Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00077/19.5BEVIS |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 02/16/2023 |
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Tribunal: | TAF de Viseu |
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Relator: | Margarida Reis |
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Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; IRS; RETENÇÕES NA FONTE; ADIANTAMENTO POR CONTA DE LUCROS; REGISTO CONTABILÍSTICO |
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Sumário: | I. Não beneficiando a ATA no caso da presunção constante no (então) n.º 4 do art. 6.º do CIRS - porque a quantia em questão não foi registada numa conta de sócios – cabia-lhe provar que os dados e apuramentos inscritos na contabilidade do sujeito passivo não se encontram organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal, ou, e sendo esse o caso, lançar mão dos mecanismos legais ao seu dispor, designadamente, e caso considerasse que em causa estava uma construção artificial destinada à obtenção de uma vantagem fiscal indevida, ao regime consagrado no art. 38.º da LGT. II. Não correspondendo o registo contabilístico efetuado pelo sujeito passivo a um adiantamento por conta de lucros nos termos do SNC - que para tal deveria ter sido efetuado através da movimentação da conta 263 – não estava a ATA legitimada a fazer a correção oficiosa a título de retenções na fonte, sendo a mesma ilegal, por erro de direito nos respetivos pressupostos.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RElatório A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida em 2020-01-20 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou procedente a impugnação judicial interposta por A..., Unipessoal, Lda. tendo por objeto a liquidação de retenções na fonte de IRS, do ano de 2014 no montante de EUR 34,727,66 e correspondentes juros compensatórios no montante de EUR 3.771,51, num total de EUR 38.499,17, vem dela interpor o presente recurso. A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: Em conclusão: A. Incide o presente recurso sobre a douta sentença, que julgou procedente a impugnação deduzida por A,.., UNIPESSOAL LDA, e em consequência anulou as liquidações de IRS - Retenção na Fonte n.º ...28, no valor de EUR 34.727,66 e de juros compensatórios n.º ...20, no valor de EUR 3.771,51, que foram efetuadas à Impugnante. B. Para sustentar a sua decisão considerou o Tribunal a quo que, não sendo alegados e provados que os lançamentos entre as contas “56 - Resultados transitados” e “2381-Com os órgãos sociais” se deveram a outros motivos que não a distribuição de resultados, circunstância não alegada no relatório inspetivo, é de concluir que esta ocorreu em momentos pretéritos, nomeadamente sempre que foram lançados valores a favor do sócio em montante que já excedia o seu crédito sobre a sociedade. E que nessa sequência, o lançamento compensando aqueles valores, em 31-01-2014, não se traduz em qualquer facto tributário novo na medida em que a distribuição de lucros (ou antecipação desta) é que constitui o facto tributário sujeito a retenção na fonte. C. Em causa nos autos está a controvertida ocorrência da distribuição de resultados por parte da Impugnante, a favor do seu sócio único e o correspondente dever desta proceder a retenção na fonte sobre o montante distribuído. D. Em função da acção inspetiva efetuada à Impugnante e da análise da respetiva contabilidade apurou-se a existência de um movimento contabilístico, documentalmente suportado e ocorrido, em 31-01-2014, do qual se extrai que o valor de € 124.027,34 foi debitado na conta “561 – Resultados transitados” e creditado na conta “2381 – Pessoal – Outras Operações - Com os órgãos sociais”, ou seja, foram lançados em conta corrente de sócios os lucros acumulados nos exercícios anteriores, tendo sido postos à disposição do sócio, o Sr. BB (NIF ...). E. Vejamos agora as concretas razões por que a Fazenda Pública não se pode conformar com o sentido decisório vertido nestes autos. F. Não há quaisquer dúvidas de que, na génese do presente acto de liquidação, houve uma distribuição de resultados, contabilisticamente, registada e, documentalmente, suportada por parte da Impugnante como se demonstra pela movimentação das contas SNC “561- Resultados Transitados” e “2381 – Outras operações com os órgãos sociais”, cf. fls. 7 da decisão. G. O que quer dizer que, a correção efetuada pela AT partiu dos próprios registos contabilísticos da Impugnante, os quais gozam da presunção de veracidade, nos termos do art. 75.º da LGT. H. Ou seja, foi a própria Impugnante que enquadrou a operação como distribuição de lucros reportada a 31-01-2014 e que a AT validou, em conformidade com o enquadramento do sujeito passivo em termos contabilísticos e fiscais, mormente nos registos da contabilidade e documentos de suporte. I. Contudo, considera o julgador que a distribuição de resultados ocorreu em momentos pretéritos, acrescentando ainda que o lançamento de 31-01-2014 não se traduz em qualquer facto tributário novo, o que motivou a procedência da impugnação. J. Ora, salvo melhor entendimento, julgamos que nos autos não foi produzida prova que sustente tal conclusão do julgador. K. Portanto, o lançamento a débito da conta “56 - Resultados transitados” e a crédito da conta “2381 – Com os órgãos sociais”, efetuado em 31-01-2014 é, em termos legais, uma distribuição de lucros, mas o Juiz na sua douta decisão considerou que tal lançamento não titulou uma distribuição de lucros. Nos anos anteriores, não obstante isso não resultar dos lançamentos contabilísticos, o Tribunal a quo já assume que houve distribuição de lucros sem que tal esteja evidenciado nos autos, apelando, para o efeito, à presunção legal ínsita no art.6.º, n.º 4 do CIRS. L. Mas, a verdade é que, como reconhece a própria sentença sob crítica, a Impugnante tinha um crédito sobre o sócio, resultante de ter efetuado pagamentos ao sócio-gerente para além dos valores que este teria direito a percecionar em razão do adiantamento de despesas relativas a alimentação, gás, telefones, etc. M. Certo é que com o lançamento efetuado, em 31-01-2014, a empresa deixou de ter esse crédito sobre o sócio, na medida em que debitando a conta de Resultados transitados (56), o que a Impugnante faz é, em termos legais, uma distribuição de lucros/resultados. N. Ora, o Tribunal a quo alicerça-se no que rege ao firmado no probatório, no disposto no art. 75.º da LGT, pelo que é de arguir que se, por um lado, o Tribunal a quo presume, à luz do citado preceito, de verdadeiras e de boa fé as declarações e a contabilidade da Impugnante e esta regista o lançamento entre as contas “56 – Resultados Transitados” e “2381 – Outras operações com os órgãos sociais” que configura uma distribuição de resultados e se, por outra parte, nega que tal lançamento contabilístico corresponda a uma distribuição de lucros, o decisor acaba por incorrer num juízo contraditório. O. Acresce que o decisor ao afirmar que o lançamento efetuado, em 31-12-2014, configura, jurídica e materialmente, uma compensação está a assumir que não há lugar a qualquer tributação, quer em sede de IRC (cf. art. 24.º, al. c) do CIRC), quer em sede de IRS- Retenção na fonte (cf. art. 71.º, n.º 1, al. c) do CIRS). Isto, pese embora a anulação do valor de € 124.027,34 na conta “56 – Resultados transitados”, em 31-01-2014, significar que a Impugnante diminuiu com essa operação, o resultado líquido da empresa. P. Nos presentes autos não houve qualquer relevação, nem prova de, objetivamente, ter ocorrido uma distribuição de resultados em anos pretéritos, ao contrário do doutamente decidido. Q. Refira-se a este propósito que a distribuição de lucros (resultados transitados) carece de uma deliberação pelos sócios, de acordo com os arts. 21.º e 217.º do CSC, devendo tal deliberação constar em acta, conforme dispõe o art. 63.º do CSC e no caso de adiantamentos sobre lucros no decurso do exercício teriam, também, que se encontrar verificados os pressupostos do art. 297.º do CSC (aplicável por analogia às sociedades por quotas) e, no caso, em momento algum tais documentos foram apresentados pela Impugnante ou por outra via comprovados. R. Reitera-se que, contabilisticamente, a saída de € 124.027,34 da conta “56 – Resultados transitados”, em 31-01-2014, configura uma distribuição de resultados e não pode deixar de ter, do nosso ponto de vista, esse mesmo tratamento para efeitos contabilísticos e fiscais com as devidas consequências. S. Acresce que, conforme referido no ponto VIII, do Relatório da Inspeção (p.8) e reproduzido na sentença, o sócio-gerente, até ao exercício de 2013, inclusive, não declarou qualquer rendimento da Categoria B e que a partir do exercício de 2014, inclusive, aquele já declarou no anexo D - Transparência Fiscal - imputação de rendimentos, a matéria coletável apurada, nos termos do CIRC, da sociedade Impugnante. T. Por tudo o que fica dito, é de concluir que o comportamento contabilístico e fiscal da sociedade Impugnante e bem assim do seu sócio-gerente foi no sentido de, inequivocamente, fazer uma distribuição de resultados, através do lançamento contabilístico ocorrido em 31-01-2014. Tal qual relevado à AT através das declarações fiscais e da contabilidade e que a AT não questionou, designadamente, em função da presunção da verdade das declarações e contabilidade da Impugnante. U. Sendo certo que a aceitar-se como verdadeira a versão da Impugnante e subscrita pelo decisor de que houve uma distribuição de resultados em momentos pretéritos, versão essa absolutamente contrária ao manifestado à AT nas declarações fiscais entregues e nos movimentos contabilísticos pela mesma efetuados na sua contabilidade e documentalmente suportados, e também não comprovada nestes autos, tal situação constituiria um mecanismo, eventualmente, potenciador da prática de comportamentos evasivos e mesmo fraudulentos em termos fiscais, o que se nos afigura inaceitável (neste sentido, veja-se a Decisão do CAAD, de 28-07-2017, proferida no Processo n.º. 3/2017-T). V. Mais, tal entendimento ao permitir que a tributação da capacidade contributiva gerada pela apropriação pelo sócio-gerente dos lucros distribuídos pudesse ser afastada através da compensação dos valores constantes das contas SNC 56 e 2381, operada num lançamento efetuado em data em que já se encontrasse caducado o direito de liquidar o imposto devido pelos excessos de pagamentos ocorridos nos anos pretéritos (que se presumiriam feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros), acabaria por consentir uma não tributação violadora dos princípios da igualdade, da legalidade e da justiça material que enformam o nosso sistema fiscal, cf. arts. 13.º e 103.º da CRP e art. 5.º da LGT. W. Em face de tudo quanto vimos de referir, julgamos que a sentença aqui sindicada padece de erro de julgamento da matéria de facto e de direito, por inadequada apreciação da prova constante dos autos e consequente erro no enquadramento jurídico dos factos subjacentes às liquidações impugnadas, em violação do disposto no art. 75.º, n.º 1 da LGT e arts.5.º, n.º 2, al. h), 7.º, n.º 3, al. a)-2 e 71.º, n. 1, al. c) do CIRS, pelo que se impõe a sua eliminação da ordem jurídica e a subsequente substituição por outra que julgue a impugnação completamente improcedente. Termina pedindo: Nestes termos e nos mais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso eliminando-se a douta sentença recorrida e determinando-se a sua substituição por outra que julgue, totalmente improcedente a ação, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA! *** O Recorrido não apresentou contra-alegações. *** A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso. *** Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT. *** Questões a decidir no recurso Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso. Assim sendo, importa apreciar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito por ter feito uma incorreta aplicação ao caso do regime aplicável referente à retenção na fonte de lucros prevista nos arts. 101.º, n.º 2, alínea a), 98.º, n.º 3 e 105.º do CIRS, e no art. 113.º do CIRC. II. Fundamentação II.1. Fundamentação de facto Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz: DOS FACTOS: Com relevância para a decisão a proferir consideram-se provados os seguintes factos [a numeração referida será efetuada por apelo à paginação eletrónica dos autos salvo menção expressa em sentido diverso]: A. A sociedade A..., Unipessoal, Lda. e uma sociedade unipessoal por quotas em que o sócio único e gerente é BB». [cfr. resulta do teor do relatório inspetivo e da posição das partes expressa nos seus articulados] B. A conta «26281 – Outros devedores e credores / Pessoal / Outras operações com os órgãos sociais/ BB» entre 1/1/2008 e 31/12/2009 evidencia múltiplos movimentos a crédito [com descritivos como “telefones”, “gás”, “alimentação”, “transportes” e “ferramentas e utensílios de desgaste rápido” e a débito [com o descritivo de “BB”], sendo o seu saldo em 31/12/2009 de EUR 81.900,47 (devedor). [cfr. extratos da conta juntos pela Impugnante e constantes da peça n.º 004686534 da paginação eletrónica do SITAF] C. Em 31 de dezembro de 2009 o balanço geral da sociedade A..., Unipessoal, Lda. exibia o seguinte saldo na conta de Resultados transitados – EUR 21.121,17 [cfr. IES do ano de 2010 constante do procedimento de reclamação graciosa] D. Em 1 de janeiro de 2010 a conta «23811 – Com os órgãos sociais / BB» tinha um saldo devedor de EUR 81.900,47. [cfr. extratos da conta juntos pela Impugnante e constantes da peça n.º 004686534 da paginação eletrónica do SITAF] E. Em 31 de dezembro de 2010 o balanço geral da sociedade A..., Unipessoal, Lda. exibia o seguinte saldo na conta de Resultados transitados – EUR 85.619,65 [cfr. IES do ano de 2010 constante do procedimento de reclamação graciosa] F. A conta «23811 – Com os órgãos sociais / BB» entre 1/1/2010 e 31/12/2010 evidencia múltiplos movimentos a crédito [com descritivos como “telefones”, “gás”, “alimentação” e “transportes” e a débito [com o descritivo de “BB”], sendo o total de movimentos no período de EUR 16.186,23 (a crédito) e EUR 171.625,80 (a débito). [cfr. extratos da conta juntos pela Impugnante e constantes da peça n.º 004686534 da paginação eletrónica do SITAF] G. Em 1 de janeiro de 2011 a conta «2381 – Com os órgãos sociais» tinha um saldo devedor de EUR 155.439,57. [cfr. extratos da conta juntos pela Impugnante e constantes da peça n.º 004686534 da paginação eletrónica do SITAF] H. Em 31 de dezembro de 2011 o balanço geral da sociedade A..., Unipessoal, Lda. exibia o seguinte saldo na conta de Resultados transitados – EUR 142.561,84 [cfr. IES do ano de 2011 constante do procedimento de reclamação graciosa] I. Em 31 de dezembro de 2013 o balancete geral da sociedade A..., Unipessoal, Lda. exibia os seguintes saldos: a. Conta 12 – Depósitos à ordem: EUR 100,58 devedor; b. Conta 2381- Pessoal / Remunerações a pagar / Ao pessoal / Outras operações / Com os órgãos sociais - EUR 140.175,06 devedor; c. Conta 561 – Resultados transitados – EUR 122.679,15 credor; [cfr. Anexo I ao relatório inspetivo constante de fls. 25 e ss. da peça n.º 004668375 da paginação eletrónica do SITAF] J. Em 31 de janeiro de 2014 foi efetuado o lançamento a débito da conta «561 – resultados transitados» e a crédito a conta «2381 – com os órgãos sociais» pelo valor de EUR 124.027,34 e a descrição do movimento «Outros docs. Bancários»; [cfr. Anexo I ao relatório inspetivo constante de fls. 25 e ss. da peça n.º 004668375 da paginação eletrónica do SITAF] K. Em 31 de dezembro de 2014 o balancete geral da sociedade A..., Unipessoal, Lda. exibia os seguintes saldos: a. Conta 12 – Depósitos à ordem: EUR 64,33 devedor; b. Conta 2381- Pessoal / Remunerações a pagar / Ao pessoal / Outras operações / Com os órgãos sociais - EUR 16.012,89 devedor; c. Conta 561 – Resultados transitados – EUR 0,00; [cfr. Anexo I ao relatório inspetivo constante de fls. 25 e ss. da peça n.º 004668375 da paginação eletrónica do SITAF] L. A conta «2381 – Com os órgãos sociais» entre 1/1/2011 e 31/12/2015 evidencia múltiplos movimentos a crédito [usualmente com descritivo referindo a existência de uma fatura] e a débito [com descritivos como “outros docs. bancários”], sendo o total de movimentos no período de EUR 149.231,95 (a crédito) e EUR 170.528,84 (a débito), ficando com saldo devedor de EUR 21.296,89 [cfr. extratos da conta juntos pela Impugnante e constantes da peça n.º 004686534 da paginação eletrónica do SITAF] M. Nenhum dos descritivos referidos no facto precedente refere tratar-se de distribuição de lucros [cfr. extratos da conta juntos pela Impugnante e constantes da peça n.º 004686534 da paginação eletrónica do SITAF] N. Em nenhum dos extratos bancários juntos aos autos consta a transferência para o sócio da importância de EUR 124.027,34. [cfr. extratos da conta juntos pela Impugnante e constantes da peça n.º 004686534 da paginação eletrónica do SITAF] O. A sociedade A..., Unipessoal, Lda. foi objeto de ação inspetiva efetuada a coberto da OI.......18, com referência ao exercício de 2014 e a retenções na fonte, onde foi promovida a liquidação de IRS – RF no valor de EUR 34.727,66 [cfr. relatório inspetivo constante de fls. 25 e ss. da peça n.º 004668375 da paginação eletrónica do SITAF] P. As liquidações referidas no facto precedente tiveram a seguinte motivação: “(...) II - 3. Outras situações II - 3.1 - Enquadramento Fiscal da atividade e do Sujeito Passivo O sujeito passivo, declarou início de atividade em 2008-01-01 enquadrando-se na atividade principal de “Atividades de prática médica de clínica especializada, em ambulatório” identificada com o Código das Atividades Económicas (CAE) 86220, sendo Sujeito Passivo de IRC nos termos do artigo 2° do Código de IRC, com o período de tributação coincidente com o ano civil e o apuramento da matéria coletável segundo as regras do regime geral. Em sede de IVA enquadrava-se no regime de isenção, ao abrigo do artigo 9.º do Código do IVA. II - 3.2 - Constituição. Capital Social, Sócios, Gerência, Objeto Social e Contabilista Certificado A empresa declarou início de atividade em 2008-06-23, efetuando o registo na Conservatória do Registo Predial/Comercial de .... sob o número de matrícula/NIPC ..., sob a forma jurídica de sociedade por quotas. A sociedade foi constituída com um o capital social de cinco mil euros (€5.000,00), constituído por uma única quota pertencente ao Sr. BB (NIF ...). No pacto social ficou definido que a gerência seria exercida pelo gerente, tendo ficado nomeado o sócio. Relativamente à forma de obrigar, ficou definido no pacto social que a forma de obrigar a sociedade é com a assinatura do gerente. No registo comercial, a empresa declara e refere como seu objeto social a "Prestação de Serviços Médicos de Pediatria". É Contabilista Certificado (CC) desde 2011-10-12 o Sr. DD.. (NIF ...). III - Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas III.1 - Descrição da situação constatada Analisadas que foram as demonstrações financeiras, nomeadamente, o balanço do exercício de 2014 e, quando comparado com o do exercício anterior e posterior, constatou-se que o capital próprio da sociedade registou uma diminuição materialmente relevante, como se mostra no quadro seguinte: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] III.2 - Características da conta SNC Resultados Transitados (56) Na rubrica de Resultados transitados reconhecem-se os resultados acumulados dos exercícios anteriores, O primeiro lançamento do ano, após a Abertura, deve ser a transferência do saído da conta 818 - Resultado Liquido do exercício anterior para a conta 56. Esta conta será movimentada subsequentemente de acordo com a afetação de resultados (lucros ou a cobertura de prejuízos) que for deliberada, bem como pela diferença entre os lucros imputáveis às participações nas empresas filiais ou associadas e os respetivos lucros que lhes forem atribuídos (método de equivalência patrimonial). Para além de acolher os resultados, esta conta também regista o reconhecimento de quantias que, embora se verifiquem durante o período, não sejam de registar em contas de resultados (classe 6 ou 7), mas antes, de acordo com o exigido pelas NCRF, diretamente nos Capitais Próprios. Na transição do POC para o SNC, por força do exigido na NCRF 3 - Adoção pela primeira vez das normas contabilísticas e de relato financeiro - todos os ajustamentos devem ser reconhecidos (registados) diretamente nos resultados transitados (ou, se apropriado, noutro item do capital próprio) à data da transição para as NCRF. Em resumo, a rubrica de resultados transitados inclui todos os resultados, lucros ou prejuízos que vão sendo acumulados ao longo dos exercícios. No que respeita aos lucros, acumula aqueles que não foram distribuídos aos acionistas ou sócios, podendo, contudo, vir a serem distribuídos. III.3 - Evolução da conta de resultados transitados do sujeito passivo desde que iniciou atividade Tendo por base o declarado pelo sujeito passivo nas demonstrações financeiras, nomeadamente no balanço, à Administração Tributária e Aduaneira (AT), desde que iniciou a atividade (2008) até ao exercício de 20141, apurou-se o saldo da conta de resultados transitados, como a seguir se mostra: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] Assim, no início do exercício de 2014 (01-01-2014), o saldo da conta SNC de Resultados Transitados (56) era de €124.027,34. Este valor reflete os resultados líquidos dos exercícios anteriores, conforme conceito já referenciado, e que se resume no seguinte: a rubrica de resultados transitados inclui todos os resultados, lucros ou prejuízos que vão sendo acumulados ao longo dos exercícios. No que respeita aos lucros, acumula aqueles que não foram distribuídos aos acionistas ou sócios, podendo, contudo, vir a serem distribuídos. Aquela anulação do valor constante na conta de resultados transitados e, consequentemente, a diminuição do valor do capital social configura uma distribuição de resultados ao sócio, neste caso ao Sr. BB (NIF ...). III. 4 - Legislação aplicável - Lucros colocados pela sociedade à disposição dos sócios e não levantados por estes De acordo com o número 1 a alínea h) do número 2 do Código do IRS, consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, de bens, de direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias. Nos referidos frutos e vantagens económicas incluem-se os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros. Os lucros das entidades sujeitas a IRC, no momento em que são pagos ou colocados à disposição dos respetivos titulares, pessoas singulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, são tributados, por retenção na fonte, à taxa liberatória de 28%, como dispõe a alínea c) do número 1 do artigo 71.º do Código do IRS, com opção de englobamento sempre que os titulares do rendimento sejam residentes em território nacional, como dispõe o numero 6 do mesmo artigo. Note-se que esta retenção na fonte, à taxa de 28%, dispensa o titular de englobar os respetivos rendimentos, e como tal não têm que constar da sua declaração modelo 3, devendo a entidade devedora remeter à AT, através de transmissão eletrónica de dados, a declaração modelo 39, até ao final do mês de Janeiro do ano seguinte, como dispõe a alínea b) do numero 12 do artigo 119.º, também ele do Código do IRS. Sobre o momento em que ocorre a obrigação de retenção na fonte, esta ocorre, consoante os casos, nos termos da regra 2 da alínea a) do número 3 do artigo 7.º do Código do IRS, conjugado com o numero 1 do artigo 71.º do mesmo diploma, no momento do pagamento ou da colocação dos lucros à disposição dos sócios. Por colocação à disposição deve entender-se o momento a partir do qual o sócio tem o poder de facto de receber os lucros que lhe hajam sido atribuídos. Os lançamentos em qualquer conta corrente dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando não resultem de mútuos, de prestações de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros. III. 5 - Diligências realizadas Com base naquela informação, foi-se averiguar se o sujeito passivo tinha efetuado a retenção na fonte devida pelo facto constado. Assim, em consulta às bases de dados da AT, averiguou-se que no exercício de 2014 não foram pagas quaisquer retenções fonte. Perante a análise interna efetuada foi o s.p. notificado, pelo nosso ofício ... de 2016-09-09, para no prazo de 10 (dez) dias nos remeter os seguintes documentos: a) Balancete analítico dos exercícios de 2013, 2014 e 2015; b) Extratos contabilísticos das contas da classe 5 - Capital, Reservas e Resultados Transitados do exercício de 2014 c) Documentos comprovativos e justificativos dos movimentos registados naquelas contas (classe 5 - Capital, Reservas e Resultados Transitados) no exercício de 2014 d) Descrição da atividade desenvolvida pela empresa. Em resposta ao ofício, veio o Sr. DD.. (CC), por email (entrada nos nossos serviços .............36), enviar os documentos solicitados e esclareceu que: “Os movimentos da conta 561, são regularizações contabilísticas internas (movimento interno) por contrapartida da conta 2381, cujos montantes diz respeito a operações realizadas anteriores a 2011, altura em que assumi a contabilidade da empresa e cujo saldo já era existente. A empresa presta serviços de medicina, na especialidade pediatria, pelo seu sócio-gerente." Os documentos e esclarecimentos solicitados foram enviados por email em 2016-09-26 (entrada nos nossos serviços .............36), pelo Sr. DD.. (CC). Relativamente ao documento comprovativo do movimento contabilístico registado na conta SNC 56, o extrato de movimentos de contas resume-se no seguinte quadro: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] Ainda naquele documento se constata que os movimentos contabilísticos foram realizados em 31 de janeiro de 2014. Pela análise ao documento enviado, constata-se que o valor de €124.027,34 foi debitado na conta “561 - Resultados transitados” e creditado na conta "2381 - Com os órgãos sociais", ou seja, foi lançado em conta corrente de sócios os lucros acumulados nos exercícios anteriores. Foram assim postos à disposição do sócio, o Sr. BB (NIF ...), os lucros da sociedade. III. 6 - Correções propostas em sede de retenção na fonte Pela informação constante no documento apresentado, conclui-se que em 31 de janeiro de 2014 foi atribuído e colocado à disposição do sócio o valor de €124.0237,34 de lucros acumulados em exercícios anteriores. Deveria assim, a sociedade, ter procedido à entrega nos cofres do Estado das retenções na fonte de IRS, a título definitivo e liberatório, a que se encontram sujeitos os valores atribuídos ao sócio em resultado daquela distribuição de lucros, conforme legislação já referenciada, no montante de € 34.727,66, conforme calculo que se mostra no quadro seguinte: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] À entidade devedora dos rendimentos, de acordo com a alínea a) do número 2 do artigo 101.º articulado com o artigo 98.º ambos do Código do IRS, competia efetuar a retenção do imposto, a título definitivo e liberatório e a entrega nos cofres do Estado, nos locais previstos no artigo 105 ° do Código do IRS e 113.º do Código do IRC, até ao dia 20 do mês seguinte (fevereiro de 2014) àquele em que foram deduzidas, de acordo com o estipulado número 3 do artigo 98.º do Código do IRS. Assim, a sociedade deveria ter procedido à submissão da guia de pagamento de retenções na fonte, como se indica: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (...) VIII - Outros elementos relevantes Analisado que foi também o cumprimento fiscal do sócio gerente, o Sr. BB (NIF ...), constatou-se que até ao exercício de 2013, inclusive, o s.p. não declarou qualquer rendimento da Categoria B - Profissionais, Comerciais e Industriais resultante da imputação ao sócio, da matéria coletável, determinada nos termos do Código do IRC, da sociedade A,.., UNIPESSOAL LDA,; NI PC ..., com a sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros. A partir do exercício de 2014, inclusive, o Sr. BB (NIF ...) já declarou no anexo D - Transparência Fiscal - imputação de rendimentos, a matéria coletável apurada nos termos do Código do IRC da sociedade A,.., UNIPESSOAL LDA,; NIPC .... Mais se refere que relativamente ao s.p. A,.., UNIPESSOAL LDA,; NIPC ..., até ao exercício de 2013, inclusive, declarou no rosto da declaração de rendimentos modelo 22 que optava pelo regime Geral de tributação da matéria coletável apurada. A partir de 2014, inclusive, assinou como regime de tributação dos rendimentos o Geral e Transparência Fiscal, daí o s.p. BB (NIF ...) declarar o anexo D da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS. IX - Direito de Audição - Fundamentação O s.p., na pessoa do seu representante legal, foi notificado, via postal (RF........04 PT), nos termos dos artigos 60.º da LGT e 60 ° do RCPITA, pelo nosso ofício 2016 ...61 R ..., datado de 2016-1014, para no prazo de 15 (quinze) dias exercer o Direito de Audição relativamente às correções propostas no Projeto de Correções do Relatório de Inspeção. Dentro do prazo concedido para aquele efeito, o s.p. não exerceu o referido direito, pelo que, são de manter as correções constantes do Projeto de Correções do Relatório de Inspeção, tornando-se as mesmas definitivas nesta data. (...)” [cfr. relatório inspetivo constante de fls. 25 e ss. da peça n.º 004668375 da paginação eletrónica do SITAF] Q. Com base no sancionamento hierárquico daquela proposta foi promovida a liquidação de IRS – Retenções na fonte n.º ...28 no valor de EUR 34.727,66 e de juros compensatórios n.º ...20 no valor de EUR 3.771,51 [cfr. resulta da posição das partes e da proposta de decisão constante da reclamação graciosa n.º ...93 que integra o procedimento administrativo inserto nos presentes autos] Não se provaram outros factos com interesse para a decisão dos presentes autos. Motivação da matéria de facto: O Tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos assentes tendo por base, essencialmente, a análise crítica do conjunto da prova, com referência à documentação constante dos autos (não impugnada) e do processo administrativo apenso, de harmonia com as menções constantes no fim de cada um dos factos assentes. Contribuiu também para a formação da convicção do Tribunal o depoimento da testemunha arrolada pela Impugnante, Sr. DD.., contabilista certificado desta que depôs de forma isenta e credível, sem hesitações ou contradições, demonstrando a origem do conhecimento dos factos que relatou ao Tribunal, motivos pelos quais se reputa o seu depoimento de credível e passível de sustentar a convicção do Tribunal. Ao Tribunal a testemunha asseverou que desconhece qualquer distribuição de lucros desde que assumiu a contabilidade em Outubro de 2011 e que contabilisticamente a sociedade nunca teve disponibilidades para fazer face a esse encargo. Asseverou, a instâncias da Fazenda, que tais resultados transitados “não existiam” e que a empresa nunca teve em conta valores sequer próximos dos aqui em causa. Declarou ainda que o lançamento efetuado em 31/1/2014 se destinou apenas a saldar a conta porque existiam movimentos a crédito lançados em momento anterior. Salienta-se, ainda, que o depoimento da testemunha é corroborado pelos documentos apresentados pela Impugnante. * II.2. Fundamentação de Direito Importa apreciar se a sentença recorrida padece do erro de julgamento de direito que lhe é imputado pela Recorrente Fazenda Pública, que alega, em síntese, que o “comportamento contabilístico e fiscal” da Recorrida foi no sentido de fazer uma distribuição de resultados através do lançamento efetuado em 31 de janeiro de 2014 e que a correção efetuada pela ATA partiu dos próprios registos contabilísticos da Recorrida, que enquadrou a operação como uma distribuição de lucros reportada àquela data. Vejamos então. A aqui Recorrida, cuja atividade principal é descrita como “Atividades de prática médica de clínica especializada, em ambulatório” foi sujeita a uma inspeção tributária de objeto parcial às retenções na fonte de IRS relativas ao exercício de 2014, conduzida pelos serviços de inspeção tributária (SIT) da Direção de Finanças ..., no âmbito da qual estes apuraram, através da análise das demonstrações financeiras, maxime, da evolução do balanço de 2014, que em 1 de janeiro de 2014 a conta SNC de resultados transitados revelava um saldo de EUR 124.027,34 (refletindo os resultados líquidos do exercício anterior), entretanto anulado, apresentando-se com saldo nulo em 31 de dezembro do mesmo ano. Os SIT apuraram ainda, através da análise da documentação solicitada à Recorrida, e disponibilizada pelo respetivo contabilista, que o débito de EUR 124.027,34 na conta 561 (“resultados transitados”) foi registado por contrapartida de um movimento a crédito da conta 2381 “Pessoal”/“outras operações com órgãos sociais”. Em face destas circunstâncias, concluíram os SIT que nesse exercício de 2014 ocorrera uma distribuição de resultados ao único sócio da Recorrida no montante de EUR 124.027,34, não obstante o respetivo TOC ter esclarecido no decorrer da inspeção tributária que o suprarreferido movimento na conta 561 dizia respeito a “regularizações contabilísticas internas (movimento interno) por contrapartida da conta 2381, cujos montantes dizem respeito a operações realizadas anteriores a 2011”, altura em que o mesmo assumira a contabilidade da empresa, e cujo saldo “já era existente” (cf. ponto P, da fundamentação de facto). Assim sendo, e atendendo à qualificação de rendimentos contante no art. 2.º, n.º 1, alínea h) do CIRS, à circunstância de nos termos do disposto no art. 71.º, n.º 1, alínea c) conjugado com o disposto no art. 7.º, n.º 3, alínea a), ponto 2), do CIRS os lucros das atividades sujeitas a IRC, como é o caso, serem tributados à taxa liberatória de 28% no momento em que são pagos ou colocados à disposição dos respetivos titulares, e à constatação de que não fora efetuada a correspondente retenção na fonte, e uma vez que a Recorrida não apresentou naquele exercício de 2014 qualquer declaração modelo 39, foi efetuada a liquidação oficiosa do montante de EUR 34.727,66 a título de retenções a fonte, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 101.º, n.º 2, alínea a), 98.º, n.º 3, e 105.º do CIRS, e 113.º do CIRC. Na sentença recorrida a decisão de julgar procedente a impugnação judicial interposta pela aqui Recorrida fundamentou-se, e em síntese, no facto de ali se ter considerado que a Recorrida logrou provar a sua tese de que o movimento contabilístico em questão não teve qualquer movimento financeiro subjacente, tendo-se destinado a uma compensação ou acerto interno. Refere-se a propósito o seguinte na sentença sob recurso: (…) Como decorre do probatório e é incontroverso nos presentes autos a Impugnante reportou ao longo do tempo os resultados positivos apurados, levando-os a resultados transitados, passando aquela conta a relevar um crédito do titular do capital sobre a sociedade (direito à distribuição do lucro). Contemporaneamente a sociedade levou à conta «26281 – BB» e com a vigência do SNC à conta «23811 - BB» diversos movimentos a favor do gerente e titular da sociedade unipessoal e, simultaneamente, movimentos a favor da sociedade. Destes movimentos resultou que a conta passou a ter um saldo devedor, ou seja e por outras palavras, a sociedade pagou a mais ao sócio-gerente que os valores que este teria direito a percecionar em razão do adiantamento de despesas relativas a alimentação, gás, telefones, etc. Significa isto que o saldo daquela conta releva um valor a favor da referida sociedade. (…) Em 31 de Dezembro de 2014 foi efetuado lançamento entre aquelas duas contas, compensando simultaneamente os dois saldos. Tal significa que (i) o crédito da sociedade sobre o gerente / sócio diminuiu e, simultaneamente, o crédito deste sobre a sociedade e relativo a distribuição de resultados também se reduziu no mesmo montante. Jurídica e materialmente, esta operação configura uma compensação na medida em que extinguiu reciprocamente e no mesmo valor os créditos de e sobre a sociedade. (…) Enquadrando ainda os contornos do litígio em apreço, recorde-se que a correção em causa foi efetuada na sequência de um procedimento interno de inspeção tributária, através da qual os SIT se limitaram a compulsar os registos contabilísticos da aqui Recorrida, não tendo sido levados em consideração os esclarecimentos então prestados pelo respetivo TOC, que como já aqui se referiu, oportunamente esclareceu estar em causa uma operação de regularização interna. Concluíram assim os SIT, como também já aqui se referiu, que teria ocorrido uma distribuição de lucros ao sócio da Recorrida pelo facto de em 1 de janeiro de 2014 a conta 561 (“resultados transitados”) apresentar um saldo EUR 124.027,34 e em 31 de dezembro do mesmo ano aquele mesmo saldo se apresentar nulo, mais tendo apurado que naquele exercício o referido montante de EUR 124.027,34 fora creditado numa conta 2381 (“Pessoal”/”outras operações com órgãos sociais”) por contrapartida do débito na conta 56. Apreciando. Tal como decorre do disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, sendo certo, por outro lado, que do disposto no n.º 1 do art. 75.º da LGT resulta que se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, resultando exemplificativamente elencadas no n.º 2 um conjunto de circunstâncias em que a presunção prevista no n.º 1 cede. Pelo que o disposto no n.º 1 do art. 74.º terá de ler lido em conjugação com o disposto no n.º 1 do art. 75.º, ou seja, apenas no caso de a Administração fiscal provar que os dados e apuramentos inscritos na contabilidade do sujeito passivo não se encontram organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal, é que cessa a presunção de verdade e boa-fé das declarações dos sujeitos passivos, passando a caber a estes o ónus da prova de que as suas declarações fiscais, e os dados e apuramentos constantes da sua contabilidade são verdadeiros. Ora, o que se constata é que a ATA, manifestamente, não cumpriu com o seu ónus probatório, pois não podia concluir através da mera verificação dos registos contabilísticos da Recorrida que ocorrera uma distribuição de lucros, pela simples razão de que não é isso que os mesmos revelam. De facto, o registo foi efetuado numa conta 2381, que de acordo com as notas às contas do SNC se destina ao registo dos movimentos não contemplados nas restantes contas 23, no caso, “Pessoal”/“outras operações com órgãos sociais”, tratando-se, assim, de uma conta residual, pelo que, manifestamente, da mera constatação do registo da quantia em questão nesta conta não podiam os SIT concluir estar em causa uma distribuição de lucros. Por outro lado, e embora do RIT, que contém a fundamentação da liquidação aqui em discussão, não seja feita qualquer referência à presunção constante no n.º 4 do art. 6.º do CIRS, a mesma também não podia, no caso, ser valorada a seu favor, uma vez que não foi comprovado o facto base daquela presunção, ou seja, que a quantia foi registada numa conta de sócios. Com efeito, do disposto naquele n.º 4 do art. 6.º do CIRS, na redação anterior à Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro – recorde-se que em causa está uma operação ocorrida no exercício de 2014 – resultava que “[o]s lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”. Sucede que a conta 238 não é uma conta de sócios, mas, como já aqui foi referido, uma conta de “pessoal”, que reflete “outras operações” “com os órgãos sociais”, tal como resulta do código de contas SNC. De facto, e como vem sendo esclarecido pela jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo Norte, apenas quando a quantia tenha sido inscrita numa conta de sócios se poderá lançar mão da suprarreferida presunção. Reproduz-se, a este propósito, a fundamentação no trecho pertinente do Acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Norte em 17 de novembro de 2022 no proc. 2479/14.4BEPRT (ainda não publicado), e no qual a aqui relatora figurou como primeira adjunta: (…) Conforme se menciona na sentença recorrida, o artigo 6.º, n.º 4 do CIRS consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros. Porém, só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prove que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros. Pretendendo a AT, como fez, fundar-se na presunção do artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, teria de provar os requisitos em que assenta a ilação, caso contrário não pode alcançar o facto desconhecido, que é o adiantamento por conta de lucros. Se, para além da norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, a única presunção legal que se conhece, neste âmbito, é a que decorre da norma do artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, na redacção então em vigor, segundo a qual os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros; então, para esta presunção operar pressupõe-se, efectivamente, o registo na conta corrente do sócio, o que não ocorreu. Com efeito, como vimos, as operações em apreço foram registadas contabilisticamente na conta SNC 2782, conforme consta do ponto 6 do probatório. Consultado o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), observamos que a conta 278 corresponde a uma conta relativa a “outros devedores e credores”, registando-se nesta conta outras operações referentes a contas a receber e a pagar que não se encontram especificadas noutras contas. Note-se que a conta de sócio/accionista está identificada no Sistema de Normalização Contabilística como “conta 26”, sendo a “conta 27” relativa a “outras contas a receber e a pagar” (que não de sócios). Portanto, como os lançamentos em análise não foram realizados numa conta dos sócios, não podia a AT presumir que foram feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, dado falhar a base ou a premissa da presunção. (…) Não significa isto que não possam existir situações em que materialmente ocorra uma verdadeira distribuição de lucros a coberto de registos contabilísticos que não a reflitam formalmente, mas antes que a ATA apenas beneficia da presunção legal contida na supracitada norma quando o registo seja efetuado numa conta de sócios. Não beneficiando da presunção legal, caberá à ATA provar que os dados e apuramentos inscritos na contabilidade do sujeito passivo não se encontram organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal, ou, e sendo esse o caso, lançar mão dos mecanismos legais que tem ao seu dispor, designadamente, e quando considere que em causa esteja uma construção artificial, destinada à obtenção de uma vantagem fiscal indevida, com recurso ao regime consagrado no art. 38.º da LGT. Ora, e como vem sendo referido por este Tribunal Central Administrativo Norte, mal andaríamos se fosse vedado aos contribuintes em sede contenciosa - no caso, através da impugnação judicial - fazerem prova dos factos que permitam chegar à correta qualificação material das operações financeiras que efetuam, sendo certo que a aqui Recorrida procurou fazer essa mesma prova através da reclamação administrativa que interpôs perante o competente serviço da ATA (cf. neste sentido o Acórdão proferido por este coletivo em 2 de fevereiro de 2023, no proc. 3155/16.9BEPRT, ainda não publicado), tendo a mesma sido, aliás, ignorada pelos competentes serviços da ATA, visto que na origem da impugnação judicial está o indeferimento tácito da mesma. Sucede que, como se referiu, o Tribunal a quo considerou que a Recorrida logrou provar a sua alegação de que o movimento contabilístico em questão, ocorrido em 2014 – sendo este o único que cumpre apreciar, atendendo à fundamentação constante no RIT, - refletiu um mero ajuste interno, tendo a mesmo igualmente logrado provar que naquele exercício não se verificou qualquer movimento financeiro naquele montante entre a Recorrida e o seu sócio, sendo certo, além do mais, que a aqui Recorrente não ensaiou sequer ataque à fundamentação de facto da sentença. Por outro lado, e como já aqui se referiu, não é correta a asserção da Recorrente de que a distribuição de resultados se encontra “contabilisticamente registada e, documentalmente, suportada por parte da Impugnante [aqui Recorrente] como se demonstra pela movimentação das contas SNC 561 – Resultados Transitados e 2381 – Outras operações com os órgãos sociais”, encontrando-se a correção, como erradamente pretende, sustentada nos próprios registos contabilísticos da Recorrida. Com efeito, e como, aliás, é referido na sentença sob recurso, o registo contabilístico correspondente ao adiantamento por conta de lucros no SNC (em vigor em 2014) deve ser efetuado através da movimentação da conta 263 (adiantamento por conta de lucros), o que, manifestamente, não sucedeu no caso. Donde, cabia à ATA ter desenvolvido o necessário esforço probatório no sentido de revelar que o movimento efetuado não correspondia à qualificação que lhe foi dada pela Recorrida, demonstrando que o que efetivamente estava em causa era um adiantamento por conta de lucros ocultado. Por fim, de referir que também que as considerações expendidas no ponto “VIII – Outros elementos relevantes” do RIT, a que alude a Recorrente, em nada contribuem para o cumprimento do seu ónus da prova, que, repita-se, não logrou cumprir. Assim sendo, e em face do exposto, resta concluir que a sentença sob recurso não padece de qualquer erro de julgamento, devendo por isso o presente recurso ser julgado totalmente improcedente. *** Atendendo ao seu total decaimento no presente recurso, a Recorrente Fazenda Pública é condenada em custas [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT]. *** Conclusão: Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva: I. Não beneficiando a ATA no caso da presunção constante no (então) n.º 4 do art. 6.º do CIRS - porque a quantia em questão não foi registada numa conta de sócios – cabia-lhe provar que os dados e apuramentos inscritos na contabilidade do sujeito passivo não se encontram organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal, ou, e sendo esse o caso, lançar mão dos mecanismos legais ao seu dispor, designadamente, e caso considerasse que em causa estava uma construção artificial destinada à obtenção de uma vantagem fiscal indevida, ao regime consagrado no art. 38.º da LGT. II. Não correspondendo o registo contabilístico efetuado pelo sujeito passivo a um adiantamento por conta de lucros nos termos do SNC - que para tal deveria ter sido efetuado através da movimentação da conta 263 – não estava a ATA legitimada a fazer a correção oficiosa a título de retenções na fonte, sendo a mesma ilegal, por erro de direito nos respetivos pressupostos. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida. Custas pela Fazenda Pública. Porto, 16 de fevereiro de 2023 - Margarida Reis (relatora) – Cláudia Almeida – Paulo Moura. |