devida ao credor pelo atraso no cumprimento de uma determinada obrigação e uma coisa totalmente distinta é a indemnização devida pelo Estado a título de danos causados pela administração da justiça.
Inexiste qualquer nexo causal entre a delonga do processo judicial e a falta de recebimento de juros por parte das Autoras, a qual se deveu, segundo as próprias, à existência de um limite da apólice de seguro e ao rateio efetuado no processo judicial em crise.
Não podem assim as Autoras colmatar o facto de não terem sucedido, numa determinada demanda, em obter os juros que entendiam ser devidos, através da imputação ao Estado de um atraso na justiça que, de resto, como se viu, não se verificou no processo judicial em questão.
*
Face ao que vem dito, falecendo a verificação do pressuposto da ilicitude, improcede necessariamente a pretensão indemnizatória das Autoras, pelo que há que considerar prejudicado o conhecimento da verificação dos demais pressupostos, nos termos do art. 608.º, n.º 2, do CPC, improcedendo totalmente a presente ação.
X

Como é sabido, é pelas conclusões do recurso que se delimita o respetivo objecto como decorre do artigo 635º/4 do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA.
Assim, a questão a decidir neste recurso consiste em saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, por não ter feito correcta interpretação e aplicação da norma jurídica convocada para o caso no que tange à verificação da ocorrência da prescrição - artigo 498º/1 do CC -.
Vejamos.
Considerou a Senhora Juíza:
Foi arguida, como questão prévia, a excepção peremptória da prescrição.
Concretamente, quanto:
Ao processo que correu termos no Tribunal de trabalho e que teve o seu desfecho em julho de 1997 (cfr. ponto 2 do probatório);
Ao processo-crime que correu termos no Tribunal Judicial de Mirandela e que teve o seu desfecho em 09/04/2003, com a prolação do Acórdão do Tribunal da Relação logo transitado em julgado (cfr. ponto 4 do probatório).
À acção cível declarativa, com vista ao apuramento de responsabilidade civil, por acidente de viação, que correu termos no Tribunal Judicial de Mirandela e que teve o seu desfecho em 27/05/2008, com a prolação de Acórdão do STJ (cfr. ponto 5 - não 4 -, como, por manifesto lapso, é dito no ponto 31 do probatório).
Tendo a presente acção sido apresentada em 25/11/2016 (cfr. ponto 67 do probatório) - já havia decorrido o prazo de 3 anos previsto no artigo 498º/1 do Código Civil.
Ou seja: no entendimento, sinteticamente, de que …se o prazo deve contar-se a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, tal já se verificará certamente aquando do desfecho da ação cuja decisão final não foi proferida em prazo razoável, pese embora não se verifique apenas necessariamente em tal momento.
Discordam as Autoras/Recorrentes, que dizem, em síntese, nesta parte:
… …
A questão decidenda, relativamente à qual há divergência de entendimento, reporta-se ao momento do início da contagem do prazo de prescrição em relação a cada uma das acções em causa, que estiveram pendentes e tiveram o seu desfecho em momentos diversos.
… …
As Recorrentes defendem que apenas com a prolação da decisão judicial definitiva na acção de consignação em depósito, em 02.12.2013, tiveram conhecimento do direito a indemnização, porquanto apenas nesse momento tiveram conhecimento da existência de danos provocados pela morosidade da justiça.
… …
Afirma o Réu/Estado Português:
O Estado concorda com o decidido nesta matéria e com a fundamentação utilizada.
Apenas cabe salientar:
O processo (civil, penal, laboral…) é um encadeado ordenado de actos estrutural e finalisticamente dirigido à declaração do Direito, in casu, cumprindo-se o seu escopo quando o tribunal dá resposta definitiva às pretensões antagónicas ou entrecruzadas das partes.
Daí que no caso concreto seja imperioso sublinhar que na sucessão de processos que acima foram enunciados existem três categorias diversas -entre si e relativamente à acção de consignação em depósito -, que se constituem em outras tantas unidades de sentido jurídico-social, lógica e teleologicamente direccionadas à realização judiciária de diferentes direitos ou interesses.
Ou seja:
-As Autoras obtiveram a declaração da justiça, com caso julgado:
No processo laboral, em julho de 1997;
No processo-crime, em 09/04/2003;
Na acção cível declarativa, em maio de 1998.
Donde:
No pressuposto de que o alegado direito indemnizatório assenta no atraso da realização da justiça, dúvidas não parece haver que em cada um dos três processos acima referidos - como outras tantas unidades teleológicas - a justiça foi realizada (prestada) nos momentos indicados.
Se atrasos injustificados houve, com relevância ao nível do alegado ilícito civil do Réu, o direito de acção respectivo pôde ser exercido quando a justiça foi final e atrasadamente realizada, isto é, aquando da assunção do carácter definitivo das decisões finais proferidas nos processos em causa, momentos que se constituem em marcos iniciais do prazo de prescrição (cfr. o artigo 306º/1 do Código Civil).
Então, tendo decorrido mais de três anos entre essas ocasiões (em que, ostensiva e razoavelmente, se revelavam já - o mais tardar - os alegados factos geradores de responsabilidade civil do Estado) e o momento da propositura (25/11/2016) da presente acção administrativa de cariz indemnizatório, é clara a referida prescrição.
O Tribunal a quo acolheu esta leitura do Réu e, quanto a nós, bem.
De facto, não se pode argumentar que apenas com a decisão definitiva na acção de consignação em depósito (em 02/12/2013) as Autoras tiveram conhecimento do direito a indemnização, dado que apenas nesse momento tiveram consciência dos danos provocados pela morosidade da justiça.
Não é assim.
Por um lado, porque todos os processos anteriores, máxime a acção declarativa de responsabilidade civil por acidente de viação, constituem distintas unidades de sentido jurídico-social, em que a justiça do caso concreto foi declarada, em cada um, no seu tempo e autonomamente, em especial o Acórdão do STJ proferido na acção declarativa civil em causa,
definiu e declarou, com definitividade, os direitos indemnizatórios das Autoras, já com a morosidade alegada pelas mesmas.
Assim, a ter havido atrasos, já seriam, por isso, antes até da instauração
da acção de consignação em depósito, bem perceptíveis, mensuráveis e nocivos para a consciência ético-individual-social da personalidade das Autoras.
Já se tinham consolidado como o factum inerente às respectivas relações jurídicas de alegada responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Por outro lado, porque a acção de consignação em depósito representa, no contexto da concreta litigiosidade posta perante os Tribunais, um instrumento anómalo e inusitado e que não se destinou a declarar os direitos indemnizatórios das Autoras - já antes declarados -, mas, isso sim, a permitir à devedora a satisfação das prestações de cada uma daquelas, porque o montante objecto de condenação excedia o limite máximo da apólice e havia desacordo entre elas, sendo, pois, patente a sua autonomia - lê-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se.
Como se decidiu e sumariou no Acórdão do TCAS de 07/02/2019, Proc. 003/16.3BEALM, aliás citado na sentença:
… …
VI - O prazo de prescrição de três anos do direito de ação de indemnização tem início com o conhecimento pelo lesado da possibilidade legal do ressarcimento dos danos que ocorrem por virtude de certo facto danoso ou atuação danosa. Aquele conhecimento, na prática, presume-se com o conhecimento da ocorrência da factualidade, simples ou complexa, geradora de danos.
VII - O citado prazo de prescrição começa a correr no momento em que o lesado tem consciência de que o processo tem uma duração excessiva e que tal facto lhe está a causar danos.
E não após o trânsito em julgado da sentença emitida no processo alegadamente moroso.
Assim, bem andou a decisão sob censura ao julgar verificada a prescrição.
Dir-se-á, ainda, quanto ao mérito/fundo da causa:
A ilicitude -
Neste particular, fundamentou, no essencial, o Tribunal a quo:
… …
Ora, considerando os parâmetros quantitativos resultantes da jurisprudência supra citada (cfr. Ac. do STA de 10.09.2014, proc. n.º 090/12, in www.dgsi.pt), há que ter desde logo em consideração que, face à factualidade apurada, a duração média de um processo de cerca de 3 anos em primeira instância e a duração média de todo o processo de entre 4 e 6 anos, não foi excedida no caso dos autos.
Interessa assim ponderar se, face aos critérios casuísticos que devem nortear o julgador com vista a aferir da existência da violação de um prazo razoável de decisão, deveria ter sido considerado um prazo de duração inferior.
Sustentam, em síntese, as Autoras:
… …
As Recorrentes haviam finalmente obtido uma decisão judicial, num prazo longe de ser razoável, mas o atraso verificado estava compensado na própria decisão judicial com a condenação no pagamento às Autoras de juros de mora sobre a quantia indemnizatória fixada, inexistindo por isso dano resultante do atraso na justiça.
Acontece, porém, que, na ação de consignação em depósito, que correu termos por apenso à ação de responsabilidade civil e que demorou mais 5 anos até à decisão judicial definitiva, foram decididas duas questões que influenciaram de forma significativa o valor das indemnizações que vieram a ser recebidas pelas Recorrentes.
… …
O que significa que, contrariamente às suas expectativas, decorrentes da decisão judicial proferida na acção decorrente do acidente de viação - de receber a título de juros de mora um montante superior a 100.000,00€ - as Recorrentes não receberam um euro que fosse a esse título.
… …
Defende o Estado:
Realizando aquela ponderação, o Tribunal formou a justa e criteriosa convicção de que as ora A.A. obtiveram na acção de consignação em depósito decisão definitiva num prazo razoável (cerca de cinco anos).
Concretamente, atendendo:
-Ao número de Réus;
-À relativa complexidade jurídica, decorrente, em primeira linha, do alegado na PI respectiva;
-A ausência de circunstâncias concretas donde pudesse resultar a necessidade de encurtamento vem sendo considerada pelos tribunais superiores um prazo razoável de decisão;
-É inegável que as A.A. colocam o acento tónico do caso que constitui objecto dos autos na circunstância de haverem recebido o valor da indemnização apenas em singelo, sem juros de mora;
-Assim como no alegado erro em que lavrou o julgador - mas não declarado judicialmente - ao tratar em bloco o valor das indemnizações relativas às Autoras para efeitos de desconto das quantias adiantadas pelo CNP e pela Seguradora;
-Outros danos não alegam as A.A. ter sofrido;
-Sendo que aqueles danos constituem matéria de alegado erro judiciário, estranho a este processo e a esta jurisdição (cfr. art. 4º/4-a) do ETAF);
-O dano moral (psicológico e emocional) é o malefício típico - mas não exclusivo - decorrente das situações de atraso na realização da justiça, mas nem as Autoras colocam um dano dessa natureza no centro da dinâmica fáctico-jurídica da causa de pedir da acção - mas, especialmente, um dano material, este decorrente de um pretenso erro de julgamento em que incorreu a decisão da consignação em depósito;
-E o dano é o precipitado natural, quase necessário, do ilícito (material), pelo que onde falta a consequência, é de concluir, razoavelmente, que não está presente também a sua causa; isto é, não se detecta no caso - avaliado pelo prisma da justiça-material - que tenha havido o desleixo ou a incúria, pressupostos pelos atrasos na realização da justiça que constituam violação do direito a uma decisão em prazo razoável, que mereça a tutela do Direito, pelo que falece o pressuposto ilicitude da responsabilidade civil extracontratual do Estado, fonte da obrigação de indemnizar (cfr. artigos 7º, 9º e 12º da Lei 67/2007, de 31 de dezembro, 483º e segs. e 562º e segs., estes do Código Civil).
Também aqui secundamos o entendimento do Réu, aceite pelo Tribunal recorrido.
Como advogado, o Acórdão do STA, de 09/10/2008, Proc. 0319/08, esclareceu:
I - Os tribunais apreciam a violação dos arts. 20º n.º 1 da CRP e 6º §1.º da CEDH preenchendo o conceito de "prazo razoável", isto é, o período de tempo dentro do qual, para aquele processo concreto, considerado na sua globalidade, seria expectável a emissão de uma decisão jurisdicional em tempo útil.
II - Nessa apreciação haverá que considerar todas as coordenadas do caso, como a duração média daquela espécie a complexidade e ocorrências especiais, os incidentes suscitados, entre outros factores, e que excluir o tempo de atraso injustificado que tenha ficado a dever-se à actuação da parte que pede a indemnização.
… …
A sentença norteou-se, pois, por este prisma, pelo que fez correcta interpretação dos citados normativos - 7º, 9º e 12º da Lei 67/2007, 483º e segs. e 562º e segs. do Código Civil.
Em suma:
-É sabido que a prescrição é uma forma de extinção de direitos, que visa, sobretudo, realizar objectivos de certeza e segurança jurídicas, mas que em termos estritos de justiça desde cedo foi qualificada de impium remedium - cfr., a este respeito, Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª ed., págs. 371 a 374 e na jurisprudência, Ac. do STA de 02/12/2004, Proc. 0145/04;
-Tal instituto pressupõe que a parte possa opor-se ao exercício de um direito não exercido durante o tempo fixado na lei;
-Trata-se, a um tempo, de punir a inércia do titular do direito em exercê-lo em tempo útil, e de tutelar os mencionados valores da certeza e da segurança das relações jurídicas, mediante a exigência da sua consolidação em prazos razoáveis;
-O seu regime é inderrogável - artigo 300º do CC - e determina, em termos genéricos, que o respectivo prazo começa a contar do momento em que o direito pode ser exercido - artigo 306º/1 do CC;
-No âmbito específico da prescrição do direito indemnizatório em análise, presume o legislador que o mesmo pode ser exercido a partir do momento do seu conhecimento pelo lesado - artigo 498º/1 do CC;
-Assim, o início de contagem do prazo de prescrição de três anos - prazo regra -, coincide com o momento do conhecimento do direito pelo lesado, conhecimento esse que lhe deve potenciar o exercício do direito - teoria da realização, em contraposição com a teoria da violação, segundo a qual o início da prescrição se deve reportar ao momento da violação - a propósito desta temática, cfr. Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, pág. 199; Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, anos 95, 96 e 97; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª ed., vol. I, pág. 503; Parecer da Procuradoria Geral da República de 25 de Julho de 1984, BMJ 343-62; Ac. STJ de 27/11/73, anotado por Vaz Serra na RLJ, ano 107, pág. 296; Ac. STA de 07/03/89, AD nºs 344-345, págs. 1035 a 1053;
-Tal conhecimento, para relevar, não inclui necessariamente a identificação da pessoa do responsável nem a extensão integral dos danos - artigo 498º/1 do CC - evitando-se deste modo que o início da prescrição fique acorrentado a uma eventual incúria por parte do lesado;
-Tanto a doutrina como a jurisprudência vêm defendendo que o momento do conhecimento do direito de indemnização pelo lesado se ajusta ao momento do conhecimento dos pressupostos condicionantes da responsabilidade, fazendo, assim, apelo a um mínimo de objectividade no qual se alicerce a contagem do respectivo prazo - Ac. STJ de 27/11/73, BMJ 330-495; Ac. STA de 12/01/93, AD 382; Ac. STA de 13/11/2001, Proc. 47482; Ac. STJ de 18/04/2002, Proc. 950/02; Ac. STA de 27/04/2006, Proc. 0304/05; Ac. STA de 01/06/2006, Proc. 257/06; e na doutrina, Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, 4ª ed., vol. I, pág. 585 e Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 4ª ed., pág. 401, nota 3;
-Só a partir do conhecimento, pelo lesado, destes pressupostos é que se começa a contar o prazo de prescrição (cfr. ainda os Acs. do STA de 31/10/2000 Proc. 44345, de 4/12/2002 Proc. 1203/02 e de 6/7/2004 Proc. 597/04).
-Por outro lado, aquele “conhecimento do direito” é um conhecimento empírico, como ensina Carlos Cadilha, em “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado”. E, como se consigna no Ac. do STA de 27/01/2010, Proc. 513/09, para “efeitos de prescrição”, “conhecer o direito”, como resulta do artº 498º citado, não é, necessariamente, conhecer na perfeição e na sua integralidade todos os elementos que compõem o dever de indemnizar, pois que o exercício do direito é independente do desconhecimento da “pessoa do responsável e da extensão integral os danos”.
A decisão recorrida, contrariamente ao alegado, não padece das apontadas falhas de direito; apreciou a invocada excepção de acordo com as disposições legais aplicáveis e norteou-se pelos critérios da Doutrina e da Jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Termos em que improcedem as conclusões das Apelantes.

DECISÃO
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.
*
Custas pelas Recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
*
Notifique e DN.
*
Porto, 27/11/2020

Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas