Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00018/15.9BEMDL |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 10/25/2024 |
| Tribunal: | TAF de Mirandela |
| Relator: | RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA |
| Descritores: | INEPTIDÃO DA P.I; CASO JULGADO; CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO INICIAL; |
| Sumário: | I - Transitando em julgado a decisão de improcedência da exceção dilatória de ineptidão da peça processual inicial, opera-se o caso julgado formal, o que confere à decisão um estatuto de imutabilidade e imperatividade no seio do processo, tornando-a um baluarte jurídico inexpugnável contra o qual não se admitem novos embates ou contestações. II – Pelo que estava o Tribunal recorrido impedido de julgar improcedente a presente ação com fundamento de “(…) não foram alegados, no momento processual devido, os factos essenciais nucleares preenchedores de um dos pressupostos legais de base, de cuja verificação dependia a procedência da ação (…)”. III- Em tais termos, e afigurando-se viável contemplar a possibilidade de convite ao aperfeiçoamento do libelo inicial como forma de sanar a falta de concretização dos factos relativos à imputabilidade do Réu das razões subjacentes ao consumo de água inferior ao mínimo garantido no contrato, impõe-se anular a sentença recorrida, e determinar à baixa dos autos para que se proceda ao convite ao aperfeiçoamento do tecido fáctico alegado de forma imprecisa ou deficitária, seguindo-se o exercício do contraditório, a eventual produção de prova circunscrita à facticidade aditada, e a prolação de nova sentença, se a tal nada mais obstar.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | PROCESSO N.º 18/15.9BEMDL
Secção de Contencioso Administrativo Data do Acórdão: 25.11.2024 Relator: Ricardo de Oliveira e Sousa
II – Pelo que estava o Tribunal recorrido impedido de julgar improcedente a presente ação com fundamento de “(…) não foram alegados, no momento processual devido, os factos essenciais nucleares preenchedores de um dos pressupostos legais de base, de cuja verificação dependia a procedência da ação (…)”. III- Em tais termos, e afigurando-se viável contemplar a possibilidade de convite ao aperfeiçoamento do libelo inicial como forma de sanar a falta de concretização dos factos relativos à imputabilidade do Réu das razões subjacentes ao consumo de água inferior ao mínimo garantido no contrato, impõe-se anular a sentença recorrida, e determinar à baixa dos autos para que se proceda ao convite ao aperfeiçoamento do tecido fáctico alegado de forma imprecisa ou deficitária, seguindo-se o exercício do contraditório, a eventual produção de prova circunscrita à facticidade aditada, e a prolação de nova sentença, se a tal nada mais obstar. * * Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos: * * I – RELATÓRIO 1. A sociedade comercial [SCom01...], S.A., Autora nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM em que é Ré o MUNICÍPIO ..., vem intentar o presente recurso jurisdicional da sentença emanada pelo T.A.F. de Mirandela, editada em 01.03.2024, que julgou a presente ação totalmente improcedente, e, em consequência, absolveu o Réu dos pedidos. 2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) A) O presente recurso tem por objeto a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela a 01.03.2024, o qual julgou a ação interposta pela Autora totalmente improcedente. B) Na Sentença de 01.03.2024, o TAF de Mirandela entendeu, no Despacho Saneador, que a Petição Inicial não era inepta por falta de alegação de factos essenciais constitutivos da causa de pedir mas em sede de Sentença concluiu que: Objetivamente, à Autora faltou a alegação de um facto essencial nuclear de que dependia o sucesso da sua pretensão, no que concernia às faturas referentes aos valores mínimos garantidos [note-se que só em novembro de 2013 é que o pedido foi reduzido para a condenação do R. no pagamento, apenas, das quantias insertas nas faturas relativas a VMG, posto que, até então, a Autora pretendia também que o Município fosse condenado a pagar-lhe quantitativos referentes a faturas relativas a serviços efetivamente prestados ao Réu entre 31-01-2013 e 30-09-2014], a saber, a alegação das razões por que o consumo de água / a recolha de efluentes foi inferior aos VMG previstos nos contratos de fornecimento e de recolha, e a sua imputação ao aqui Réu. Não se vislumbrando, em toda a petição inicial, qualquer alegação dessa natureza, não podia a Autora ter vindo já em sede de alegações finais invocar os factos essenciais que não alegou no momento processual próprio” Foi, então, com esteio nestas razões que o Tribunal se absteve de levar ao probatório certos enunciados “de facto” que, tendo sido trazidos à discussão na audiência final, por via do interrogatório, pelos Ilustres Mandatários, às Testemunhas ouvidas, não constituíam, verdadeiramente, matéria de facto em discussão nesta causa, por não terem sido oportunamente alegados quando a sua alegação era, nos termos legais, essencial.” C) A Sentença sobre recurso deverá ser revogada por erro de julgamento de direito pelo facto de a partir do momento em que o TAF de Mirandela não julgou, no seu Despacho Saneador, que a Petição Inicial era inepta por não conter os factos essenciais integrativos da causa de pedir, não poderia ter considerado a ação improcedente na Sentença com base no argumento de a Petição Inicial, afinal, não ter sido instruída com todos os “factos essenciais da causa de pedir” ao abrigo do disposto nos artigos 5.°, n.° 1 do CPC e 342.°, n.° 1 do CC. D) Num recente processo judicial julgado neste mesmo TAF de Mirandela (Processo n.° 263/13.1BEMDL) em que na respetiva Sentença esta mesma questão foi discutida e objeto de recurso para o TCA Norte, foi decidido precisamente o seguinte por Acórdão de 30.11.2023: “Por conseguinte, ao julgar improcedente aquela exceção o Tribunal julgou que a autora alegou todos os factos essenciais integrativos dessa causa de pedir, pelo que, na sentença sob sindicância apenas poderia ter concluído que a facticidade atinente às ditas Cláusulas Terceiras, de ambos os contratos, estava alegada naquele articulado inicial, mas de forma imprecisa ou insuficiente.” E sendo assim, afigura-se-nos que se impunha ao Tribunal a quo ante a constatação da “insuficiência/imprecisão” na alegação de factos integrativos da causa de pedir em que a apelante estriba a sua pretensão, a prolação de despacho, convidando a autora ao aperfeiçoamento da p.i.- cfr. art. 590º, n.ºs 2, al. b) e 4 do CPC, e artigo 87.º, n.º1, al.b e n.ºs 2 e 3 do CPTA”. O ónus imposto ao julgador pelos identificados arts. 590, n.ºs 2, al. b) e 4 e 591º, n.º 1, al. c), do CPC, e artigo 87.º, n.º1 1, al.b) e n.ºs 2 e 3 do CPTA, de ter de apontar às partes os defeitos em que incorreram na narração dos factos nos respetivos articulados e de as convidar ao suprimento das insuficiências ou imprecisões em que que incorreram nessa exposição ou na concretização da matéria de facto neles alegada, é um verdadeiro dever legal que impende sobre o juiz, ou seja, um dever funcional deste, que o mesmo tem de cumprir de modo vinculado, de modo que, sempre que o incumpra, incorre no cometimento de uma nulidade processual e no caso dessa nulidade processual se vir a projetar na sentença que venha a proferir, essa nulidade converte-se numa nulidade da própria sentença”. E) O Acórdão de 30.11.2023 do TCA Norte refere ainda que a prerrogativa de solicitar aperfeiçoamento “é um verdadeiro dever legal que impende sobre o juiz, ou seja, um dever funcional deste, que o mesmo tem de cumprir de modo vinculado, de modo que, sempre que o incumpra, incorre no cometimento de uma nulidade processual e no caso dessa nulidade processual se vir a projetar na sentença que venha a proferir, essa nulidade converte-se numa nulidade da própria sentença.” F) Com base na jurisprudência firmada que elencamos, a partir do momento em que o TAF de Mirandela não julgou, no seu Despacho Saneador, que a Petição Inicial era inepta por não conter os factos essenciais integrativos da causa de pedir, não poderia ter considerado a ação improcedente na Sentença com base no argumento de a Petição Inicial não ter sido instruída com todos os “factos essenciais da causa de pedir” ao abrigo do disposto nos artigos 5.°, n.° 1 do CPC e 342.°, n.° 1 do CC. G) O TAF de Mirandela estava impedido de, conforme amplamente decidido pela jurisprudência, fazer caso julgado formal sobre a não ineptidão da Petição Inicial e depois proferir Sentença em que julga a ação improcedente com base num vício que conduz à ineptidão da Petição Inicial (falta de alegação de factos essenciais ao direito de que a Autora se arroga). H) O erro em que o TAF de Mirandela incorreu fica aliás bem patente quando na Sentença sob recurso entendeu, precisamente ao contrário do que vem sendo seguido pela jurisprudência mais autorizada sobre a matéria, que “ao Tribunal não é consentido convidar as partes a aperfeiçoarem os seus articulados com o propósito de as instar a invocar, ulteriormente, os factos essenciais nucleares que deveriam ter sido alegados nos seus articulados, por forma a que a ação possa lograr ser procedente”. I) Com base na jurisprudência do STJ e do Acórdão do TCA Norte de 30.11.2023 que replicam, cum grano salis, a situação de facto e de direito que se discute na presente lide, concluímos que não tendo a Petição Inicial sido julgada inepta por falta de elementos essenciais de facto mas tendo o juiz a quo decidido, na Sentença, que a ação eram improcedente com base na ausência de alegação dos factos constitutivos do direito que a Autora se arroga, a Sentença incorreu em erro de julgamento de direito pelo facto de não ter convidado ao aperfeiçoamento da Petição Inicial ao abrigo do disposto nos artigos 87.º n.º 1 alínea b) e n.º 3 e 590.º do CPC. J) O presente recurso deverá ser considerado totalmente procedente e, por conseguinte, deverá a Sentença de 01.03.2024 proferida pelo TAF de Mirandela ser anulada, determinando-se a remessa dos autos à 1ª Instância para que este formule um convite à ora Recorrente para, no prazo de dez dias, querendo, concretizar os factos relativos à imputabilidade do Réu das razões subjacentes ao consumo de água, nesse ano, inferior ao mínimo garantido no contrato (mais concretamente da violação do princípio do exclusivo por parte do Réu e, e bem assim, da responsabilidade deste último pelo facto de os investimentos municipais no sistema não terem sido concretizados conforme contratualizado) (…)”. * 3. Notificado que foi para o efeito, o Recorrido contra-alegou, tendo apresentando para o efeito as seguintes conclusões: “(…) i. O que motivou a improcedência da ação não consistiu na falta de alegação de factos essenciais constitutivos da causa de pedir (por insuficiência/imprecisão) e, por isso, o tribunal a quo não estaria obrigado a convidar a Recorrente a suprir essas insuficiências, por forçado decidido em sede do saneador; ii. Com efeito, o que motivou a improcedência da ação, consistiu na falta de alegação de um facto essencial de que dependia o sucesso da ação – cfr. douta sentença recorrida; iii. O que não se confunde com a falta de alegação de factos essenciais constitutivos da causa de pedir; iv. Aproveite-se, ainda, para mencionar que o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte citado pelo Recorrente não transitou em julgado, visto que o Recorrido interpôs recurso de revista, que foi admitido, encontrando-se, nesta data, a aguardar douto acórdão; v. Posto isto, o entendimento sufragado na douta sentença recorrida está de acordo com a nossa melhor doutrina, bem como com a nossa jurisprudência nacional – cfr. douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.30.2023, proferido no âmbito do processo nº 00263/13.1BEMDL; vi. Reitere-se, uma coisa é uma petição inepta e outra é uma petição deficiente, cujas consequências, são, também, elas, distintas; vii. Mais se refira, atendendo que a Recorrente também alega, e se bem se percebeu, que a sentença recorrida viola o caso julgado formal, que o tribunal a quo, aquando da prolação da sentença recorrida não se pronunciou, novamente, quanto a ineptidão da petição inicial; viii. Não tendo, por isso, decidido duas vezes de forma contraditória; ix. Pois que, o tribunal a quo, quando decidiu pela improcedência da ação não o fez com o argumento de que a Recorrente não alegou os factos essenciais constitutivos da causa de pedir; x. Não tendo, por isso, violado o caso julgado formal ínsito no artigo 620º do CPC. xi. Perante isto, a douta sentença recorrida ao decidir pela improcedência da ação por falta de alegação de um facto essencial nuclear de que dependia o sucesso da sua pretensão, no que concernia às faturas referentes aos valores mínimos garantidos, não entrou em contradição com o douto despacho saneador sentença, não existindo qualquer nulidade que afete a sentença recorrida, por em causa não estar a falta de alegação de factos essenciais integrativos da causa de pedir – tal como evidenciado na douta sentença recorrida -, que determinassem a realização de convite à Recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 87º, nº 1, alínea b) e nºs 2 e 3, do CPTA; Sem conceder, xii. Na eventualidade de se vir a entender que em causa estava a falta de alegação de factos essenciais constitutivos da causa de pedir, o que não se aceita, refere-se que a situação subjacente não tem assento no disposto no artigo 87º, nº 1, alínea b) e nº 3, do CPTA; xiii. Não se pode descurar a ratio do convite ao aperfeiçoamento, de permitir à parte concretizar os factos essenciais arguidos em momento prévio e que constem da petição inicial, isto é, explicá-los. O convite ao aperfeiçoamento não poderá ocorrer nas situações em que a alegação dos factos essenciais não tenha sido feita; xiv. Pois que permitir-se o aperfeiçoamento da petição inicial, será permitir-se a introdução de factos ex novo na petição inicial, violando desde logo o princípio da igualdade formal entre as partes, do contraditório, do princípio do dispositivo e da estabilidade objetiva da instância – cfr. douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 09.09.2021, proferido no âmbito do processo nº 362/15.5BELLE; xv. Ora, é sobre as partes que recai o dever de alegar, não podendo o tribunal substituir-se às mesmas (cfr. artigo 5º, nº 1, do C.P.C); xvi. Ao que acresce, o facto de a existir o convite ao aperfeiçoamento, o mesmo, vir a revelar-se violador dos princípios que conformam o limite ao convite, e assim, da igualdade formal entre as partes, do contraditório, do princípio do dispositivo e da estabilidade objetiva da instância. Pois que, irá determinar inevitavelmente que a petição inicial aperfeiçoada adite factos novos ex novo e que não resultam da petição inicial primitiva; xvii. Perante isto, a solução deverá passar inevitavelmente pelo não convite ao aperfeiçoamento, só assim se respeitando demais princípios referidos, xviii. Razão pela qual a douta sentença não merece a censura apontada, devendo a mesma ser mantida nos seus exatos termos (…)”. * 4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida. * 5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no n.º1 do artigo 146.º do C.P.T.A. * 6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta. * * II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR 7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA. 8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir consiste em saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente aresto, incorreu em erro de julgamento de direito, “(…) pelo facto de não ter convidado ao aperfeiçoamento da Petição Inicial ao abrigo do disposto nos artigos 87.º n.º 1 alínea b) e n.º 3 e 590.º do CPC (…)”. 9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar. * * * III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 10. A matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida, como decorre do art.º 663.º, n.º 6, do CPC. * * IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO 11. A Autora intentou a presente ação administrativa comum, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a: “(…) a R. ser condenada a pagar à A. a quantia de € 668.850,41 (seiscentos e sessenta e oito mil, oitocentos e cinquenta euros e quarenta e um cêntimos), valor acrescido dos competentes juros de mora, no valor de € 19.893,91 (dezanove mil, oitocentos e noventa e três euros e noventa e um cêntimos), o que perfaz o total de € 688.744,32 (seiscentos e oitenta e oito mil, setecentos e quarenta e quatro euros e trinta e dois cêntimos), bem como nos demais que se vierem a vencer até ao efectivo e integral pagamento da dívida». 12. Pela decisão apelada, como sabemos, foi julgada improcedente a presente ação e o Réu absolvido do pedido. Perlustrando a fundamentação de direito vertida na decisão judicial recorrida, verifica-se que o juízo de improcedência da presente ação estribou-se, no mais essencial, na consideração de que “(…) não foram alegados, no momento processual devido, os factos essenciais nucleares preenchedores de um dos pressupostos legais de base, de cuja verificação dependia a procedência da ação, temos que a pretensão condenatória da Autora está votada ao insucesso (…) claudica[ndo] também o pedido acessório de condenação do Réu no pagamento dos juros de mora, vencidos e vincendos [artigo 608.º, n.º 2 do CPC] (…).” 14. Realmente, a Recorrente clama que “(…) não tendo a Petição Inicial sido julgada inepta por falta de elementos essenciais de facto mas tendo o juiz a quo decidido, na Sentença, que a ação eram improcedente com base na ausência de alegação dos factos constitutivos do direito que a Autora se arroga, a Sentença incorreu em erro de julgamento de direito pelo facto de não ter convidado ao aperfeiçoamento da Petição Inicial ao abrigo do disposto nos artigos 87.º n.º 1 alínea b) e n.º 3 e 590.º do CPC (…)”, estribando tal convicção na jurisprudência emanada no aresto deste Tribunal Central Norte, de 30.11.2023, tirada no processo n.º 263/13.1BEMDL, que versou sobre situação em tudo semelhante à dos presentes autos. O fulcro nevrálgico do recurso é, portanto, determinar se o Tribunal recorrido errou [ou não] ao julgar improcedente a presente ação sem previamente ter lançado mão do convite ao aperfeiçoamento do libelo inicial. 16. De facto, não oferece controvérsia que o Réu contestou pela forma inserta a fls. 139 e seguintes dos autos [suporte digital], na qual se defendeu por impugnação e exceção, de entre outra, suscitando a ineptidão da petição inicial. 17. Emerge, outrossim, como pacífico que tal matéria excetiva logrou obter decisão de improcedência com base no entendimento nuclear de “(…) que apesar de não haver uma muito precisa exposição da matéria de facto, a verdade é que a causa de pedir não é de todo ininteligível. Da conjugação da exposição feita na petição inicial, com o teor das facturas juntas, tem que se afirmar que se compreende qual a factualidade subjacente ao pedido da autora. E, mais a mais, tanto assim é que o réu compreendeu o seu teor e impugnou-o especificadamente ao longo da sua contestação (cfr. artigos 52º e seguintes da contestação) (…)” [cfr. despacho saneador que faz fls. 1050 e seguintes dos autos - suporte digital]. 18. Do circunstancialismo assim externado destaca-se a “certeza férrea” que o Tribunal a quo firmou juízo decisório no sentido de que a petição inicial continha a alegação dos factos integrativos da causa de pedir eleita pela Autora. 19. Conforme ressuma da normação contida no artigo 613º, nº.1 do CPC, uma vez proferida esta decisão, ficou imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Tribunal recorrido, estando o mesmo impedido reapreciar o assim decidido. 20. O que bem se enquadra no princípio da hierarquia dos tribunais, que impede que o próprio Tribunal possa alterar e/ou revogar as suas decisões com exceção do eventual suprimento de eventuais nulidades de sentença e da reforma da decisão. 21. Por sua vez, transitando em julgado a decisão de improcedência da exceção dilatória de ineptidão da peça processual inicial, opera-se o caso julgado formal, o que confere à decisão um estatuto de imutabilidade e imperatividade no seio do processo, tornando-a um baluarte jurídico inexpugnável contra o qual não se admitem novos embates ou contestações. 22. Neste contexto, é de manifesta evidência que o Tribunal recorrido estava impedido de reapreciar – como claramente fez - a temática em questão, e dessa sorte, julgar improcedente a presente ação com fundamento de “(…) não foram alegados, no momento processual devido, os factos essenciais nucleares preenchedores de um dos pressupostos legais de base, de cuja verificação dependia a procedência da ação (…)”. 23. De facto, ao julgar improcedente a a excepção de ineptidão inicial nos termos e com o alcance explicitados no sobredito parágrafo 19), o Tribunal recorrido reconheceu que a Autora carreou para os autos todos os elementos factuais essenciais constitutivos da causa de pedir eleita pela Autora como suporte da sua pretensão jurisdicional. 24. Destarte, a sentença ora sob escrutínio apenas poderia ter concluído que o tecido fáctico nuclear da causa de pedir, não obstante figurasse no articulado inicial, apresentava-se ali explanada de forma imprecisa ou com insuficiente densificação, situação em que se impunha o convite ao aperfeiçoamento, o que não veio a suceder. 25. O convite ao aperfeiçoamento da petição inicial consubstancia um verdadeiro poder-dever do juiz com vista à plena realização dos fins do processo, cujo incumprimento desemboca em nulidade processual ou de sentença. 26. Assim também entendeu este Tribunal Central Administrativo Norte, no citado processo nº. 00263/13.1BEMDL, em que se expendeu o seguinte: “(…) O ónus imposto ao julgador pelos identificados arts. 590, n.ºs 2, al. b) e 4 e 591º, n.º 1, al. c), do CPC, e artigo 87.º, n.º1 1, al. b) e n.ºs 2 e 3 do CPTA, de ter de apontar às partes os defeitos em que incorreram na narração dos factos nos respetivos articulados e de as convidar ao suprimento das insuficiências ou imprecisões em que que incorreram nessa exposição ou na concretização da matéria de facto neles alegada, é um verdadeiro dever legal que impende sobre o juiz, ou seja, um dever funcional deste, que o mesmo tem de cumprir de modo vinculado, de modo que, sempre que o incumpra, incorre no cometimento de uma nulidade processual e no caso dessa nulidade processual se vir a projetar na sentença que venha a proferir, essa nulidade converte-se numa nulidade da própria sentença - cfr. Teixeira de Sousa, “Omissão do Dever de Cooperação: que consequências?”, in https://blogippc.blogspot.com; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”. 2ª ed., Almedina, págs. 703 e 707; Acs. RP., de 10/09/2019, Proc. 11226/16.5T8PRT-A.P1; de 08/01/2018, Proc. 1676/16.2T8OAZ.P1; RL. de 15/04/2021, Proc. 17803/15.4T8LSB.L1-8 (este inédito); de 15/05/2014, Proc. 26903/13.4T2SNT.L1-2 (…)”. 27. Em face de tudo o quanto ficou exposto, impõe-se conceder provimento ao presente recurso, anular a sentença recorrida, e determinar à baixa dos autos para que se proceda ao (i) convite ao aperfeiçoamento do tecido fáctico alegado de forma imprecisa ou deficitária e relativo à imputabilidade do Réu das razões subjacentes ao consumo de água inferior ao mínimo garantido no contrato, seguindo-se o (ii) exercício do contraditório, (iii) a eventual produção de prova circunscrita à facticidade aditada, e a (iv) prolação de nova sentença, se a tal nada mais obstar. 28. Assim se decidirá. * * V – DISPOSITIVO Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da C.R.P., em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional em análise, anular a sentença recorrida, e determinar à baixa dos autos para que se proceda ao convite ao aperfeiçoamento do tecido fáctico alegado de forma imprecisa ou deficitária e relativo à imputabilidade do Réu das razões subjacentes ao consumo de água inferior ao mínimo garantido no contrato, seguindo-se o exercício do contraditório, a eventual produção de prova circunscrita à facticidade aditada, e a prolação de nova sentença, se a tal nada mais obstar. Custas pelo Recorrido. Registe e Notifique-se. * * Porto, 25 de outubro de 2024, Ricardo de Oliveira e Sousa Tiago Afonso Lopes de Miranda Clara Ambrósio [com voto de vencido anexo] Votei vencido porque entendo que nem do julgamento de improcedência da excepção de ineptidão da Petição, nem dos concretos fundamentos dessa decisão se seguia que fosse devido um convite ao aperfeiçoamento nos termos do nº 3 do artigo 87º nº 3 do CPTA, havendo que distinguir entre existência de causa de pedir – que o juiz julgou afirmativamente – e a adequação, ao pedido, dos factos alegados, atento o direito aplicável, sendo que sobre esta questão o juiz não se pronunciou, nem mesmo tacitamente, quando julgou improcedente a excepção. Confirmaria, portanto, a sentença recorrida. Tiago Afonso Lopes de Miranda |