Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00567/24.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/07/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:NULIDADE DE TODO O PROCESSO POR INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL; GESTÃO PROCESSUAL;
NECESSIDADE DE CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DO ARTICULADO IMPERFEITO/DEFICIENTE;
PRINCÍPIO PRO ACTIONE QUE IMPÕE QUE, EM SITUAÇÕES DUVIDOSAS, A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS SEJA EFECTUADA NO SENTIDO DE PROMOVER A EMISSÃO DE UMA DECISÃO DE MÉRITO;
PROVIMENTO DO RECURSO;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:

RELATÓRIO
«AA», «BB», «CC», «DD», «EE», «FF», «GG», «HH», «II», «JJ», «KK», «LL» e «MM» instauraram ação administrativa contra o Ministério da Educação e a Caixa Geral de Aposentações, indicando como Contrainteressado o Instituto de Segurança Social, I.P., todos melhor identificados nos autos, pedindo o reconhecimento do direito dos Autores que a 1 de janeiro de 2006 exerciam funções públicas à manutenção da qualidade de beneficiários da Caixa Geral de Aposentações e a serem reintegrados na Caixa Geral de Aposentações e, cumulativamente, a atualização do vínculo de subscritor de cada um dos Autores com efeitos à data da sua retirada na Caixa Geral de Aposentações.
Por Saneador-Sentença proferido pelo TAF do Porto foi julgado nulo todo o processo por ineptidão da petição inicial e absolvidos os Réus da instância.
Deste vem interposto recurso.
Alegando, os Autores formularam as seguintes conclusões:

1. A douta Sentença recorrida merece alguns juízos de censura e reparos, ressalvado que fica o maior respeito por aquela.

2. A Sentença a quo não permitiu decidir o mérito da causa.

3. E em grande parte deve-se à ausência e, até mesmo, incumprimento, do poder/dever de gestão ativa do processo (dever de gestão processual, previsto e regulado no art. 6.º do CPC e 7.º-A do CPTA).

4. Porquanto a prevalência das decisões de mérito sobre as formais, consagrado no artigo 6.º do CPC e 7.º-A do CPTA, sai visivelmente ferido.

5. E, outrossim, do princípio antiformalista pro actione, que é “um corolário normativo ou uma concretização do princípio constitucional do acesso efectivo à justiça (administrativa), que aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no Processo n.º 01233/13, datado de 29/01/2014).

6. Ora, o Tribunal a quo, não teve em consideração o seu poder/dever de gestão processual, não tendo em momento algum solicitado o convite ao aperfeiçoamento da Petição Inicial por entender não terem sido “(...) articulados na petição inicial os factos essenciais, concretos, objetivos e individualizados que fundamentam a pretensão dos AA., (...)”.

7. A Petição Inicial deu entrada em juízo no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a 06/03/2024.

8. A 18/04/2024 o Contrainteressado Segurança Social apresentou a sua competente contestação, defendendo-se por exceção onde pugnou pela ineptidão da Petição Inicial.

9. A 19/04/2024 os Recorrentes apresentaram a sua réplica (como que fora alegado e que anteriormente se referiu).

10. O Réu CGA vem, a 22/04/2024, apresentar a sua contestação, sem que tenha arguido tal ineptidão, compreendendo, perfeitamente, o pedido e causa de pedir dos Autores.

11. A 18/09/2024, vem o douto Tribunal a quo, proferir despacho de dispensa de audiência prévia.

12. E, a 16/10/2024, vem a Mma. Juíza a quo proferir Saneador-Sentença (notificado a 18/10/2024) onde decide o pleito de forma, a nosso ver, imprecisa.

13. Conforme se perscrutou o poder-dever de gestão processual, de condução ativa do processo e da promoção oficiosa das diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, não foi acautelado (art. 6.º do CPC e 7.º-A do CPTA).

14. Incumbe ao Juiz conduzir ativamente o processo, providenciando o seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação.

15. E, outrossim, providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação (art. 6.º do CPC e art. 7.º e 7.º-A do CPTA).

16. Creem os Recorrentes que o convite ao aperfeiçoamento da Petição Inicial permitiria resolver o alegado pela Mma. Juíza a quo, em relação aos “(...) factos essenciais, concretos, objetivos e individualizados que fundamentam a pretensão dos AA., (...)” que, alegadamente, não foram articulados.

17. Os documentos juntos com a Petição Inicial vertem o que fora alegado nesse articulado, em concreto o Doc. 3 (registo biográfico de cada Autor).

18. Através da leitura do quadro “V – Estabelecimentos de ensino onde tem prestado serviço”, se apura logo na primeira linha da coluna, o primeiro ano letivo de exercício de funções docentes; a forma de provimento do contrato/vínculo contratual; a categoria profissional; n.º de horas letivas semanais do contrato de trabalho; o início e o termo do contrato de trabalho; os correspondentes anos letivos em que os Docentes mantêm essa qualidade, continuando a exercer funções públicas de forma continuada (“(...) cargo a que, antes de 1 de Janeiro de 2006, correspondesse direito de inscrição na CGA”).

19. Nesse mesmo documento (Registo Biográfico), no quadro “IV – Segurança Social” tem o conjunto de instituições de previdência e o corresponde número de subscritor/beneficiário.

20. O que evidencia que aquele trabalhador da função pública (Docente) já pertenceu ao sistema da Caixa Geral de Aposentações

21. Algo que o Réu CGA, inclusive, nunca alegou em sentido contrário (reconhecido no seu artigo 1 da contestação.

22. Devia, assim, no mínimo, ter sido realizado o convite ao aperfeiçoamento, providenciando pelo suprimento de exceções dilatórias, através de um despacho preventivo (anterior ao despacho Saneador-Sentença) que convidasse os Recorrentes a aperfeiçoarem a matéria de facto necessária a suprir alguma irregularidade, incongruência ou insuficiência.

23. O que, reitere-se, não aconteceu.

24. Mais do que um poder, a gestão processual do juiz consubstancia um dever, que, uma vez iniciado o processo com a Petição Inicial, deverá aquele adotar uma postura proativa, norteada pela otimização do tempo e dos recursos disponíveis de forma a garantir a justa composição do litígio (art. 7.º-A do CPTA).

25. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS CADILHA “(...) o princípio pro actione, que decorre do disposto no art. 7º (...) impõe que, em situações duvidosas, a interpretação das normas seja efectuada no sentido de promover a emissão de uma decisão de mérito”.

26. O Juiz através deste poder/dever de gestão processual permite que exista uma “margem de manobra” para suprir oficiosamente a falta de pressupostos suscetíveis de sanação, diminuindo assim as absolvições da instância sem que se conheça o fundo da questão e, assim, se favoreça o processo.

27. Salvo o devido respeito, os elementos que conduziram à decisão de provimento da exceção de ineptidão da petição inicial, estão concretizados de forma clara no Registo Biográfico de cada um dos Autores (Doc. 3) que, quando muito, poderiam ter sido, mais uma vez, convidados a aperfeiçoar a petição inicial através da articulação dos “factos essenciais, concretos, objetivos e individualizados que fundamentam a pretensão dos AA.,”, nos termos e para os efeitos dos arts. 6.º do CPC e 7.º-A do CPTA.

28. Constitui agora jurisprudência pacífica que os docentes que tenham já sido subscritores da CGA antes de 01/01/2006 e que não tenham cessado definitivamente o seu vínculo de subscritor (nos termos previsto no art. 22.º do Estatuto da Aposentação), poderão continuar a descontar para o regime da CGA.

29. No caso dos Autores não existe qualquer quebra de vínculo laboral em funções públicas, nos termos e para os efeitos do art. 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, nem do art. 22.º do Estatuto da Aposentação.

30. Já que só será eliminado o subscritor “que, a título definitivo, cesse o exercício do seu cargo, salvo se for investido noutro a que corresponda igualmente direito de inscrição” (art. 22.º, n.º 1 do Estatuto da Aposentação), independentemente da ocorrência de hiatos temporais.

31. Tanto assim é que o próprio Réu CGA reconheceu em períodos transatos o direito de reinscrição, deferindo a pretensão de milhares de requerimentos de docentes no sentido da reinscrição, mas, outrossim, emanando também diretamente diretrizes às Escolas para procederem à atualização do vínculo de subscritor através do formulário próprio para o efeito (Mod. CGA 11).

32. Que não conseguirá o Réu desmentir.

33. A Recorrente «AA», foi contratada em 25/02/2005 como professora pelo Agrupamento Vertical ... (EB1 ...) e nessa data foi inscrita na CGA com o n.º de subscritor ...58 (cfr. teor do registo biográfico junto com a Petição Inicial (Doc. 3) e do Processo Administrativo (PA) apensado ao processo).

34. A Recorrente «BB», foi contratada em 01/09/1994 como Educadora de Infância pela Irmandade Santa Casa da Misericórdia e nessa data foi inscrita na CGA com o n.º de subscritor ...35 (cfr. teor do registo biográfico junto com a Petição Inicial (Doc. 3) e do Processo Administrativo (PA) apensado ao processo).

35. A Recorrente «CC», foi contratada em 08/10/1985 como Professora do Ensino Particular e Cooperativo, no Externato ... e em 27/09/1998 foi inscrita na CGA com o n.º de subscritor ...85 (cfr. teor do registo biográfico junto com a Petição Inicial (Doc. 3) e do Processo Administrativo (PA) apensado ao processo).

36. A Recorrente «DD», foi contratada em 01/09/2003 como professora na Escola EB 2.3 ... e nessa data foi inscrita na CGA com o n.º de subscritor ...71 (cfr. teor do registo biográfico junto com a Petição Inicial (Doc. 3) e do Processo Administrativo (PA) apensado ao processo).

37. A Recorrente «EE», foi contratada em 01/09/1999 como professora na Escola Secundária ... e nessa data foi inscrita na CGA com o n.º de subscritor ...57 (cfr. teor do registo biográfico junto com a Petição Inicial (Doc. 3) e do Processo Administrativo (PA) apensado ao processo).

38. A Recorrente «FF», foi contratada em 31/10/1994 como professora na Escola Secundária ... e nessa data foi inscrita na CGA com o n.º de subscritor ...28 (cfr. teor do registo biográfico junto com a Petição Inicial (Doc. 3) e do Processo Administrativo (PA) apensado ao processo).

39. A Recorrente «GG», foi contratada em 01/09/2004 como professora na Escola S/ Arquiteto ... e nessa data foi inscrita na CGA com o n.º de subscritor ...50 (cfr. teor do registo biográfico junto com a Petição Inicial (Doc. 3) e do Processo Administrativo (PA) apensado ao processo).

40. A Recorrente «HH», foi contratada a 01/10/1990 como professora no Externato ... e nessa data foi inscrita na CGA com o n.º de subscritor ...17 (cfr. teor do registo biográfico junto com a Petição Inicial (Doc. 3) e do Processo Administrativo (PA) apensado ao processo).

41. A Recorrente «II», foi contratada a 29/09/2000 como professora na Escola ... 2,3 da ... e nessa data foi inscrita na CGA com o n.º de subscritor ...13 (cfr. teor do registo biográfico junto com a Petição Inicial (Doc. 3) e do Processo Administrativo (PA) apensado ao processo).

42. A Recorrente «JJ», foi contratada a 29/09/1987 como professora na Escola ... e nessa data foi inscrita na CGA com o n.º de subscritor ...54 (cfr. teor do registo biográfico junto com a Petição Inicial (Doc. 3) e do Processo Administrativo (PA) apensado ao processo).

43. A Recorrente «KK», foi contratada a 01/09/1997 como professora na Escola ... e nessa data foi inscrita na CGA com o n.º de subscritor ...02 (cfr. teor do registo biográfico junto com a Petição Inicial (Doc. 3) e do Processo Administrativo (PA) apensado ao processo).

44. O Recorrente «LL», foi contratado a 01/09/1999 como professor na Escola ... e nessa data foi inscrito na CGA com o n.º de subscritor ...59 (cfr. teor do registo biográfico junto com a Petição Inicial (Doc. 3) e do Processo Administrativo (PA) apensado ao processo).

45. A Recorrente «MM», foi contratada a 01/09/2002 como professora na Escola Secundária ... e nessa data foi inscrita na CGA com o n.º de subscritor ...83 (cfr. teor do registo biográfico junto com a Petição Inicial (Doc. 3) e do Processo Administrativo (PA) apensado ao processo).

46. Nunca os Recorrentes viram o seu vínculo com o Ministério da Educação cessado definitivamente, nos termos da legislação até aqui invocada (única capaz de determinar em que termos é que se considera cessado o vínculo de funções públicas com aquela entidade).

47. Em consequência, o Tribunal a quo não fez um julgamento sério, ponderado, e corretamente alicerçado na lei e jurisprudência, tendo andado mal ao julgar nulo todo o processo por ineptidão da petição inicial dos Recorrentes.

48. Sem antes de tal decisão, ter exercício o poder/dever de convidar as partes ao aperfeiçoamento do seu articulado.

49. Devendo o douto Tribunal seguir a jurisprudência já consolidada (grande parte formulada por este Tribunal Central Administrativo), revogando-se a decisão a quo e concedendo provimento ao recurso interposto.

Nestes termos e nos demais de Direito que serão supridos requer-se se dignem julgar totalmente procedente o presente RECURSO, revogando-se a douta sentença recorrida.

Assim se fazendo neste tribunal a tão acostumada JUSTIÇA!

A CGA juntou contra-alegações, concluindo:

A) Na Sentença proferida em 2024-10-16 estão mais que explicitadas as razões permitem aos Recorrentes apreender as razões que sustentam a decisão proferida. Não enfermando a Sentença de qualquer vício.

B) Como bem fundamenta a decisão recorrida, “...a causa de pedir é inexistente, porquanto não foram articulados na petição inicial os factos essenciais, concretos, objetivos e individualizados que fundamentam a pretensão dos AA., reconduzindo-se o alegado na petição inicial praticamente a matéria de direito, nomeadamente não foi alegado em que data e entidade empregadora iniciaram os AA. o exercício de funções docentes e qual o respetivo vínculo laboral e quando foram inscritos como subscritores da CGA; em que data ocorreu a respetiva alteração de regime de proteção social, e se, desde então, sempre efetuaram descontos para este último regime; se e quando foram os AA. investidos posteriormente noutro cargo a que, antes de 1 de Janeiro de 2006, correspondesse direito de inscrição na CGA.”

C) Analisado o conteúdo da Petição Inicial (P.I.) constata-se que o mesmo constitui um arrazoado vago e genérico, que não concretiza minimamente os factos que fundamentem a pretensão deduzida pelos 13 (treze) Autores da ação.

D) Bem concluindo o Tribunal a quo, “...não cabe às partes, nem ao Tribunal, a presunção ou verificação de factos que não foram alegados na petição inicial.”

Nestes termos, e com o suprimento, deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional interposto pelos Recorrentes e confirmada a douta decisão recorrida, com as legais consequências.

A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
É este o teor da decisão recorrida:
(…)
Cumpre aqui conhecer da suscitada ineptidão da petição inicial.
O Instituto de Segurança Social alega que a petição inicial é inepta porque os AA. não cumpriram o ónus de articular os factos essenciais, concretos, objetivos e individualizados que fundamentem a sua pretensão (que á de que os AA. “que a 1 de Janeiro de 2006 exerciam funções públicas” seja reconhecido o direito à manutenção da qualidade de beneficiários da Caixa Geral de Aposentações e a serem na mesma reintegrados, e, cumulativamente, a atualização do vínculo de subscritor de cada um dos AA., com efeitos à data da sua “retirada” dessa entidade), reconduzindo-se o alegado na petição inicial praticamente a matéria de direito e a considerações de natureza conclusiva ou meramente opinativa, nomeadamente não alegaram em que data e entidade empregadora iniciaram o exercício de funções docentes e qual o respetivo vínculo laboral; em que data ocorreu a respetiva alteração de regime de proteção social, e qual a entidade empregadora que comunicou a admissão como trabalhador por conta de outrem, para efeitos de enquadramento no regime geral de segurança social e se, desde então, sempre efetuaram descontos para este último regime; não cabendo ao Tribunal e, nomeadamente, ao aqui Contrainteressado, presumir que cada um dos AA. identificados na p. i., à data de 1 de Janeiro de 2006, detinha um contrato de trabalho em funções públicas e era subscritor da demandada CGA. Face a tal, conclui que a petição inicial mostra-se ferida de ineptidão, exceção dilatória que invocou para todos os efeitos legais, nos termos dos artigos 88°, n° 1, alínea a), e 89°, n° 2, do CPTA, e art.° 186°, n° 2, alínea a), do CPC, ex vi art.° 1° do CPTA.
Os AA. alegam que o seu pedido é inequívoco e que, quanto à causa de pedir, invocaram as suas situações factuais de molde a substantivar o direito ao reconhecimento como subscritores da Caixa Geral de Aposentações, não restando quaisquer dúvidas quanto às pretensões dos AA., nem quanto aos seus fundamentos, nomeadamente com apelo aos documentos juntos à petição inicial, e que a nulidade do processo por ineptidão da petição inicial é sanável quando, resultando da ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, o Réu conteste, ainda que arguindo a ineptidão, e se verifique, após a audição do Autor, que interpretou convenientemente a petição inicial, a respeito do vício verificado, conforme prescreve o artigo 186.°, n.° 3 do CPC, o que afirma ocorrer in casu quanto ao Réu Instituto.
Vejamos.
A ineptidão da petição inicial conduz à nulidade de todo o processo (artigo 186.°, n.° 1 do CPC). A petição é inepta quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 186.° n.° 2 do
CPC. A falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir encontra-se prevista na alínea a) do artigo 186.°, n.° 2 do CPC, sendo que nos termos do artigo 186.°, n.° 3 do CPC se o Réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o Réu interpretou convenientemente a petição inicial. Com efeito, “não é inepta uma petição em que, quer o demandando, quer o tribunal, compreenderam perfeitamente o sentido da causa de pedir e do pedido emergente” – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/2/2002, Agr. n.° 4199/01-7.ª: Sumários, 2/2002.
A causa de pedir é constituída pelo facto ou factos de onde emerge o direito que o autor pretende fazer valer, ou seja, é/são o(s) facto(s) concreto(s) que serve(m) de fundamento ao efeito jurídico pretendido. Impõe-se a alegação de factos simples ou de um conjunto de factos no caso da causa de pedir complexa.
O pedido “deve apresentar-se como a consequência ou o corolário lógico do que se alega como causa de pedir.” – cf. PIMENTA, Paulo, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2015, pp. 110 e 111.
Da petição inicial resulta um pedido inteligível e compreensível, sendo o pedido o de ver reconhecido o direito dos AA. que a 1 de janeiro de 2006 exerciam funções públicas à manutenção da qualidade de beneficiários da Caixa Geral de Aposentações e a serem reintegrados na Caixa Geral de Aposentações e, cumulativamente, a atualização do vínculo de subscritor de cada um dos Autores com efeitos à data da sua retirada na Caixa Geral de Aposentações.
No entanto, a causa de pedir é inexistente, porquanto não foram articulados na petição inicial os factos essenciais, concretos, objetivos e individualizados que fundamentam a pretensão dos AA., reconduzindo-se o alegado na petição inicial praticamente a matéria de direito, nomeadamente não foi alegado em que data e entidade empregadora iniciaram os AA. o exercício de funções docentes e qual o respetivo vínculo laboral e quando foram inscritos como subscritores da CGA; em que data ocorreu a respetiva alteração de regime de proteção social, e se, desde então, sempre efetuaram descontos para este último regime; se e quando foram os AA. investidos posteriormente noutro cargo a que, antes de 1 de Janeiro de 2006, correspondesse direito de inscrição na CGA. Efetivamente, não cabe às partes, nem ao Tribunal, a presunção ou verificação de factos que não foram alegados na petição inicial.
Face a tal inexistência de causa de pedir, não se pode dizer que o Contrainteressado/Réus interpretaram convenientemente a petição inicial, já que faltam os factos essenciais que motivam a pretensão dos AA, ou seja, a base/suporte da ação.
Pelo exposto, todo o processo é nulo por ineptidão da petição inicial face à inexistência de causa de pedir, devendo os réus ser absolvidos da instância em conformidade – cfr. artigos 89°, n° 2 e 89.°, n.° 4, al. b) do CPTA, e artigo 186°, n° 2, alínea a), do CPC, ex vi art.° 1° do CPTA-, o que se decidirá.
X

Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Assim,
É objecto de recurso a decisão que julgou nulo todo o processo por ineptidão da petição inicial.
Vem naquela referido que “(...) o processo é nulo por ineptidão da petição inicial face à inexistência de causa de pedir, devendo os réus ser absolvidos da instância em conformidade (...)”.
Entendeu, pois, o Tribunal a quo que, embora da petição inicial resulte um pedido inteligível e compreensível, sendo o pedido o de ver reconhecido o direito dos AA. que a 1 de janeiro de 2006 exerciam funções públicas à manutenção da qualidade de beneficiários da Caixa Geral de Aposentações e a serem reintegrados na Caixa Geral de Aposentações e, cumulativamente, a atualização do vínculo de subscritor de cada um dos Autores com efeitos à data da sua retirada na Caixa Geral de Aposentações, a causa de pedir é inexistente, porquanto não foram articulados na petição inicial os factos essenciais, concretos, objetivos e individualizados que fundamentam a pretensão dos AA., reconduzindo-se o alegado na petição inicial praticamente a matéria de direito, nomeadamente não foi alegado em que data e entidade empregadora iniciaram os AA. o exercício de funções docentes e qual o respetivo vínculo laboral e quando foram inscritos como subscritores da CGA; em que data ocorreu a respetiva alteração de regime de proteção social, e se, desde então, sempre efetuaram descontos para este último regime; se e quando foram os AA. investidos posteriormente noutro cargo a que, antes de 1 de Janeiro de 2006, correspondesse direito de inscrição na CGA. Efetivamente, não cabe às partes, nem ao Tribunal, a presunção ou verificação de factos que não foram alegados na petição inicial.
Na óptica dos Recorrentes a decisão sob análise não pode manter-se, já que foi descurado o Poder de Direção/Adequação Formal.
Cremos que lhes assiste razão.
Vejamos cronologicamente a sucessão de articulados/eventos processuais que deram entrada até ao presente momento:
A Petição Inicial deu entrada em juízo no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a 06/03/2024.
A 18/04/2024 o Contrainteressado Segurança Social apresentou a sua Contestação, defendendo-se por exceção onde pugnou pela ineptidão da Petição Inicial.
Os aqui recorrentes apresentaram, a 19/04/2024, a Réplica onde referem no seu artigo 22, “E se o Contrainteressado claramente entendeu o pedido e causa de pedir, entende também que muita das informações que diz não saber (artigos 6 a 9 da sua contestação) ou estão nos documentos juntos à petição inicial (caso da data e entidade empregadora onde exerceu as funções docentes, que se afere através dos registos biográficos), ou nas informações que o Instituto da Segurança Social tem perfeito conhecimento quanto ao histórico contributivo”.
O Réu Caixa Geral de Aposentações, a 22/04/2024, apresentou a sua Contestação, sem que tenha arguido tal ineptidão.
A 18/09/2024, o Tribunal a quo proferiu despacho de dispensa de audiência prévia, referindo que “Encontrando-se os presentes autos com a fase dos articulados finda e, ainda, tendo em consideração que, nos termos do disposto no art. 87°-B n°s 1, 2 e 3 do NCPTA o Juiz pode/deve dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas, designadamente, ao fim indicado nas alíneas b), d), e) e f) no n.° 1 do artigo 87°-A do NCPTA, é intenção do Tribunal, à luz do supracitado preceito legal, dispensar a realização de tal diligência. Assim sendo, ao abrigo do princípio do contraditório, notifique as partes para se pronunciarem, querendo, no prazo de 10 dias, sobre o referido supra considerando-se, na ausência de resposta, que as partes nada têm a opor”.
A 16/10/2024, foi proferido o Saneador-Sentença ora recorrido.
Conforme se perscrutou, o poder-dever de gestão processual, de condução ativa do processo e da promoção oficiosa das diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, não foi acautelado (artº 6.º do CPC e 7.º-A do CPTA).
Com efeito, cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
“O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando-as a praticá-lo” - artº 6.º do CPC.
A propósito do Despacho do Tribunal a quo de 12/09/2024, que prescindiu a realização da audiência prévia, a consagração desta audiência, em princípio obrigatória - na qual operam os princípios da cooperação, do contraditório e da oralidade - impõe ao Juiz e às partes uma preparação adequada da diligência que possibilita muitas vezes a obtenção de transação ou uma imediata decisão de mérito, que dispensa a audiência final, poupando-se tempo e recursos.
Neste conspecto, tendo sido proferido o despacho que preconiza o poder/dever de dispensar a audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins das alíneas, d), e) e f) do art. 87.º-A, n.º 1 do CPTA, podia/devia ter sido realizado o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, ao abrigo do artº 7.º-A, n.º 2 do CPTA, ainda para mais quando o despacho indicado podia possibilitar “Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate” (artº 87.º-A, n.º 1, al. c) do CPTA).
Assim, caso o Tribunal entendesse, como entendeu, haver qualquer vício, imprecisão, insuficiência, deveria ter chamado os Autores a supri-lo(s), determinando o aperfeiçoamento do articulado inicial, o que não fez. Ou seja, os Autores sempre teriam a oportunidade de, antes de a causa ser findada, vir ao processo concretizar os (...) factos essenciais, concretos, objetivos e individualizados que fundamentam a sua pretensão (...) - decisão recorrida.
Como é sabido, o Dever de Gestão é concretizado ainda, em diversos preceitos do Código de Processo Civil (CPC).
Releva então o artigo 590.º do CPC (Gestão Inicial do Processo), no âmbito da intervenção do juiz na fase anterior à audiência prévia, devendo providenciar pelo suprimento das exceções dilatórias, pelo aperfeiçoamento dos articulados e inclusive determinar a junção de documentos para conhecimento de exceções ou do seu mérito.
Temos, assim, que previamente ao Saneador-Sentença, deveria ter sido proferido despacho preventivo a convidar as partes (Autores) a aperfeiçoarem a matéria de facto necessária a suprir alguma irregularidade, incongruência ou insuficiência. Tal despacho alertaria para a consequência gravosa de a parte em questão, não suprindo determinada insuficiência, em determinado prazo, provocar o provimento da exceção dilatória alegada.
O que, reitere-se, no caso concreto não se verificou.
Conforme se elencou, desde a entrada da Petição Inicial até ao Despacho recorrido não foram os Autores convidados a suprir as apontadas insuficiências/vícios.
Como alegado, mais do que um poder, a gestão processual do juiz consubstancia um dever, que, uma vez iniciado o processo com a Petição Inicial, deverá adotar uma postura proativa, norteada pela otimização do tempo e dos recursos disponíveis de forma a garantir a justa composição do litígio (artº 7.º-A do CPTA).
Este dever não é mais que uma norma concretizadora do artº 20.º da Constituição da República Portuguesa (o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva que se realiza através de um processo célere e equitativo) e do seu artº 268.º, n.º 4. Existe um regime de cooperação com as partes processuais, em que o juiz deverá primar pela celeridade e equidade do litígio.
Tal correlaciona-se, intrinsecamente, com o princípio antiformalista pro actione, que é “um corolário normativo ou uma concretização do princípio constitucional do acesso efectivo à justiça (administrativa), que aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo” - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no Processo n.º 01233/13, datado de 29/01/2014.
O Código de Processo nos Tribunais Administrativos encontra-se até estruturado com base neste princípio. “Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas” (artº 7.º do CPTA). Este preceito prevê que para se efetivar o direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões que sejam formuladas em juízo, ou seja, garantir uma correta tramitação do processo (não uma completa desconsideração dos pressupostos processuais).
Mário Aroso e Carlos Cadilha ensinam: “(...) o princípio pro actione, que decorre do disposto no art. 7º (...) impõe que, em situações duvidosas, a interpretação das normas seja efectuada no sentido de promover a emissão de uma decisão de mérito” - em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, p. 393 e, em especial sobre o referido princípio, pp. 63/64).
Este princípio aponta para uma “interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo.” - Vieira de Andrade, em A Justiça Administrativa (Lições), 2ª Edição, Almedina, 2012, p. 440.
Efectivamente, a condenação do excesso de formalismo conduz a uma maior celeridade processual. O princípio pro actione (ou princípio do favorecimento do processo) visa, sobretudo, que os tribunais se pronunciem sobre questões de mérito, que conheçam a questão de mérito/de fundo.
O juiz através deste poder/dever de gestão processual permite que exista uma “margem de manobra” para suprir oficiosamente a falta de pressupostos suscetíveis de sanação, diminuindo assim as absolvições da instância sem que se conheça o fundo da questão e, assim, se favoreça o processo.
Em suma,
Os Autores e aqui Apelantes deveriam ter sido convidados a aperfeiçoar a petição inicial através da articulação dos factos essenciais, concretos, objetivos e individualizados que fundamentam a sua pretensão, nos termos e para os efeitos dos artigos 6.º do CPC e 7.º-A do CPTA.
O princípio pro actione estabelece que se privilegie a interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva.
Sobre os princípios antiformalista, "pro actione" e " in dubio pro favoritate instanciae" e a sua aplicação no âmbito do contencioso administrativo, vejam-se, entre outros, os Acórdãos do STA de 9.4.02, no recurso 48200, de 11.5.00, no recurso 45903 e de 10.7.97, no recurso 35738, entre tantos outros, que, no âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalista, "pro actione" e "in dubio pro favoritate instanciae" impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, podendo a tal respeito falar-se, de sanação dos "defeitos processuais".
Como aí assinalado, dentro deste contexto pode falar-se em teoria geral, da sanação dos "defeitos processuais" tendo em vista possibilitar o exame do mérito das pretensões deduzidas em juízo, assim se tentando alcançar a verdade material, pela aplicação do direito substantivo.
Assim, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas, deve optar-se por aquela que favoreça a ação e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pelo autor.
A este nível os imperativos decorrentes dos anti formalista e "pro actione" devem conduzir o juiz a adoptar uma interpretação da peça processual que olhando ao seu conteúdo e com ele se compaginando possa obviar a uma situação de não conhecimento das questões de fundo, acolhendo o princípio do "in dubio quo habitate instanciae", ultrapassando, se for caso disso, meros erros de qualificação.
Ante o exposto, bem se compreende que o presente princípio surja como um corolário do imperativo constitucional do acesso efetivo à justiça, o qual justifica a preterição das formalidades em prol da prolação de uma decisão de mérito.
É imperativa a revogação da decisão proferida e a substituição por uma outra que proceda ao convite aos Autores a desencadearem os necessários mecanismos tendentes ao aperfeiçoamento do respectivo articulado.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso e, em consequência, se revoga a decisão recorrida, determinando-se que, regressando os autos ao TAF a quo aí se proceda nos termos atrás explanados.
Custas pela Recorrida.
Notifique e DN.

Porto, 07/3/2025

Fernanda Brandão
Paulo Ferreira de Magalhães
Rogério Martins