Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00329/10.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/30/2025
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:PAULA MOURA TEIXEIRA
Descritores:ISENÇÃO IVA;
CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL EM CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA;
TREPASSE:
Sumário:
I. Consta do n.º 4 do artigo 3.º do CIVA, a exclusão do conceito de “transmissão de bens” onde se estabelecia que: “Não são consideradas transmissões as cessões a título no gratuito de estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de parte dele, que seja suscetível construir um ramo de atividade independente, quanto, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou vem a ser, pelo facto da aquisição, o sujeito passivo de imposto de entre os referidos nas alíneas a) do nº 1 do art.º 2.”

II. Em regra, e por força do nº 1 do artigo 3º CIVA, a transmissão de bens, entendida esta como a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, está sujeita a tributação em sede de IVA.

III. Para que uma operação se enquadre no âmbito desta norma de delimitação negativa de incidência do imposto, exige-se a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) cessão a título oneroso ou gratuito; (ii) do estabelecimento comercial ou industrial, ou da totalidade de um património ou de parte dele; (iii) que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente; (iv) desde que o adquirente seja um sujeito passivo do imposto, ou o venha a ser pelo facto da aquisição.

IV. Sendo essencial para que se transmita um património como uma unidade económica, a cessão de um conjunto de bens organizados com estabilidade e autonomia suficientes para a realização de uma atividade de natureza comercial ou industrial.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, [SCom01...], LDA., NIPC ...93, com os demais sinais dos autos, interpôs recurso da sentença prolatada, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu em 29/09/2017, que julgou improcedente a impugnação judicial visando as liquidações, de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), juros compensatórios, do período 200901, no montante global de € 21 582,61.

Por acórdão deste tribunal, proferido em 15/09/2022, foi concedido provimento ao recurso revogada a decisão recorrida e ordenada a baixa dos autos ao Tribunal de primeira instância para produção prova testemunhal e, eventualmente documental e prosseguimento dos ulteriores trâmites processuais.

Em 18/09/2023 foi proferida nova sentença que julgou impugnação improcedente por não provada mantendo as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios.

A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: “(…)
I. Questão decidenda
i. o presente recurso tem por objeto a sentença do tribunal a quo que julgou improcedente a impugnação judicial interposta com o propósito de anular a liquidação adicional de iva do período de janeiro de 2009 e respetivos juros compensatórios, no montante total a pagar de € 21.582,61;
ii. a questão decidenda aqui em apreço consiste em saber se, num caso como o dos presentes autos, estamos ou não perante a cessão de parte do património de um estabelecimento comercial, que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente, nos termos e para efeitos do n.º 4 do artigo 3º do código do iva e, por conseguinte, se encontrar não se encontrar sujeito a liquidação de iva.

a. A impugnação da matéria de facto

iii. Da leitura integral do depoimento da testemunha «AA», resulta que não pode apenas ser dado como provado que a [SCom01...], aqui Recorrente, vendeu à sociedade [SCom02...], as coisas móveis, separáveis do estabelecimento comercial da Recorrente;
iv. Mas deve ser, igualmente, dado como provado e aditado à matéria de facto que:
A Recorrente, para além de ceder a sua posição de locatária no contrato de locação financeira imobiliária, também cedeu à sociedade [SCom03...], Lda. (adiante [SCom03...]) parte do estabelecimento comercial, composto pelas coisas inseparáveis e as benfeitorias que faziam parte integrante do estabelecimento, suscetíveis de constituir uma atividade independente.
v. O negócio único e global da cessão do estabelecimento comercial foi constituído por duas operações em separada:
➢ A cessão de posição contratual da Recorrente, como locatária, no contrato de locação financeira imobiliária, por contrato de 6 de janeiro de 2009;
➢ A cessão de parte do estabelecimento comercial composto pelas coisas inseparáveis («instalações») e benfeitorias, por nota de débito n.º 36, de 15 de julho de 2009.
vi. O conjunto das operações, apesar de realizadas autonomamente e em momentos separados, estavam intrínseca e estreitamente ligadas à cessão de estabelecimento comercial, sendo dele indissociáveis;
vii. As partes em apreço emitiram declarações negociais – contrato de cessão de posição contratual e a nota de débito, enquanto declaração receptícia - com o propósito de contratualizarem a operação de cessão do estabelecimento comercial;
viii. As provas documentais em apreço e os depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrente claramente demonstram que a intenção, a vontade contratual das partes foi a cessão de parte do estabelecimento comercial da Recorrente à [SCom03...];
ix. Deste modo, podemos concluir que a Recorrente logrou demonstrar que as partes quiseram e celebraram o negócio de cessão de parte do estabelecimento comercial da [SCom01...], mediante a cessão de posição contratual no contrato de locação financeira imobiliária e a cessão das instalações fixas e das benfeitorias do imóvel;
x. Por conseguinte, o Tribunal ad quem deve aditar à matéria de facto e dar como provados os seguintes pontos:
➢ A [SCom01...], para além de ceder a sua posição de locatária no contrato de locação financeira imobiliária, também cedeu à sociedade [SCom03...] parte do estabelecimento comercial, composto pelas coisas inseparáveis e as benfeitorias que faziam parte integrante do estabelecimento, suscetíveis de constituir uma atividade independente.
➢ A [SCom01...] e a [SCom03...] tiveram a intenção de contratualizar a cessão de parte do estabelecimento comercial da [SCom01...] à [SCom03...], constituído pela posição de locatária e pelas instalações fixas e benfeitorias do Imóvel.

b. A impugnação da matéria de Direito
xi. Para o exame do conceito de “transmissão de universalidade ou parte dela” é imperioso tomar em consideração, quer o escopo da Diretiva do IVA e o princípio fundamental inerente a todo o sistema do IVA – segundo o qual o IVA se aplica a cada transação de produção ou de distribuição, com dedução do IVA que incidiu diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço -, quer o propósito do regime das deduções, que visa libertar o agente económico do peso do IVA devido ou pago no âmbito das suas atividades económicas;
xii. Sobre a “universalidade ou parte dela”, o legislador não obriga a que se transfira a totalidade do estabelecimento comercial;
xiii. O que importa é que os elementos transmitidos, no seu conjunto, sejam suficientes para permitir a continuação de uma atividade económica autónoma;
xiv. A argumentação da AT e adotada pelo Tribunal a quo de considerar que não se verificou a transmissão de estabelecimento comercial, para efeitos do n.º 4 do artigo 3º do Código do IVA, porque não houve «qualquer menção à transmissão de elementos incorpóreos como a clientela e aviamento» não pode proceder;
xv. O facto de previamente à cessão, a Recorrente ter vendido as coisas móveis, separáveis do estabelecimento comercial, não prejudica o facto de estarmos perante uma transmissão de estabelecimento comercial, pois, nesta transmissão não têm de ser transferidos todos os elementos que constituem o estabelecimento comercial;
xvi. Ao contrário do afirmam a AT e o Tribunal a quo, não constitui pressuposto da transmissão do estabelecimento comercial para efeitos do n.º 4 do artigo 3º do Código do IVA que o cedente seja o proprietário do imóvel onde se encontra o estabelecimento comercial; xvii. Ou que seja transferido qualquer direito (de propriedade, locação, uso, superfície, etc…) sobre o imóvel onde se encontra o estabelecimento comercial, pois, em certas circunstâncias, pode transferir-se parte do estabelecimento comercial que permita o exercício de uma atividade económica que não implique aquele imóvel;
xviii. No presente caso, a cedente, aqui Recorrente, não era a proprietária do imóvel, nem tinha de o ser;
xix. Sendo suficiente a cessão do direito à posição de locatária que ocupava no contrato de locação financeira imobiliária, juntamente com a transmissão das instalações e das benfeitorias para se concluir que se trataram de elementos transmitidos, no seu conjunto, suficientes para permitir a continuação de uma atividade económica autónoma;
xx. A norma do n.º 4 do artigo 3º do Código do IVA não associa as «cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial» a qualquer direito de arrendamento.
xxi. Logo, não se pode entender que as transmissões de estabelecimento comercial não estão sujeitas a IVA na condição de existir e de se transmitir o direito ao arrendamento;
xxii. Deste modo, podemos concluir que a operação aqui em apreço de transmissão do estabelecimento comercial da Recorrente cumpre com os requisitos previstos no n.º 4 do artigo 3º do Código do IVA e, portanto, não se encontrava sujeita a liquidação do IVA;
xxiii. Por conseguinte, a sentença recorrida deve ser revogada, com todas as consequências legais;

xxiv. Sem prescindir,
xxv. Caso se entenda como fez o Tribunal a quo que a operação em apreço não se reconduz ao n.º 4 do artigo 3º do Código do IVA estaremos a violar o princípio da neutralidade em sede de IVA;
xxvi. Por conseguinte, a sentença recorrida deve ser revogada, com todas as consequências legais.

xxvii. Sem prescindir,
xxviii. Caso o presente Tribunal considere que a presente questão decidenda suscita dúvidas deverá acionar o mecanismo do reenvio prejudicial (artigo 264º do TFUE) e solicitar ao Tribunal de Justiça da União Europeia a questão prejudicial ao conhecimento da matéria aqui em crise, com a sugestão da seguinte questão:
À luz do princípio da neutralidade em sede de IVA definido pelo TJUE, entre outros, nos acórdãos Rompelman, Midland Bank, Securenta, Polski Trawertyn, Mahagében and Dávid, Idexx Laboratories Italia e Sveda, será conforme o Direito da União Europeia, nomeadamente, os artigos 1º, n.º 2, 19º, e 29º, todos da Diretiva do IVA, uma legislação nacional como a do n.º 4 do artigo 3º do Código do IVA interpretada no sentido de sujeitar a IVA uma transmissão de elementos constitutivos suficientes para o cessionária prosseguir uma atividade económica autónoma, com fundamento de que não se verificou a transmissão do direito ao arrendamento, mas verificou-se antes a cessão da posição contratual de locatária no contrato de locação financeira imobiliária?

Pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por conseguinte, a sentença recorrida deve ser revogada, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
O Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer entendendo que a sentença face à factualidade dada como provada, seu enquadramento jurídico e fundamentação expendida, não merece censura, pelo que deve ser negado provimento ao recurso.

Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF, dispensa-se os vistos do Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, com a sua concordância, submetendo-se à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se a sentença padece de: (i) erro de julgamento de facto, (ii) erro de julgamento de direito estando o ato de liquidação adicional de IVA inquinado por erro sobre os pressupostos de facto na aplicação do artigo 3°, n° 4 do CIVA e, (iii) e no caso de dúvida usar o reenvio prejudicial para o TJEU.


3. JULGAMENTO DE FACTO
3.1. Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)
A) A Impugnante [SCom01...], LDA., que iniciou atividade em junho de 1999, CAE 010130 Fabricação à base de carne, na sequência de um pedido de reembolso de IVA 0908, em cumprimento da ordem de serviço OI20.....56, foi objeto de inspeção ao exercício de 2009, ao IVA, tendo-se procedido a “correções de natureza meramente aritméticas”, vide fls. 35 da Reclamação Graciosa (RG);
B) Para proceder às referidas correções a Inspeção considerou os fatos e fundamentos seguintes: “O SP, em 5 de Setembro de 2001, celebrou contrato de locação financeira, n.º ...49 com o Banco 1..., SA, NIF ...67, referente à aquisição dum edifício, por um período de 15 anos. Na vigência do contrato, isto é, em Janeiro de 2009, foi cedida a posição contratual pelo valor de € 103 740,71, para a [SCom03...], Lda., NIF ...76, conforme fotocópia do contrato em anexo. A cedência de posição contratual é considerada uma prestação de serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 4º do CIVA, sendo tributada, em IVA, uma vez que foi efectuada por um SP no âmbito da sua actividade económica (n.º 1 do artº 1º do CIVA), pelo que deveria ter emitido o respectivo documento com liquidação do correspondente IVA. Ora, como esta prestação de serviços não consta de qualquer lista anexa ao código, ou isenção, está sujeita à taxa normal. Assim, o valor de imposto em falta é de 20 748,17 (103 740,71*20%)”, cfr. fls. 36 da RG, documento para que remete bem como os docs. n.ºs 11e 12 que instruiu a petição inicial(PI);
C) A Impugnante emitiu, com data de 15/07/2009 e vencimento na mesma data, a favor de [SCom03...], Lda. a nota de débito n.º 36 constando da respetiva descrição: “Instalações e conjunto de benfeitorias anexas e realizadas no edifício e não separáveis. Isento de iva ao abrigo o n.º 4 do artigo 3º do CIVA”, vide doc. n.º 10 que instruiu a PI, e instruiu também o direito de audição face ao projeto de indeferimento da RG;
D) A Impugnante reagiu à proposta de correção referida em B) apresentando o respetivo direito de audição onde esgrimiu argumentos próximos dos apresentados nestes autos, mas não logrou convencer a AF pois esta confirmou a proposta, cfr. fls. 27 e segs. e 31 e sgs. da RG;
E) A Impugnante inconformada com as correções operadas pela Inspeção e superiormente ratificadas apresentou RG, na qual também exerceu direito de audição, a qual foi indeferida reafirmando-se a liquidação impugnada, vide RG;
F) Indeferimento comunicado à Impugnante através de carta expedida em 2010-06-17 e esta, mais uma vez inconformada, apresentou em 06-07-2010 a PI que deu origem aos presentes autos, cfr. comprovativo de entrega de documento;
G) A Impugnante em 2008 atravessava grandes dificuldades, nomeadamente tinha uma dívida ao seu maior fornecedor, de cerca de 390 000€ e tentou solucioná-la através do convite ao referido credor para assumir a posição de sócio, mas tal não se logrou, vide os depoimentos das testemunhas os quais demonstraram conhecimento sobre o que depuseram, conhecimento compreensível dado que eram o contabilista e a “operadora de contabilidade” da Impugnante;
H) Ainda antes da cessão com a [SCom03...] referido em B a Impugnante vendeu à sociedade [SCom02...] tudo o que era móvel e que se encontrava no seu estabelecimento comercial e industrial, por exemplo serras, balanças, secretárias, que foram dele retiradas cfr. o depoimento da testemunha «AA» que, neste pormenor, foi inequívoco não denunciando qualquer dúvida sobre o ocorrido;

III II Factos não provados
Para além dos factos referidos, não foram provados outros com relevância para a decisão da causa.

A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica do teor dos documentos constantes dos autos e do PA, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório.
Também atendeu ao depoimento das testemunhas que de forma credível depuseram sobre a situação económica e transmissões da Impugnante às sociedades “[SCom03...]” e “[SCom02...]”.
Aquelas depuseram em sintonia sobre a inexistência de trespasse afirmando ter existido uma cessão de estabelecimento. A primeira inclusive referiu que a [SCom03...] não declarou a aquisição do estabelecimento na IES e a segunda sobre os documentos juntos pela Impugnante em 12-04-2023 referiu: “eles permitiram que o imóvel saísse do ativo da impugnante para a “[SCom03...]”; isto não foi um trespasse se fosse era a conta 27 a usada e foi a 26”. Também a primeira disse: “não houve nenhum trespasse”. (…)”

3.2. A Recorrente nas conclusões iii. a ix. vem impugnar a matéria de facto pretendendo o aditamento de dois pontos à matéria de facto provada.
Quer a alteração da matéria de facto ou errada apreciação e valoração da prova, pressupõe o erro do julgamento de facto, o qual ocorre quando, da confrontação dos meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o julgamento efetuado é desconforme com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.
A Recorrente nas suas conclusões pretende que o Tribunal ad quem adite à matéria de facto e os seguintes pontos:
· A [SCom01...], para além de ceder a sua posição de locatária no contrato de locação financeira imobiliária, também cedeu à sociedade [SCom03...] parte do estabelecimento comercial, composto pelas coisas inseparáveis e as benfeitorias que faziam parte integrante do estabelecimento, suscetíveis de constituir uma atividade independente.
· A [SCom01...] e a [SCom03...] tiveram a intenção de contratualizar a cessão de parte do estabelecimento comercial da [SCom01...], constituído pela posição de locatária e pelas instalações fixas e benfeitorias do Imóvel.
Desde já se diga que os pontos que a Recorrente pretende que fossem aditados são juízos conclusivos que definem de imediato thema decidendum.
Como é pacífico na doutrina e na jurisprudência que, além das afirmações de direito, também as conclusões (ou juízos conclusivos) não são factos: trata-se de matéria equiparável a matéria de direito, pelo que também se trata de alegações que são insuscetíveis de constar na decisão que venha a ser proferida sobre a matéria de facto em discussão numa determinada ação.
Como refere Helena Cabrita, in “A fundamentação de facto e de direito da decisão cível”, págs. 106, 110 e 111 “(…) Os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo, desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos forem considerados provados ou não provados, toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência), com base nessa única resposta”.
Por outro lado, “quando se fala em matéria de direito, estamos a referirmo-nos aos conceitos estritamente jurídicos que não têm qualquer sentido corrente… tem sido entendido que podem ser consideradas matéria de facto expressões que são utilizadas simultaneamente em sentido corrente e jurídico, a não ser que face à natureza da acção, seja precisamente esse o objecto da disputa ou controvérsia entre as partes e dele dependa a resolução das questões jurídicas que no processo de discutem, constituindo nessa medida o objecto da própria decisão final da causa.”
Da interpretação do n.º 4 do artigo 607.º do CPC consta que na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência”.
Daqui retira-se, que a fundamentação de facto da decisão só pode ser integrada por factos.
E como consta do acórdão da Relação do Porto de 07.10.2013, proferido nos autos 488/08.1TBVPA. “Pode afirmar-se, em sentido muito simplificador, que uma conclusão implica um juízo sobre factos e estes, quando em si mesmos considerados, revelam uma realidade, compreensível e detectável sem necessidade de qualquer acréscimo dedutivo”
No mesmo sentido, refere o acórdão da Relação de Guimarães de 11.10.2018, proferido no âmbito do processo n.º 616/16.3T8VNF-D: “De resto, ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do artº 646º n.º 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito), é todavia nossa convicção que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, e as quais, a priori e antecipada e comodamente, acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente, resolvendo de imediato o “thema decidendum”.
Ou seja, continua para nós a ser válido o entendimento de que o que importa é que a decisão de direito venha a ser resolvida no momento adequado, e tendo ela por base e objecto a realidade concreta apurada - factos concretos - e revelada nos autos por via da instrução, sendo então e de seguida - após aquela fixada - os subjacentes factos concretos objecto de valoração jurídica”.
In “Estudos sobre o Processo Civil”, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1997, p. 312, Teixeira de Sousa explica que “a selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”.
Destarte, a matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas, mormente quando, preencham, só por si, a hipótese legal, dispensando qualquer subsunção jurídica, ou seja, traduzam uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objeto da ação, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões.
Ao dar-se como provado o que a Impugnante/Recorrente pretende estaríamos a formular um juízo conclusivo, não admitido no julgamento de facto.
Acresce ainda realçar que a Recorrente nas conclusões limita-se genericamente a pedir o aditamento e transcreve o depoimento quase integral da testemunha «AA», pese embora identifique a gravação não é suficiente para dar cumprimento ao artigo 640.º, nºs 1 e 2 do CPC, pois deles não extrai qualquer consequência e remete o julgamento deste Tribunal para apreciação integral do depoimento da testemunha.
Nesta conformidade, improcede a impugnação da matéria de facto provada.

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. A Recorrente alega que o ato de liquidação adicional de IVA está inquinado por erro sobre os pressupostos de facto gerador de erro de direito na interpretação e aplicação do artigo 3. °, n.º 4.º do CIVA, sendo o mesmo ilegal e anulável.
Entende a Recorrente que a operação aqui em apreço de transmissão do estabelecimento comercial cumpre com os requisitos previstos no n.º 4 do artigo 3º do Código do IVA e, portanto, não se encontra sujeita a liquidação do IVA.
Na sequência de pedido de reembolso de IVA, a Inspeção Tributária entendeu que se tratava de uma cedência da posição contratual a qual é considerada uma prestação de serviços, nos termos do n.º 1 do art. º4. do CIVA, estando sujeita a IVA.
A questão fundamental e central que importa apreciar reside em saber se no caso concreto, houve ou não trepasse/venda, enquanto transmissão a título definitivo do estabelecimento comercial.
A Recorrente na sua petição inicial, grosso modo alega que passou por dificuldades económicas para manter o seu estabelecimento/unidade industrial de transformação de carne decidiu trespassar em janeiro de 2009, a totalidade do estabelecimento com todos os seus componentes.
E que o valor do trepasse foi determinado, pelo valor do imóvel, as rendas pagas o valor das benfeitorias e valor dos utensílios e equipamentos existentes no estabelecimento e o valor da clientela e aviamento.
O imóvel onde estava instalado o estabelecimento foi objeto de Contrato de Locação Financeira Imobiliária com Banco 1..., S.A. por período de 15 anos podendo a Impugnante/Recorrente exercer no termo do contrato a opção de compra.
E nessa sequência, e no contexto do negócio, celebrou um contrato de cedência da sua posição contratual, com consentimento da locadora, o qual foi realizado em 06.01.2009 (cf. Doc.12) e em 15.07.2009 foi por si emitida a nota de Débito n.º 36. (doc. De fls. 82 ).
Vejamos:
Consta do n.º 4 do artigo 3.º do CIVA, a exclusão do conceito de “transmissão de bens” onde se estabelecia que: “Não são consideradas transmissões as cessões a título no gratuito de estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de parte dele, que seja suscetível construir um ramo de atividade independente, quanto, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou vem a ser, pelo facto da aquisição, o sujeito passivo de imposto de entre os referidos nas alíneas a) do nº 1 do art.º 2.”
Em regra, e por força do nº 1 do artigo 3º CIVA, a transmissão de bens, entendida esta como a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, está sujeita a tributação em sede de IVA.
O nº 4 do artigo 3º CIVA exclui determinadas operações do conceito de transmissão de bens.

Assim, para que uma operação se enquadre no âmbito desta norma de delimitação negativa de incidência do imposto, exige-se a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
(i) cessão a título oneroso ou gratuito;
(ii) do estabelecimento comercial ou industrial, ou da totalidade de um património ou de parte dele;
(iii) que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente;
(iv) desde que o adquirente seja um sujeito passivo do imposto, ou o venha a ser pelo facto da aquisição.
E como se explica no acórdão 1240/07.7BEBRG de 20.12.2023, que a Relatora subscreveu na qualidade de 2.ª Adjunta, “ (…) O que está aqui em causa é um conjunto patrimonial objectivamente apto ao exercício de uma actividade económica e independente, composto por um conjunto de elementos corpóreos e incorpóreos, nomeadamente, direitos de propriedade intelectual e industrial, contratos de trabalho e outros, utensílios, máquinas, mercadorias, e passivo, susceptíveis de constituírem uma universalidade de bens ou unidade funcional. Isto é, o conceito de estabelecimento comercial a ter aqui em consideração é o conceito jurídico.
Importa, pois, o aferir casuisticamente perante cada caso concreto se estamos ou não perante um conjunto patrimonial no sentido da norma.
No contexto da delimitação negativa de incidência constante entre nós do n. º4 do artigo 3.º do CIVA, e no que respeita aos bens transmitidos e à utilização desses bens feita pelo beneficiário depois da transmissão, atente-se, que a Directiva IVA não contém nenhuma definição do conceito de “transferência a título oneroso ou a título gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade de uma universalidade de bens ou de parte dela”. Tão pouco o legislador nacional concebeu qualquer definição especificamente a este respeito nas regras do IVA.
Com efeito, o legislador comunitário e o legislador nacional não forneceram qualquer esclarecimento ou concretização quanto à qualidade ou quantidade dos elementos que devem estar presentes de forma a que possa beneficiar da aplicação da delimitação negativa de incidência e facilmente se compreende porquê. De facto, como veremos que acertadamente o TJUE salienta, interessa apurar casuisticamente se na situação em causa há ou não uma transmissão de um conjunto patrimonial susceptível de constituir “um ramo de actividade independente”, isto é, de funcionar de per si como objecto de um negócio.
(…)
Da posição Jurisprudencial
Sobre a matéria, em sede jurisprudencial, alcançamos o Acórdão do STA de 05.05.2010, proferidos no âmbito do processo n.º 036/10, cujo sumário destacamos:
«1 - A exclusão do conceito de “transmissão de bens” para efeitos de IVA das “cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente”, constante do n.º 4 do artigo 3.º do CIVA, corresponde à utilização por parte do legislador nacional da faculdade que lhe foi conferida pelo n.º 8 do artigo 5.º da Sexta Directiva do Conselho de 17 de Maio de 1977 (Directiva 77/388/CEE), nos termos da qual «Os Estados-membros podem considerar que a transferência a título oneroso ou a título gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade de uma universalidade de bens ou de parte dela não implica uma entrega de bens e que o beneficiário é equiparado a sucessor do transmitente. (…)».
2 - A norma comunitária pretendeu conferir aos Estados-Membros a possibilidade de estabelecerem “uma simplificação de procedimentos” e bem assim a de lhes permitir “evitar sobrecarregar as tesourarias das empresas”, estando este segundo objectivo relacionado “com a intenção de não agravar o esforço financeiro das empresas que pretendem iniciar uma actividade comercial ou industrial, ou expandir ou renovar a que vêm já exercendo, obrigando-as nesses momento ao dispêndio de um montante avultado de IVA, o qual, em princípio, iria posteriormente ser objecto de dedução a seu favor”.
3 - Daí que a norma comunitária refira expressamente que, nesses casos, o beneficiário é equiparado a sucessor do transmitente, alocução que, não implicando necessariamente a identidade de ramos de actividade exercidas por este e por aquele (como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de esclarecer no seu Acórdão de 27 de Novembro de 2003, processo n.º C- 497/01), parece ter implícito o entendimento, sob pena de frustração da ratio da norma em causa (e a daquelas que nos ordenamentos dos Estados-Membros concretizaram aquela faculdade), de que a exclusão só se verifica se o adquirente for ou vier a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo de imposto, sendo necessário que o adquirente continue a exercer mesma actividade económica que vinha sendo exercida pelo transmitente, numa relação de sequência contínua e sem interrupções.”».
Da posição do TJUE
Cientes da posição doutrinal da Administração e, de alguns conceitos colhidos pela jurisprudência e doutrina, que nos fixam os pressupostos da aplicação da incidência negativa de IVA prevista no n.º 4 do artigo 3º do CIVA, atentemos a jurisprudência do Tribunal de Justiça da EU, na procura de decisões extensíveis ao caso que nos ocupa.
O TJUE pronunciou-se algumas vezes sobre a delimitação negativa de incidência prevista no artigo 19º, primeiro parágrafo, da Directiva IVA.
Nas suas conclusões apresentadas em 13 de abril de 2000 no Caso Abbey National, o Advogado Geral F. G. Jacobs, veio salientar que, “O conceito de «parte de uma universalidade de bens», contudo, não é claro. Em particular suscita-se a questão de saber como estabelecer uma distinção entre a transferência dessa parte de uma universalidade de bens e a transferência normal de um ou mais dos activos de uma empresa, que é normalmente uma operação tributada. O direito comunitário nada diz sobre esta questão. Não se encontra qualquer esclarecimento em nenhuma das directivas IVA, nem a questão foi até aqui considerada pelo Tribunal de Justiça.”.
Nestes termos, conclui que a solução adoptada no Reino Unido parece ser razoável ao prever que quando os activos representando uma parte de uma empresa susceptível de funcionar separadamente são transferidos de forma que exista continuidade de exploração, a faculdade concedida nos termos do artigo 5.º, n.º 8, da Sexta Directiva, é aplicável e não se considera que exista qualquer entrega de bens. Como disso dá nota, não parece que estes critérios entrem em contradição com a formulação ampla da disposição comunitária e a questão de saber se os mesmos estão preenchidos num caso concreto permanece, por conseguinte, na competência do órgão jurisdicional nacional.
Por sua vez, no seu Acórdão de 27 de Novembro de 2003, Caso Zita Modes , o TJUE veio a concluir que o conceito de transmissão de uma universalidade de bens constitui um conceito de Direito Comunitário cuja interpretação compete ao Tribunal de Justiça, incumbindo ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se os bens transmitidos constituem uma “universalidade de bens ou parte dela” na acepção da Sexta Directiva, ou seja, activos susceptíveis de serem explorados no âmbito de uma actividade económica. Nos arrestos que se sucederam o TJUE veio a reiterar esta orientação.
Neste contexto, a Comissão veio notar que a simples venda, com carácter isolado, de acessórios de moda não constituía uma transmissão de uma universalidade de bens na acepção da Sexta Directiva, mas uma entrega ordinária de elementos do stock de uma empresa. Pelo contrário, a cessão de um conjunto coerente de activos susceptíveis de permitir o prosseguimento de uma actividade económica na acepção da Directiva pode estar abrangida pelo seu artigo 5º, n.º 8.
O TJUE nota que, à luz do contexto do artigo 5.º, n.º 8, da Sexta Directiva e do objectivo desta última, verifica-se que esta disposição visa permitir aos Estados membros facilitar as transmissões de empresas ou de partes de empresas, simplificando-as e evitando sobrecarregar a tesouraria do beneficiário através de um encargo fiscal excessivo que, de qualquer forma, ele teria recuperado posteriormente através da dedução do IVA pago a montante.
Como salientou o Advogado Geral Jacobs neste Caso, decorre já da jurisprudência do Tribunal nos processos Spijkers e Redmond Stichting, proferida noutros contextos, que o critério decisivo para afirmar a existência de uma transferência é saber se a entidade em questão mantém a sua identidade, como indicado em particular pelo facto de que a sua exploração é realmente prosseguida ou retomada, e que é necessário, para isso, olhar a todas as características da operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transferência ou não dos elementos corpóreos, tais como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos, o emprego do essencial dos efectivos por parte do novo empresário, a transferência ou não da clientela, bem como o grau de similitude das actividades exercidas antes e depois da transferência e da duração, caso exista, de uma eventual suspensão destas actividades –, embora todos estes elementos sejam simplesmente aspectos parciais da avaliação de conjunto. .
Assim, conclui que, para que exista uma transferência deste tipo, os activos transmitidos devem formar um conjunto autónomo que permita o exercício de uma actividade económica e essa actividade deve ser exercida pelo cessionário. A transacção e as circunstâncias que a rodearem deverão ser globalmente apreciadas para determinar se esse é o caso, atendendo, em particular, à natureza dos bens transmitidos e ao grau de continuidade ou semelhança entre as actividades desenvolvidas antes e depois dessa transferência. Num contexto como este, não é necessário que a actividade do cessionário seja a mesma que a do cedente.
Como notou ainda o TJUE, para se aplicar esta regra, o beneficiário da transferência deve, no entanto, ter intenção de explorar o estabelecimento comercial ou a parte da empresa desta forma transmitida e não simplesmente liquidar imediatamente a actividade em causa bem como, eventualmente, vender o stock.
No Acórdão de 10 de novembro de 2011 proferido no Caso Schriever, C-444/10, o TJUE concluiu que, no que respeita ao conceito de «transferência a título oneroso ou a título gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade de uma universalidade de bens ou de parte dela», referido no artigo 5. °, n.º 8, primeira frase, da Sexta Directiva, o Tribunal de Justiça afirma que se trata de um conceito autónomo do Direito da União que deve ter uma interpretação uniforme em toda a União. Na falta de uma definição deste conceito na Sexta Directiva ou de reenvio expresso para o Direito dos Estados membros, o seu sentido e âmbito devem ser procurados levando em conta o contexto da disposição e o objectivo da regulamentação em causa.
Como notou, para haver uma transferência do estabelecimento ou de uma parte autónoma de uma empresa, na acepção do artigo 5°, nº 8, da Sexta Directiva, é necessário que os elementos transmitidos, no seu conjunto, sejam suficientes para permitir a continuação de uma actividade económica autónoma.
Ora, como salientou, a questão de saber se esse conjunto de elementos deve incluir bens móveis e imóveis deve ser apreciada no contexto da natureza da actividade em causa. Assim, se a prossecução de uma actividade económica não carecer de instalações especiais ou fixas, pode existir transferência de uma universalidade de bens, na acepção do artigo 5°, n.º 8, da Sexta Directiva, mesmo sem a transmissão do direito de propriedade de um imóvel.
Do sumário do Acórdão (Schriever, C-444/10), transcreve-se que:
1. Para haver uma transferência do estabelecimento ou de uma parte autónoma de uma empresa, na acepção do artigo 5.°, n.° 8, da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, é necessário que os elementos transmitidos, no seu conjunto, sejam suficientes para permitir a continuação de uma actividade económica autónoma.
Se a prossecução de uma actividade económica não carecer de instalações especiais ou fixas, pode existir transferência de uma universalidade de bens, na acepção da referida disposição da Sexta Directiva, mesmo sem a transmissão do direito de propriedade de um imóvel. Em contrapartida, não é possível considerar que essa transmissão existe, na acepção da referida disposição, no caso de a actividade económica em causa consistir na exploração de um conjunto incindível de bens móveis e imóveis e o cessionário não tomar posse das instalações comerciais. Concretamente, se as instalações dispuserem de equipamentos fixos necessários ao desenvolvimento da actividade económica, esses bens imóveis devem fazer parte dos elementos transmitidos para que se possa falar da transferência de uma universalidade de bens ou de parte dela, na acepção da Sexta Directiva. Pode existir igualmente uma transferência se as instalações comerciais forem postas à disposição do cessionário mediante um contrato de arrendamento ou se o cessionário dispuser de um imóvel adequado para o qual os bens transmitidos possam ser transferidos e onde possa continuar a ser exercida a actividade económica em causa.
Por outro lado, elementos como a duração do arrendamento e as modalidades de cessação estipuladas devem ser tomados em conta na apreciação global da operação de transferência de bens na acepção da referida disposição, uma vez que tais elementos podem ser relevantes para essa apreciação, no caso de poderem impedir a continuação duradoura da actividade económica. Contudo, o facto de um contrato de arrendamento de duração indeterminada poder ser denunciado mediante um pré-aviso de curto prazo não é, em si mesmo, determinante para concluir que o transmissário tinha a intenção de liquidar imediatamente o estabelecimento ou a parte da empresa transmitida. Por conseguinte, a aplicação do artigo 5.°, n.° 8, da Sexta Directiva não pode ser recusada com base apenas nesse facto.
2. O artigo 5.°, n.° 8, da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, deve ser interpretado no sentido de que a transmissão das existências e do equipamento de uma loja de venda a retalho, concomitantemente com o arrendamento do estabelecimento comercial ao transmissário, por duração indeterminada, embora denunciável a curto prazo por qualquer das partes, constitui uma transferência de uma universalidade de bens ou de parte dela, na acepção desta disposição, desde que os bens transmitidos sejam suficientes para que o cessionário possa prosseguir duradouramente uma actividade económica autónoma.
Do ponto 32 do mesmo Acórdão: “32. Resulta das considerações precedentes que se deve fazer uma apreciação global das circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa para determinar se esta está compreendida no conceito de transferência de uma universalidade de bens, na acepção da Sexta Directiva. Neste quadro, deve ser dada uma importância especial à natureza da actividade económica que se pretende continuar a exercer.”
E, do ponto 35. e 36, com relevo para os autos, que “35. Se a cessão das existências e do equipamento do estabelecimento for suficiente para permitir a continuação de uma actividade económica autónoma, a transmissão dos bens imóveis não é determinante para qualificar a operação de transferência de uma universalidade de bens.
36. Além disso, quando se verificar que a continuação da actividade económica em causa exige que o transmissário continue a utilizar as instalações utilizadas pelo transmitente, nada obsta, em princípio, a que essa transmissão seja efectuada mediante a celebração de um contrato de arrendamento.”
Neste contexto, o TJUE conclui uma vez mais, “Resulta das considerações precedentes que se deve fazer uma apreciação global das circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa para determinar se esta está compreendida no conceito de transferência de uma universalidade de bens, na acepção da Sexta Directiva. Neste quadro, deve ser dada uma importância especial à natureza da actividade económica que se pretende continuar a exercer”
Em suma, importa salientar no âmbito das decisões emanadas do TJUE o seguinte:
1º.O objetivo do artigo 19º, 1º §, da Directiva IVA é facilitar as transmissões de empresas, simplificando-as e evitando sobrecarregar a tesouraria do beneficiário através de um encargo fiscal excessivo que, de qualquer forma, recuperará posteriormente através da dedução do IVA pago a montante (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de novembro de 2003, Zita Modes, C-497/01, EU:C:2003:644, n.º 39, e de 10 de novembro de 2011, Schriever, C-444/10, EU:C:2011:724, n.o 23);
2º.Quanto ao conceito de «transmissão de uma universalidade de bens ou de parte dela», o Tribunal de Justiça declarou que deve ser interpretado no sentido de que abrange a transmissão do estabelecimento comercial ou de uma parte autónoma de uma empresa, incluindo elementos corpóreos e, se for o caso, incorpóreos que, em conjunto, constituem uma empresa ou parte de uma empresa que pode prosseguir uma atividade económica autónoma, mas de que não abrange a simples cessão de bens, como a venda de um stock de produtos (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de novembro de 2003, Zita Modes, C-497/01, EU:C:2003:644, n.o 40; e de 10 de novembro de 2011, Schriever, C-444/10, EU:C:2011:724, n.o 24);
3º. Para se estar perante uma transmissão do estabelecimento ou de uma parte autónoma de uma empresa, é necessário que os elementos transmitidos, no seu conjunto, sejam suficientes para permitir a continuação de uma atividade económica autónoma e que a questão de saber se esse conjunto de elementos deve incluir bens móveis e imóveis deve ser apreciada no contexto da natureza da atividade em causa (v., neste sentido, Acórdão de 10 novembro de 2011, Schriever, C-444/10, EU:C:2011:724, n.os 25 e 26).
4º. No quadro da apreciação global das circunstâncias de facto que importa efetuar para determinar se a operação em causa está compreendida no conceito de «transmissão de uma universalidade de bens» na aceção da Directiva IVA, deve ser dada uma importância especial à natureza da atividade económica que se pretende continuar a exercer (v., neste sentido, Acórdão de 10 novembro de 2011, Schriever, C-444/10, EU:C:2011:724, n.o 32).
5º. No caso de a prossecução de uma atividade económica não carecer de instalações especiais ou fixas, pode existir transmissão de uma universalidade de bens, na aceção do artigo 19o, 1º §, da Diretiva IVA, mesmo sem a transmissão do direito de propriedade de m imóvel (v., neste sentido, Acórdão de 10 de novembro de 2011, Schriever, C-444/10, EU:C:2011:724, n.o 27).
6º. Relativamente às atividades económicas que consistem na exploração de um conjunto incindível de bens móveis e imóveis, o Tribunal de Justiça considerou não existir uma transmissão de uma universalidade de bens, na aceção do artigo 19o, 1º §, da Directiva IVA, quando o cessionário não tomar posse das instalações. Concretamente, se as instalações dispuserem de equipamentos fixos necessários ao desenvolvimento da atividade económica, esses bens imóveis devem fazer parte dos elementos transmitidos para que se possa falar da transmissão de uma universalidade de bens ou de parte dela, na aceção da Diretiva IVA (v., neste sentido, Acórdão de 10 de novembro de 2011, Schriever, C-444/10, EU:C:2011:724, n.º 28).(…) (fim de citação)
Vejamos, agora, considerando as circunstâncias concretas do caso em análise, atendendo à matéria de facto dada como provada e não impugnada, com sucesso, consta que em 5 setembro de 2001, a Recorrente, celebrou o contrato de locação financeira, n.º ...49 com o Banco 1..., SA referente à aquisição dum edifício, por um período de 15 anos.
Em janeiro de 2009, (na vigência do contrato de locação) a Recorrente cedeu a posição contratual no contrato de locação financeira, n.º ...49 à sociedade a [SCom03...], Lda. pelo valor de € 103 740,71, que recebeu.
No contrato de cessão da posição contratual foi acordado que a Recorrente ([SCom01...]), na qualidade de locatária, (1.ª outorgante) e a sociedade [SCom03...] Lda. (2ª outorgante) acordam entre si a cessão da posição contratual do contrato de locação financeira, respeitante ao imóvel urbano inscrito na respetiva matriz predial sobre o número ..54, da freguesia ..., concelho ..., correspondente a um pavilhão industrial destinado a armazém.
Pela cedência da posição, compromete-se a 2.ª outorgante a aceitar a posição que aquela tem no citado contrato locação financeira com todos os direitos e as obrigações inerentes nos termos da cláusula décima das condições gerais do Contrato de Locação Financeira.
Mais consta que a 2ª outorgante adquire a posição da 1.ª outorgante, no referido contrato declarando aceitar todas as obrigações que dele decorrem para a locatária.
Sendo-lhe atribuídos efeitos a partir da data da assinatura do referido contrato, ou seja, 6 janeiro de 2009.
Não se retira da leitura deste documento que em simultâneo com a cedência da posição contratual tivesse sido transmitido/trespassado o estabelecimento comercial. Entendendo-se genericamente que o estabelecimento comercial é composto por uma universalidade de elementos corpóreos e incorpóreos, nomeadamente, direitos de propriedade intelectual e industrial, contratos de trabalho e outros, utensílios, máquinas, mercadorias, e passivo, marca, clientela e aviamento suscetíveis de constituírem uma universalidade de bens ou unidade funcional.
A Impugnante /Recorrente emitiu, com data de 15/07/2009 e vencimento na mesma data, a favor de [SCom03...], Lda. a nota de débito n.º 36 constando da respetiva descrição: “Instalações e conjunto de benfeitorias anexas e realizadas no edifício e não separáveis. Isento de iva ao abrigo o n.º 4 do artigo 3º do CIVA”, à qual consta um anexo com uma listagem de bens.
Da análise deste documento e do documento anexo são enunciados equipamentos, nomeadamente, utensílios e máquinas, outros equipamentos não separáveis do edifício, tratando-se tudo de bem corpóreos.
Com bases, nestes dois documentos não se pode concluir que foi efetuado transmissão/trepasse do estabelecimento comercial.
Este documento é emitido em julho, 7 meses após a celebração do contrato de cedência da posição contratual, em momento temporal diferente, o que indicia que não houve transmissão em conjunto da totalidade de elementos que compunha o estabelecimento comercial.
Ora, os 2 documentos apresentados pela Recorrente não são suscetíveis de colmatar tal exigência legal nem mesmo o contrato de cedência de posição contratual nem a nota de débito configuram um trepasse do estabelecimento comercial.
Acresce ainda relembrar que por força do art.º 74.º da LGT, a Administração Tributária tem o ónus de demonstrar que o juízo que esteve subjacente à sua atuação corretiva é bem fundado, provando os indícios que o sustentam, demonstrando a factualidade suscetível de abalar a presunção da veracidade das operações registadas na contabilidade do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte.
É pacificamente aceite quer na doutrina, quer na jurisprudência, que compete à Administração Fiscal o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), cabendo, em contrapartida, ao administrado/contribuinte apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, entendimento que corresponde à regra geral artigo 342.º do Código Civil, de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos, regra essa que foi acolhida no artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
Aqui chegados, teremos de concluir que a Administração Fiscal logrou provar os pressupostos da sua atuação, ou seja, os fundamentos vertidos no relatório de inspeção são de molde a suportar a correção aritméticas que está na origem das liquidações adicionais de IVA.
Face à atuação da AT, competia ao administrado/contribuinte apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos, regra essa que foi acolhida no artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
Nesta conformidade e análise, da matéria de facto provada e não provada, não resulta provado que a Recorrente tenha transmitido a título oneroso ou gratuito, o estabelecimento comercial, que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente.
Resulta ainda da matéria da facto provada que Impugnante/Recorrente vendeu à sociedade [SCom02...] tudo o que era móvel e que se encontrava no seu estabelecimento comercial e industrial, por exemplo serras, balanças, secretárias, que foram dele retiradas.
Sendo essencial para que se transmita um património como uma unidade económica, a cessão de um conjunto de bens organizados com estabilidade e autonomia suficientes para a realização de uma atividade de natureza comercial ou industrial.
Nesta conformidade, improcede o recurso da Recorrente.

4.2. Por fim na conclusão xxviii, a Recorrente alega que caso o presente Tribunal considere que a questão decidenda suscita dúvidas deverá acionar o mecanismo do reenvio prejudicial (artigo 264º do TFUE) e solicitar ao Tribunal de Justiça da União Europeia a questão prejudicial ao conhecimento da matéria aqui em crise.
Conforme resulta do artigo 267.º do TFUE é permitido ao Tribunais dos Estados membros submeter ao Tribunal de Justiça da UE (TJUE) uma decisão prejudicial. Este processo é utilizado nos casos em que a interpretação ou a validade de um direito da UE está em causa e: sempre que uma decisão seja necessária ao julgamento da causa por um órgão jurisdicional nacional; ou sempre que as decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno.
No entanto, considera-se este processo útil quando, for suscitada uma questão de interpretação nova e que tenha um interesse geral para a aplicação uniforme do direito da União ou quando a jurisprudência existente não dê o necessário esclarecimento para resolver com uma nova situação jurídica.
No caso em apreço, não se mostra necessário o reenvio prejudicial, uma vez, que não se tratar de uma questão nova, e perante a existência de jurisprudência do TJUE existente e amplamente citada neste acórdão esclarece a situação em apreço.
Pelo que se indefere o requerido reenvio prejudicial.

4.3. E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário:

I. Consta do n.º 4 do artigo 3.º do CIVA, a exclusão do conceito de “transmissão de bens” onde se estabelecia que: “Não são consideradas transmissões as cessões a título no gratuito de estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de parte dele, que seja suscetível construir um ramo de atividade independente, quanto, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou vem a ser, pelo facto da aquisição, o sujeito passivo de imposto de entre os referidos nas alíneas a) do nº 1 do art.º 2.”

II. Em regra, e por força do nº 1 do artigo 3º CIVA, a transmissão de bens, entendida esta como a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, está sujeita a tributação em sede de IVA.

III. Para que uma operação se enquadre no âmbito desta norma de delimitação negativa de incidência do imposto, exige-se a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) cessão a título oneroso ou gratuito; (ii) do estabelecimento comercial ou industrial, ou da totalidade de um património ou de parte dele; (iii) que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente; (iv) desde que o adquirente seja um sujeito passivo do imposto, ou o venha a ser pelo facto da aquisição.

IV. Sendo essencial para que se transmita um património como uma unidade económica, a cessão de um conjunto de bens organizados com estabilidade e autonomia suficientes para a realização de uma atividade de natureza comercial ou industrial.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso interposto, mantendo a sentença na ordem jurídica embora com fundamentação diversa.

Custas pela Recorrente termos dos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

Porto, 30 de janeiro de 2025

Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Graça Maria Valga Martins (1ª Adjunta)
Jorge Manuel Monteiro da Costa (2º Adjunto)