Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03210/19.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/02/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:DESPEJO ADMINISTRATIVO;
FALTA DE INTERESSE EM AGIR;
AUTO TUTELA EXECUTIVA.
Sumário:1 - Os tribunais administrativos são competentes para conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento de renda apoiada, mas já não em matéria de despejo, por estar essa competência atribuída aos órgãos administrativos.

2 – No que é atinente ao despejo dos inquilinos, dispõe o artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, cabe ao senhorio levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, atribuindo a competência da decisão do despejo aos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no seu artigo 2.º, n.º 1.

3 - Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo, o que significa que é conferida competência legal a um orgão administrativo para determinar, não apenas o despejo, mas a sua execução, e neste conspecto, o poder de decidir o despejo e de o executar, sob auto tutela declarativa e executiva.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


[SCom01...] E.M.S.A. [devidamente identificado nos autos] Réu na acção que contra si intentou «AA» [também devidamente identificada nos autos], na qual foi requerida i) a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre si e a Demandada e ordenado o seu despejo do locado e a sua entrega àquela livre de pessoas e coisas; ii) a condenação da Ré a pagar-lhe as rendas já vencidas, no montante de €1.004,60 (mil e quatro euros e sessenta cêntimos) e as vincendas até efectiva entrega do locado; iii) a condenação da Ré a pagar-lhe os juros calculados à taxa de 4% desde a citação e até real e efectivo pagamento; e iv) a resolução do contrato de promessa de compra e venda, celebrado em 01 de Março de 2018, com inerente perda de todas as quantias pagas, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi julgado parcialmente procedente o pedido [e condenada a Ré a pagar ao Autor o valor global de €1.004,60 (mil e quatro euros e sessenta cêntimos), acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação, assim como o valor das rendas vincendas até à entrega do locado, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data dos respetivos vencimentos, absolvendo a Ré da instância no demais peticionado, mormente sob as alíneas A) e D) do pedido, por falta de interesse em agir], veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
1 - Por douta sentença foi absolvida a Ré da instância com fundamento na excepção dilatória de falta de interesse em agir.
2 - A factualidade está em desacordo expresso com o fundamento legal da douta sentença ora recorrida.
3 - A Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro não é aplicável à apreciação da questão decidenda.
4 - Os contratos previstos na Lei 81/2014, de 19 de Dezembro são meros contratos de arrendamento qua tale.
5 - O contrato dos autos é um contrato misto, formado por um contrato de locação e um contrato de promessa de compra e venda e consequentemente fora do âmbito de aplicação desta Lei.
Vejamos então,
6 - Os contratos previstos na Lei 81/2014, de 19 de Dezembro são celebrados pelo prazo máximo de 10 anos, contrariamente ao dos autos que é celebrado pelo prazo de 25 anos.
7 - Nos contratos celebrados no alcance e previsão da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro nunca a arrendatária se torna proprietária, ao contrário da estatuição do contrato dos autos, em que a arrendatária se torna proprietária do locado findo o prazo de duração do contrato.
8 – O total desalinho do quadro legal aplicável verte-se ainda nas regras de atribuição das habitações no âmbito da Lei 81/2014, de 19 de Dezembro comparando-as com as definidas âmbito do contrato dos autos, em que a atribuição é feita de acordo com o estabelecido no Regulamento Municipal para Atribuição de Habitações a Custos Controlados.
9 - O contrato dos autos, ao contrário do quadro legal aplicável por força da Lei 81/2014, de 19 de Dezembro, prevê que durante o seu período de vigência a promitente vendedora deixa de ter quaisquer obrigações ou encargos com os imóveis locados/prometidos vender, sendo a locatária assumir as obrigações inerentes a um proprietário.
Por último,
10 - Enquanto os contratos celebrados ao abrigo da Lei 81/204, de 19 de Dezembro é regulamentadas em todo o seu itinerário pelo regime jurídico que este encerra, o contrato dos autos é exclusivamente regido pelo Regulamento Municipal, pelo clausulado do contrato e pela legislação civil.
11 - O que a afasta, à saciedade, e sem mais, a aplicação do novo regime do arrendamento apoiado aos factos.
12 – Inequivocamente neste sentido na douta sentença extractada nas presentes alegações, como ainda em vários outros arestos, designadamente no processo 943/19.8BEPRT - U. Orgânica 2.
13 - Violou a sentença recorrida incisos legais, sustentando-a em legislação não aplicável ao caso em exegese, devendo, em consequência, ter provimento o presente Recurso.
Termos em que e nos melhores de Direito, deve ser dado provimento ao Recurso no alcance propugnado, assim se fazendo Justiça.
[…].”

**

A Recorrida não apresentou Contra Alegações.

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

**

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitada pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões apresentadas consistem, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida padece erro de julgamento em matéria de direito.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui extraímos ao diante, como segue:


“[…]
Factos provados:
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, considerando-se admitidos os factos alegados pela Autora em virtude da revelia da Ré, resultaram provados os seguintes factos:
1. Em 25.06.2009, a Câmara Municipal ... e a Autora outorgaram contrato-programa através do qual delimitaram o âmbito dos poderes de gestão do parque habitacional do Município ..., que foram conferidos à segunda.
2. No âmbito do conjunto de pressupostos descritos no Regulamento Municipal de Atribuição e Gestão de Habitação Pública, a Autora e a Ré celebraram um contrato de arrendamento com promessa de compra e venda para habitação própria e do seu agregado familiar, sobre o ... do prédio urbano sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., Concelho ....
3. O contrato de arrendamento foi celebrado pelo período de 25 anos, com início no dia 01 de março de 2018 e termo em 28.02.2043.
4. Conforme nele convencionado, a Ré constituiu-se na obrigação de pagar à Autora, pela fruição da fração, a quantia de EUR 200,92 por mês, e a cumprir o seu pagamento até ao dia oito do mês a que respeitar, renda que estava fixada, à data da entrada da ação, nessa mesma quantia.
5. A Ré não pagou à Autora as rendas dos meses de abril e de novembro do ano de 2018, bem como as rendas dos meses de julho, outubro, novembro e dezembro de 2019.
6. A Ré promete reiteradamente à Autora pagar as rendas em dívida, após interpelações para cumprimento.
*
Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa e inexistem factos não provados com tal relevo, atenta a causa de pedir.
*
Motivação da matéria de facto:
Os factos provados constantes dos pontos 1 a 6 do probatório correspondem aos factos alegados pela Autora com relevância para a presente decisão, que se consideraram admitidos em virtude da revelia da Ré, nos termos conjugados dos arts. 83.º, n.º 4, do CPTA, e 567.º, n.º 1, do CPC.
Para a fixação dos factos constantes dos pontos 2 a 4 do probatório, ao abrigo do art. 568.º, al. d), do CPC, foi ainda considerado o teor do documento ... da p.i.
[…]”

**

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que apreciou a pretensão deduzida pelo Autor contra a Ré «AA», na qual foi requerida a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre si e a demandada e ordenado o seu despejo do locado e a sua entrega àquela livre de pessoas e coisas; a sua condenação a pagar-lhe as rendas já vencidas, no montante de €1.004,60 (mil e quatro euros e sessenta cêntimos) e as vincendas até efectiva entrega do locado; a sua condenação da Ré a pagar-lhe os juros calculados à taxa de 4% desde a citação e até real e efectivo pagamento; e ainda a resolução do contrato de promessa de compra e venda, celebrado em 01 de Março de 2018, com inerente perda de todas as quantias pagas, tendo o mesmo vindo a julgar parcialmente o pedido, absolvendo a Ré da instância quanto aos pedidos de resolução dos contratos [de arrendamento e de promessa de compra e venda], com fundamento em falta de interesse em agir.

Transitou assim em julgado o decidido em torno dos pedidos deduzidos sob as alíneas B) e C) do pedido, que eram atinentes ao pedido de condenação da Ré a pagar ao Autor o valor global de € 1.004,60, acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação, e bem assim, o valor das rendas vincendas até à entrega do locado, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data dos respetivos vencimentos.

Como assim dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, para efeitos de poderem ser evidenciadas perante o Tribunal Superior as irregularidades de que a Sentença pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a Sentença do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Aqui chegados.

Cotejadas as conclusões das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, delas se extrai que a sua pretensão está ancorada no entendimento que prossegue de que não é aplicável ao contrato em apreço nos autos, a Lei n.º 81/2014 de 19 de dezembro, por nele estar em causa um contrato misto, formado por um contrato de locação e um contrato de promessa de compra e venda e consequentemente fora do âmbito de aplicação desta Lei, sendo antes aplicável o Regulamento Municipal, assim como o clausulado do contrato e o demais disposto na lei civil.

Neste conspecto, cumpre para aqui extrair a essencialidade da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo, que tendo conhecido da referida excepção dilatória atinente à falta de interesse em agir, absolveu a Ré da instância quando aos 1.º e 4.º pedidos formulados a final da Petição inicial, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Questão Prévia – a exceção de falta de interesse em agir:
Vejamos desde logo se procede a exceção de falta de interesse em agir quanto ao pedido de resolução do contrato.
O contrato em causa nos autos, celebrado entre a Autora e a Ré, é, em parte, um contrato de arrendamento para fim habitacional em regime de renda apoiada, celebrado ao abrigo do Regulamento Municipal de Atribuição e Gestão de Habitação Pública do Município da ... (cfr. ponto 2 do probatório).
Conforme recentemente considerado pelo Supremo Tribunal Administrativo em situação semelhante, está em causa nos autos um contrato misto de arrendamento apoiado com um contrato de promessa de venda em regime de propriedade resolúvel (cfr. Ac. do STA de 15.10.2020, proc. n.º 02886/17.0BEPRT, in www.dgsi.pt).
A tais contratos não deixa de ser aplicável, nessa parte, o regime legal imperativo atinente à relação jurídica de habitação social.
Neste sentido, vejam-se as seguintes doutas palavras do Acórdão supra referido:
(…) não estamos perante a regulação de uma relação jurídica contratual em que seja “inteiramente soberana” a vontade contratual das partes, uma vez que estamos perante uma relação jurídica de habitação social, regulada, maioritariamente, pelo direito administrativo, e não pelo direito civil e pelo direito do arrendamento urbano (este último tem apenas aplicação subsidiária). Por se tratar de um contrato relativo ao regime jurídico da habitação social, ou seja, um contrato de concretização de uma política pública social, o conteúdo do contrato, que é administrativo, tem de estar em conformidade com as normas e os princípios imperativos nesta matéria (prevalência do princípio da legalidade) e a sua interpretação tem igualmente de fazer-se em conformidade com aquelas regras e com aqueles princípios.
(…)
O princípio da mobilidade efectiva-se em diversos traços dos regimes jurídico-legais que habilitam os Regulamentos Municipais em matéria de atribuição e gestão da habitação social, onde se inscrevem, também, os Regulamentos Municipais da ... (o de 1992, de 2014 e de 2018). Referimo-nos, essencialmente, ao concurso como forma de atribuição da habitação [Decreto-Lei n.º 797/76, de 6 de Novembro e Decreto Regulamentar n.º 50/77, de 11 de Agosto] e ao regime jurídico da renda apoiada [hoje regulado pela Lei n.º 32/2016, de 24 de Agosto, mas à data da celebração do contrato (em 2001) previsto no Decreto-lei n.º 166/93, de 7 de Maio], em que a renda é definida segundo uma fórmula que tem em conta as disponibilidades financeiras do agregado familiar do arrendatário e que podem conduzir a um aumento significativo do montante da mesma em caso de melhoria da situação financeira do arrendatário ou do seu núcleo familiar. Uma actualização que pode alcançar níveis que deixem de justificar a ocupação do imóvel por aquele agregado familiar, assim contribuindo para a sua “libertação” para afectação a outra família carenciada.” (assinalado nosso)
Importa, pois, considerar aplicável ao contrato dos autos o regime imperativo do arrendamento apoiado para habitação, em que se inclui a Lei n.º 81/2014, tal como alterada pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto.
De facto, nos termos do art. 2.º, n.º 1, deste diploma, “O arrendamento apoiado é o regime aplicável às habitações detidas a qualquer título por entidades das administrações direta e indireta do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais, do setor público empresarial e dos setores empresariais regionais, intermunicipais e municipais, que por elas sejam arrendadas ou subarrendadas com rendas calculadas em função dos rendimentos dos agregados familiares a que se destinam.
Ora, de acordo com o disposto no art. 17.º, n.º 2, deste diploma, “o contrato de arrendamento apoiado tem a natureza de contrato administrativo, estando sujeito, no que seja aplicável, ao respetivo regime jurídico”.
A falta de pagamento das rendas constitui, à luz do disposto no n.º 1 do art. 25.º da Lei n.º 81/2014, que remete para os arts. 1083.º e 1084.º do Código Civil (CC), fundamento de resolução do contrato.
A resolução opera, nos termos do art. 1084.º, n.º 2, do CC, “por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida”.
Por outro lado, quanto ao despejo, o n.º 1 do art. 28.º da Lei n.º 81/2014 estabelece que “caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação a uma das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, cabe a essas entidades levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei”.
O n.º 3 do mesmo preceito, estipula que “quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo”.
Tais preceitos devem ainda ser lidos em articulação com o n.º 6 do art. 34º da Lei n.º 84/2014 que prescreve o seguinte: “a comunicação do senhorio ou do proprietário, relativa à resolução ou à cessação da ocupação, é realizada nos termos da presente lei e dos regulamentos nela previstos, com menção à obrigação de desocupação e entrega da habitação no prazo nunca inferior a 90 dias e à consequência do seu não cumprimento”.
Do bloco de legalidade acabado de expor, em conjugação com o disposto no art. 180.º do CPA, resulta que a resolução do contrato opera por mera comunicação à parte contrária e que a Autora dispõe de competências próprias para proceder ao despejo do locado (neste sentido, veja-se os doutos Acórdãos do TCAS de 18.06.2020, proc. n.º 644/18.4BESNT, e de 02.07.2017, proc. n.º 13708/16, in www.dsi.pt).
Em nada altera tal enquadramento jurídico o facto de o contrato em causa consagrar a possibilidade de compra do imóvel por parte do locatário, uma vez que, independentemente dessa possibilidade contratualmente prevista, não deixa de estar em causa um contrato de arrendamento, resolúvel nos termos legais aplicáveis.
*
Aliás, a este respeito, importa refutar a argumentação da Autora no sentido de que o interesse em agir se justifica face à natureza mista do contrato, que constitui simultaneamente contrato de arrendamento e promessa de compra e venda, o que, segundo propugna, afasta a aplicação do regime previsto no Decreto-lei n.º 81/2014.
É que, ainda que assim se entendesse e se não considerasse aplicável o art. 1084.º, n.º 2, do CC, para que remete o art. 25.º da Lei n.º 81/2014, a verdade é que nada nos autos aponta para a aplicação do Novo Regime do Arrendamento Urbano ao contrato aqui em causa (cfr., inter alia, art. 28.º do Regulamento Municipal de Atribuição e Gestão de Habitação Pública da ...).
Assim, ainda que se sufragasse a tese da Autora, sempre seria aplicável ao contrato em crise o art. 436.º, n.º 1, do CC, atinente às obrigações em geral, nos termos do qual a resolução opera mediante mera declaração à outra parte.
Note-se que os tribunais superiores apenas têm admitido o interesse em agir no âmbito de uma ação com vista à resolução de contrato de arrendamento pelo facto de se encontrar legalmente prevista a possibilidade da ação de despejo prevista no art. 14.º, n.º 1, do NRAU, enquanto alternativa à resolução por via extrajudicial, nos termos previstos no art. 9.º, n.º 7, do NRAU (cfr., a título de exemplo, o Ac. do TRP de 17.10.2013, proc. 2541/11.5TBOAZ.P1, in www.dgsi.pt).
Ou seja, a tese que a Autora sufraga, em que pugna pela existência de um contrato misto, que abrange, para além do arrendamento, um contrato de promessa de compra e venda, não permitiria a aplicação do NRAU e o recurso à ação de despejo aí prevista, pelo que sempre seria aplicável o disposto no art. 436.º, n.º 1, do CC, mantendo-se, por conseguinte, ainda assim, a falta de interesse em agir.
Recorrendo às palavras do autor Pedro Romano Martinez “No sistema jurídico português, a resolução pode fazer-se mediante declaração unilateral e não carece de recurso judicial (art. 436.º, n.º 1, do CC). (…)
A resolução dos contratos, nos termos gerais dos arts. 432.º e ss do CC, segue o regime da liberdade de forma, bastando a mera declaração de uma das partes à outra para produzir os seus efeitos (art. 436.º, n.º 1, do CC); e o regime comum de liberdade de forma não é posto em causa ainda que o negócio jurídico que se pretende dissolver seja formal.
(…) Se uma parte resolve o contrato, a contraparte pode impugnar judicialmente a sua resolução, e se a decisão judicial confirma a validade da declaração, o contrato cessou no momento em que esta chegou ao poder do destinatário e não mediante a intervenção judicial. Diferentemente, se aquele a quem assiste o direito, duvidando da sua existência, em vez de emitir a declaração negocial, intenta uma acção judicial em que pede a apreciação do direito, o contrato cessa com a decisão judicial, se na ação, além da apreciação do direito, também se tiver feito o pedido de resolução do contrato.” (cfr. ROMANO MARTINEZ, Pedro – Da Cessação do Contrato. 3ª ed. Coimbra: Almedina, p. 171)
Salienta-se que, nos presentes autos, a Autora não pede a apreciação do direito por ter dúvidas da sua existência. Se assim é, ainda que não se entendesse pela aplicação do Decreto-lei n.º 81/2014, sempre seria de considerar a inexistência de necessidade de tutela judicial, por assistir à Autora o direito de resolver unilateralmente o contrato em crise.
*
Assim, há que proceder a exceção inominada da falta de interesse processual oficiosamente suscitada por este tribunal, pelo que determino a absolvição da instância da Ré, nos termos do art. 89.º, n.º 1, do CPTA, em conjugação com os arts. 278.º, n.º 1, al. e), aplicável por remissão do art. 1.º do CPTA, quanto aos pedidos formulados nas als. A) e D) da p.i..
[…]”
Fim da transcrição

Conforme deflui da Sentença recorrida, e com reporte à causa de pedir e aos pedidos deduzidos a final da Petição inicial sob as alíneas A) e D), o Tribunal a quo julgou que por dispor o Autor de meios de auto tutela, declarativa e executiva, que carecia de interesse em agir para efeitos dos pedidos formulados nos autos, atinentes à resolução do contrato de arrendamento, assim como à resolução do contrato de promessa de compra e venda, tendo assim absolvido a Ré da instância, com fundamento em falta de interesse em agir.

A Sentença recorrida apoiou-se na jurisprudência que advém do Acórdão prolatado pelo STA, datado de 15 de outubro de 2020, no Processo n.º 02886/17.0BEPRT, assim como nos Acórdãos do TCA Sul, proferidos no Processo n.º 644/18.4BESNT, datado de 18 de junho de 2020, e no Processo n.º 13708/16, datado de 02 de julho de 2017, sendo que, desde já julgamos, a interpretação que aí foi prosseguida é a que também subscrevemos, e que nos limitamos a remeter para tudo quanto lá foi exposto no domínio desta questão.

Efectivamente, estando nós em face de um contrato misto, de arrendamento de habitação social apoiado, com um contrato promessa de venda em regime de propriedade resolúvel, é manifesto que em face da relação jurídica administrativa estabelecida entre o Autor e a Ré, e que envolve a temática do arrendamento social, que assenta na sua base na falta de pagamento de rendas, o bloco de juridicidade aplicável é o que consta da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro [que revogou o Decreto-Lei n.º 166/93, de 07 de maio], como assim julgou, sem reparo, o Tribunal recorrido.

A natureza mista do contrato outorgado entre o Autor e a Ré não é causa obstativa da aplicação da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, como assim de resto prevê o artigo 28.º do Regulamento Municipal de Atribuição e Gestão de Habitação Pública da Câmara Municipal ..., no sentido de que para efeitos de dilucidação de dúvidas e omissões, deve recorrer-se à legislação aplicável, sendo irrelevante para a situação o facto de o contrato a que se reportam os autos ser celebrado pelo prazo de 25 anos, e de aquele diploma legal se reportar a contratos celebrados pelo prazo máximo de 10 anos.

Portanto, sendo aplicável à situação dos autos o disposto pela Lei n.º 81/2004, de 19 de dezembro, resta agora saber se o Autor, enquanto entidade administrativa, se podia ou não recorrer à jurisdição administrativa para efeitos de prosseguir na resolução do contrato de arrendamento social.

E em torno da questão em apreço também já se pronunciou este TCA Norte, de forma unânime e reiterada com Acórdãos proferidos, entre outros, nos Processos n.ºs 2504/19.2BEPRT, datado de 08 de abril de 2022, 906/19.3BEPRT, datado de 11 de novembro de 2022, 1216/19.1BEPRT, de 14 de outubro de 2022, 2505/19.0BEPRT, datado de 25 de novembro de 2022, e 2690/21.1BEPRT, de 13 de janeiro de 2023.

De resto, encerrando o âmbito da pretensão recursiva do Recorrente [SCom01...] uma base que é comum aqueles Acórdãos deste TCA Norte, e sendo de salientar ainda que as Alegações de recurso e respectivas conclusões aqui apresentadas, são em tudo similares às que por si foram apresentadas no âmbito do Processo n.º 1216/19.1BEPRT, onde igualmente se remeteu em sede da fundamentação, para o Acórdão do STA proferido no Processo n.º 02886/17.0BEPRT, assim como para o Acórdão do TCA Sul, proferido no Processo n.º 644/18.4BESNT [cujo sentido decisório acompanhamos], julgamos assim que a decisão do Tribunal a quo, tem de manter-se, por não ser merecedor da censura jurídica que lhe dirige o Recorrente.

E neste sentido, em torno dos invocados erros de julgamento do Tribunal a quo, seja o decorrente da aplicação do disposto na Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, seja relativamente ao julgamento de que é imperativo o recurso à auto tutela para resolução dos contratos de arrendamento, sendo por isso determinante da procedência da excepção atinente à falta de interesse em agir, para aqui também extraímos parte do Acórdão proferido no referido Processo n.º 1216/19.1BEPRT, datado de 14 de outubro de 2022, a cujo julgamento aderimos sem reservas [com as adaptações que mostrem necessárias, designadamente em sede da matéria de facto], a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito [cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil], como segue:

Início da transcrição
“[…]
3.7.Quanto à questão da aplicabilidade Lei n.º 81/2014, de 19/12, que revogou o Decreto Lei n.º 166/93, de 07/05, o Apelante não tem qualquer razão na tese que sustenta.
O contrato em causa nestes autos foi celebrado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 166/93, de 07/05, em vigor à data, regime que foi entretanto revogado pela Lei 81/2014, de 19/05, a qual passou a aplicar-se a todos os contratos de arrendamento de fim social existentes à data da sua entrada em vigor ( artigo 39.º, n.º2, al.a) ).
Como tal, estando-se perante uma relação jurídica de arrendamento social, sujeita ao regime do arrendamento apoiado para habitação, constante da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, que revogou o Decreto-Lei n.º 166/93, de 07/05, bem andou a senhora juiz a quo ao considerar que a resolução do contrato de arrendamento em causa nos autos opera por mera comunicação à parte contrária e que a Autora, ora Apelante, dispõe de competências próprias para proceder ao despejo do locado.
Vejamos.
3.8.De acordo com o disposto no artigo 25.º, n.º 1 da Lei n.º 81/2014, que remete para a disciplina dos artigos 1083.º e 1084.º do Código Civil (CC), a falta de pagamento de rendas constitui fundamento de resolução do contrato. Por sua vez, a resolução do contrato, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 1084.º, n.º 2, do CC, opera “por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida”.
3.8.1.Quanto ao despejo do locado, importa ter presente que nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014 “caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação a uma das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, cabe a essas entidades levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei”, estabelecendo-se no n.º3 do mesmo normativo que “quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo”.
3.8.2.Por fim, prescreve-se no n.º 6 do art. 34º da Lei n.º 84/2014 que “a comunicação do senhorio ou do proprietário, relativa à resolução ou à cessação da ocupação, é realizada nos termos da presente lei e dos regulamentos nela previstos, com menção à obrigação de desocupação e entrega da habitação no prazo nunca inferior a 90 dias e à consequência do seu não cumprimento”.
3.8.3.Procedendo-se a uma leitura articulada destes preceitos, é incontornável que cabe às entidades que detêm habitações em regime de arrendamento apoiado, como é o caso da autora, ora Apelante, o direito de resolver o respetivo contrato com fundamento na falta de pagamento de rendas e, bem assim, de proceder ao despejo, caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, dispondo a mesma de poderes de autotutela declarativa e executiva para declarar a resolução do contrato e ordenar e promover a execução do despejo do arrendatário.
3.9.Também se chegaria à mesma conclusão por força do o disposto no n.º 3 do artigo 17.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, onde se prevê que “Compete aos tribunais administrativos conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado”, decorrendo deste normativo que não integra a competência dos tribunais administrativos, resolver o contrato de arrendamento/ordenar o despejo assente na falta de pagamento de rendas.
3.10.No sentido de que a Lei n.º 81/2014, de 19/12, passou a atribuir poderes de autotutela declarativa e executiva em relação aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor, pronunciou-se o TCAS, em Acórdão de 18/06/2020, proferido no processo 644/18.4BESNT, no qual se sumariou a seguinte jurisprudência, a cuja fundamentação aderimos:
«I . Sem que seja possível extrair uma solução expressa e inequívoca da letra da lei, a questão de saber a quem cabe a legal competência para decidir a execução do despejo no âmbito dos contratos de arrendamento de renda apoiada, há-de decorrer da interpretação conjugada de um conjunto de preceitos da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, a saber, os artigos 17.º, n.º 3, 28.º, 28.º-A e 35.º, n.º 3.
II. Os tribunais administrativos são competentes para conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento de renda apoiada, mas sem que se preveja a competência judicial em matéria de despejo, sendo essa competência atribuída aos órgãos administrativos.
III. Quanto ao despejo estabelece o artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, cabe ao senhorio levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, atribuindo a competência da decisão do despejo aos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, consoante for o caso, in casu, ao Presidente da Câmara Municipal, sem prejuízo da possibilidade de delegação de competência.
IV. Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo, o que significa que neste caso se confere a competência legal para determinar não apenas o despejo, mas a sua execução, a um órgão administrativo.
V. Especificamente no caso de o despejo ter por fundamento a falta de pagamento das rendas, o legislador conferiu à Administração o poder de decidir o despejo e de o executar, consagrando, por isso, o despejo administrativo.
VI. Tratando-se de um poder administrativo, de autotutela declarativa e de autotutela executiva, exclui-se a competência jurisdicional dos tribunais administrativos para a execução do despejo.»
Esta jurisprudência foi novamente reiterada pelo TCAS, em acórdão de 19/05/2022, processo n.º 689/18.4BESNT, conforme se retira do seguinte sumário:
«I – Nos termos do art.º 28º da Lei nº 81/2014, de19.12, na redação dada pela Lei nº 32/2016, de 24.8, que se aplica aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor ao abrigo de regimes de arrendamento de fim social, nomeadamente de renda apoiada, por força do disposto no art.º 39º, nº 2 da mesma Lei, o Município tem competência legal para levar a cabo os procedimentos subsequentes à decisão administrativa de resolução do contrato. A saber, o Município pode determinar e executar o despejo administrativo, nos termos da lei.
II - Não sendo impugnada a decisão administrativa de resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, não existe litígio carente de solução judicial, dispondo o órgão administrativo de poder administrativo para ordenar e executar o despejo.
III – Sem necessidade de recorrer à via judicial para fazer valer a sua pretensão de despejo e de pagamento de rendas, encargos ou despesas, falta ao Município interesse em agir na instauração da ação administrativa.»
No mesmo sentido, também já nos pronunciamos nos Acórdãos deste TCAN, de 23/06/2022 e 15/07/2022, proferidos, respetivamente, nos processos n.ºs 2143/21.8BEPRT e 2386/18.7BEPRT, por nós relatados.
Em face das considerações que antecedem e da jurisprudência que tivemos o ensejo de citar são desnecessárias mais considerações para evidenciar que a razão não acompanha o Apelante.
Tendo o mesmo poderes de autotutela declarativa e executiva, para efeitos não só de resolver o contrato de arrendamento social, como para decidir e executar o despejo do arrendatário inadimplente, falta-lhe o pressuposto processual do interesse em agir para acionar os Tribunais em ordem à tutela da pretensão em discussão.
[…]”
Fim da transcrição

Neste patamar, porque nos revemos neste Acórdão deste TCA Norte proferido no Processo n.º 1216/19.1BEPRT, julgamos assim que o Tribunal a quo julgou com acerto em torno da constatada falta de interesse em agir do Autor ora Recorrente, sendo que a solução jurídica a que aí se chegou e que aqui reiteramos, não é colocada em causa pelo Recorrente nas conclusões das Alegações do recurso de Apelação ora em apreço.

Aqui renovando a linha jurisprudencial acima enunciada, julgando que por dispor o Autor de meios legais de auto tutela, declarativa e executiva para a necessária e devida actuação visando os contratos de arrendamento por si outorgados [Cfr. artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto], e deles [meios] não tendo deitado mão, ocorre assim a sua falta de interesse em agir, por não ser indispensável o recurso à acção judicial para a salvaguarda dos seus direitos e interesses [do Autor], ou seja, por não carecer o Autor de tutela jurisdicional efectiva [Cfr. artigo 2.º do CPTA].

Termos em que, a pretensão recursiva do Recorrente tem assim de improceder na sua totalidade, por não padecer a Sentença recorrente do erro de julgamento que lhe vem por si apontado, mais concretamente por não lhe assistir razão ao defender [o Recorrente] que estando em causa um contrato misto, que o mesmo está fora do âmbito de aplicação da Lei n.º 81/2014 de 19 de dezembro, e que errou o Tribunal a quo quando decidiu pela sua convocação e aplicação e que é aplicável o Regulamento Municipal, o clausulado do contrato assim como o demais disposto na lei civil.

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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Despejo administrativo; Falta de interesse em agir; Auto tutela executiva.

1 - Os tribunais administrativos são competentes para conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento de renda apoiada, mas já não em matéria de despejo, por estar essa competência atribuída aos órgãos administrativos.

2 – No que é atinente ao despejo dos inquilinos, dispõe o artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, cabe ao senhorio levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, atribuindo a competência da decisão do despejo aos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no seu artigo 2.º, n.º 1.

3 - Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo, o que significa que é conferida competência legal a um orgão administrativo para determinar, não apenas o despejo, mas a sua execução, e neste conspecto, o poder de decidir o despejo e de o executar, sob auto tutela declarativa e executiva.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente [SCom01...] E.M.S.A., confirmando a Sentença recorrida.

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Custas a cargo do Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.

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Porto, 02 de junho de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Antero Salvador
Helena Ribeiro