Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 03161/16.3BEPRT |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 03/31/2022 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | Irene Isabel Gomes das Neves |
| Descritores: | IRC; ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS; ISENÇÃO; |
| Sumário: | I. Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento ou quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido. II. As isenções de IRC de que beneficiam o Estado e as autarquias locais, previstas no artigo 9º do CIRC não incluem as entidades públicas com natureza empresarial nem as associações e federações de municípios que pratiquem atividades de natureza comercial, industrial e agrícola. III. Na Lei n.º 45/2008, e para efeitos de aplicação do regime legal, foi efetuada uma diferenciação entre associações de municípios de fins múltiplos, denominadas comunidades intermunicipais (artigos 2.º e seguintes) e associações de fins específicos (artigos 34.º e seguintes) e apenas se prevendo para as primeiras a aplicação de isenções fiscais (artigo 30.º). Deste modo, não pode esta isenção ser aplicável a uma associação de fins específicos. IV. Uma associação de municípios que desenvolva uma atividade comercial ou industrial, a título principal ou ainda que a título secundário, não está isenta de IRC, na medida em que o CIRC, não distingue entre atividade principal ou secundária para efeitos de tributação. V. A isenção vertida na alínea b) do nº 1 do artigo 9º do CIRC pressupõe o não exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, pelo que, desenvolvendo a Recorrente uma actividade de natureza comercial, ainda que com carácter acessório, não lhe deve ser reconhecido o direito à referida VI. O tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC, quando a infracção cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente – cfr. artigo 660.º do CPC.* * Sumário elaborado pela relatora |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A Recorrente (P.), interpôs recurso jurisdicional do despacho interlocutório do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferido em 29.09.2017, que decidiu não proceder à produção de prova testemunhal, e, bem assim, da sentença proferida em 22.11.2021, pelo mesmo Tribunal, em que foi julgada totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa referente à autoliquidação de IRC e contra a liquidação adicional de IRC, referente ao ano de 2015, e respetivos juros de mora, no valor total de € 516.926,19, inconformado vem dela interpor o presente recurso jurisdicional. No recurso que visa o despacho interlocutório, a Recorrente concluiu as suas alegações da seguinte forma: «CONCLUSÕES: A. Além de outras questões relevantes, existe na lide processual sub judice uma controvérsia inultrapassável que consiste em saber se a P…. exerce ou não, a título principal, uma actividade comercial e industrial. B. Deve recordar-se, a este propósito, que a AT coloca a noção de “actividade exercida a título principal” no centro das soluções que propõe: todo o Direito a que a AT recorre – uma vez estabelecida a sua posição de não aplicação à P…. da isenção de IRC – para apurar o lucro tributável e as tributações autónomas da empresa tem esse conceito como pressuposto. C. Invoca-se nos autos que a P….. se dedica, exclusiva ou principalmente, realização, fora da lógica concorrencial, dos serviços de interesse público (não-lucrativos) típicos da actividade municipal (tendo essencialmente como contrapartida financeira o produto das contribuições, transferências, dotações, subsídios ou comparticipações municipais, estatais e comunitárias), para o que necessita, muitas vezes, de recorrer ao exercício de outras actividades, a esta acessórias, como meio de financiamento da actividade principal – é o que acontece no caso concreto! –. Este é um ponto fundamental. D. Nestes termos, o Tribunal a quo deve ser capaz de discernir que uma qualquer actividade complementar da associação, a que estejam subjacentes prestações de serviços com escopo lucrativo e uma actuação no mercado, facilmente representa a fatia majoritária dos rendimentos da associação, por muito acessória que seja a intencionalidade dos associados na sua prossecução e residuais os meios a ela afectos. E. Tendo em conta que a actividade acessória da P.... se resume à recolha e tratamento de resíduos, bem se percebe tabém que os respectivos (e eventuais) lucros só sejam possíveis porque a P.... aproveita todo um know-how e uma estrutura montada para a sua actividade principal de serviço público, assim logrando objectivos de economia de escala que de outra forma nunca conseguiria. F. Em ordem à demonstração dessa realidade, a ora Recorrente propôs-se explicá-la circunstanciadamente, com recurso a testemunhas que a conhecem na primeira pessoa e que se encontram perfeitamente aptos a descrevê-la no seu especifico contexto e com os seus concretos contornos. G. Na petição inicial do presente processo, a P.... resume o essencial da realidade que, no seu entender, justifica a sua posição, fazendo um enquadramento prévio necessário. H. A factualidade referida só poderá ser cabalmente compreendida com a inquirição das testemunhas arroladas, que poderão explicar com mais pormenor o carácter de assessoriedade existente entre as duas actividades prosseguidas pela P.... e a relação de dependência assumida entre ambas. I. Aliás, a discussão dos autos assenta, neste ponto, em conceitos abertos, em noções que necessitam, tipicamente, de uma densificação jurisprudencial, caso a caso. Por isso, não vemos como pode um Tribunal recusar a produção da prova testemunhal promovida pelas partes a fim de esclarecer para lá de qualquer dúvida os contornos da realidade que se pretende sujeitar ao teste identificado. J. Num caso como este, não existe uma verdade material “típica”. A legalidade depende de urna apreciação o mais exaustiva possível da verdade material concreta. E, para esse efeito, não se pode recusar uma inquirição de testemunhas solicitada – até pela possibilidade de as testemunhas serem inquiridas por ambas as partes e pelo próprio Tribunal, disponibilizando-se para todos os esclarecimentos necessários. K. Por muita confiança que a Recorrente tenha nos seus restantes argumentos –jurídicos e probatório-factuais (que é, de facto, bastante elevada) –, e por muito acessória para a convicção do Tribunal que possa ser a inquirição das testemunhas, nunca será despiciendo comprovar a veracidade do arguido pela P.... através de um contacto directo com algumas das pessoas que têm conhecimento dos factos, em nome do princípio da imediação. O quadro factual que se pretende ver apurado será sempre recortado com maior acuidade caso se questione as pessoas com responsabilidades no assunto. L. A prova testemunhal constitui um elemento de importância inapagável da diligência processual em sede probatória, desde logo porque, inclusivamente, pode ter a virtualidade de, de modo decisivo – ao revelar mais e de modo diferente –, reforçar a posição explanada por escrito nas peças processuais. M. Só com ela se poderá considerar a verdade material cabalmente indagada, termos em que a Recorrente entende ser essencial que o Tribunal, com respeito pelas regras que limitam o número de pessoas indicadas para prova de cada facto alegado, inquira as testemunhas arroladas sobre toda a matéria factual em questão nos autos. N. De resto, a prova testemunhal não assume, no processo judicial tributário, um carácter subsidiário ou residual. Reveste, ao invés, uma importância fulcral, razão pela qual a lei reserva vários artigos para tratar especificamente as regras ligadas a essa prova (cfr. os artigos n.ºs 115º, 118º e 119º do CPPT). O. Assim, ao dispensar a sua produção, o Tribunal recorrido não actuou com o completo respeito pelos princípios processuais do inquisitório e da descoberta da verdade material, consagrados no artigo 990 da Lei Geral Tributária e concretizados, quanto aos meios de prova, nos artigos 114º e seguintes do CPPT, fazendo pois, no caso concreto, um uso abusivo da discricionariedade que lhe é concedida pelo n.º 1 do artigo 113º deste último diploma. P. Uma vez que o presente recurso não respeita ao objecto do processo e que, caso contrário (com a possibilidade de unia decisão tomada sem produção de prova testemunhal), o seu efeito útil fica comprometido, deve ao mesmo, nos termos do n.º 2 do artigo 285º do CPPT, ser atribuído o efeito da subida imediata. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as devidas consequências legais.» A Recorrente terminou as suas alegações, atinentes ao recurso interposto da sentença, formulando as seguintes conclusões: «1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação de IRC relativa ao ano de 2015, assim como contra o ato de demonstração de liquidação de IRC n.º 2016.231004, relativo ao referido ato de autoliquidação, e o concomitante ato de liquidação de juros de mora n.º 2016.0000110. 2. Cabia ao Tribunal apreciar e decidir se a Recorrente poderia beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea a) do n.º 1 do Código do IRC, ou, subsidiariamente, da isenção da prevista na alínea b) do referido preceito, por ser uma associação de municípios que não exerce qualquer atividade comercial, industrial ou agrícola. 3. O Tribunal a quo entendeu que a Recorrente não podia beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea a) do n.º 1 do Código do IRC, uma vez que com a entrada em vigor, em 30 de setembro de 2013, da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro – que revogou a Lei n.º 45/2008 – havia sido suprimida a equiparação entre as associações de municípios e as autarquias locais – entidades abrangidas pela isenção em causa. 4. De igual forma, concluiu o Tribunal que a Recorrente não poderia beneficiar da isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC por (supostamente) exercer uma atividade de natureza comercial – a prestação de serviços no domínio da gestão de resíduos hospitalares. 5. A Recorrente entende que os fundamentos da sentença assentam numa errada apreciação dos factos e, bem assim, na errada apreciação do direito invocado na impugnação e nas alegações, impondo-se por isso a sua total reapreciação. 6. É verdade que os atuais estatutos da Recorrente prevêem que esta possa por si ou associada a terceiros, dedicar-se ao tratamento de resíduos hospitalares, no entanto nunca a Recorrente tratou ou valorizou resíduos hospitalares, nem nunca fez a gestão dos mesmos, até porque não tem competência para o fazer – neste sentido vejam-se os documentos n.º 1, 2 e 3, cuja junção se considera admissível, nesta sede, nos termos do disposto nos artigos 651º, n.º 1 e 425 º do CPC, em virtude de a mesma apenas se ter tornado necessária face à “novidade” do julgamento da 1ª instância. 7. A Recorrente arrolou testemunhas, com o intuito de que estas esclarecessem as atividades efetivamente por si exercidas, e o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto decidiu dispensar a sua inquirição – a qual teria certamente contribuído para o esclarecimento dos factos, evitando qualquer equívoco – por entender que as questões a decidir eram fundamentalmente de direito. 8. Tendo o recurso sido admitido com subida a final e tendo a primeira sentença proferida pela primeira instância sido julgada procedente, este recurso nunca chegou a ser apreciado. 9. Tendo sido, entretanto, proferida nova decisão de 1ª instância desfavorável à Recorrente, impõe-se agora a apreciação do referido recurso, o qual deverá subir com o presente – o que se requer. 10. Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC, estão isentas de IRC – para o que aqui releva – as associações de municípios que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas. 11. Por sua vez, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 3.º do Código do IRC, “são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as atividades que consistam na realização de operações económicas de caráter empresarial, incluindo as prestações de serviços”. 12. De acordo com o Supremo Tribunal Administrativo, “[o] conceito de operações económicas de carácter empresarial é integrado por factos e circunstâncias da vida real, sujeitos à formulação de um juízo expresso no binómio provado/não provado, designadamente: o propósito de obtenção de lucros e sua distribuição pelos sócios; o exercício de actividades em concorrência com agentes económicos privados; a livre fixação dos preços dos serviços que presta, em regime de mercado; a participação em concursos públicos, em igualdade de circunstâncias com agentes económicos privados” (vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do Processo n.º 419/12.4BEPRT). 13. Ademais, o preceito em causa não poderá deixar de ser interpretado de acordo com a lógica sistemática do Código do IRC, o qual, em vários preceitos que consagram isenções, confere relevância ao destino dos resultados da atividade em causa assim como à (in)existência de qualquer interesse directo ou indirecto dos membros dos órgãos estatutários nos resultados da exploração das actividades em causa. 14. Da análise dos artigos 10.º e 11.º do Código do IRC conclui-se que o legislador pretendeu isentar de imposto as entidades que levassem a cabo determinadas atividades – que o legislador entendeu que seriam de incentivar, atenta a sua vocação para satisfazer interesses públicos – contanto que os resultados desta atividade fossem afetos à prossecução dessas atividades e não à acumulação de capital ou à distribuição de lucros. 15. Esta é também a lógica subjacente à alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º, conforme o próprio Tribunal a quo reconhece: “a ratio legis que subjaz à norma aponta no sentido de que as associações de municípios deverão usufruir da isenção de IRC, na medida em que exerçam, exclusivamente, atividades subordinadas à prossecução do interesse público”. 16. Ora, se se entende que a isenção se justifica pela prossecução do interesse público, então não se vislumbra razão para que uma associação – ainda que exerça uma atividade comercial, industrial ou agrícola – não beneficie da isenção, se afetar a totalidade dos seus resultados à prossecução do interesse público; nessa hipótese não poderão essas atividades deixar de se considerar também subordinadas à prossecução do interesse público. 17. Assim, não parecem restar dúvidas de que a ratio do preceito em causa – conforme identificada pelo próprio Tribunal a quo – impõe que se atenda ao destino dos proveitos auferidos, assim como à (in)existência de qualquer interesse directo ou indirecto dos membros dos órgãos estatutários nos resultados da exploração das actividades em causa. 18. A Recorrente é uma associação de municípios que se dedica à realização de um serviço público – a gestão, tratamento e valorização de resíduos sólidos urbanos – que é da competência dos Municípios (cf. alíneas f) e g) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 23/96, de 26 de julho) e que estes decidiram levar a cabo sob a forma associativa, por forma a aproveitarem sinergias e, assim, aumentarem a sua eficiência; é este o seu escopo, a sua finalidade e a sua vocação. 19. A atividade da Recorrente não é de todo orientada para a obtenção de lucro – muito menos para a sua distribuição –, mas antes para a prestação de um serviço público – a gestão, tratamento e valorização de resíduos sólidos urbanos; este é o seu fim, e não um meio para a obtenção de lucro. 20. A Recorrente exerce toda a sua atividade de forma totalmente desinteressada e altruísta, afetando a totalidade dos seus resultados à prossecução do interesse público, não procedendo a qualquer distribuição pelos municípios associados, que são quem suporta o risco da sua atividade (cf. n.º 3 do artigo 30.º dos estatutos). 21. Os membros dos órgãos estatutários da Recorrente não têm, por si ou interposta pessoa, qualquer interesse directo ou indirecto nos resultados de exploração das actividades prosseguidas. 22. A Recorrente exerce a sua atividade de forma totalmente alheia a qualquer lógica concorrencial: apenas pode exercer a sua atividade na área dos municípios associados (cf. n.º 4 do artigo 2.º dos estatutos da Recorrente) – que corresponde a cerca de 1% do território nacional (!) –, estando, ademais, por essa razão, impedida de participar em concursos públicos. 23. Tudo sopesado, não poderá deixar de se concluir que a Recorrente beneficia da isenção de IRC prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC – independentemente do exercício de qualquer atividade relacionada com resíduos hospitalares. 24. Importa, ademais, notar que tributar os resultados da Recorrente significa desviar verbas necessárias à prossecução da finalidade da Recorrente (e consequentemente do interesse público), o que, em abstrato, pode conduzir à solução absurda de esta, para prestar o serviço público que constitui a sua atividade, necessitar de se financiar – nomeadamente junto do Estado ou com custos para este (diretamente ou através dos municípios) – nos montantes entregues ao Estado a título de IRC. 25. Por outro lado, saliente-se que se os associados levassem a cabo estas atividades individualmente – ao invés de o fazerem sob a forma associativa – nunca as receitas delas decorrentes seriam tributadas, uma vez que os Municípios se encontram isentos de IRC, dispondo estes, desse modo, de mais rendimento disponível para financiar essas atividades; sendo que não se vislumbra qualquer razão para discriminar e penalizar os Municípios por escolherem exercer esta atividade sob a forma associativa. 26. Seja como for, o próprio Tribunal a quo reconheceu, no que respeita à atividade “que envolve os resíduos sólidos dos municípios associados”, que “a mesma não possui cunho empresarial (nem industrial ou agrícola)”, por corresponder a um “serviço público essencial”, tendo apenas concluído que a Recorrente não beneficiava da isenção vertida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º, por ter considerado provado que a Recorrente prestava serviços no domínio da gestão de resíduos hospitalares – atividade, no seu entender, comercial. 27. Assim, esclarecido que a Recorrente não exerce qualquer atividade relacionada com a gestão de resíduos hospitalares – mas tão somente atividades relacionadas com resíduos sólidos urbanos – não poderá deixar de se concluir que a Recorrente beneficia da isenção de IRC prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC, por se tratar de uma associação de municípios que não exerce qualquer atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola. 28. Impõe-se, portanto, concluir que a decisão sub judice merece censura, porquanto padece de ANULABILIDADE, por erro de julgamento da matéria de facto e da matéria de direito. TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.» 1.2. A Recorrida (Fazenda Pública), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações. 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 585 SITAF, no sentido da procedência do recurso, concluindo que «(…) somos do parecer, que: 1º - deve ser revogado o despacho judicial interlocutório (fls. 211 do SITAF) e consequentemente anulado todos os atos processuais subsequentes com ele incompatíveis; 2º - deve julgar-se prejudicado o conhecimento do segundo recurso entretanto interposto relativamente à sentença final; 3º - ordenar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de se proceder à diligência instrutória requerida (inquirição das cinco testemunhas) e outras consideradas adequadas conforme indicado supra, e, após, prosseguirem os ulteriores termos se a isso nada mais obstar. 4º - com custas a cargo da Recorrida AT, que não incluem a taxa de justiça, uma vez que não apresentou contra-alegações. (cf. artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” artigo 2º, alínea e), do CPPT, e artigo7º, nº 4, do Regulamento de Custas Processuais e Tabela II – A anexa).» 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. Questões a decidir: As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes: Se a sentença recorrida ao ter julgado improcedente a presente impugnação, incorreu em erro de julgamento ao entender que a Recorrente não goza de isenção de IRC, errou na apreciação dos factos e do direito quanto à interpretação e aplicação da lei ao caso em apreço, designadamente, o disposto no artigo 9º, nº 1, alínea b) do Código do IRC; Questão prévia, apurar da possibilidade da junção de documentos com as alegações; Ø Da não realização da prova testemunhal apresentada – recurso do despacho interlocutório 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto 2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: «Factos Provados Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada e não impugnada, encontra-se assente por provada a seguinte factualidade: A) A Impugnante foi constituída através de escritura pública a de Novembro de 19 como associação de municípios, tendo sido publicado o seu estatuto no Diário da República a de Dezembro de 19, tendo aquele sido alterado a 26 de Março de 201, considerando-se aqui reproduzido o seu estatuto – cfr. Doc nº 6 (DRE) junto aos autos que aqui se dá por reproduzido; B) De acordo com o artigo 2.º dos Estatutos da Impugnante republicados no D.R. n. de ..20, III Série, fls. 12.(24) a 12.-(29): “1. A associação tem por objeto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infraestruturas necessárias para o efeito. 2. A associação pode ver ampliado aquele seu objeto imediato a vir a prosseguir quaisquer fins compreendidos nas atribuições dos municípios associados, com exceção daqueles que, pela sua natureza ou por disposição legal, devam ser exercidos diretamente por eles. 3. Pode ainda, a associação, por si ou associada a terceiros, dedicar-se: a) Ao tratamento de outros resíduos sólidos; b) Ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares; c) À exploração de atividades de natureza energética conexas com o seu objeto. (…)”. - cfr Doc nº 2 junto com a RG apensa aos autos; C) A 10 de janeiro de 2008 a Impugnante foi notificada pela Direção de Finanças do da informação nº /2006 da Direção de Serviços de Imposto sobre o rendimento das Pessoas Coletivas (DSIRC), relativa ao seu enquadramento fiscal em sede de IRC, considerando-se que a Impugnante exerce atividades de natureza comercial e, por isso, não se encontra isenta, nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 9º do CIRC – cfr. Doc nº 7 juntos aos autos que aqui se dá por reproduzido; D) No seguimento do referido em C), foram emitidas as liquidações nºs 2008831003…, 20080000192..., referentes, respetivamente, à liquidação de IRC e liquidação de juros compensatórios relativos ao exercício de 2004, no montante de € 1.487.558,64 e as liquidações nºs 2008831003….. e 20080000192…, referentes, respetivamente, a liquidação adicional de IRC e liquidação de juros compensatórios relativas ao exercício de 2005 no valor de € 942.987,59 – cfr.Doc nº 8 a 11 dos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidos; E) Mediante Reunião Ordinária da Assembleia Intermunicipal datada de …-12-20…, a Impugnante optou por manter o estatuto de pessoa coletiva de direito público – por acordo das partes. F) Em 20-05-2016, a Impugnante apresentou a declaração de rendimentos, modelo 22, relativa ao IRC de 2015, tendo selecionado a opção ‘Residente que não exerce, a título principal, atividade comercial, industrial ou agrícola’ no quadro 03, campo 3 – Tipo de Sujeito Passivo, e tendo autoliquidado IRC no montante de €514.812,34 – cf. Doc nº 2 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido; G) A Impugnante apresentou reclamação graciosa da declaração referida em F) a 15-07-2016 a que coube o nº 346820160400….– cfr. fls. Doc nº 3 que aqui se dá por integralmente reproduzido fls. 3 do processo de reclamação graciosa apenso; H) Em 16-01-2017 foi proferido despacho de indeferimento da Reclamação graciosa referida em G) com os seguintes fundamentos: [imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)”– cfr fls 162 a 165 do PA apenso. I) Os presentes autos foram enviados por site em 27-12-2016 – cfr. fls. 1 dos autos; J) Por ofício nº 2017500001… foi comunicado à Impugnante o indeferimento da reclamação graciosa – cfr. fls. 165 do PA apenso aos autos; K) Foi enviada à Impugnante a demonstração de liquidação de IRC n.º 2016 23100…, relativa ao IRC de 2015, pela qual se informou a mesma que o valor a pagar é de € 516.926,19, com data limite de pagamento em 26.08.2016, dos quais € 2.113,86 correspondem a juros de mora, liquidados pela demonstração n.º 2016 0000 110… – cfr. Doc nº 4 e 5 aqui se dão por integralmente reproduzidos; L) Em 29-12-2016 a Impugnante apresentou uma Impugnação retificada da referida em K) – fls 114 dos autos; M) A Impugnante efetua prestações de serviços relativas à recolha e tratamento de resíduos hospitalares – por acordo das partes. N) A Impugnante apresentou impugnação judicial relativo à liquidação de IRC de 2004, a qual aguarda decisão em sede de recurso – cfr. Doc nº 12, que aqui se dá por integralmente reproduzido e consulta do SITAF; Factos Não Provados Não resultam provados quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa, tendo em conta as várias soluções de direito plausíveis. Motivação da decisão de facto A decisão da matéria de facto resultou da análise dos documentos e informações oficiais, não impugnados, juntos aos autos pelas partes e constantes do processo administrativo, bem como nas posições assumidas nos articulados, tudo conforme foi referido em cada ponto dos factos assentes. No que concerne aos factos vertidos nas alíneas E) e M) do probatório, deram-se os mesmos por provados com base no acordo das partes (quanto à alínea M), veja-se o artigo 149.º da petição inicial). Foi análise de toda a prova assim enunciada que, em conjugação com as regras da experiência comum, sedimentou a convicção do Tribunal quanto aos factos dados como Provados – Cfr. art. 74º LGT, 76º nº 1 LGT e art. 362º e ss do CC.» 2.2. De direito O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação de IRC relativa ao ano de 2015, assim como contra o ato de demonstração de liquidação de IRC n.º 2016.231004…, relativo ao referido ato de autoliquidação, e o concomitante ato de liquidação de juros de mora n.º 2016.0000110…. Cabia ao Tribunal apreciar e decidir se a Recorrente poderia beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea a) do n.º 1 do Código do IRC, ou, subsidiariamente, da isenção da prevista na alínea b) do referido preceito, por ser uma associação de municípios que não exerce qualquer atividade comercial, industrial ou agrícola. O Tribunal a quo entendeu que a Recorrente não podia beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea a) do n.º 1 do Código do IRC, uma vez que com a entrada em vigor, em 30 de setembro de 2013, da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro – que revogou a Lei n.º 45/2008 – havia sido suprimida a equiparação entre as associações de municípios e as autarquias locais – entidades abrangidas pela isenção em causa. De igual forma, concluiu o Tribunal que a Recorrente não poderia beneficiar da isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC por (supostamente) exercer uma atividade de natureza comercial – a prestação de serviços no domínio da gestão de resíduos hospitalares. A Recorrente entende que os fundamentos da sentença assentam numa errada apreciação dos factos e, bem assim, na errada apreciação do direito invocado na impugnação e nas alegações, impondo-se por isso a sua total reapreciação. Em primeiro lugar e antes de imergirmos nas questões suscitadas no presente recurso, cabe aferir em sede de questão prévia da admissibilidade da junção em sede recurso dos documentos 1, 2 e 3. 2.2.1. Da admissibilidade da junção de documento em sede recursória Alega a Recorrente que os seus actuais estatutos prevêem que esta possa por si ou associada a terceiros, dedicar-se ao tratamento de resíduos hospitalares, no entanto nunca a mesma tratou ou valorizou resíduos hospitalares, nem nunca fez a gestão dos mesmos, até porque não tem competência para o fazer – neste sentido vejam-se os documentos n.º 1, 2 e 3, cuja junção se considera admissível, nesta sede, nos termos do disposto nos artigos 651º, n.º 1 e 425 º do CPC, em virtude de a mesma apenas se ter tornado necessária face à “novidade” do julgamento da 1ª instância. Aprecie-se os argumentos à luz do regime aplicável. Determina o artigo 651.º, n.º 1, do CPC que “[a]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”. Por sua vez, dispõe-se na norma remetida – o artigo 425.º do CPC – que “[d]epois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”. Da leitura articulada destas normas decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso, a título excepcional, numa de duas hipóteses: (i) superveniência do documento ou (ii) necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância. Como se esclarece no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8.11.2011, Proc. 39/10.8TBMDA.C, relativamente à primeira hipótese, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou – acrescentar-se-ia – ao seu acesso posterior pelo sujeito. Explica Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra, Almedina, 2018, p. 314, que “[a] superveniência objectiva é facilmente determinável: se o documento foi produzido depois do encerramento da discussão em 1.ª instância, ele é necessariamente superveniente. Portanto, só a superveniência subjectiva pode justificar a admissibilidade da junção”. Constituem exemplos de superveniência subjectiva o caso em que o documento se encontra em poder da parte ou de terceiro, que, apesar de lhe ser feita a notificação, nos termos do artigo 429.º ou 432.º do CPC só posteriormente o disponibiliza, o caso em que a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente é emitida e o caso de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento [ neste sentido cfr. José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º - Artigos 362.º a 626.º, Coimbra, Almedina, 2018 (3.ª edição), p. 243]. Em qualquer caso cabe à parte que pretende oferecer o documento demonstrar a referida superveniência, objectiva ou subjectiva. Mas, não é este o caso dos autos, pois que a junção está sustentada na 2ª parte do n.º 1 do artigo 651º do CPC, ou seja, que a sua junção se tornou necessária face à “novidade” emergente do julgamento sob recurso. Os casos fundados no argumento da necessidade admissíveis estão relacionados com a novidade ou a imprevisibilidade da decisão, com a eventualidade de a decisão ser “de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo” [Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), p. 242]. Sobre esta hipótese alertam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, comentando a norma do artigo 651.º, n.º 1, do CPC, in Código de processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de declaração – Artigos 1º a 702º, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 786, que “[a] jurisprudência tem entendido que a junção de documentos às alegações de recurso, de um documento potencialmente útil á causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”. E prosseguindo: “[n]o que tange à parte final do n.º 1, tem-se entendido que a junção de documentos às alegações só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam”. Em suma, não é admissível a junção de documentos quando tal junção se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas. É, justamente, este o caso da prova que a Recorrente pretende estabelecer de que nunca “tratou ou valorizou resíduos hospitalares, nem nunca fez a gestão dos mesmos.”, conforme decorre do Regime de Licenciamento Único do Ambiente (LUA), aprovado pelo Decreto-lei n.º 75/2015, de 11 de maio, e alterado pelo Decreto-lei n.º 39/2018, de 11 de junho, diplomas que visam a simplificação dos procedimentos dos regimes de licenciamento ambientais, regulando o procedimento de emissão do Título único Ambiental, e são precisamente estes (doc. n.º 1) títulos emitidos em 04.12.2020, a par de (doc. n.º 2) uma carta datada de 04 de junho de 2018 do Presidente do Conselho de Administração da P dirigido à Directora Geral de Saúde a dar conta de que foram detetados elementos radiológicos e outros, sendo eu possui competências legais e estatutárias para a sua gestão e por ultimo, (doc. n.º 3) relatório de auditoria datada de 26.02.2021. Vejamos. O regime de LUA traduz-se num procedimento de emissão do Título Único Ambiental (TUA), que constitui um título único de todos os atos de licenciamento e de controlo prévio no domínio do ambiente aplicáveis ao pedido, condensando toda a informação relativa aos requisitos aplicáveis ao estabelecimento ou atividade em questão, em matéria de ambiente. O TUA inclui, por isso, a informação de base da atividade ou instalação, disponibilizada de forma harmonizada para todas as entidades intervenientes, sendo nele inscritas todas as licenças e autorizações concedidas, bem como averbadas as vicissitudes jurídicas das mesmas, assegurando assim o histórico desse estabelecimento ou atividade, em matéria de ambiente. Apresentação pela Recorrente de um Título Único Ambiental (TUA) respeitante a dezembro de 2020, quando a situação dos presentes autos se afere pela situação e actividade da empresa Recorrente em 2015, não assume virtualidade de alteração da matéria factual apreendida nos autos e levada ao probatório. E, o mesmo se diga, quanto aos documentos 2 e 3, a sua existência temporal ao ano de 2018 e 2021, respectivamente, serão elementos a reter na esfera da actividade da Recorrente nesses anos, não se lhe reconhecendo qualquer virtualidade susceptível de abalar a matéria de facto dada como provada nos presentes autos respeitante a 2015. Como decorre dos autos, em sede de petição inicial, sustenta a Impugnante/Recorrente que “(…) não podemos esquecer a natureza das associações de municípios. É que, como vimos, uma associação deste tipo dedica-se, exclusiva ou principalmente, à realização, fora de lógica concorrencial, dos serviços de interesse público (não lucrativos) típicos da actividade municipal (tendo essencialmente como contrapartida financeira o produto das contribuições, transferências, dotações, subsídios ou comparticipações municipais, estatais e comunitárias). Para o que necessita, muitas vezes, de recorrer ao exercício de outras actividades, a esta acessória, como meio de financiamento da actividade principal – é o que acontece no caso concreto! Nestes termos, bem se compreende que uma qualquer actividade complementar da associação, a que estejam subjacentes prestações de serviços com escopo lucrativo e uma actuação do mercado, facilmente represente a fatia maioritária dos rendimentos da associação, por muito acessória que seja a intencionalidade dos associados na sua prossecução e residuais os meios a ela afectos. (…). Tendo em conta que a actividade de caracter empresarial da P.... se resume à recolha e tratamentos de resíduos hospitalares, bem se percebe também como já dissemos, que os respectivos (e eventuais) lucros só sejam possíveis porque a P.... aproveita todo um know-how e uma estrutura montada para a sua atividade principal de serviço público, assim logrando objectivos de economia de escala que de outra forma não conseguiria. Ademais, os proveitos resultantes desta actividade empresarial acessória são sempre aplicados no desenvolvimento das condições em que é levada a cabo a actividade principal.” (transcrição dos artigos 145º a 151º da p.i., com destaque nosso do artigo 149º a negrito, por ser nele que o tribunal a quo sustentou o facto M) da matéria dada como provada). Do assim exposto e proclamado em sede de petição inicial pela Impugnante decorre que não existe qualquer “novidade” decorrente do carácter empresarial que adveio da recolha e tratamento de resíduos hospitalares e da eventual influência que tal caracterização poderia ter numa das interpretações possíveis da interpretação e aplicação do artigo 9º do CIRC. Ou seja, conforme decorre do articulado a Impugnante assume a realização com carácter empresarial da recolha e tratamento de resíduos hospitalares sendo a sua pretensão demonstrar o seu papel acessório e subalterno perante actividade principal desenvolvida, pelo que a sua alegação não passa pela prova de que não exerce aquela actividade, se a sua pretensão era não exercer aquela actividade, tal não decorre dos argumentos invocados, nem da causa de pedir, não se compreendendo como pode agora inovar a necessidade resultante do decidido para fundamentar a sua junção aos autos de documentos que no seu entender afastam aquela actividade. Neste sentido o acórdão do TCA – Sul, proferido em 21.05.2020, no processo 997/07.0BESNT, onde se refere que “Os casos em que a junção de documentos se torna necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instancia são apenas aqueles em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ter sido proferida”. Por outras palavras e sinteticamente: os documentos juntos não são contemporâneos do ano a que respeita a liquidação de IRC, 2015 de modo a que se possa considerar a sua pertinência ou susceptibilidade de alterar a matéria de facto. A decisão em causa não reveste a natureza de “supressa” para a Recorrente pois, que a mesma, decorre como uma das consequências possíveis da acção, tal e qual a mesma se apresenta. Mais se diga, que a decisão dos presentes autos data de 22.11.2021, ora nessa data já haviam sido proferidos, que sejam do nosso conhecimento, os acórdãos do STA de 27.10.2021, no processo n.º 4/16.1BEPRT, de 10.11.2021, no processo 3176/10.5BEPRT e, também de 10.11.2021, no processo n.º 2857/12.3BEPRT, nos quais se discutia a mesma questão e os recursos interpostos pela P… foram-no na sequência da improcedência das impugnações com fundamentação e argumentação jurídica em tudo idêntica à aqui sentença sob recurso. Não conseguimos alcançar a “novidade” e a “supressa” da decisão, naquilo, que bem pelo contrário, poderíamos aclamar de uma decisão previsível. Por último, não pode agora alegar que aquela decisão criou, pela primeira vez, a necessidade da sua junção, meramente porque, a decisão não lhe foi favorável e, mais, pretender fazer prova de um facto não alegado em sede de impugnação, qual seja “Que nunca recolheu e tratou resíduos hospitalares”. Termos em que se impõe concluir não ser de admitir a junção aos autos dos referidos documentos. 2.2.2. Do erro de julgamento Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso (artigo 635.º do CPC). Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. É jurisprudência pacífica que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pela recorrente das respectivas alegações, ora das conclusões supratranscritas decorre que a aqui Recorrente, pelo menos em recurso, não discute que não lhe é aplicável, nem enquanto sujeito, nem enquanto associação de municípios e tendo em conta a actividade que desenvolve, a isenção prevista na alínea a) do artigo 9.º do CIRC. Ou seja, a Recorrente aceita que às associações de municípios, como é o seu caso, não se aplica a isenção prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRC, que, no capítulo dedicado à definição das isenções, prevê que estão isentos de IRC «O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, com exceção das entidades públicas com natureza empresarial». O seu inconformismo é dirigido à inaplicabilidade, no caso, da isenção prevista na alínea b) do mesmo n.º 1 do artigo 9.º do CIRC - que dispõe que não beneficiam de isenção «As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas» - uma vez que, segundo o critério da destinação essencial da sua actividade, só pode concluir-se que não exerce a título principal actividade comercial ou industrial. E, assim sendo, está legalmente justificada a sua pretensão de que os resultados emergentes dessa actividade não sejam objecto de tributação, precisamente por dela estarem isentos ao abrigo do citado artigo 9.º, n.º 1 alínea b) do CIRC. Apreciando. Relativamente a este assunto, já se pronunciou recentemente este Tribunal Central Administrativo Norte, no processo n.º 264/14.2BEPRT, no processo n.º 2739/08.3BEPRT, ambos de 3 de fevereiro de 2022, no processo n.º 419/12.4BEPRT, de 17 de fevereiro de 2022, em situações análogas à presente, cujo elementos diferenciador é tão só o ano a que respeitam as liquidações, que louvando-se também na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que discorre dos acórdãos proferidos em 27.10.2021 e 10.11.2021, nos processos n.º 4/16.1BEPRT, n.º s 264/14.2BEPRT e 2857/12.3BEPRT, se sufraga o entendimento que a Impugnante se encontra sujeita a IRC, na medida em que exerce uma atividade comercial ou industrial e o Código do IRC, não distingue entre atividade exercida a título principal ou secundário, tributando-as da mesma forma. Neste contexto, na ausência de razões de facto ou de direito particulares que determinem que adotemos posição distinta, quer ao nível da fundamentação, quer ao nível do sentido da decisão (apesar de o imposto respeitar a ano diferente, as normas interpretadas e aplicadas naquele aresto, são as aplicáveis ao presente processo), justifica-se e exige a uniformidade de julgamentos e o respeito pelos princípios da justiça, celeridade e igualdade (cf. artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil), que nos limitemos a transcrever o citado aresto daquele Supremo Tribunal, de 27.10.2021, que assumimos como fundamentação da nossa decisão (sendo que ali se trata da liquidação do ano de 2014, e nos presentes autos de 2015): «Nesta matéria, para cabal enquadramento da realidade em apreço, importa atender ao disposto nos artigos 2º, 3º e 9º do CIRC, na parte que nos interessa e na redacção aplicável no ano de 2014 e que é a seguinte: Artigo 2.º Sujeitos passivos 1 - São sujeitos passivos do IRC: As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado, com sede ou direcção efectiva em território português; Artigo 3.º Base do imposto 1 - O IRC incide sobre: a) O lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas colectivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola; CAPÍTULO II Isenções Artigo 9.º Estado, Regiões Autónomas, autarquias locais, suas associações de direito público e federações e instituições de segurança social 1 - Estão isentos de IRC: a) O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, com exceção das entidades públicas com natureza empresarial; b) As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas; Decorre igualmente do nº 4 do artigo 3º do CIRC, que «Para efeitos do disposto neste Código, são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços». Decorre das normas transcritas que as pessoas colectivas de direito público são sujeitos passivos de IRC, o qual incide sobre o lucro resultante do exercício, a título principal, de uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, a qual consiste na realização de operações económicas de carácter empresarial. No que diz respeito ao primeiro elemento posto em destaque pela Recorrente, e de forma breve, dado que, o presente recurso centra-se essencialmente na consideração do art. 9º nº 1 al. b) do CIRC, quanto à natureza da Recorrente, de acordo com os Estatutos (alterados) da Impugnante, publicados no Diário da República n.º -20… III Série, de … de Junho de 20…, a P.... é uma pessoa colectiva de direito público e foi constituída como Associação de Municípios pelos Municípios de…, …., ---…, …, …, ….e …(cfr. alínea A) do probatório). Ora, como já se viu, o artigo 9º do CIRC prevê isenções de IRC de que beneficiam o Estado e as autarquias locais, benefício que é afastado no caso das entidades públicas com natureza empresarial (al. a)) ou das associações e federações de municípios que exerçam actividades de natureza comercial, industrial e agrícola, sendo que embora o CIRC preveja uma isenção subjectiva para o Estado e autarquias locais (que se compreende), assim como para a associações de municípios, essa isenção é arredada nos casos das empresas públicas (noção que abrange as empresas municipais), pela sua própria natureza (empresarial), e nos casos das associações municipais, em função da actividade que desenvolvam de forma predominante. Neste domínio, a Lei nº 11/2003, de 13-05, que estabeleceu o regime de criação das comunidades intermunicipais, previa no nº2 do seu artigo 1º a existência de dois tipos de comunidades: comunidades intermunicipais de fins gerais e associações de municípios de fins específicos. Mais se consagrava no artigo 2º da mesma lei que a associação de municípios de fins específicos é uma pessoa colectiva de direito público criada para a realização de interesses específicos comuns aos municípios que a integram. Sendo que nos termos do artigo 5º da mesma lei, as associações eram criadas para a prossecução de determinados fins públicos no âmbito das atribuições concedidas às autarquias locais, designadamente na área do ambiente. E nos termos do artigo 6º, os recursos financeiros das associações assim criadas compreendem, entre outros, o produto da venda de bens e serviços (alínea g) do nº 3). Dispunha ainda o artigo 36º da citada Lei nº 11/2003, que “As comunidades e as associações beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais”. A referida lei foi revogada pela Lei nº 45/2008, de 27de Agosto, que na parte que agora interessa veio consagrar em preceito com a mesma numeração a mesma isenção fiscal, mas agora restrita às associações de municípios de fins múltiplos (CIM) - art. 2º, nº1 e 2. Por sua vez esta lei foi revogada pela Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro, que deixou de consagrar qualquer isenção fiscal, tendo apenas previsto transitoriamente, no artigo 3º, nº2, a manutenção daquele regime até 31/12/2013: “2 - Os artigos 23.º a 30.º da Lei n.º 45/2008, de 27 de agosto, e os artigos 23.º a 28.º da Lei n.º 46/2008, de 27 de agosto, alterada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, mantêm-se em vigor até 31 de dezembro de 2013”. Neste ponto, tal como refere o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, conforme a Recorrente reconhece, na descrita Lei n.º 45/2008, passou a distinguir-se entre associações de municípios de fins múltiplos denominadas comunidades intermunicipais – artigos 2.º e seguintes – e associações de fins específicos – artigos 34.º e seguintes -, e só quanto às primeiras vindo a ser prevista a aplicação de isenções fiscais – artigo 30.º, de modo que, integrando a “P…” as associações deste segundo tipo, crê-se não ser possível aplicar a isenção prevista nas ditas Leis, quer com fundamento na não cessação de efeitos quer com fundamento no caráter especial ou excepcional da isenção quer na ligação existente quanto às autarquias locais, dado que, para que tal fosse possível, segundo o previsto no n.º 3 do art. 7.º do C. Civil, teria de resultar a intenção inequívoca do legislador e para tal não basta que as associações anteriormente constituídas tenham mantido a sua qualificação como pessoa colectiva de direito público. Além disso, as autarquias locais estão sujeitas às categorias previstas no art. 236º nº 1 da C.R.P. e apenas quanto às mesmas é de aplicar, sem mais, a isenção prevista na dita al. a) do art. 9.º do CIRC, o que significa que a decisão recorrida andou bem no que diz respeito à não aplicação da al. a) do art. 9.º do CIRC. No que diz respeito à matéria nuclear em apreciação nos autos, temos que acompanhar o exposto no Ac. deste Supremo Tribunal de 10-03-2021, Proc. nº 03161/16.3BEPRT, www.dgsi.pt, quando aponta que “… apenas a isenção contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC pode aqui ser equacionada - aliás, em bom rigor, só ela o era, mesmo nos termos da legislação anterior, uma vez que a equiparação que o artigo 36.º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio fazia entre associações de municípios e autarquias locais apenas tinha razão de ser nos casos de impostos em que não existisse qualquer referência expressa àquelas; o que não era, notoriamente, o caso do IRC, que distinguia umas e outras entidades. Assim, e como vimos, a isenção contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC não é uma isenção subjectiva simples, mas antes mista (com elemento objectivos, portanto): nem todas as associações de municípios se encontram isentas, mas tão só aquelas “que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas”. …”. Neste âmbito, a decisão recorrida ponderou que: “… Logo, a isenção de IRC das associações de municípios está condicionada ao caráter não comercial, industrial ou agrícola de quaisquer atividades por elas desenvolvidas, independentemente de serem desenvolvidas a título principal ou a título acessório. Com efeito, ao contrário do que sustenta a Impugnante, não se encontram excluídas tão-só as associações de municípios que exerçam, a título principal, atividades comerciais, pois que nada consta da lei quanto à intensidade, à frequência ou à prevalência de tais atividades, por confronto com as demais atividades, igualmente exercidas pela associação de municípios, que não revistam natureza comercial, industrial ou agrícola. Como é sabido, o elemento gramatical é o ponto de partida na interpretação da lei e elemento inarredável da mesma (cfr. artigo 9.º do Código Civil). O preceito legal em causa refere o exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas, sem distinguir se se trata de uma atividade exercida a título principal ou a título acessório. Ora, se o legislador tivesse querido excluir do âmbito de aplicação da isenção apenas as associações de municípios que se dedicassem principalmente a atividades comerciais, industriais ou agrícolas, e não também aqueloutras que o fizessem acessoriamente, certamente o teria dito, tal como fez para as pessoas coletivas de mera utilidade pública, cuja isenção pressupõe a prossecução, em caráter exclusivo ou predominante, de fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente (cfr. artigo 10.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC), tendo distinguido, neste caso, a intensidade ou a primazia da prossecução destes fins, face aos demais fins que estas entidades possam eventualmente prosseguir. Ademais, parece-nos que a ratio legis que subjaz à norma aponta no sentido de que as associações de municípios deverão usufruir da isenção de IRC, na medida em que exerçam, exclusivamente, atividades subordinadas à prossecução do interesse público e que escapem à lógica empresarial, porquanto de outro modo estaria a beneficiar-se indevidamente entidades que, não obstante o desiderato que presidiu à sua criação, optaram por atuar no mercado nas mesmas condições que empresas sujeitas a IRC, exercendo atividades relevantes em sede de IRC (cfr. artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de IRC) que não se pautam pela prossecução do interesse público, pelo que não se justifica um tratamento diferenciado e, diga-se, mais favorável. Assim, da alínea b) dimana, implicitamente, que basta o exercício de tais atividades, mesmo que não sejam exercidas a título principal, para que a associação de municípios não permaneça abrangida pela isenção de IRC. Deste modo, a Impugnante não pode concluir, sem apoio na letra da lei ou em qualquer outro elemento interpretativo, que só o exercício, a título principal, de atividades comerciais, industriais ou agrícolas obsta à aplicação da isenção constante da alínea b). Revertendo ao caso em análise, resultou provado que a Impugnante exerce, a título principal, a atividade de “reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados” (cfr. alínea B) do probatório). Ademais, a Impugnante dedica-se, ainda, ao tratamento de resíduos hospitalares, mediante a celebração de prestações de serviços (cfr. alínea B) e L) do probatório). No que tange à atividade (principal) da Impugnante – que envolve os resíduos sólidos dos municípios associados –, a mesma não possui cunho empresarial (nem industrial ou agrícola). De acordo com o preceituado no artigo 1.º, n.º 2, alíneas f) e g), da Lei n.º 23/96, de 26 de julho - Lei dos serviços públicos essenciais – o serviço de gestão de resíduos sólidos urbanos constitui um serviço público essencial, integrado no âmbito das atribuições e competências das autarquias locais e cujas receitas são da titularidade dos municípios, nos termos dos artigos 14.º, alínea e), e 21.º, n.º 3, alínea c), da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (vide o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 26.10.2017, prolatado no processo n.º 283/12). Daí que, constituindo um serviço público essencial, não esteja em causa a realização de operações económicas de caráter empresarial, na aceção do n.º 4 do artigo 3.º. Quanto à atividade (acessória), a conclusão a que se chega não é a mesma. E é aqui que a pretensão da Impugnante soçobra. Com efeito, enquanto que a atividade principal da Impugnante não consubstancia, a nosso ver, uma atividade empresarial nos termos e para os efeitos do artigo 4.º, n.º 3 do Código do IRC, o mesmo não se poderá dizer das prestações de serviços no domínio da gestão de resíduos hospitalares. A atividade de gestão e tratamento de resíduos hospitalares é uma atividade comercial. Aliás, a própria Impugnante o admite frontalmente na sua petição inicial. Simplesmente defende que o exercício desta atividade acessória surge como meio de financiamento da atividade principal e que inexiste qualquer distribuição de lucros. Menciona, também, que, como não exerce, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, é ilegal a sua tributação em sede de IRC a título de exercício principal de tais atividades. No entanto, a não distribuição de eventuais lucros obtidos e o facto de os proveitos resultantes da atividade acessória serem investidos na sua atividade principal não possuem qualquer relevância para efeitos da aludida alínea b), que se foca no exercício de atividades de determinado cariz e não no destino a dar ao resultado dessas atividades. …”. Nesta sequência, pese embora não tenham sido levados ao probatório elementos mais desenvolvidos sobre os contornos da actividade efectivamente desenvolvida pela Recorrente para além da recolha, tratamento e valorização dos resíduos sólidos entregues pelos diversos municípios que a integram, o Tribunal “a quo” deu como assente que a Impugnante efectua prestações de serviços relativas à recolha e tratamento de resíduos hospitalares, ou seja, deu como existente essa outra actividade secundária de aproveitamento dos resíduos, o que é confirmado pela Recorrente nas suas alegações, ao admitir que “a P.... aufere proveitos resultantes da venda de produtos e prestação de serviços, nomeadamente aos municípios seus associados e outras entidades públicas,…” e que “Os proveitos resultantes das suas atividades acessórias só são possíveis porque a P.... aproveita todo o know-how e estrutura montada para a sua atividade principal de serviço público, assim logrando objetivos de economia de escala que de outra forma nunca conseguiria…”. Pois bem, é irrelevante que a dita actividade desenvolvida possa ser considerada acessória da actividade principal desenvolvida a favor de municípios, pois que, pelo menos, para efeitos do disposto no C.I.R.C., a mesma foi autonomizada, conforme resulta da previsão “todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços”, constante também do art. 3º nº 4 do CIRC, sendo que tal encontra-se directamente ligado à regra de incidência, a qual, de acordo com o art. 3º nº 1 do CIRC é diversa, consoante seja exercida uma actividade com a dita natureza, “a título principal”, ou não - assim, aquela regra aplica-se sobre o “lucro”, ou o “rendimento global, corresponde à soma algébrica dos rendimentos das diversas categoriais consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito”, conforme melhor consta expresso nas suas alíneas a) e b). Tal significa que não merece censura o exposto na decisão recorrida no sentido de que a Recorrente desenvolve uma actividade de natureza comercial, o que se mostra suficiente para afastar a isenção prevista na alínea b) do artigo 9º do CIRC, não relevando para essa asserção, como igualmente considerou o Tribunal “a quo”, o facto de se tratar de uma actividade acessória ou da especial afectação dos resultados dessa actividade, na medida em que a Recorrente enquadra-se no art. 2º nº 1 al. a) do CIRC e é passível de tributação quanto ao rendimento global obtido pela actividade a que se refere a al. L) da matéria de facto, nos termos do art. 3º nº 1 al. b) do mesmo diploma, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.» (fim de transcrição) 2.2.3 do indeferimento da prova testemunhal (despacho interlocutório) Por despacho de29.09.2017, a fls. 211 do processo SITAF, o então Mmº juiz a quo decidiu o seguinte: «As versões apresentadas pelas partes têm o seu pilar probatório assente em documentos. As questões a decidir são fundamentalmente de direito e de apreciação dos aludidos documentos. Pelo exposto decido não proceder á inquirição das testemunhas indicadas. Notifique. (…) » A impugnante apresentou recurso interlocutório sobre esta questão particular, versando o mesmo a discordância relativa ao despacho judicial que não atendeu ao seu pedido de inquirição das testemunhas por si arroladas em sede de petição inicial (cf. fls. 215 e ss. do SITAF). Ora, nos termos do artigo 113, 2ª parte, do CPPT, o juiz pode conhecer “logo o pedido, se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários”, devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias (artigo 114º do CPPT), nomeadamente a testemunhal e pericial, em conformidade com o disposto nos artigos 114º, 115º, 116º e 118º do CPPT. Compete, portanto, ao juiz examinar o processo e aferir da admissibilidade ou não dos meios de prova oferecidos e da necessidade da mesma perante a factualidade controvertida e relevante para a decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito. O juiz decidirá se é legalmente permitida e necessária a produção de determinado meio de prova, pois que a lei não estabelece, que tem de haver sempre a inquirição das testemunhas oferecidas, antes permitindo ao juiz aferir da necessidade desse acto. O direito à prova no procedimento e no processo tributário existe e é objecto de uma tutela muito forte, mas não constitui um direito absoluto, pois que o legislador ordinário estabeleceu limites e indicou critérios precisos de restrição do uso de meios de prova em relação a factos determinados, como acontece com o artigo 392º do Cód. Civil, onde se estabelece que “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada” e com o disposto no art. 393º, 394º e 395º, que prevêem as situações em que é inadmissível a prova testemunhal. E foi o que aconteceu no caso vertente. O Mmº Juiz a quo decidiu que em face da natureza da matéria invocada não havia necessidade de produção da prova testemunhal por as questões a decidir serem fundamentalmente de direito e da apreciação de prova documental, expressando, assim, a sua opção pelo imediato conhecimento do pedido. E essa decisão não merece qualquer censura, já que, por um lado, o juiz pode e deve aferir da necessidade de produzir prova em face da materialidade fáctica alegada e, por outro lado, conforme decorre da jurisprudência do STA sufragada e transcrita, inabalável que se mostra o conteúdo da matéria de facto assente, nomeadamente o item M), a produção de prova testemunhal redundaria numa actividade despiciente de conteúdo e sem qualquer valia na alteração das ilações emanadas daqueles arrestos. Efectivamente os factos susceptíveis de produção de prova inerentes ao conteúdo da actividade comercial desenvolvido fruto da actividade de gestão e tratamento de resíduos hospitalares, que a própria Impugnante admite frontalmente na sua petição inicial, defendendo que o seu exercício é meramente acessório e surge como meio de financiamento da atividade principal, e que inexiste qualquer distribuição de lucros. Olvida, que a não distribuição de eventuais lucros obtidos e o facto de os proveitos resultantes da atividade acessória serem investidos na sua atividade principal não possuem qualquer relevância para efeitos da aludida alínea b), que se foca no exercício de atividades de determinado cariz e não no destino a dar ao resultado dessas atividades, sendo ainda irrelevante, pelas razões já apontadas supra que a dita actividade desenvolvida possa ser considerada acessória da actividade principal desenvolvida a favor de municípios, pelo que falece por completo os argumentos da Recorrente expressos no recurso apresentado do despacho interlocutório. Relembra-se que o tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC, quando a infracção cometida possa modificar aquela decisão, de todo o exposto, é patente que mesmo a dar-se como provado os factos a que alude a Recorrente (actividade acessória, não distribuição de lucros, afectação de lucros actividade principal, esta sem fins lucrativos) os mesmos não são idóneos a alterar a interpretação e aplicação de direito amplamente sufragada pelo STA nos arrestos evidenciados. Improcede, pois o recurso apresentado do despacho interlocutório. 2.3. Dispensa do remanescente da taxa de justiça O valor deste processo ascende a €516.926,19 e preceitua o artigo 6.º, n.º 7 do RCP que, nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. A dispensa do remanescente da taxa de justiça prevista neste preceito legal depende, portanto, da verificação de dois requisitos cumulativos: a simplicidade da questão tratada e a conduta das partes facilitadora e simplificadora do trabalho desenvolvido pelo tribunal. No caso, entendemos que se justifica a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso à luz do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que as questões a decidir no recurso não se afiguraram particularmente complexas, encontrando-se já tratadas pelo STA, a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo e o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida se afiguraria (não havendo dispensa do pagamento do remanescente) algo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado. 2.4. Conclusões I. Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento ou quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido. II. As isenções de IRC de que beneficiam o Estado e as autarquias locais, previstas no artigo 9º do CIRC não incluem as entidades públicas com natureza empresarial nem as associações e federações de municípios que pratiquem atividades de natureza comercial, industrial e agrícola. III. Na Lei n.º 45/2008, e para efeitos de aplicação do regime legal, foi efetuada uma diferenciação entre associações de municípios de fins múltiplos, denominadas comunidades intermunicipais (artigos 2.º e seguintes) e associações de fins específicos (artigos 34.º e seguintes) e apenas se prevendo para as primeiras a aplicação de isenções fiscais (artigo 30.º). Deste modo, não pode esta isenção ser aplicável a uma associação de fins específicos. IV. Uma associação de municípios que desenvolva uma atividade comercial ou industrial, a título principal ou ainda que a título secundário, não está isenta de IRC, na medida em que o CIRC, não distingue entre atividade principal ou secundária para efeitos de tributação. V. A isenção vertida na alínea b) do nº 1 do artigo 9º do CIRC pressupõe o não exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, pelo que, desenvolvendo a Recorrente uma actividade de natureza comercial, ainda que com carácter acessório, não lhe deve ser reconhecido o direito à referida VI. O tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC, quando a infracção cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente – cfr. artigo 660.º do CPC 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimentos aos recursos. Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente. Porto, 31 de março de 2022 Irene Isabel das Neves (Relatora) Ana Paula Santos (1.º Adjunta) Margarida Reis (2.ª Adjunta) |