Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00730/19.3BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:JOSÉ ANTÓNIO OLIVEIRA COELHO
Descritores:ARTIGO 640º, Nº 1 DO CPC;
MATÉRIA DE FACTO;
Sumário:
Não cumprindo o Recorrente os ónus do artigo 640º, nº 1 do CPC., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. [SCom01...] Unipessoal, Lda. veio recorrer jurisdicionalmente da sentença proferida a 8 de maio de 2023 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRC de 2015 a 2017, decorrentes exclusivamente de tributação autónoma e dos respetivos juros compensatórios.
*

2.1. A Recorrente terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. O tribunal a quo decidiu julgar improcedente a Impugnação deduzida pela Recorrente, com o fundamento de não procederem os vícios de erro sobre os pressupostos de facto, violação do princípio do inquisitório/descoberta da verdade material e falta de fundamentação.
II. A Recorrente não pode concordar com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, pois, ao longo do processo entende ter demonstrado cabalmente que a atividade desenvolvida sempre foi uma atividade legal, com todas as transações comerciais efetuadas documentadas e justificadas e com pagamentos efetuados nos locais onde lhe era indicado pelo fornecedor.
III. A Recorrente foi citada para proceder ao pagamento de € 4.307.572,10, sendo € 4.287.538,52 de quantia exequenda, € 5.530,62 de juros de mora e € 14.502,96 de custas, quantia que resulta de correções efetuadas, em sede de tributação autónoma, aos anos de 2015, 2016 e 2017, com o fundamento, em síntese, de que a Recorrente efetuou pagamentos através de transferência bancárias para entidades fora do território nacional e aí sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável e não comprovou que as operações que estiveram na origem desses pagamentos correspondam a operações efetivamente realizadas e não têm um carater anormal ou um montante exagerado, conforme o previsto no art° 63-D, n° 1 da LGT.
IV. Na sequência da Impugnação Judicial apresentada pela Recorrente, procedeu-se a julgamento onde, além da inquirição dos 2 inspetores tributários que instruíram o processo, foi inquirida a contabilista da empresa responsável pela contabilidade da impugnante e tomadas as declarações do seu gerente, tendo ainda sido solicitadas informações a outras entidades, por se poderem revelar importantes para a descoberta da verdade material.
V. Das inquirições e declarações prestadas em julgamento ficou claro que, ao contrário do que é afirmado no relatório de inspeção, não houve qualquer falta de colaboração do gerente da Recorrente para com a ação inspetiva.
VI. A «AA», esteve 2 vezes com a equipa de inspetores em Coimbra, uma dela durante um dia inteiro em que levou consigo as pastas da contabilidade, que estiveram a ser fotocopiadas pelos Srs Inspetores e outra em que se disponibilizou para esclarecer dúvidas que lhe fossem colocadas.
VII. Os inspetores inquiridos referiram que não havia CMRs como prova dos transportes das mercadorias, mas admitiram haver documentos idênticos franceses (CERFAs), não tendo tido o cuidado de investigar e perceber que, vindo a maior parte das mercadorias de França, os documentos para o transporte deveriam ser franceses.
VIII. Referiram ainda que a [SCom02...] LTD (sociedade comercial de direito inglês) era quase o exclusivo fornecedor da Recorrente, que não tinha NIPC válido e que não se encontrava inscrita no VIES, opinando ainda que as faturas por esta emitidas “não têm forma legal”, lançando a dúvida sobre a existência e atividade efetivas do referido fornecedor.
IX. Contudo, não se “deram ao trabalho” de indagar, junto da congénere inglesa, se a sociedade tinha efetivamente existência legal, se tinha atividade e se preenchia os requisitos para ser “player” no comércio comunitário e internacional.

X. Os inspetores inquiridos como testemunhas levantaram ainda dúvidas sobre se os fornecimentos faturados foram efetivamente entregues e se passaram por Portugal, tendo inclusivamente visitado o armazém arrendado para depósito e transferência da mercadoria.
XI. Mas nem com a identificação clara e precisa nas faturas e nas guias de transporte de fornecedores de mercadorias, clientes e matrículas de camiões, fizeram um esforço, pesquizando-os e investigando por forma a tentar dissipar tais dúvidas.
XII. Afirmaram ainda que a Recorrente não se encontrava registada no SILIAMP, no entanto, verificou-se em julgamento que tal informação apenas lhe teria sido fornecida por meio de uma conversa telefónica.
XIII. O que demonstra a forma descuidada e pouco profissional como este processo inspetivo foi conduzido, tendo em conta a decisão produzida e o valor em causa, tendo incumprido as suas obrigações decorrentes do art° 63° e SS da LGTributária..
XIV. também não se esforçaram para tentar perceber a razão pela qual alguns pagamento foram efetuados em contas sediadas em países considerados “paraísos fiscais”, nem para procurar obter documentos da contabilidade que comprovassem a ligação de tais pagamentos a faturas emitidas na sequência das transações comerciais.
XV. A testemunha «AA», contabilista na empresa que tinha a cargo a contabilidade da Impugnante, esclareceu, que as faturas estrangeiras (no geral) continuam a suscitar dúvidas e que muitas vezes (nas faturas internacionais) não aparece o número de contribuinte, contudo contabilizam-nas na mesma, e que pode ser possível pagar uma fatura em mais do que um local diferente.
XVI. Ao que se recorda, nunca alertou o gerente da Recorrente para qualquer eventual irregularidade na documentação apresentada, nomeadamente nas faturas, mas também nunca recebeu qualquer alerta da AT para qualquer irregularidade na documentação classificada.
XVII. O gerente da Recorrente prestou declarações de parte e esclareceu que conheceu o representante da [SCom02...] num fórum de bolsa onde surgiu a oportunidade de negócio, que desde os 18 anos negoceia na bolsa e que desconhece se a [SCom02...] efetivamente existia e também não sabe donde provém as mercadorias.
XVIII. A Recorrente era mera intermediária no negócio fazendo “trading”.

XIX. A Recorrente nada tem que ver com o transporte, que estava incluído no preço contratado, apenas fazia as guias de transporte, razão pela qual o armazém na ... se encontrava arrendado em nome da [SCom02...].
XX. Que era emitida uma fatura para cada fornecimento e recebia primeiro do cliente e depois pagava ao fornecedor, os pagamentos eram efetuados nas contas que lhe eram indicadas pelo fornecedor, sendo certo que não controlava locais e titulares, isto é, pagava onde lhe era indicado!
XXI. O gerente chegou a perguntar a razão de algumas faturas serem pagas em mais do que um pagamento e em contas diferentes, tendo-lhe sido dito que eram compensações de crédito, situação que achou normal, uma vez que no comércio internacional tal é usual.
XXII. O negócio começou a correr mal porque o preço dos bens transacionados (nomeadamente o cobre) começou a subir nos mercados e o negócio deixou de ser rentável, tendo começado também a haver reclamações em relação às mercadorias e houve algumas que não foram pagas.
XXIII. Este nunca foi alertado, nem pela contabilidade, nem pelos bancos, nem sequer pela AT, de alguma irregularidade no negócio, nomeadamente nas faturas e pagamentos em contas no estrangeiro.
XXIV. O gerente da Recorrente desconhecia, por completo, qualquer prorrogativa legal relativa a pagamentos em Offshore.
XXV. No decurso de audiência de julgamento, foram juntos aos autos documentos que comprovam a existência e a atividade da [SCom02...], LTD, desfazendo-se assim as dúvidas de irregularidade ou fraude levantadas pela AT.
XXVI. Indica-se na pag. 9 do relatório e na sentença recorrida que “da consulta dos elementos disponíveis no VIES verificou-se que existem divergências profundas entre aqueles valores e os indicados nas DPs.”, para mais à frente (pag. ...) se referir que “a existência de enormes divergências entre dados existentes no VIES e os declarados pelo sujeito passivo não permitiram a validação da realização das operações declaradas pelo sujeito passivo”.
XXVII. Mas não se indica de que divergências de tratam (de documentos? de vendas? de compras? de valores? de transferências? outras? ...).
XXVIII. O relatório e a sentença referem ainda que foram entregues via e-mail “documentos bancários relacionados com transferência bancárias efetuadas para offshore, tendo como beneficiários entidades que não os habituais fornecedores.”, para se concluir que “o sujeito passivo não comprovou que as transferências efetuadas para países, territórios ou regiões com regime claramente mais favorável correspondam ao pagamento de operações efetivamente realizadas, não tendo carater anormal, ou montantes exagerados. Apenas comprova que foram efetuadas as transferências.” (pag. 13 do relatório).
XXIX. Esta conclusão fica a dever-se à falta de verificação e análise, por parte da inspeção tributária, dos documentos existentes na contabilidade da Impugnante, uma vez que, como foi alegado e provado em julgamento, a cada fornecimento correspondeu sempre uma fatura e esta foi sempre paga por transferência para o local indicado pelo fornecedor.
XXX. Todos os pagamentos encontram-se espelhados nos documentos contabilísticos, como sejam comprovativos de transferência e, no limite, nos extratos bancários.
XXXI. Associados a estes documentos, encontram-se os CMRs e CERFAs, documentos que comprovam a carga e a identificação dos bens vendidos, no local de origem, o seu transporte e descarga no local de destino, datas, locais e entidade transportadora.
XXXII. Para validar a realização das operações declaradas pela Impugnante, teria bastado à entidade inspetora cruzar as faturas com os correspondentes documentos e transporte, o que não foi feito, quando o poderia (e deveria) ter sido.
XXXIII. A AT também deveria ter recolhido os dados relativos às vendas efetuadas pelos fornecedores (neste caso, nomeadamente a empresa [SCom02...] LTD) e cruzá-los com as compras da Impugnante, mas também isso não foi feito.
XXXIV. Da prova feita em julgamento, resulta, ao contrário do que se afirma no relatório da inspeção, que as operações de compra efetuadas pelo Impugnante foram reais, efetivas e podem ser comprovadas pelos documentos constantes da contabilidade da empresa, cruzando faturas, CMRs e CERFAs, comprovativos de pagamentos e outros documentos de suporte contabilístico.
XXXV. O relatório justifica ainda a proposta correção às tributações autónomas com o facto de os documentos bancários apresentados comprovarem que foram efetuadas transferências pelo sujeito passivo para entidades diferentes do habitual fornecedor, sedeadas em offshore, não comprovando que têm carater anormal ou um montante exagerado.
XXXVI. Tal também foi claramente esclarecido em julgamento, nomeadamente pela testemunha «AA» e pelo gerente da Impugnante, conjugando-se com os elementos existentes na contabilidade.
XXXVII. Basta cruzar as faturas, que, na sua maioria, têm ao fundo um quadro com a indicação dos detalhes para pagamento, onde constam o nome do beneficiário, os dados da conta e o país, com os correspondentes documentos bancários de transferência (vide documentos juntos aos autos), para facilmente se comprovar que certa transferência foi efetuada no valor constante da fatura que se destina a pagar e para a conta nela indicada.
XXXVIII. Tendo o gerente da Recorrente esclarecido que efetuava o pagamento das faturas correspondente à mercadoria adquirida pelo cliente, no local indicado pelo fornecedor.
XXXIX. Caso assim a Recorrente não procedesse, estaria a incumprir o acordado com o fornecedor, em cada fornecimento, não tendo a Recorrente de cuidar de saber se os países onde as contas que lhe forma indicadas para pagamento se encontram sedeadas, oferecem ou não regimes fiscais claramente mais favoráveis.
XL. Os pagamentos podem, por vezes, não corresponder exatamente ao valor da fatura, mas foram sempre, efetuados nos locais e às entidades indicadas pelo fornecedor, por vezes em mais do que uma conta.
XLI. O fornecedor indicava à Recorrente os dados para pagamento na fatura ou por e-mail (vide documentos juntos aos autos a título exemplificativo).
XLII. Os pagamentos efetuados em contas sedeadas em países considerados offshore, estão assim justificados com os fornecimentos faturados e comprovados pelas guias de transporte, como também pela necessidade de corresponder às indicações para pagamento emanadas do fornecedor, no cumprimento dos acordos comerciais estabelecidos entre as partes.

XLIII. Esta prova dissipa por completo as dúvidas de que as operações realizadas pela Recorrente eram reais e estão comprovadas documentalmente, e que os pagamentos foram efetuados para os locais e contas indicadas pelo fornecedor e nos valores correspondentes às respetivas faturas.
XLIV. Os elementos documentais existentes na contabilidade do sujeito passivo (a maior parte dos quais foram fotocopiados pelos senhores inspetores da AT e se encontram junto ao processo da inspeção) comprovam e, consequentemente, ilidem a presunção constante da última parte do n° 1 do art° 63°-D da LGT (salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carater anormal ou um montante exagerado.).
XLV. Não fora a forma superficial, pouco precisa, e até algo descuidada como foi conduzido o processo inspetivo, esta teria sido, seguramente, a conclusão a que o mesmo teria chegado.
XLVI. Foram tiradas conclusões com base em alegados telefonemas, isto é, sem qualquer suporte documental e outras ainda com base em suposições, nomeadamente na (não) inscrição da recorrente no SILIAMP e na existência efetiva e legal da “[SCom02...]” como sociedade de direito inglês, que, incompreensivelmente nunca foi verificada pela AT.
XLVII. Apenas se compreende esta “leviandade operacional” da AT com o facto de o n° 1 do art° 63°-D da LGT, última parte, inverter o ónus da prova, sendo por isso fácil de imputar ao contribuinte a obrigação de pagar 35% de IRC sobre os valores pagos em contas denominadas Offshore, sendo que, a partir daí, é este que tem que passar o calvário de produzir prova do contrário, a qual, muitas vezes, nem sequer é aceite!
XLVIII. A douta sentença recorrida denota falta de compreensão da dinâmica do comércio ao nível Global, nomeadamente do comércio por grosso de escórias de metal, que pelo seu peso, dimensão e preço, envolve quantias avultadas e depende da oscilação da sua cotação nos mercados internacionais.
XLIX. É disso exemplo o espanto manifestado pelo tribunal na constatação do volume de negócios da recorrente durante o tempo em que esteve no mercado a negociar estes materiais – cerca de 40 milhões de euros.
L. Não existem, pois, fundamentos legais e de facto para as correções efetuadas pela ação inspetiva às tributações autónomas, dos anos de 2015, 2016 e 2017.
LI. O tribunal não deveria ter considerado como provados os factos dados como assentes na sentença recorrida, devendo estes ser considerados como não provados.
LII. Deverão ser considerados como provados os factos dados como não provados nas alíneas a) e b) da sentença recorrida, os quais têm suporte fáctico nas provas documentais juntas aos autos e na prova testemunhal prestada em julgamento, vinda de mencionar.
LIII. Deve ser proferido acórdão que substitua a sentença recorrida e julgue a impugnação da Recorrente como procedente anulando-se as correções efetuadas pela ação inspetiva às tributações autónomas, dos anos de 2015, 2016 e 2017.
LIV. O tribunal a quo violou, entre outras disposições legais, os art°s 63°, 63-D, 74° e 77°, todos da LGTributária.

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2.2. A Recorrida não contra-alegou.
2.3. O Ministério Público emitiu parecer defendendo a improcedência do recurso.
2.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

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3. Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

1. Em cumprimento das ordens de serviço n.os OI2018....49, OI2018....50 e OI2018.....51, de 25.09.2018, foi a ora Impugnante sujeita a procedimento de inspecção externa de âmbito parcial, relativo a IRC e Retenções na Fonte, pelos Serviços de Inspecção Tributária afectos à Direcção de Finanças ..., quanto aos exercícios de 2015, 2016 e 2017;
_____________________________________________________________________________
Cfr. visadas Ordens de Serviço, a fls. 1-3 do Processo Administrativo Tributário (PAT) em apenso.

2. Em resultado das quais foi elaborado Relatório Final de Inspecção em que se considerou a existência em falta de IRC no montante de €289.259,99 por referência ao exercício de 2015, €3.473.654,46 por referência ao exercício de 2016 e €199.923,76 por referência ao exercício de 2017, o que mereceu a concordância da Directora de Finanças Adjunta de ..., no uso de poderes delegados pelo Director de Finanças ..., por despacho de 09.06.2019, destacando-se do visado Relatório o seguinte teor:
«(...)
II. OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO DE INSPEÇÃO
II.1. CREDENCIAL E PERÍODO EM QUE DECORREU A ACÇÃO
(...)
No dia 3 de outubro de 2018, pelas 18,42 horas deu entrada nestes Serviço um e-mail enviado pelo representante do sujeito passivo solicitando que, por "... toda a documentação se encontra na posse da empresa que procedia à elaboração da contabilidade da firma." e por “...na morada em que me notificaram não existem condições físicas para V. Exas procederem à realização da pretendida ação inspetiva.”; "Razão pela qual deverão dirigir-se para o efeito a: [SCom03...] - Rua ..., r/c Dt. ..."
Considerando que, segundo os dados cadastrais a contabilidade está centralizada na sede da empresa, através do ofício n° ...84, de 2018-10-12, notificou-se o sujeito passivo na pessoa do seu representante de cessação, Sr. «BB» NIF ...44, para proceder à apresentação dos elementos da contabilidade de 2015, 2016 e 2017, que inclui designadamente o , SAFT.PT e os documentos de suporte contabilístico, no dia 24 de outubro de 2018, pelas 9,30 horas no Serviço de Finanças .... Esta notificação foi enviada pelos CTT, sob registo n° RH 10.........8 6 PT (anexo 1).
No dia e local para que estava notificado o representante de cessação do sujeito passivo não compareceu.
Todavia compareceu na Direção de Finanças o Contabilista Certificado (adiante designado somente por CC) a Sra. «AA»-NIF ...29, que por lapso se dirigiu à Direção de Finanças ... quando o sujeito passivo estava notificado para apresentação de elementos no Serviço de Finanças ...-2.
Quando questionada sobre a assinatura das Ordens de Serviço negou-se a assiná-las alegando que (anexo 2):
· Quem tinha sido notificado para exibição de elementos tinha sido o representante de cessação, o Sr. «BB»;
· O mesmo é que devia ser capaz de esclarecer dúvidas sobre a atividade, dúvidas que ela era incapaz de esclarecer;
· Além disso o Sr. «BB» tinha vindo entregar-lhe as pastas a ..., às 9 horas desse dia, mostrando total desinteresse em estar presente na reunião para, eventualmente, esclarecer dúvidas existentes.
(...)
II.3. OUTRAS SITUAÇÕES
II.3.1. Enquadramento Fiscal
A empresa em análise iniciou a sua atividade em 2015-09-18, estando registada com a atividade principal de "comércio por grosso de minérios e metal " - CAE 46720 e como atividades secundárias "comércio por grosso de mat. constr. (exc. madeira) e equipamentos sanitários" – CAE 46732 e "construção de edifícios (residenciais e não residenciais)" – CAE 41200.
Para efeitos de IVA cessou a atividade nos termos do art.º 34° nº 1 al. b) do CIVA em 2017-03-23 e para efeitos de IRC o encerramento de liquidação tem a mesma data.
Em sede de IRC, o sujeito passivo estava enquadrado no regime geral de tributação e em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal até 2016-12-31 e regime normal de periodicidade trimestral a partir dessa data.
II.3.2. Outras informações relevantes
Trata-se de sociedade por quotas, unipessoal, com capital social de €5.000,00, segundo os dados recolhidos da Informação Empresarial Simplificada de 2015, (adiante designada apenas por IES) última e única declaração entregue.
Segundo os dados existentes no Sistema Informático da Autoridade Tributária (adiante designado apenas por SI) estando a entidade cessada, é representante de cessação «BB» NIF ...44, também último sócio gerente da empresa. Ainda, segundo o SI, a última Contabilista Certificado (adiante designado apenas por CC, no período 2015-10-15 a 2017-03-23 foi «AA» -NIF ...29. Anteriormente tinha sido «CC», NIF ....

II.3.3. Situação fiscal/valores declarados
No quadro seguinte resumem-se os valores de IVA anuais, declarados pelo sujeito passivo:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Da análise do quadro supra, sobressaem os seguintes factos:
ü Todas as operações da empresa relacionadas com compra e venda de mercadorias/produtos foram efetuadas para o mercado externo.
ü Da consulta dos elementos disponíveis no VIES verificou-se que existem divergências profundas entre aqueles valores e os indicados nas DPs.
No quadro seguinte evidenciam-se os valores declarados pelo sujeito passivo, em sede de IRC (demonstração dos resultados e valores acrescidos no quadro 07 da mod.22), no exercício nele indicado:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
II.3.4. Análises efectuadas
Tendo por base os elementos apresentados e na ausência do gerente para prestação de esclarecimentos, não foi possível validar a realização das operações declaradas.
Face a esta situação, através do ofício nº ...88, enviado sob registo postal nº RH 10.......24 O PT, em 2018-10-29 notificou-se o sujeito passivo, na pessoa do seu representante de cessação para nos termos previstos nos arts. 23°-A, nº 1 al. r) e nº 8 e 88° nº 8, ambos do CIRC, apresentar até 2018-12-03, na Direção de Finanças ..., elementos que comprovem inequivocamente que as importâncias pagas ou devidas a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal a que se refere os nºs 1 ou 5 do art. 63°-D da LGT, ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou e domiciliadas, correspondem a operações efetivamente realizadas e devidamente comprovadas e não tem caráter anormal ou um montante exagerado (anexo 3).
No mesmo ofício foi dado conhecimento que a não apresentação dos elementos no prazo indicado implica, nos termos da alínea r) nº 1 do art.º 23º-A do CIRC a não dedutibilidade daqueles gastos na determinação do lucro tributável e nos termos do art. 88° nº 8 do mesmo código, tributação autónoma à taxa de 35%.
Em 2018-...-21 deu entrada nestes Serviços um e-mail do representante de cessação (..........@.....) alegando a que "na sequência da vossa notificação ser muito ambígua pretendia saber mais concretamente quais as transferências cuja as mesmas solicitam os respetivos comprovativos dado já não ter acesso ás contas bancárias... "
Em resposta foi enviado e-mail, datado de 2018-...-28, indicando que "conforme expresso na notificação (ofício nº ...88), pretendemos que nos apresente todos os documentos e/ou elementos que justifiquem a origem de todas as transferências mandadas efetuar pelo sujeito passivo em 2015, 2016 e 2017, com destino a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território nacional a aí submetidas a um regime fiscal... (vulgarmente chamadas offshore)...
Os documentos e/ou elementos solicitados e a apresentar são os que justifiquem os pagamentos efetuados" (anexo 4).
Em 2018-...-30 deram entrada nestes Serviços diversos e-mails do representante do sujeito passivo tendo como anexos diversos documentos bancários comprovativos de pagamentos. Mais alertou que "os pagamentos sempre forem efetuados para as contas indicadas pelos fornecedores, ignorando, sem ter obrigação de saber, onde as mesmas se encontram sedeadas".
Sobre a não apresentação de documentos e/ou elementos que justifiquem os pagamentos efetuados a entidades residentes em offshore se fará referência no capítulo seguinte.
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
III.1. EM SEDE DE IRC
III.1.1. Tributações autónomas.
III..1.1.1. Questões de facto
1. No âmbito da presente ação inspetiva, e como já anteriormente foi referido, face à indicação dada pelo representante de cessação, de que na morada indicada não existiam condições para a realização da ação inspetiva e que os elementos de contabilidade se encontravam na ..., e atendendo a que na informação cadastral a contabilidade encontra-se centralizada na sede, notificou-se o representante do sujeito passivo para, no dia 24 de outubro de 2018, pelas 9,30 horas, apresentar os elementos de suporte contabilístico dos anos de 2015, 2016 e 2017, no Serviço de Finanças .... (ofício nº. ...84 de 2018-10 12) (anexo 1).
2. O representante de cessação do sujeito passivo não compareceu no dia, hora e local para que tinha sido notificado, tendo-se apresentado, por lapso, na Direção de Finanças ... o Contabilista Certificado, conforme termo de ocorrência lavrado na data (anexo 2).
3. Segundo a informação deste, o representante de cessação do sujeito passivo, apesar de se ter deslocado a ... para lhe entregar as pastas com documentos, não quis estar presente da reunião, onde lhe seriam, eventualmente, postas questões sobre a sua atividade, questões essas que o CC não sabia responder.
4. Dos elementos apresentados, conjugado com a ausência do representante de cessação (e também anterior gerente) para prestar esclarecimentos e também com a existência de enormes divergências entre dados existentes no VIES e os declarados pelo sujeito passivo não permitiram a validação da realização das operações declaradas pelo sujeito passivo.
5. Assim, através do ofício n° ...88 de 2018-10-29, enviado sob registo postal n° RH 10.......24 O PT, notificou-se o sujeito passivo, na pessoa do seu representante de cessação, para apresentar até 2018-12-03, na Direção de Finanças ..., elementos que comprovem devidamente que as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal a que se referem os n°s 1 ou 5 do art.° 63°-D da LGT, ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou domiciliadas correspondem a operações efetivamente realizadas e devidamente comprovadas e não tem caráter anormal ou um montante exagerado (anexo 3)
6. Na mesma deu-se conhecimento ao sujeito passivo que a não apresentação dos elementos, no prazo indicado, implicaria, nos termos do art.° 23°-A, n° 1 al. r) do CIRC a não dedutibilidade daqueles gastos na determinação do lucro tributável e nos termos do art. 88° n° 8 do mesmo código, tributação autónoma à taxa de 35%.
7. O prazo concedido decorre do disposto no n° 8 do art.° 23° A do CIRC.
8. Em 2018-...-21, via e-mail, o sujeito passivo pediu esclarecimentos de quais as concretas transferências que se solicitava os respetivos comprovativos.
9. Em resposta, pela mesma via, em 2018-...-28, foi esclarecido que "conforme expresso na notificação (ofício n° ...88), pretendemos que nos apresente todos os documentos e/ou elementos que justifiquem a origem de todas as transferências mandadas efetuar pelo sujeito passivo, em 2015, 2016 e 2017, com destino a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território nacional a aí submetidas a um regime fiscal... (vulgarmente chamadas off-shores).
10. Os documentos e/ou elementos solicitados e a apresentar são os que justifiquem os pagamentos efetuados" (anexo 4).
.... Em 2018-...-30, via e-mail, entraram nestes Serviços diversos documentos bancários relacionados com transferências bancárias efetuadas para off-shores, tendo como beneficiárias entidades que não os habituais fornecedores. Relembra-se que o principal fornecedor indicado na contabilidade é "[SCom02...], ltd” (Este fornecedor inglês não indica nas suas faturas o número de identificação fiscal, menção obrigatória nos termos do n° 3 do artigo 226° da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, 2006/.../28. Trata-se do, praticamente, único emitente de faturas de mercadorias, correspondendo a 99,99% do valor contabilizado em compras) (anexos 6, ... e 12), enquanto que os beneficiários das transferências são entidades inteiramente diferentes, como por exemplo as contantes da relação seguinte:
DataValorBeneficiárioObs
09-10-201540 000,00 €«DD»
13-10-201553 000,00 €[SCom04...]
20-10-201552 000,00 €[SCom05...], Limited
26-10-2015129 862,05 €[SCom06...], Limited
18-12-201595 526,00 €[SCom06...], Limiteda)
28-12-201544 789,45 €«DD»a)
28-12-201547 654,88 €«DD»a)
28-12-201557 900,00 €«DD»a)
28-12-201559 449,34 €[SCom05...], Limited
18-01-201695 121,00 €[SCom07...] Limited
15-02-201682 727,40 €[SCom06...], Limited
16-02-201681 138,44 €[SCom06...], Limitedb)
07-04-201624 478,57 €[SCom08...]
19-04-201678 860,28 €[SCom09...] Limited
19-04-201640 069,98 €[SCom09...] Limited
22-05-2016114 581,60 €[SCom10...], Limited
06-01-201792 327,00 €[SCom11...] Limited
06-01-2017139 914,85 €[SCom11...] Limited
18-01-201796 300,00 €[SCom12...] LLCa)

Apesar de na relação do banco estar indicado como sendo para o sujeito passivo
Apesar de na relação do banco estar indicado como sendo para o sujeito passivo e por outro valor
.... Face ao exposto verifica-se que o sujeito passivo não comprovou que as transferências efetuadas para países, territórios ou regiões com regime claramente mais favorável correspondam ao pagamento de operações efetivamente realizadas, não tem carater anormal ou montantes exagerados. Apenas comprova que foram efetuadas as transferências.
12. Os países, territórios ou regiões com regime claramente mais favorável são os elencados na Portaria n.° 150/2004, de 12 de Fevereiro, com as suas diversas alterações.
13. Tendo por base a Declaração de Operações Transfronteiras Modelo 38 (declaração prevista no n.° 2 e 6 do art.° 63.°-A da LGT), o print seguinte reflete as efetuadas em 2015, pelo Banco 1... - Sucursal em Portugal – NIF ....
(...)
14. Exportando a tabela acima para Excel, trabalhando-a e eliminando algumas colunas supérfluas podemos apurar as transferências efetuadas em 2015 (estes movimentos, globalmente, estão, em conformidade com os documentos bancários apresentados pelo sujeito passivo à exceção do nome do beneficiário) (anexo 5)



NomeIBANBICData-Valor da Op.Valor transf.País destino
[SCom01...], UNIPESSOAL LDA...33...28-12-201544 789,45 €344
[SCom01...], UNIPESSOAL LDA...33...28-12-201547 654,66 €344
[SCom01...], UNIPESSOAL LDA...33...28-12-201557 900,00 €344
[SCom01...], UNIPESSOAL LDA...38...28-12-201559 449,34 €344
[SCom01...], UNIPESSOAL LDA...38...28-12-201559 989,60 €344
[SCom01...], UNIPESSOAL LDA...38...29-12-201560 285,79 €344
[SCom01...], UNIPESSOAL LDA...38...18-12-201596 526,00 €344
TOTAL426.595,06
15. No print seguinte, tendo também por base a declaração modelo 38, expõem-se as transferências efetuadas por ordem do sujeito passivo do Banco 2... - NIF ...34 para off-shores, em 2015.
(...)
16. Exportando a tabela acima para Excel, trabalhando-a e eliminando algumas colunas supérfluas podemos apurar as transferências efetuadas em 2015 (estes movimentos, globalmente, estão em conformidade com os documentos bancários apresentados pelo sujeito passivo) (anexo 7):

NomeIBANBICData-Valor da Op.Valor trsf.País destino
[SCom05...], LIMITED...38...05-...-2015125 000,00 €344
«DD»...33...09-10-201540 000,00 €344
[SCom05...], LIMITED...38...20-10-201552 000,00 €344
[SCom06...], LIMITED...38...26-10-2015129 862,04 €344
[SCom04...]
[SCom13...], LTD
AE.......................86...13-10-201553 000,00 €784
TOTAL 399.862,04

17. Por pais ou região, quanto ao ano de 2015, temos:
País ou regiãoCódigo ISO 3166Valor
Hong Kong344773 457,10
Emiratos Árabes Unidos78453 000,00
TOTAL826 457,10

18. Relativamente a 2016 apresenta-se seguidamente o print que encabeça a referida declaração, enviada pelo Banco 2...
(...)
19. Exportando a tabela acima para Excel, trabalhando-a e eliminando algumas colunas supérfluas podemos apurar as transferências efetuadas em 2016 (estes movimentos, globalmente, estão, em conformidade com os documentos bancários apresentados pelo sujeito passivo, conforme documentos anexos apresentados a título exemplificativo) (anexo 8)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
20. Relativamente às transferências efectuadas para off-shores, por ordem do sujeito passivo, a partir do Banco 1... (...) temos o seguinte print da modelo 38:
(...)
21. Exportando a tabela acima para Excel, trabalhando-a e eliminando algumas colunas supérfluas podemos apurar as transferências efetuadas em 2016 (estes movimentos não estão em conformidade com os documentos bancários apresentados pelo sujeito passivo no que concerne ao valor e ao nome do beneficiário pelo que no item seguinte serão reformulados, relativamente ao valor):
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
23. Por país ou região, quanto ao ano de 2016, com os dados corrigidos, temos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

24. Em relação a 2017, conforme print seguinte, o Banco 2... - NIF ...34 enviou a declaração modelo 38, relativamente às transferências mandadas efectuar pelo sujeito passivo para entidades de off-shores:
(...)
25. Exportando a tabela acima para Excel, trabalhando-a e eliminando algumas colunas supérfluas podemos apurar as transferências efetuadas em 2017 (estes movimentos, globalmente, estão, em conformidade com os documentos bancários apresentados pelo sujeito passivo, conforme documentos anexos) (anexo 10)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
26. Em relação ao ano de 2017, por país ou região, temos:
País ou regiãoCódigo ISO 3166Valor
Hong Kong344381.210,75
Emiratos Árabes Unidos784190.000,00
TOTAL571.210,75

27. Com a fundamentação que a seguir se expõe, propõe-se a correção às tributações autónomas das transferências efetuadas para aqueles países constantes da lista de "paraísos fiscais" mencionada na Portaria nº 150/2004, de 13 de fevereiro e também no art. 63°-D, nº 1 ou 5, da LGT, em concordância com o disposto no art. 88°, nº 8 do CIRC, conforme quadro seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
III.1.1.2. Questões de direito
1. Prevê o n.° 8 do art.° 88° do CIRC que “(s)ão sujeitas ao regime dos n.ºs 1 ou 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável a que se refere o n.º 1 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária, ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou domiciliadas, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado”.
2. Assim, independentemente daquelas despesas terem ou não sido consideradas como gastos fiscais elas são tributadas autonomamente à taxa de 35%.
3. O referido artigo 63.º-D da LG sob a epigrafe de “Países, territórios ou regiões com regime fiscal claramente mais favorável” dispõe no n.° 1 que “(o) membro do Governo responsável pela área das finanças aprova, por portaria, após parecer prévio da Autoridade Tributária e Aduaneira, a lista dos países, territórios ou regiões com regime claramente mais favorável”.
4. Estes países, territórios ou regiões com regime fiscais claramente mais favoráveis são elencados pela Portaria n.° 150/2004, de 13 de Fevereiro, com as alterações posteriores, e contempla na alínea 22-Emiratos Árabes Unidos e na alínea 31-Hong Kong.
5. Refira-se ainda que, nos termos do art.° 63.°-A, n.° 2, as instituições financeiras são obrigadas a comunicar através da modelo 38 as “...transferências e envio de fundos que tenham como destinatário entidade localizada em país, território ou região com regime de tributação privilegiada mais favoráveis...”.
6. Ora tendo por base aquela comunicação e que, pela falta de apresentação de elementos que comprovassem que as transferências de fundos correspondiam a operações efectivamente realizadas e que não tinham carácter anormal ou montantes exagerados, propõem-se às tributações autónomas, desta natureza, de €289.259,99, €3.473.654,46 e €199.923,76, respectivamente em 2015, 2016 e 2017.
(...)
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO -FUNDAMENTAÇÃO
(...)
IX.2. RESPOSTA DO SUJEITO PASSIVO
Conforme antes se referiu o sujeito passivo exerceu o direito de audição (...) e que
seguidamente se sintetiza:
1. Não concorda com a sua falta de colaboração porquanto, forneceu os elementos solicitados, não compareceu na apresentação de elementos para que tinha sido notificado, conforme termo de ocorrência de cujo teor repudia, tendo enviado a C.C. convicto que os esclarecimentos pretendidos seriam técnico/contabilísticos e que reuniu diversas vezes com a equipa de inspectores.
2. Questionou também a falta de rigor no que concerne às divergências no VIES.
3. Em conclusão, pelo facto de ter apresentado elementos, nomeadamente por mail, das transferências bancárias efectuadas, justifica que as operações foram efectivamente realizadas, que não têm carácter anormal e nem valor exagerado, tendo bastado para essa verificação que a inspecção tivesse cruzado as compras, as vendas e os CMR e as transferências bancárias. Refere ainda que o pagamento para as off-shores foi efectuado em conformidade com as indicações do fornecedor, sob pena de incumprimento do contrato de compra e venda estabelecido entre eles. Anexou para o efeito os doc. 1, 2 e 3, no total de 26 folhas.
Assim, resume, tendo ilidido a presunção contante da última parte do n.° 1 do art.° 63.°­D da LGT, não estão reunidas as condições para que os pagamentos efectuados se encontrarem sujeitos a tributação autónoma no art.° 88.°, n° 8 do CIRC.
IX.3. ABORDAGEM À RESPOSTA DO SUJEITO PASSIVO
Contrapondo o exposto pelo sujeito passivo no seu direito de audição impõe-se referir:
1. No âmbito deste procedimento inspetivo o sujeito passivo nunca teve qualquer reunião com a equipa de inspeção. Efetivamente no dia (embora em local diferente) em que estava notificado para apresentação da contabilidade e dos elementos de suporte contabilístico, não compareceu, tendo estado presente a CC, reiterando-se o referido do "Termo de Ocorrência" no que concerne ao dito pela CC.
2. À parte disso, após troca de diversos mails, enviou documentos bancários das transferências efetuadas, nomeadamente para contas sedeadas em paraísos fiscais.
3. Ora, na notificação enviada em 2018-10-29 (ofício ...88) era indicado claramente que se pretendia "elementos que comprovem devidamente que as importâncias pagas...correspondem a operações efetivamente realizadas e devidamente comprovadas e não têm caráter anormal ou um montante exagerado"
4. Apesar disso, face às dúvidas apresentadas pelo sujeito passivo, através do mail de 2018-...-28, foi reforçado quais os elementos pretendidos, referindo-se na resposta "todos os elementos/documentos que justifiquem a origem de todas as transferências mandadas efetuar pelo sujeito passivo. em 2015, 2016 e 2017" para offshore. Mais foi solicitado que "os documentos e/ou elementos ... são os que justifiquem os pagamentos efetuados"
5. Face a todas estas explicações é suficientemente claro quais os elementos pretendidos.
6. Assim, contrariamente ao exposto no direito de audição, o sujeito passivo não demonstrou a efetiva realização das operações que deram origem às transferências para offshore nem tão pouco no âmbito do direito de audição.
Senão vejamos:
6.1. Como referiu no ponto 18°, o sujeito passivo enfocou que "dispõe, as pastas da sua contabilidade, de documentos que comprovam as operações de compra (sendo estas que aqui revelam para a situação em análise) ... Enfocou também os "CMR’s" os quais, como documentos de transporte de mercadorias, devem acompanhar a mercadoria desde a origem até ao destino. Assim. Devia haver CMR’s e documentos de acompanhamento de resíduos/sucatas desde a origem até Portugal.
6.2. Ora, relativamente às faturas de "compras" e aos CMR’s do transporte dos resíduos mencionados nessas faturas impõe-se tecer as seguintes considerações:
a) As transferências de resíduos entre países comunitários encontram-se sujeitas ao Regulamento (CE) nº 1013/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, aplicável a partir de 2007/07/12.
b) As faturas foram emitidas com o timbre da [SCom02...], LTD, (é estranho, no mínimo, que uma entidade inglesa escreva “development” daquela forma) com domicílio em ... ... ..., Registration Number: OC.....8.
e) Ora este fornecedor não indica nas suas faturas o número de identificação fiscal, menção obrigatória nos termos do nº 3 do art. 226° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 2006/.../28.
d) A inexistência do número de identificação fiscal também tem como reflexo as divergências do VIES (não comunica quaisquer operações no VIES).
e) Esta entidade foi a única emitente de faturas de mercadorias, correspondendo a 99% do valor contabilizado em compras.
f) No que concerne aos “CMR’s" ou documentos de transporte de resíduos não foram apresentados. No âmbito desta acção, não foram apresentados quaisquer documentos relacionados com o transporte para Portugal ou em Portugal dos resíduos mencionados nas facturas.
g) Tão pouco foi apresentada evidência da sua existência.
6.3. Relativamente às faturas de venda e respetivos "CMRs" que o sujeito passivo atribui principal relevo na justificação da efetiva realização das transações, do seu carater e montante normais, também se discorda porquanto:
a) Não foram apresentados CMRs mas tão-somente documentos de transferência de resíduos referido no art.º 3° nº 2 e 4 do Regulamento (CE) nº 1013/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de junho de 2006.
b) Estranhamente todos aqueles formulários são CERFA Nº 14133*01, de origem francesa (escritos em francês), quando é indicado no mesmo que o local de expedição é Portugal (anexo 15).
c) Em Portugal existe o mesmo formulário (anexo VII) ao Regulamento (CE) nº 1013/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de junho de 2006 (versão portuguesa). (...)
g) Tendo sido questionada a Agência Portuguesa do Ambiente-APA sobre o assunto a mesma confirmou a obrigatoriedade de o sujeito passivo efetuar os procedimentos antes descritos, mais informou que o sujeito passivo não se encontra inscrito para efeitos de registo no Siliamb.
h) No direito de audição, a título exemplificativo, foram enviados alguns documentos da firma [SCom14...], designados por “Location de Materiels avec Chauffeurs”, alguns com a indicação da firma pré impressa e outros apenas carimbadas, que não são de nenhuma maneira CMRs.
i) Além disso, apesar de ter sido localizado, pelo menos a faturação do transporte a um cliente (fac 192 de 2016-09-30) não foi encontrado qualquer registo de gasto suportado pelo sujeito passivo, relativamente a transporte, quer tenha sido na entrada ou na saída de Portugal.
j) Também não há registo de qualquer viatura em nome da empresa, passível de efetuar o transporte de resíduos.
6.4. Relativamente às divergências do VIES, centram-se, naturalmente, ao nível das transmissões intracomunitárias declaradas pelos operadores dos outros Estados Membros e os valores declarados pelo sujeito passivo das suas DPs. Assim constatou-se que, conforme já antes se referiu, as faturas emitidas com o timbre de [SCom02...].LTD não constam no VIES (outra coisa não poderia ser já que o mesmo não se encontra cadastrado para esse efeito), gerando assim divergências (valores nas DP’s superiores ao indicado no VIES). Em sentido contrário, pelo menos, o sujeito passivo SA [SCom15...]-NIF ...02 declarou no VIES operações prestadas ao sujeito passivo cuja contabilização não foi detetada
No cômputo geral, i.e., considerando as operações que deviam ter sido indicadas no VIES deduzindo aquelas que foram indicadas no VIES e que o sujeito passivo não considerou, foram apuradas divergências de €2.841.231,00 em 2015, €14.345.799,00 em 2016 e €424.043,00 (anexo 14).
6.5. Também não colhe aceitação a tese apresentada pelo sujeito passivo no direito de audição de que a correspondência entre o valor das faturas de [SCom02...], LTD e o valor das transferências para as off-shores valida a efetiva realização das operações mencionadas nas faturas, porque:
a) O facto de existir uma transferência para uma entidade sediada num pais com regime fiscal mais favorável, não implica obrigatoriamente, a existência de uma transação que o justifique;
b) E a correspondência também não é verdadeira porque, além dos lançamentos efetuados a débito na conta de o fornecedor serem efetuadas por resumos/extratos bancários os quais não indicam o nome do beneficiário (não permitindo assim estabelecer a aludida correspondência) foram efetuados mais lançamentos a débito que a crédito.
c) Efetivamente o que se constata da análise dos extratos de conta corrente daquele fornecedor é que o saldo corrigido é devedor de €1.451. 779, 19, i.e. “grosso, modo", o sujeito passivo pagou ao "fornecedor" um valor -superior, no montante de €1.451. 779, 19, em relação aos valores indicados nas faturas desse fornecedor.
d) Aquele valor difere do apresentado no extrato de 2017 porquanto de 2016 para 2017 não foi transferido o saldo inicial. Assim resulta do saldo apresentado em 2017 (€346.234,21) acrescido do saldo não transferido de 2016 (€1.105.544,98) (anexo 13).
7. Pelo anteriormente exposto conclui-se que não assiste razão na tese defendida pelo sujeito passivo no seu direito de audição, não ficando demonstrada a efetiva realização das transações nem o seu carater normal ou montante exagerado, pelo que, nos termos propostos no Projeto de Relatório de Inspeção, se mantêm as correções propostas às tributações autónomas, no valor de €289.259,99, €3.473.654,46 e €199.923,76, respetivamente em 2015, 2016 e 2017.»;
________________________________________________________________________
Cfr. doc. de fls. 77 e ss. do PAT em apenso - Relatório Final de Inspecção (RFI). Cfr. ainda o testemunho dos Senhores Inspectores Tributários.

3. Após, foram emitidas em nome da ora Impugnante, em ....07.2019, por referência aos exercícios de 2015, 2016 e 2017, as seguintes liquidações de IRC e de juros compensatórios, todas com data limite de pagamento em 26.08.2019:
ExercícioN.º liquidaçãoTributoValor (€)
2015...03IRC289.247,82
...19JC
(por retardamento liq.)
35.058,42
2016...08IRC3.473.654,46
...92JC
(por recebim. indevido)
25,54
...93JC
(por retardamento liq.)
282.047,85
2017...12IRC199.923,76
...95JC
(por retardamento liq.)
7.580,67
TOTAL4.287.538,52
____________________________________________________________________________
Cfr. demonstrações de liquidação de IRC e de Juros, e demonstrações de acerto de contas, juntas pela Impugnante, presentes a fls. 30-32 e 45, frente e verso, dos autos.

4. Não tendo os visados montantes sido voluntariamente pagos pela ora Impugnante,
foram instaurados para a sua cobrança coerciva, pelo Serviço de Finanças ..., os processos de execução fiscal n.os .....................092 (IRC e juros de 2015), .........................106 (IRC e juros de 2016) e ........................692 (IRC e juros de 2017), tendo sido depositado no receptáculo postal presente no domicílio fiscal da ora Impugnante, em 01.10.2019, o ofício de citação pessoal referente aos aludidos processos executivos;

_____________________________________________________________________________
Cfr. certidões de dívida n.os ...64, ...62, ...19, capas/autuações dos aludidos PEF, ofícios de citação devolvidos e depositados, conforme fls. 19-25 dos autos.

5. Em 30.10.2019 a ora Impugnante apresentou no Serviço de Finanças ..., por anexo a mensagem de correio electrónico, petição de oposição às visadas execuções, a qual deu origem aos presentes autos;
_____________________________________________________________________________
Cfr. visada mensagem e petição, a fls. 7 e ss. do autos.

Mais se provou que:

6. Em 13.....2014 foi registada nos serviços de registo comercial de Inglaterra e País de
Gales (Registrar of Companies for England and Wales), com o n.º de pessoa colectiva OC.....58, a constituição da sociedade de responsabilidade limitada com o nome “[SCom02...] LLP”, com sede em ... ..., ..., na sequência da recepção de pedido electrónico do respectivo registo, mais sendo indicados como administradores «EE» e «FF», ambos residentes na África do Sul;

_____________________________________________________________________________
Cfr. resposta à carta precatória expedida ao Consulado Geral de Portugal em Londres por despacho de 08.....2021 e documentos anexos respeitantes ao registo comercial, presentes a fls. 485 e ss. dos autos. Cfr. ainda ofício de 01.03.2022 das Autoridades Tributárias do Reino Unido de resposta à Direcção de Serviços das Relações Internacionais da Autoridade Tributária e Aduaneira portuguesa, junto pelo RFP, presente a fls. 534 dos autos.

7. Em 09.12.2015 foram aprovadas as contas da sociedade referida no ponto anterior pelos referidos administradores, fechadas a 30.....2015, com indicação a zeros de qualquer activo e passivo no respectivo balanço, não sendo apresentadas quaisquer contas referentes a períodos posteriores;
_____________________________________________________________________________
Cfr. resposta à carta precatória expedida ao Consulado Geral de Portugal em Londres por despacho de 08.....2021 e documentos anexos respeitantes ao registo comercial, presentes a fls. 485 e ss. dos autos.

8. A referida sociedade foi dissolvida compulsivamente em 18.04.2017 por inexistência
de actividade superior a dois anos (
dormant LLPs);
_____________________________________________________________________________
Cfr. resposta à carta precatória expedida ao Consulado Geral de Portugal em Londres por despacho de 08.....2021 e documentos anexos respeitantes ao registo comercial, presentes a fls. 485 e ss. dos autos.

9. As facturas (invoice) constantes da contabilidade da ora Impugnante referentes à aquisição de cobre, chumbo e outros materiais ferrosos, possuem identificada sociedade com o mesmo n.º de pessoa colectiva e morada de sede referidos em 7., mas com o nome “[SCom02...], ltd”;
_____________________________________________________________________________
Cfr. visadas facturas constantes a fls. 106-108, 339-342, 345-357 e 389-397 dos autos, e a fls. 51, 58 e 70 do PAT em apenso.

10. As facturas (invoice) emitidas em nome da ora Impugnante pela aludida firma “[SCom02...], ltd”, referentes à aquisição de cobre, chumbo e outros materiais ferrosos, possuem uma nota referente a cláusula de pagamento, no sentido de que o vendedor se reserva ao direito de se substituir por uma terceira parte devidamente designada pelo respectivo nome e que o comprador deve nesses casos realizar o respectivo pagamento junto da visada terceira parte, possuindo algumas dessas facturas a indicação de uma, duas e até três sociedades em nome das quais deveria ser realizado o respectivo pagamento, com indicação do montante em causa, numero da conta bancária, SWIFT Code e País, e outras sem qualquer indicação de qualquer outra sociedade;
_____________________________________________________________________________
Cfr. visadas facturas constantes a fls. 106-108, 339-342, 345-357 e 389-397 dos autos, e a fls. 51, 58 e 70 do PAT em apenso.

.... A ora Impugnante possui registadas na sua contabilidade as seguintes facturas (invoice) emitidas em seu nome pela aludida firma “[SCom02...], ltd”, com indicação do pagamento parcial ou total dever ser realizado junto de sociedades com contas bancárias sitas em Hong Kong, Dubai e Abu Dabhi, por referência às seguintes mercadorias, quantidades, preços e valores a serem para aquelas transferidos:
N.º Factura QuantidadesProdutoPreço
global
PaísData
Valor a pagar a 3.ºPaís pagamentoFls. autos
frente ou
verso / PAT
16/00308.01.201618.220copper
burned
67.377,56todoHong Kong339 (fr) e
389 (fr)
20.860Plumb27.743,80
16/01322.01.201620.140Plumb29.756,8515.565,57Hong Kong340 (vs) e
390 (vs)
24.040Plumb34.808,72
16/04508.02.201620.640Plumb29.948,64todoHong Kong341 (fr) e
391 (fr)
16/07622.02.201619.000copper
burned
76.939,55108.712,97Hong Kong345 (vs) e
393 (vs)
21.140Plumb31.773,42
20.080Plumb30.601,92
16/11222.03.201622.520Plumb32.586,44todoDubai347 (vs) e
395 (vs)
16/12328.03.201618.120plumb24.951,24todoAbu Dhabi348 (fr) e
396 (fr)
16/12930.03.201618.220plumb24.478,57todoAbu Dhabi349 (fr) e
397 (fr)
16/13031.03.201629.960plumb39.996,60....394,35Abu Dhabi349 (vs) e
397 (vs)
16/23110.06.201629.740copper
burned
108.387,43todoHong Kong352 (fr)
autos / 58
PAT
27.540plumb37.358,01
16/23313.06.201630.080copper
cable
84.434,56todoHong Kong70 PAT
16/27612.07.201633.360plumb50.740,56todoHong Kong353 (fr)
14.340copper
cable
43.643,79
_____________________________________________________________________________
Cfr. visadas facturas presentes nas indicadas fls. dos autos ou do PAT em apenso.

12. A ora Impugnante não se encontra registada no Sistema Integrado de Licenciamento do Ambiente (SILiAmb), anterior Sistema Integrado de Registo da Agência Portuguesa do Ambiente (SIRAPA);
_____________________________________________________________________________
Cfr. resposta da Agência Portuguesa do Ambiente de 21.09.2021, a fls. 144-145 dos autos.

13. Em 01.09.2015 foi celebrado contrato de arrendamento para fins habitacionais com prazo certo, com inicio em 01.09.2015 e fim em 29.02.2016, tendo por objecto um armazém «destinado a garagem e estação de serviço sito no lugar ... (...) ...», entre [SCom16...], S.A., na qualidade de primeira contraente, e [SCom02...], LLP, na qualidade de segunda contraente, mediante renda total no valor de €1.800,00 e com pagamento de uma só vez para conta bancária portuguesa, assinando em nome da segunda contraente «GG», entre o mais único sócio e gerente da sociedade [SCom17...] - Unipessoal. Lda, NIF ...40, com sede no Largo ..., ..., ..., sala ..., ... ..., com o objecto social de exercício de comércio por grosso de electrodomésticos, aparelhos de rádio e televisão, máquinas fotográficas, aparelhos de multimédia, bem como de artigos de vestuário e acessórios;
_____________________________________________________________________________
Cfr. visado contrato a fls. 153 e ss. dos autos, identificação do representante da segunda contraente constante da informação da Divisão de Inspecção Tributária II - Equipa ... n.º DI2017.....1 de 05.04.2017, a fls. 258 e ss. dos autos, e publicação do acto de registo de constituição de sociedade e designação de membro de órgão social da aludida sociedade (Insc. 1 - AP. ...05 da respectiva matrícula comercial), conforme publicação on-line de acto societário, disponível publicamente no Portal da Justiça, em http://publicacoes.mj.pt.

14. Em 11.09.2015 a ora Impugnante, na qualidade de segunda contraente, celebrou com [SCom18...], Lda., na qualidade de primeira contraente, contrato de arrendamento para fins não habitacionais, tendo por objecto o escritório designado pela letra “Sala 1” do prédio sito no Largo ..., ..., ..., ... ..., correspondente à sua sede social.
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Cfr. visado contrato a fls. 149 e ss. dos autos e informação não certificada n.°...7/2021 da Conservatória do Registo Predial/Comercial ..., de 22.04.2021, presente a fls. 95 e ss. dos autos.
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Compulsados os autos e analisada a prova produzida, julgam-se não provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
a) Foram adquiridos pela ora Impugnante a sociedade inglesa com a firma “[SCom02...] LLP” várias quantidades de materiais ferrosos, de origem identificada, os quais foram transportados a partir de local de expedição concretamente identificado para Portugal, por via terrestre, ferroviária, marítima ou aérea, por transportador contratado pela empresa expedidora, devidamente identificado;
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Não existe qualquer evidência quanto ao modo pelo qual seriam eventualmente transportados tais materiais para Portugal, quer a identidade do transportador, ou sequer a origem ou local de expedição.

b) As quantias transferidas pela ora Impugnante nos anos de 2015, 2016 e 2017 para contas bancárias sediadas em Hong Kong e Emirados Árabes Unidos referem-se a pagamentos devidos por efectiva aquisição de material ferroso a sociedade inglesa com a firma “[SCom02...] LLP”.
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Para que tal factualidade resultasse como provada necessário era, em primeiro lugar, que a ora Impugnante, por referência a cada transferência bancária expressamente indicada no Relatório de Inspecção Tributária que fundamenta as liquidações impugnadas, indicasse a que factura se referia a visada transferência, de modo a que fosse possível ao Tribunal aferir de uma qualquer correspondência entre factura e transferência. Nenhum esforço foi realizado nesse sentido, bastando-se a ora Impugnante com alegações vagas e genéricas, juntando aos autos parcos documentos.
Em segundo lugar, ainda que tenham sido juntos aos autos (e também alguns constem do PAT em apenso) documentos tendentes à demonstração do transporte de determinadas mercadorias para países europeus, supostamente referentes a mercadorias a que se referem as facturas emitidas por aquela visada firma, mais uma vez, a ora Impugnante nenhuma correspondência faz entre supostas aquisições e revendas, ou seja, que a mercadoria titulada pela factura X, foi depois revendida à sociedade Y, no dia Z, transportada que foi em determinado dia, conforme guia de transporte, CMR, o que seja, n.º XYZ. Pelo que é manifestamente impossível ao Tribunal realizar, sem mais, atentos os documentos juntos e presentes nos autos e no PAT em apenso, uma tal correspondência. Em terceiro lugar, os documentos de transporte juntos aos autos ou presentes no PAT em apenso, ainda que nos pudessem merecer credibilidade, e desde já se adiante, que não nos merecem pelas razões que a seguir explicitaremos, apenas comprovariam o transporte de determinadas mercadorias de Portugal para outros países europeus. Mas nunca comprovariam, por si só, que as mercadorias transportadas eram aquelas cuja suposta aquisição se encontra titulada pelas facturas emitidas pela “[SCom02...] LLP” e, mais ainda, que tais mercadorias fossem aquelas a que se referem as visadas transferências bancárias para off-shores.
Em quarto lugar, porque não existe qualquer prova ou sequer evidência de um qualquer transporte de mercadorias para Portugal ou dentro de Portugal. É que se a mercadoria não tem origem em Portugal, sendo adquirida, como alegado, a empresa sediada em Inglaterra, haveria que chegar ao nosso País através de algum modo de transporte, aéreo, rodoviário, ferroviário ou marítimo. E só depois, evidentemente, poderia ser transportada para outros Países. E se tivesse sido adquirida dentro de Portugal, igualmente haveria que ser transportada para o alegado armazém em que se faziam as trasfegas.
Por fim, o teor das facturas que supostamente titulam aquisições de mercadorias ferrosas: é evidente, atentos os factos provados sob os pontos 7. e 10., que foi utilizada de forma abusiva o local da sede, o n.º de registo comercial e a firma de sociedade inglesa para emissão das visadas facturas, alterando-se, subtilmente, essa mesma firma, de “[SCom02...], LLP”, para “[SCom02...], ltd”, ou seja, acrescentando-se a letra “e” no segundo nome, bem como as siglas finais, referentes ao tipo de sociedade existente em Inglaterra - o sufixo LLP refere-se a “Limited Liability Partnership”, enquanto que Ltd usa-se para designar as sociedades de responsabilidade limitada, também designadas pelas siglas LLC, referentes às “Limited Liability Company”, sendo que em termos de composição dos órgãos sociais apresentam significativas diferenças, porquanto a primeira é mais próxima das nossas sociedades profissionais, que são sociedades civis, e as segundas serão mais próximas das nossas sociedades por quotas ou anónimas, que são sociedades comerciais. Mas mesmo que tais diferenças se pudessem dever a lapsos de escrita na impressão das facturas, sempre se constata que a visada sociedade não teve qualquer actividade, nem activos, nem passivos, tendo sido dissolvida compulsivamente em 18.04.2017 por inexistência de actividade superior a dois anos (dormant LLPs), conforme resulta dos factos dados como provados sob os pontos 8. e 9.. Mais ainda, possuía como administradores duas pessoas residentes na África do Sul, nenhuma chamada «HH», como foi referido em declarações de parte pelo gerente da Impugnante, conforme resulta do facto provado sob o ponto 7.. Para além de que, como bem é evidenciado no Relatório de Inspecção, não consta dos visados “invoices” o n.º de identificação para efeitos de IVA: «Este fornecedor inglês não indica nas suas faturas o número de identificação fiscal, menção obrigatória nos termos do nº 3 do artigo 226º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, 2006/11/28. Trata-se do, praticamente, único emitente de faturas de mercadorias, correspondendo a 99,99% do valor contabilizado em compras» (cfr. facto provado sob o ponto 2.). Ou seja, são documentos que, tal qual se encontram emitidos, não merecem qualquer credibilidade.
Quanto aos documentos de transporte, desde já se adiante não estamos perante CMR’s (documentos conformes à Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, assinada em Genebra em 19 de Maio de 1956, aprovada, para adesão, pelo Decreto-Lei n.º 46 235, de 18 de Março de 1965, e modificada pelo Protocolo de Genebra de 5 de Junho de 1978, aprovado, para adesão, pelo Decreto n.º 28/88, de 6 de Setembro).
O que consta dos autos e do PAT em apenso são, ou documentos CERFA, ou documentos de empresa francesa com a firma [SCom14...] designados por “Location de Materiels avec Chauffeurs”, alguns com a indicação da firma pré impressa e outros apenas carimbadas, dos quais resulta uma eventual locação de viaturas com motorista, com aposição legível do timbre da Impugnante enquanto dador da ordem e expedidor (cfr. fls. 157, 161, 164 (frente verso), 168, 170, 174, 176, 178, 183 (frente e verso), 186, 188, 192, 194, 196, 200, 202, 204 [repetido a fls. 210], 206 [repetido a fls. 212], 216 e 218 dos autos). No entanto, tal como resulta do RFI, «não foi encontrado qualquer registo de gasto suportado pelo sujeito passivo, relativamente a transporte, quer tenha sido na entrada ou na saída de Portugal. Também não há registo de qualquer viatura em nome da empresa, passível de efetuar o transporte de resíduos» (cfr. facto provado sob o ponto 2.).
Quanto aos CERFA, trata-se de formulários administrativos regulamentares franceses, cujo acrónimo decorre da entidade que originalmente os elaborava (Centre d' Enregistrement et de Révision des Formulaires Administratifs), havendo CERFA para várias finalidades, sendo os CERFA n.° 14133 (sendo a versão *03 a actual) formulários do Ministério do Ambiente da República Francesa que devem acompanhar as transferências transfronteiriças de resíduos, em cumprimento do Regulamento CE n.° 1013/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Junho de 2006 (cfr. art.° 3.°, n.os 2 e 4). Em Portugal faz-se uso do formulário que constituí o anexo VIII ao visado Regulamento, estando, como é evidente, redigido em língua portuguesa. Estes documentos servem apenas de informação de acompanhamento dos resíduos, não constituindo contratos de transporte rodoviário. Encontrando-se nos autos a fls. 156 verso, 160 verso, 162 verso, 163, 167 verso, 169 verso, 173 verso, 175 verso, 177 verso, 181 verso, 182, 185 verso, 187 verso, 191 verso, 193 verso, 195 verso, 199 verso, 201 verso, 203 verso [repetido a fls. 209 verso), 205 verso, 211 verso, 215 verso e 217 verso), verifica-se que possuem indicada a mesma transportadora francesa ([SCom19...]) e por vezes a indicação de uma segunda transportadora francesa ([SCom20...]), e os mesmos três destinatários, sitos em França - [SCom21...], [SCom22...] e [SCom23...], com excepção dos documentos constantes de fls. 66 e 74 do PAT em apenso, em que o destinatário é uma sociedade sita na Bélgica, com o nome [SCom24...]. Todos eles referem-se a um curto intervalo de tempo - os primeiros meses de 2016, sendo o seu preenchimento uniforme na grafia e nos autógrafos, sendo sempre referentes ao transporte de chumbo. Ora, sendo o transporte feito a partir de Portugal, natural seria a utilização do formulário em português, até porque quem surge indicado como organizador da transferência é a ora Impugnante. Por outro lado, tendo a Impugnante operado de 2015 a 2017, também é suposto haver documentos com uma maior amplitude temporal e, naturalmente, tendo supostamente adquirido outros materiais ferrosos, inexiste qualquer indicação de transporte de qualquer outro material para além de chumbo.
Quanto à prova testemunhal, tendo sido ouvida a contabilista da ora Impugnante (para além dos Senhores Inspectores Tributários), a mesma afirmou não saber da existência efectiva do trading de mercadorias, limitando-se a tratar contabilisticamente os papeis que lhe eram fornecidos. A única pessoa que se referiu às aquisições e vendas dos materiais ferrosos foi o gerente da Impugnante, em declarações de parte, sendo que as mesmas não nos mereceram, de todo, qualquer credibilidade, como se explicitará em sede de motivação.
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A decisão da matéria de facto efectuou-se com base na posição assumida pelas partes, exame dos documentos presentes nos autos e no Processo Administrativo em apenso, não impugnados, informações oficiais prestadas por entidades públicas portuguesas e inglesas, bem como atendendo às declarações de parte e prova testemunhal aqui produzidas, tudo conforme o que se deixou plasmado a propósito de cada um dos pontos do probatório.
Tanto as declarações de parte como a prova testemunhal são, como é sabido, apreciadas livremente pelo Tribunal para efeitos probatórios (cfr. artigos 466.°, n.° 3 do Código de Processo Civil e 396.º do Código Civil, respectivamente), tendo concorrido para a formação da convicção do Tribunal quanto aos factos não provados.
De referir que ambos os Senhores Inspectores Tributários inquiridos enquanto testemunhas, «II» e «JJ» corroboraram o que já constava do Relatório de Inspecção Tributária, uma vez que o primeiro “supervisionou” a inspecção executada pelo segundo, tendo declarado ter estado na reunião com a TOC da Impugnante quando esta se apresentou a 24.10.2018 na Direcção de Finanças ... com pastas de documentos e o software, mais referindo a deslocação ao Ministério do Ambiente com o segundo, onde foram informados oralmente que a Impugnante não estava registada no SILiAmb, o que foi reiterado pelo segundo. Referiu ainda ter-se deslocado ao armazém que, supostamente, era usado para as operações de carga, onde não compareceu o representante da Impugnante. Também o segundo referiu, por diversas vezes, que nunca reuniu com o representante do sujeito passivo, garantindo que, reiteradamente tentou obter respostas daquele, afirmando que «respondiam, mas nunca ao que perguntávamos».
Quanto à contabilista da Impugnante à data dos factos, «AA», teve presente a sua deslocação a ... para apresentação dos documentos na Direcção de Finanças, afirmando desconhecer a existência efectiva do trading de mercadorias, limitando-se a tratar contabilisticamente os papeis que lhe eram fornecidos, tendo o seu depoimento incidido, essencialmente, sobre os documentos a que tinha acesso e o seu respectivo tratamento contabilístico.
No que concerne às declarações de parte foi ouvido «BB», o qual não logrou convencer o Tribunal da veracidade do que então declarou, não só devido a várias contradições e incongruências da “história” apresentada, como ao próprio modo como a contou, naquilo que percepcionámos como troça ou sobranceria, tendo passado com displicência sobre explicações que se esperariam mais detalhadas, em desarmonia com alguém que está em posição se ver obrigado ao pagamento de €4.000.000,00, tendo demostrado desinteresse quanto ao tratamento contabilístico que foi dado às transacções e desconhecimento sobre o mercado de metais em causa, razões pelas quais o Tribunal, atentas as regras da experiência e ciência comum, não lhe atribuiu qualquer credibilidade.
Assim, quanto à génese da criação da Impugnante, referiu que aconteceu a partir de um conhecimento que fez num fórum na internet (...), em que se trocavam palpites sobre a bolsa portuguesa, com um tal «HH», um inglês que não falaria português: eis a primeira perplexidade, a presença de um inglês, desconhecedor da língua portuguesa, num fórum português, sobre a bolsa portuguesa. Em conversa sobre a evolução do preço dos metais, ainda de acordo com o declarante, o tal «HH» propôs-lhe participar como angariador e intermediário, pelo que através da “[SCom02...]” forneceria aos clientes da Impugnante os metais que estes pretendessem comprar. E assim, sem que nunca se tivessem conhecido pessoalmente (falariam depois através do Skype), a Impugnante lança-se na compra e venda de metais ferrosos, negócio que, em pouco mais de dois anos, fez movimentar 22 milhões de euros.
Por outro lado, de acordo com o próprio declarante, não tinha qualquer conhecimento de tal mercado específico (afirmando apenas que fazia negócios na Bolsa desde os 18 anos), e o máximo que tinha era um contacto em França, País onde nasceu e de onde tinha saído aos 10 anos, e ao qual voltava somente em férias. Tanto assim que, declarou, teve de contratar um angariador freelancer, de cujo nome, curiosamente, não se recordava, para conseguir clientes na Bélgica. Portanto, não tendo o declarante qualquer conhecimento ou contactos no mercado de metais e sendo neste um relativo estranho, não se entende o que poderia aportar de significativo para um negócio, com valores tão importantes, que não pudesse ser feito por alguém pessoal e geograficamente mais próximo do tal «HH». Aliás, se o tal «HH» falava com o declarante em francês, como o próprio referiu, nem a língua seria um obstáculo nos negócios da visada “[SCom02...]”.
E mesmo depois de dois anos a operar no mercado, o declarante não demonstrou ter adquirido conhecimentos do mesmo: quando interrogado acerca dos metais, laconicamente referiu que negociava em cobre e aço, sendo a maior parte das referências documentais a chumbo e a outros produtos com designações sem grande nexo, como “skins herring plumb” (fls. 223 dos autos), traduzido em várias facturas da Impugnante como “chumbo arenque pele” (cfr. fls. 201 dos autos, p.ex.), mais revelando um desconhecimento acerca das exigências jurídico-ambientais para poder operar no mercado de resíduos, valorização e transporte, nomeadamente quanto à necessidade de ter a sua empresa registada no SILiAmb, ou de quaisquer outras obrigações de carácter ambiental, não obstante lhe passarem pelas mãos os aludidos formulários CERVA, carimbados e assinados por si, escritos em francês.
Quanto à mecânica das operações referiu que os compradores davam-lhe as cotações, nas suas palavras, diziam a que valor estavam disponíveis para comprar que metais e em que quantidade, passando tal informação ao tal «HH», ou seja, “[SCom02...]”, que lhe retornava com uma oferta dentro daqueles parâmetros para a apresentar aos compradores. Fechado o negócio, a mercadoria era enviada por camião para um armazém na ..., arrendado pela “[SCom02...]”, sendo que o declarante recebia depois uma chamada telefónica do motorista, sendo que alguns eram polacos (o Tribunal não pode deixar de se interrogar em que língua falariam, visto que o declarante afirmou não falar inglês), para se deslocar ao dito armazém, de que o próprio tinha as chaves, para que acontecesse a troca de mercadoria de um camião para o outro, sendo que tais entregas e deslocações de mercadorias poderiam acontecer a qualquer hora do dia ou da noite. O declarante afirmou várias vezes que não era ele quem tratava dos transportes, no entanto, era para ele quem ligava, pelo menos, um dos motoristas, sendo que a reportada sincronia entre os dois camiões/motoristas, por forma a que chegassem à mesma hora, ao mesmo local, é de registar como inverosímil. Nas instalações do armazém os camiões alegadamente faziam a transferência da mercadoria, acondicionada em contentores marítimos, usando as suas próprias lanças carregadoras (ou gruas), o que, considerando o peso dos contentores e da mercadoria alegadamente transaccionada é igualmente inverosímil. Acresce que, de acordo com o declarante, a certa altura a Impugnante tinha 15 clientes, o que, aventamos nós, deveria traduzir-se num assinalável tráfego de camiões. Contudo, e tratando-se de provar a existência de movimentação efectiva de mercadorias, nenhuma testemunha ocular desta actividade foi referida, indicada, ou apresentada.
Quanto aos fluxos financeiros referiu que os compradores pagavam o preço à Impugnante por transferência bancária e que, esta, por sua vez, e seguindo instruções do tal «HH», transferia os valores para contas bancárias por este indicadas, sendo frequente que valores respeitantes à mesma factura fossem divididos e pagos junto de diferentes contas bancárias, em vários destinos, porque se tratariam de compensações de créditos, mais declarando que tinha consultado directores financeiros de outras empresas, que recusou identificar, que lhe teriam assegurado tratar-se de algo normal. Não deixa de ser curioso que, estando isento de qualquer dever de sigilo legalmente imposto, seja tão zeloso da privacidade da identidade de quem lhe prestou tais informações e que eventualmente lhe poderiam ajudar a corroborar tal narrativa. E também não deixa de ser, no mínimo, peculiar, que o tal «HH», pessoa inglesa, surja nas mensagens de correio electrónico que a Impugnante juntou aos autos para comprovar tais ordens de pagamento (docs. 6 e 7, a fls. 14 verso e 15 dos autos), como «KK», estando o assunto da primeira mensagem em francês - “Virement 1”, ou seja, “Transferência 1” em língua francesa, com a indicação de “montant” no texto, ou seja, montante, também em língua francesa. Aliás, o declarante referiu que se comunicava com o tal «HH» em francês, dado não saber inglês...
Interrogado sobre o que impediria a “[SCom02...]” de o contornar como intermediário, poupando na percentagem que este recebia, afirmou que só ele conhecia ambas as partes, vendedor e compradores. A explicação é, no mínimo, débil. Na verdade, parece pouco crível que alguém recém-chegado ao visado mercado conseguisse impedir que outras pessoas que nele operavam há mais tempo não se conhecessem e contactassem, não existindo qualquer impedimento da “[SCom02...]” de contratar um angariador, como declarou ter feito a própria Impugnante.
Ainda de acordo com o declarante, a relação comercial com a “[SCom02...]” terminou porque os compradores dos metais começaram a queixar-se da falta de qualidade, e porque para serem compensados faziam uma nova encomenda de matéria-prima, a cujo preço descontavam o diferencial relativo à primeira. O que faz pouco sentido. Se um cliente insatisfeito, para poder ser compensado, tem de fazer uma nova encomenda para poder aí descontar o valor em que se achava lesado, o que sucederia se o novo carregamento tivesse uma qualidade ainda inferior? Por absurdo, poderíamos dizer que o melhor modo de fidelizar um cliente, obrigando-o a fazer mais encomendas, era servi-lo mal. Referiu ainda que as queixas e os descontos começaram a tornar-se frequentes e o «HH» deixou de lhe responder, tendo encerrado, de um momento para o outro, uma actividade que tinha feito circular, em pouco mais de ano e meio, quase €40.000.000,00 (conforme se retira do computo da base tributável declarada pela Impugnante nas respectivas DP’s de IVA, resumidas no ponto II.3.3. do RFI - fls. 84 do PAT em apenso). O que, mais uma vez, é narrativa que não convence.

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4. Atentas as conclusões extraídas da motivação de recurso que sintetizando as razões do pedido recortam o thema decidendum, as questões que reclamam solução neste recurso consistem em aferir se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto e erro de julgamento da matéria de direito por violação dos artigos 63.º, 63.º D, 74.º e 77.º todos da Lei Geral Tributária (doravante LGT).
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5.1. Do erro de julgamento da matéria de facto

Dispõe o artigo 640º do Código de Processo Civil (doravante CPC) que:
Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
No que se refere ao cumprimento deste ónus impugnatório, o mesmo deve, tendencialmente, fazer-se nos seguintes moldes: “(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido a 19-02-2015 no processo 299/05.6TBMGD.P2.S1.
Aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efetivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Assim, o Recorrente deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respetiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido a 17 de março de 2014, no processo 3785/11.5TBVFR.P1.
Não olvidando, contudo, que os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade - nesse sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido a 28 de abril de 2014 no processo 1006/12.2TBPRD.P1.S1.
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, nº 1 do CPC., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no artigo 639.º, n.º 3 do CPC.
Na presente situação, a Recorrente tece inúmeras ilações e conclusões (mormente relativos ao teor do Relatório de Inspeção Tributária) contra a sentença e com as quais não concorda.
Porém, a Recorrente nem uma única vez identifica os concretos pontos da matéria de facto que pretende impugnar.
Acresce que foi realizada prova testemunhal conforme resulta de atas das respetivas sessões, constante de fls. 123, 127,1238, 245, 246 e 479 do processo físico e, nunca, quer em termos de motivação, quer em sede de conclusões é identificado a passagem da gravação, da qual se possa concluir nos termos em que o faz. Na verdade, nem globalmente o faz (identificando sequer as passagens relativamente a cada testemunha).
Por sua vez, nunca identifica os documentos dos quais se concluiria em sentido contrário ao decidido. O que faz é fazer referência em bloco, referindo-se às facturas (todas elas), aos CMRs, documentos bancários, etc.
Assim sendo, rejeita-se o recurso quanto à matéria de facto, nos termos do artigo 640.º, n.º 2 do CPC.
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5.2. Do erro de julgamento de direito

Alegou a Recorrente erro de julgamento da matéria de direito por violação dos artigos 63.º, 63.º D, 74.º e 77.º todos da LGT – conclusão LIV e última do recurso.
Ora, da leitura da motivação de recurso e das respetivas conclusões, constata-se que as referências aos normativos supra citados se encontra desprovida de qualquer argumentação lógica e sequencial (até porque a Recorrente mistura completamente o recurso da matéria de facto com o recurso da matéria de direito). Mas vejamos pormenorizadamente, na medida do possível:
Em sede de motivação do recurso, apenas constam dois parágrafos não seguidos e não relacionados em que é referido:
[A Recorrente foi citada para proceder ao pagamento de € 4.307.572,10, sendo € 4.287.538,52 de quantia exequenda, € 5.530,62 de juros de mora e € 14.502,96 de custas, quantia que resulta de correções efetuadas, em sede de tributação autónoma, aos anos de 2015, 2016 e 2017, com o fundamento, em síntese, de que a Recorrente efetuou pagamentos através de transferência bancárias para entidades fora do território nacional e aí sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável e não comprovou que as operações que estiveram na origem desses pagamentos correspondam a operações efetivamente realizadas e não têm um carater anormal ou um montante exagerado, conforme o previsto no artº 63-D, nº 1 da LGT.]
[Os elementos documentais existentes na contabilidade do sujeito passivo (a maior parte dos quais foram fotocopiados pelos senhores inspetores da AT e se encontram junto ao processo da inspeção) comprovam e, consequentemente, ilidem a presunção constante da última parte do nº 1 do artº 63º-D da LGT (salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carater anormal ou um montante exagerado.).]
Por sua vez, nas conclusões consta:
· Uma referência ao artigo 63.º-D, n.º 1 da LGT na conclusão III, a qual tem o mesmo teor da supra primeira transcrição da motivação de recurso;
· Uma referência ao artigo 63.º da LGT nos seguintes termos: “O que demonstra a forma descuidada e pouco profissional como este processo inspetivo foi conduzido, tendo em conta a decisão produzida e o valor em causa, tendo incumprido as suas obrigações decorrentes do artº 63º e SS da LGTributária..”;
· Uma referência ao artigo 63.º-D, n.º 1 da LGT, a qual tem o mesmo teor da supra segunda transcrição da motivação de recurso.
Fazendo um enorme esforço interpretativo e benevolente e se bem interpretamos as conclusões de recurso, a Recorrente coloca em causa o entendimento constante da sentença em termos da inexistência de erro nos pressupostos de facto, da violação do princípio do inquisitório e de falta de fundamentação – quanto mais não seja porque assim são identificadas as questões a decidir na sentença e porque não é alegada qualquer omissão de pronúncia.
Na sentença sob recurso foi feito constar o seguinte discurso fundamentador, no que se refere à inexistência de erro nos pressupostos de facto:
{Em primeiro lugar, há que precisar o que está em causa nos autos.
Os actos de liquidação impugnados referem-se apenas a despesas que a ATA considerou estarem sujeitas a tributação autónoma à taxa de 35%, por aplicação do disposto no n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC.
Assim, mais precisamente, estão em causa despesas da Impugnante consubstanciadas em transferências interbancárias para Hong Kong e Emirados Árabes Unidos, territórios com regime de tributação mais favorável, vulgarmente denominados de paraísos fiscais.
A Impugnante não coloca em causa, antes reconhece, a existência dessas transferências interbancárias, nos montantes considerados.
Ora, o aludido normativo invocado e aplicado pela AT para fundamentar os actos em crise estabelece uma autêntica derrogação da presunção de veracidade e de boa-fé que gozam as declarações e os elementos contabilísticos do sujeito passivo nos termos do artigo 75.º da Lei Geral Tribut|ria. Assim, sempre que estejamos perante “despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável a que se refere o n.º 1 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária, ou cujo pagamento seja efectuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou domiciliadas” (cfr. art.º 88.º, n.º 8 do CIRC), a AT não precisa de provar a inexistência das operações subjacentes a tais despesas para tributar estas autonomamente à taxa legal, beneficiando antes de uma inversão do ónus probatório.
Nestes casos, se o sujeito passivo não quiser ver tais despesas serem tributadas nestes moldes, caber-lhe-á provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e que não têm um caracter anormal ou um montante exagerado.
Pelo que nunca se poderia falar num erro sobre os pressupostos de facto na actuação da AT, mas antes, eventualmente, num erro na valoração da prova carreada pelo sujeito passivo no procedimento inspectivo tendente ao afastamento da tributação autónoma em causa. Sendo que em caso negativo, ou seja, se nenhum erro de valoração existiu então por parte da AT, caberá ainda ao Tribunal verificar se os actos de liquidação, ainda assim, devem ser mantidos, face à prova produzida nos autos e ao ónus probatório que recai sobre a Impugnante.
Considerando o vertido no Relatório de Inspecção, adiante-se desde já que não vislumbramos qualquer erro na valoração da prova carreada ao procedimento inspectivo, pelo que a AT nunca poderia ter concluído, como não concluiu, que a Impugnante tivesse feito prova da materialidade das operações subjacentes às transferências bancárias para contas bancárias sedeadas em Hong Kong e nos Emirados Árabes Unidos.
Foram pedidos vários esclarecimentos ao sujeito passivo, foram realizadas deslocações à sede do sujeito passivo, foram analisados todos os documentos por ele fornecidos e ainda outros documentos, nomeadamente bancários, bem como a plataforma VIES, e foi ainda realizada reunião com a contabilista da Impugnante, para a qual o representante da Impugnante foi devidamente notificado, optando por não comparecer (cfr. facto provado sob o ponto 2.).
E foi a análise, profunda, regista-se, de todos esses elementos, que levou a AT a considerar que não estava feita a prova que permitia o afastamento da tributação prevista no n.º 8 do artigo 88.º do Código do CIRC.
E o mesmo conclui o Tribunal, face à prova que aqui resultou provada e não provada.
Explicitemos.
Para que uma determinada operação de compra e venda de material, vulgo sucata, exista, é necessário que alguém seja detentor de tal material e o disponibilize, por um determinado preço, a outrem. No caso, o detentor de tal material, considerando os documentos constantes da contabilidade da Impugnante e o que ela própria alega, seria uma empresa com sede em Londres.
E aqui começa o problema.
Em primeiro lugar, existe um problema de identidade dessa mesma empresa: resultou provado nos autos a existência de uma empresa registada nos serviços de registo comercial de Inglaterra e País de Gales com o nome “[SCom02...] LLP”, com sede em ... ..., ... e n.º de pessoa colectiva OC.....8 (cfr. facto provado sob o ponto 6.), mas a identificação que consta das facturas da alegada fornecedora dos materiais transaccionados apenas é igual no que concerne à morada da sede e ao n.º do registo de sociedade, sendo o nome da empresa diferente - em vez de “[SCom02...] LLP”, surge o nome “[SCom02...], ltd” (cfr. facto provado sob o ponto 9.). Mais ainda, a ora Impugnante alegou que era uma pessoa de nome «HH», cidadão inglês, que estaria à frente de tal sociedade, ou que, pelo menos, seria o seu interlocutor junto da mesma, mas a sociedade inglesa que existe tinha como administradores outras pessoas, com os nomes «EE» e «FF», sendo ambos residentes na África do Sul (cfr. facto provado sob o ponto 6.).
Depois, nada se sabe e, consequentemente, nada ficou provado, quer quanto ao modo pelo qual eram transportados tais materiais para Portugal, quer a identidade do transportador, ou sequer a origem ou local de expedição (cfr. facto não provado sob a alínea a)). De facto, os documentos de transporte invocados pela Impugnante e constantes dos autos, referem-se, todos eles, a transporte alegadamente iniciado em Portugal, mas em nenhum momento a Impugnante alegou tratar-se de material de origem portuguesa. Apenas se sabe da existência de um armazém arrendado a “[SCom02...], LLP” (ou seja, com um dos erros de escrita referidos pela Fazenda Pública), sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., o qual foi firmado em alegada representação desta por «GG», sócio gerente de sociedade com sede no mesmo edifício que a ora Impugnante (cfr. factos provados sob os pontos 13. e 14.).
Por referência à alegada fornecedora dos materiais transaccionados, para além dos problemas de identidade e de representantes já mencionados, mais se verificam outras circunstâncias reveladoras da falta de qualquer actividade: assim, em 09.12.2015 foram aprovadas as contas da visada sociedade, fechadas a 30.11.2015, com indicação a zeros de qualquer activo e passivo no respectivo balanço, não sendo apresentadas quaisquer contas referentes a períodos posteriores, tendo depois a mesma sido dissolvida compulsivamente em 18.04.2017 por inexistência de actividade superior a dois anos (cfr. factos provados sob os pontos 7. e 8.). No entanto, apesar de em 30.....2015 se fecharem as contas de tal sociedade com indicação a zeros de qualquer activo e passivo no respectivo balanço, 3 meses antes (em 01.09.2015) a mesma tinha celebrado contrato de arrendamento para fins habitacionais com prazo certo, com inicio em 01.09.2015 e fim em 29.02.2016, tendo por objecto o já referido armazém sito no lugar ..., mediante renda total no valor de €1.800,00 e com pagamento de uma só vez (cfr. facto provado sob o ponto 13.). O que é contraditório com o balanço aprovado.
Mais ainda, nada impedindo a existência de uma cláusula de pagamento entre fornecedor e comprador, no sentido de o vendedor reservar-se ao direito de se substituir por uma terceira parte, devidamente designada pelo respectivo nome, devendo o comprador, nesses casos, realizar o respectivo pagamento junto da visada terceira parte (cfr. facto provado sob o ponto 10.); tais pagamentos não podem deixar de ser considerados como receitas do vendedor - e vimos já que o vendedor nada fazia constar a esse nível nas suas contas, sendo que uma tal clausula não deixa de ser uma prática propiciadora da opacidade nos fluxos financeiros entre os vários agentes económicos e de consequentes comportamentos desviantes, ao nível do branqueamento de capitais e de outros crimes económico-financeiros.
Pelo que surge de modo evidente, ao nível do fornecimento e da suposta fornecedora dos produtos alegadamente transaccionados, a inexistência de qualquer operação efectivamente realizada, sendo que, de resto, sempre se julgou como facto não provado que as quantias transferidas pela ora Impugnante nos anos de 2015, 2016 e 2017 para contas bancárias sediadas em Hong Kong e Emirados Árabes Unidos se referem a pagamentos devidos por efectiva aquisição de material ferroso a sociedade inglesa com a firma “[SCom02...] LLP” (cfr. facto não provado sob a alínea b)). Seja como for, sempre teria a Impugnante de comprovar que as operações em causa, caso se comprovassem, não tinham um caracter anormal ou um montante exagerado. Também nessa parte é por demais evidente que não foi capaz de o fazer, já que não só todo o alegado circuito e o tempo de actividade é tudo menos normal, como as quantias monetárias subjacentes a tais operações, uma vez que estamos a falar de uma sociedade unipessoal, que fez circular, em pouco mais de ano e meio, quase €40.000.000,00, primam seguramente pelo exagero.}.
Atenta a circunstância do recurso referente à matéria de facto ter sido rejeitado, não se constata que o Tribunal a quo tenha errado na apreciação do alegado (em sede de petição inicial) erro nos pressupostos de facto.
Por sua vez, no que se refere ao princípio do inquisitório, a sentença sob recurso lapidarmente considerou que [A Administração Tributária pediu vários esclarecimentos ao sujeito passivo, deslocou-se à sede do sujeito passivo, analisou todos os documentos por ele fornecidos e ainda outros documentos, nomeadamente bancários, bem como a plataforma VIES, e realizou ainda reunião com a contabilista da Impugnante, para a qual o representante da Impugnante foi devidamente notificado, optando por não comparecer (cfr. facto provado sob o ponto 2.).
Pelo que não se lhe pode imputar qualquer violação dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material face às regras de distribuição do ónus da prova subjacente à tributação prevista no n.º 8 do artigo 88.º do Código do CIRC.].
Vislumbra-se um ataque ao decidido quando na conclusão IX) a Recorrente aí refere “Contudo, não se “deram ao trabalho” de indagar, junto da congénere inglesa, se a sociedade tinha efetivamente existência legal, se tinha atividade e se preenchia os requisitos para ser “player” no comércio comunitário e internacional.”
Ora, quanto a tal alegação, responde este Tribunal que certamente a Recorrente não leu a sentença, pois aí foi fixado enquanto facto provado [facto 7)]: A referida sociedade foi dissolvida compulsivamente em 18.04.2017 por inexistência de actividade superior a dois anos (dormant LLPs). Além do referido consta do facto provado 2), que a Administração Tributária teve o cuidado de averiguar que tal sociedade não tem número de identificação fiscal, não constando das faturas tal identificação e, por conseguinte, nada constando do VIES.
Assim sendo, tal alegação não se mostra minimamente suficiente para colocar em causa o bem decidido pelo Tribunal a quo.
Por fim, discorre a sentença sobre a “falta de fundamentação” nos seguintes termos:
{Uma vez mais temos de reiterar aquilo que dissemos a propósito do objecto dos presentes autos. Os actos de liquidação impugnados referem-se apenas a despesas que a ATA considerou estarem sujeitas a tributação autónoma à taxa de 35%, por aplicação do disposto no n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC; mais precisamente, estão em causa despesas da Impugnante consubstanciadas em transferências interbancárias para Hong Kong e Emirados Árabes Unidos, territórios com regime de tributação mais favorável, vulgarmente denominados de paraísos fiscais, sendo que a Impugnante não coloca em causa, antes reconhece, a existência dessas transferências interbancárias, nos montantes considerados.
Logo, ainda que eventualmente alguma falta de fundamentação existisse quanto às imputadas “divergências entre os dados constantes da VIES e das declarações periódicas”, a mesma seria absolutamente inócua na manutenção dos actos impugnados, porquanto a fundamentação dos mesmos nada tem a ver com dados constantes da VIES ou das declarações periódicas de IVA, mas tão somente com a verificação de transferências interbancárias para offshores.
Ainda assim, diga-se, as alegadas divergências sempre se encontram explicitadas no Relatório de Inspecção, nomeadamente no que concerne à análise do direito de audição, em que é expressamente dito que a [SCom02...] não indica o NIF nas facturas, o que «tem reflexo as divergências do VIES (não comunica quaisquer operações no VIES)», sendo a «única emitente de facturas de mercadorias, correspondendo a 99% do valor contabilizado em compras», mais ainda se explicitando expressamente o seguinte (cfr. facto provado sob o ponto 2.):
«6.4. Relativamente às divergências do VIES, centram-se, naturalmente, ao nível das transmissões intracomunitárias declaradas pelos operadores dos outros Estados Membros e os valores declarados pelo sujeito passivo das suas DPs. Assim constatou-se que, conforme já antes se referiu, as faturas emitidas com o timbre de [SCom02...].LTD não constam no VIES (outra coisa não poderia ser já que o mesmo não se encontra cadastrado para esse efeito), gerando assim divergências (valores nas DP’s superiores ao indicado no VIES). Em sentido contrário, pelo menos, o sujeito passivo SA [SCom15...]-NIF ...02 declarou no VIES operações prestadas ao sujeito passivo cuja contabilização não foi detetada. No cômputo geral, i.e., considerando as operações que deviam ter sido indicadas no VIES deduzindo aquelas que foram indicadas no VIES e que o sujeito passivo não considerou, foram apuradas divergências de €2.841.231,00 em 2015, €14.345.799,00 em 2016 e €424.043,00 (anexo 14).».} – Fim de transcrição.
Quanto a tal entendimento, não se vislumbra, quer em sede de motivação, quer em sede de conclusões de recurso qualquer invocação de algum fundamento que coloque em causa o decidido.
Assim sendo, atento o vazio argumentativo do Recurso, forçoso é reconhecer que o mesmo soçobra na totalidade.

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5. Termos em que acordam os juízes da Subsecção Comum de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.


Porto, 21 de março de 2024.

José Coelho (relator)
Carlos de Castro Fernandes
Rui Esteves