Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00230/22.4BEVIS-S1 |
![]() | ![]() |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 12/20/2022 |
![]() | ![]() |
Tribunal: | TAF de Viseu |
![]() | ![]() |
Relator: | Rogério Paulo da Costa Martins |
![]() | ![]() |
Descritores: | CONCURSO; CONTRATO; ADOPÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS; SUSPENSÃO DO ACTO DE ADJUDICAÇÃO E DA EXECUÇÃO DO CONTRATO; INTERESSE PÚBLICO; PONDERAÇÃO DE INTERESSES; ARTIGOS 103.º-A E 103-B DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS, NA REDACÇÃO DADA PELA LEI N.º 118/2019, DE 17 .09; FACTOS NOTÓRIOS; ARTIGOS 412.º, N.º1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, APLICÁVEIS POR FORÇA DO DISPOSTO NOS ARTIGO 1º E 140º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; |
![]() | ![]() |
Sumário: | 1. Como facilmente se constata pela diferente redacção do artigo 103.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos na redacção dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 .09, sob a epígrafe “Efeito suspensivo automático”, por um lado, e do artigo 103.º-B do Código de Processo nos Tribunais Administrativos na redacção dada pelo mesmo diploma, com a epígrafe “Adoção de medidas provisórias”, por outro, são diversos os pressupostos para o levantamento do efeito suspensivo automático resultante da interposição de uma acção de contencioso pré-contratual e os requisitos para a tomada de providências cautelares incluindo o pedido de suspensão da eficácia do acto. 2. Para o levantamento do efeito suspensivo automático, a que alude o artigo 103º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, é necessário que o diferimento da execução do acto seja gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. 3. Já para a adopção de medidas cautelares basta que os danos que resultariam da sua adopção se mostrem superiores aos que podem resultar da sua não adopção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de outras medidas, para que o pedido seja indeferido. 4. O Tribunal não está impedido de ter em conta os factos notórios, os quais não carecem de alegação nem de prova, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral – artigos 412.º, n.º1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto nos artigo 1º e 140º do Código de Processo Civil. 5. É um facto notório que os concursos públicos são celebrados para a prossecução de interesses públicos, os quais, pela sua própria natureza, se sobrepõem aos interesses particulares. 6. No caso o interesse na “Manutenção dos espaços verdes e do sistema de rega da cidade de Pinhel”, objecto do contrato, sobrepõe-se ao interesse da requerente em ver suspenso o procedimento do concurso, único interesse para cuja defesa tem legitimidade. 7. E ficará, previsivelmente, precludido se estiver suspenso o procedimento e a execução do contrato até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo principal, porque se destina à manutenção dos espaços verdes e do sistema de rega da cidade de Pinhel entre 26.04.2022, data da celebração do contrato, e 25.04.2023, data do termo do contrato. 8. Por outro lado, não tendo a requerente pedido que lhe fosse feita a adjudicação provisória do contrato em causa, com a simples suspensão do procedimento não evita qualquer prejuízo para si própria; apenas consegue, com a suspensão do procedimento, prejuízos para o Município demandado – que não vê os serviços prestados – e para a contra-interessada que não obtém o normal lucro resultante da execução do contrato. 9. O que impõe indeferir o pedido de tomada de providência cautelar, no caso a suspensão da execução do acto de adjudicação.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Meio Processual: | Outros despachos |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer. |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A Câmara Municipal ... veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 23.07.2022, que julgou procedente o incidente de adopção de medidas provisórias requeridas no âmbito da acção de contencioso pré-contratual que lhe moveu a J..., L.da e em que foi indicada como Contra-Interessada a C..., Lda.. Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida procedeu a uma errada ponderação dos interesses em presença. A Recorrida contra-alegou defendendo a manutenção da sentença recorrida. O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido também de ser negado provimento ao recurso. * Cumpre decidir já que nada a tal obsta. * I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: A) Deveria ter sido recusada a medida provisória requerida pela Autora. B) O contrato, na data de entrada do incidente, já estava outorgado e em execução pelo que é impossível à ora Recorrente, proceder às operações materiais e administrativas que permitam retroagir e ou repristinar, no procedimento concursal, como pretendido pela Autora pelo que inexiste “periculum in mora”. C) Com esta medida decretada de suspensão de execução do contrato, os jardins públicos da cidade ... ficarão inutilizados. D) Por isso, salvo o devido respeito, não foram devidamente ponderados os interesses em causa. E) Se por um lado, está o direito da Autora em ver a sua pretensão contratual cumprida, ou uma eventual indemnização pelos danos causados. F) Por outro, está o interesse publico na manutenção dos jardins públicos. G) Logo por estes “dois pesos” a balança teria que pender para o interesse publico na manutenção dos jardins, que são públicos. H) A decisão a proferir nos autos decisão deste tipo, com a complexidade técnica inerente, pode levar vários anos. I) Mas os jardins não podem passar um dia sem serem mantidos e regados! J) Existe lesão do interesse público os jardins ficarem anos sem serem regados e mantidos. K) É manifesta e ostensiva a lesão do interesse público se a manutenção dos jardins não for efetuada. L) O decretamento da medida provisória, mesmo no plano financeiro, é altamente lesivo do interesso publico. M) Quando a decisão transitar em julgado, será necessário reconstruir todos os espaços verdes. N) O custo será, obviamente maior do que uma eventual indemnização à Autor. O) Por isso, não tendo sido devidamente ponderados pelo Senhor Juiz a quo, os interesses a acautelar, a medida provisória deveria ter sido recusada porque os danos provocados pela sua adoção superam os prejuízos que com ela se pretendem evitar. * II –Matéria de facto. A decisão recorrida deu como indiciariamente provados (o que é distinto de assentes, próprio do processo principal) os seguintes factos, sem reparos nesta parte: 1. A Autora é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto principal “serviços de limpezas industriais e domésticas, bem como compra e venda de produtos de limpeza e de higiene. Serviços de manutenção e criação de espaços verdes, compra e venda de flores, sementes, material de rega, máquinas e artigos de decoração de jardim. Serviços de contabilidade, fiscalidade e gestão de empresas. Outras atividades e serviços pessoais diversos” e como actividades secundárias a limpeza geral em edifícios, a plantação e manutenção de jardins, a contabilidade e auditoria; a consultoria fiscal, e o comércio a retalho de flores, plantas, sementes e fertilizantes, em estabelecimentos especializados (cf. documento n.º ...1 junto com a petição inicial). 2. Em 11.02.2022, o Réu publicitou no Diário da República, II Série, n.º 30, o anúncio de procedimento n.º ...22 relativo à abertura de concurso público para a aquisição de serviços de “Manutenção dos espaços verdes e do sistema de rega da cidade ...” (cf. documento n.º ...2 junto com a petição inicial). 3. O prazo de execução do contrato concursado é de 12 meses (cf. documento n.º ...2 junto com a petição inicial). 4. A Autora apresentou proposta no referido concurso (cf. documentos n.ºs ...3 e ...5 juntos com a petição inicial). 5. Em 23.02.2022, foi a Autora notificada do relatório preliminar de análise e avaliação de propostas, tendo a sua proposta sido graduada em 2º lugar (cf. documento n.º ...3 junto com a petição inicial). 6. A Autora pronunciou-se em audiência prévia no sentido da alteração da ordenação das propostas constante do relatório preliminar (cf. documento n.º ...4 junto com a petição inicial). 7. Em 10.03.2022 o Júri elaborou o relatório final, mantendo a ordenação das propostas constante do relatório preliminar e propondo a adjudicação à proposta apresentada pela «C..., Lda.» (cf. documento n.º ...5 junto com a petição inicial). 8. Por deliberação de 17.03.2022, o Réu adjudicou o contrato concursado à «C..., Lda.» (cf. documento de folhas 190 do SITAF). 9. A Autora deduziu impugnação administrativa contra a decisão de adjudicação referida no ponto anterior (cf. documento n.º ...6 junto com a petição inicial). 10. Por deliberação da Câmara Municipal ... de 05.05.2022, foi indeferida a impugnação administrativa referida no ponto anterior (cf. documento de folhas 207 do SITAF). 11. Em 26.04.2022 foi outorgado entre o Réu e a «C..., Lda.» o contrato concursado (cf. documento de folhas 150 do SITAF). 12. Em 02.05.2022 foi apresentada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, via SITAF, a petição inicial que deu origem à presente acção de contencioso pré-contratual (cf. documento de folhas 01 do SITAF). 13. E na mesma data foi apresentado em juízo, também via SITAF, o requerimento que deu origem ao presente incidente de adopção de medidas provisórias (cf. documento de folhas 06 do SITAF). * III - Enquadramento jurídico. Dispõe o artigo 103.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos na redacção dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro (a Lei n.º 30/2021, de 21 de Maio, entrou em vigor em 20 de Junho de 2021, já após ter sido deduzido o presente processo cautelar), sob a epígrafe “Efeito suspensivo automático” : 1 - As ações de contencioso pré-contratual que tenham por objeto a impugnação de atos de adjudicação relativos a procedimentos aos quais é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 95.º ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do Código dos Contratos Públicos, desde que propostas no prazo de 10 dias úteis contados desde a notificação da adjudicação a todos os concorrentes, fazem suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado. 2 - Durante a pendência da ação, a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo previsto no número anterior. 3 - O autor dispõe de 7 dias para responder, seguindo-se, sem mais articulados e no prazo máximo de 10 dias, a decisão do incidente pelo juiz. 4 - O efeito suspensivo é levantado quando, ponderados todos os interesses suscetíveis de serem lesados, o diferimento da execução do ato seja gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”. E o artigo 103.º-B do Código de Processo nos Tribunais Administrativos na redacção dada pelo mesmo diploma, com a epígrafe “Adoção de medidas provisórias”: “1 - Nas ações de contencioso pré-contratual em que não se aplique ou tenha sido levantado o efeito suspensivo automático previsto no artigo anterior, o autor pode requerer ao juiz a adoção de medidas provisórias, destinadas a prevenir o risco de, no momento em que a sentença venha a ser proferida, se ter constituído uma situação de facto consumado ou já não ser possível retomar o procedimento précontratual para determinar quem nele seria escolhido como adjudicatário. 2 - O requerimento de adoção de medidas provisórias é processado como um incidente da ação de contencioso pré-contratual, devendo a respetiva tramitação ser determinada pelo juiz, no respeito pelo contraditório e em função da complexidade e urgência do caso. 3 - As medidas provisórias são recusadas quando os danos que resultariam da sua adoção se mostrem superiores aos que podem resultar da sua não adoção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de outras medidas”. Como facilmente se constata pela diferente redacção dos preceitos são diversos os pressupostos para o levantamento do efeito suspensivo automático resultante da interposição de uma acção de contencioso pré-contratual e os requisitos para a tomada de providências cautelares incluindo o pedido de suspensão da eficácia do acto. Em particular para o levantamento do efeito suspensivo automático, a que alude o artigo 103º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, é necessário que o diferimento da execução do acto seja gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. Já para a adopção de medidas cautelares basta que os danos que resultariam da sua adopção se mostrem superiores aos que podem resultar da sua não adopção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de outras medidas, para que o pedido seja indeferido. Poderá discutir-se o acerto deste desigual tratamento de situações e eventual colocação em plano de desigualdade a entidade pública – que quer manter a execução o acto - e o particular – que o quer suspender. Entendimento diverso esvaziaria, no entanto, de sentido útil a diferente previsão legal e o diferente regime estabelecido para um para outro dos pedidos, o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático e o pedido da adopção da medida cautelar de suspensão da eficácia do acto, contra a letra dos preceitos, solução interpretativa que está vedada – n.º 2 do artigo 9º do Código Civil. No caso, por decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, transitada em julgado, foi admitido o presente processo para a adopção de medidas cautelares pelo que se mostra aplicável ao caso o artigo 103.º-B (e não o artigo 103º-A) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos na redacção dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro. Sendo por isso de recusar as medidas provisórias requeridas quando se conclua que os danos que resultariam da sua adopção se mostram superiores aos que podem resultar da sua não adopção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de outras medidas. O conceito de grave prejuízo para o interesse público ou de produção de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, constante do artigo 103-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não é aqui aplicável. Por outro lado, o Tribunal não está impedido de ter em conta os factos notórios, os quais não carecem de alegação nem de prova, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral – artigos 412.º, n.º1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto nos artigo 1º e 140º do Código de Processo Civil. No caso concreto o contrato em apreço foi celerado para a aquisição de serviços de “Manutenção dos espaços verdes e do sistema de rega da cidade ...” durante o período de dozes meses após a celebração do contrato – factos provados sob os n.ºs 2 e 3. É um facto notório que os concursos públicos são celebrados para a prossecução de interesses públicos, os quais, pela sua própria natureza, se sobrepõem aos interesses particulares. No caso o interesse na “Manutenção dos espaços verdes e do sistema de rega da cidade ...” sobrepõe-se ao interesse da Requerente em ver suspenso o procedimento do concurso, único interesse para cuja defesa tem legitimidade. E ficará, previsivelmente, precludido se estiver suspenso o processo até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo principal. Porque se destina à manutenção dos espaços verdes e do sistema de rega da cidade ... entre 26.04.2022, data da celebração do contrato, e 25.04.2023, data do termo do contrato – factos provados sob os números 2, 3 e 11. Não colhe neste capítulo, entendemos, a alegação por parte da Autora e ora Recorrida no sentido de que o interesse público sai prejudicado com a imediata execução do acto de adjudicação e do contrato que se lhe seguiu porque além do custo económico do contrato, a Entidade demandada também terá de pagar uma indemnização à Recorrida. Para além de não caber à Requerente defender o interesse público, trata-se de um prejuízo meramente hipotético e mera conjectura que pode ser feita ao contrário: se o acto for considerado válido na acção principal, aí sim, poderá resultar um prejuízo para a Requerente que terá de indemnizar, pode também conjecturar-se, o Município requerido e a Contra-Interessada pelos prejuízos que provocar com a suspensão do procedimento. Por outro lado, a Requerente não pediu aqui que lhe fosse feita a adjudicação provisória do contrato em causa. Pelo que com a simples suspensão do procedimento não evita qualquer prejuízo para si própria. Apenas consegue, com a suspensão do procedimento, prejuízos para o Município demandado – que não vê os serviços prestados – e para a Contra-Interessada que não obtém o normal lucro resultante da execução do contrato. Termos em que se impõe, no total provimento do recurso, revogar a decisão recorrida a indeferir totalmente o pedido deduzido no articulado inicial. * IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER TOTAL PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que: 1. Revogam a decisão recorrida. 2. Indeferem na totalidade o pedido de tomada de providências cautelares. Custas pela Recorrida em ambas as instâncias. * Porto, 20.12.2022 Rogério Martins Luís Migueis Garcia Conceição Silvestre |