Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00104/10.1BEPRT |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 02/17/2022 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | Carlos de Castro Fernandes |
| Descritores: | RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO; ISENÇÃO IRC; LEI 45/2008; ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS |
| Sumário: | I - No recurso incidente sobre a matéria de facto cabe ao recorrente cumprir os ónus processuais previstos no art.º 640.º do CPC ex vi art.º 281.º do CPPT, sob pena de não conhecimento daquele na parte respetiva. II - As isenções de IRC de que beneficiam o Estado e as autarquias locais, previstas no artigo 9º do CIRC não incluem as entidades públicas com natureza empresarial nem as associações e federações de municípios que pratiquem atividades de natureza comercial, industrial e agrícola. III - Na Lei n.º 45/2008, e para efeitos de aplicação do regime legal, foi efetuada uma diferenciação entre associações de municípios de fins múltiplos, denominadas comunidades intermunicipais (artigos 2.º e seguintes) e associações de fins específicos (artigos 34.º e seguintes) e apenas se prevendo para as primeiras a aplicação de isenções fiscais (artigo 30.º). Deste modo, não pode esta isenção ser aplicável a uma associação de fins específicos. IV - A isenção prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 9º do CIRC assenta no não exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas, pelo que, desenvolvendo a Recorrida uma atividade de natureza comercial, ainda que com natureza acessória, não lhe deve ser reconhecido o direito à supradita isenção.* * Sumário elaborado pelo relator |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer. |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I – A Representação da Fazenda Pública - RFP (Recorrente), veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual se julgou procedente a impugnação deduzida pela .XL.. (Recorrida) que esta intentou contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação de IRC do exercício de 2008, assim como contra a correspetiva liquidação de juros compensatórios. No presente recurso, a Recorrente (RPF) formula as seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação sub judice, deduzida da liquidação de IRC de 2005 lançada à impugnante, declarando que “a atividade exercida pela impugnante (...) reveste natureza eminentemente dum serviço público – vulgarmente designada de recolha e tratamento de lixo urbano”, e concluindo que “não restam dúvidas de que a impugnante sempre usufruiria de isenção à luz do artigo 9º, al. b), do CIRC”. B. Com o assim decidido, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se, por entender que a sentença recorrida se mostra afetada de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, já que selecionou de modo insuficiente e valorou erroneamente a factualidade evidenciada da prova produzida no processo, da qual cumpria fazer a adequada qualificação jurídica, em termos que afetam irremediavelmente a validade substancial da sentença. C. Dá-se aqui por reproduzida a factualidade que, na ótica da Fazenda Pública, deve complementar a matéria de facto assente na sentença recorrida, que se indicou no desenvolvimento em cumprimento do disposto no art. 640º CPC, no exercício dos poderes concedidos ao Tribunal ad quem pelo art. 662º, nº 1, do CPC, aplicáveis por via da al. e) do art. 2º do CPPT, que se documentalmente demonstrados nos autos e se reputar essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente os extratos do Relatório de Inspeção Tributária transcritos no ponto D. do título “III – Dos Factos” da sentença recorrida. D. A razão de ser do enquadramento da associação de municípios impugnante como sujeito passivo não isento de IRC que exerce a título principal atividades de natureza comercial e industrial, como decorre da factualidade que se pretende seja acrescentada à fundamentação da decisão, na realização dessas operações económicas com caráter empresarial, ie, pela melhor combinação dos fatores de produção para a perceção de acréscimos patrimoniais, visando obter uma diferença positiva entre os valores do património líquido no início e no fim do período de tributação, que a impugnante destina segundo a gestão dada pela sua administração E. Relevante‚ para o caso delineado nos autos, é, então, a natureza e modo de exercício da atividade pela impugnante, que gerou os valores objeto de tributação, pois que ao direito fiscal importa sobretudo a real configuração das situações de facto, a realidade económica, a realidade de facto, conforme estatui, de forma genérica, no nº 3 do art. 11º da LGT. F. Resulta demonstrado que a impugnante dispõe de organização comercial e industrial em ordem ao exercício de uma atividade de produção ou troca de bens e serviços que é capaz de gerar rendimentos e, portando de acréscimo patrimonial. G. Esse acréscimo patrimonial lhe advém principalmente do produto da sua atividade de produção ou troca de bens e serviços, mormente dos clientes privados da recolha de resíduos e da venda dos produtos reciclados e de energia elétrica, da contraprestação dos Municípios que pagam preços – tarifas – pela prestação de serviços de reciclagem e incineração de resíduos sólidos urbanos, e da contraprestação dos Municípios que pagam preços – tarifas – pela prestação de serviços de reciclagem e incineração de resíduos sólidos urbanos, que servem à redução das comparticipações para investimentos, e das subvenções públicas, nacionais ou comunitárias. H. Daí que não assuma relevo a omissão do escopo legal ou estatutário da impugnante de qualquer finalidade lucrativa efeito excludente, pois que, segundo a realidade dos factos apurada no processo sub judice, as atividades exercidas pela impugnante têm sido dirigidas à obtenção sucessivos acréscimos patrimoniais, obtidos pela eficiente combinação de fatores de produção, conseguindo não apenas economias de escala, mas “maior rentabilidade”, “redução de custos” e, por isso, aumento de proveitos. I. Tais acréscimos destinam-se a ser aplicados na estrutura produtiva, reduzindo as contribuições financeiras que os Municípios associados têm o dever de prestar, e, assim, repartindo indiretamente os proveitos entre esses associados. J. Os proveitos resultantes dos componentes da actividade exercida pela impugnante destinam-se a ser utilizados genericamente no desenvolvimento de toda a sua actividade, incrementando resultados e buscando a evolução positiva do acréscimo patrimonial registado nos sucessivos exercícios económicos. K. É esse acréscimo patrimonial verificado na associação impugnante em consequência do modo como exerce a sua atividade que determina a sua tributação em IRC, e não a finalidade, existente ou não, de enriquecimento dos seus associados. L. O legislador fiscal liga a obrigação do imposto, não a formas jurídicas, mas à prática de atos, ao exercício de atividades e ao gozo de situações, pois, como observa Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Ato Tributário, pág. 324, “o facto tributável com ser facto típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos que, por esta nova ótica, se convertem em elementos do próprio facto”. M. A prossecução de um serviço público não obsta em si mesma, na perspetiva da Fazenda Pública, ao preenchimento das condições para que a associação de municípios impugnante se constitua em sujeito passivo não isento de IRC, N. Desde que exerça as atividades atribuídas em vista daquela prossecução com natureza empresarial e escopo lucrativo – que o Relatório de Inspeção Tributária demonstra e a prova produzida na presente impugnação corrobora. O. As atividades de tratamento e valorização dos resíduos urbanos sólidos que compõem a parte do objeto da associação impugnante indicada no nº1 do art. 2º dos seus Estatutos podem ter sido estabelecidas em função da satisfação de fins ou interesses da coletividade, podem manifestar a prossecução de um serviço público, P. mas o modo empresarial através do qual é exercida, em conjunto com as demais, e o resultado lucrativo que, em repetidos exercícios económicos é conseguido, reintegrado em toda a estrutura produtiva, preenche a estatuição da lei fiscal de sujeição e não isenção, e deve determinar a tributação daquela entidade em sede de IRC. Q. Posto que a impugnante exerce a sua atividade de modo empresarial, buscando acréscimos patrimoniais entre o início e o fim de cada exercício económico, tem de concluir-se que os seus custos ou gastos, tal como os seus proveitos ou ganhos, fazem parte do apuramento do resultado líquido desse exercício. R. Em face do exposto, a associação aqui impugnante exercendo sua atividade de modo empresarial em vista do contínuo incremento do seu património, aliviando a carga financeira que impende sobre os seus membros, e evidenciando capacidade contributiva, é sujeito passivo não isento de IRC. S. Como tal, a situação da impugnante subsume-se à al. b) do nº 1 do art. 9º do CIRC, dado que, no ano fiscal a que respeita a liquidação impugnada, se demonstrou exercer a título principal actividade comercial, industrial ou agrícola com carácter empresarial e escopo lucrativo. Termina a Recorrente pedindo que seja julgado procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida. * A Recorrida, XL.., apresentou contra-alegações nelas concluindo que:A. Inconformada com a decisão a Fazenda Pública interpôs o presente recurso, a cujas alegações se apresenta agora resposta. B. Entende a recorrida que a decisão de que vem interposto o presente recurso não merece censura, não lhe sendo imputável qualquer erro de julgamento de facto ou de direito, por a mesma se encontrar em conformidade com as exigências de fundamentação impostas pelo artigo 123º do CPPT e pelos nº 2 e 3 do artigo 659º do CPC, ou, bem assim, qualquer nulidade das previstas no artigo 125º do CPPT e no artigo 668º do CPC. Na verdade, não pode deixar de reconhecer-se que a sentença identifica convenientemente os factos objecto de litígio, sintetiza a pretensão da impugnante e a posição do representante da Fazenda Pública, bem como os respectivos fundamentos, assim como fixa a questão que ao tribunal cumpre solucionar e no modo como descrimina a matéria provada e fundamenta – de facto e de direito – as suas decisões. Percebe-se que o Tribunal procede a um exame das provas testemunhal e documental que se lhe são apresentadas, apreciando-as, censurando-as e valorando-as ao ponto de as estabilizar e de com elas consubstanciar as suas opções de direito. C. Pelo contrário, a recorrente limitou-se a uma vez mais reiterar aquele que é o seu posicionamento originário – impugnado – face às questões jurídicas suscitadas, chamando ao seu rol factual elementos parciais e descontextualizados retirados desajeitadamente dos depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos: os factos que o recorrente reproduziu nas suas alegações como correspondendo a citações de depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela aqui impugnante são retirados parcialmente de um contexto abrangente que tem por objectivo a demonstração da tese a que acaba por aderir o Tribunal a quo e que verdadeiramente nunca chega a ser impugnada pela AT, nem em sede inspectiva, nem nos autos da presente acção. D. A Fazenda Pública limitou-se, enfim, a repetir nesta sede, quanto à matéria de facto, os mesmos dogmas ou preconceitos que já tinha tornado públicos no relatório que fundamenta o acto tributário impugnado, basicamente assentes em falsos pressupostos, num incompreensível desconhecimento da matéria de facto e numa profunda ignorância do alcance das funções e do serviço públicos. E. Com efeito, pode dizer-se, os “factos” invocados no relatório de inspecção tributária não têm urna correspondência exacta à realidade, pelo que não têm por que ser considerados provados. O facto que o Tribunal a quo é apto a admitir como provado é a sua existência e notificação à parte, com o teor que pode ou não entender reproduzir. A recorrente pode ter a pretensão de ver provados todos os factos que apenas indicia no referido documento, o que não pode é ferir de anulabilidade a decisão judicial que os não conforma como tal, quer porque relativamente aos mesmos foi feita uma prova contraditória (pela então impugnante e aqui recorrida), quer porque entendeu melhor acomodá-los a uma tese menos parcial e redundante. F. Os factos que o recorrente reproduziu nas suas alegações como correspondendo a citações de depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela aqui impugnante são retirados parcialmente de um contexto abrangente que tem por objectivo a demonstração da tese a que acaba por aderir o Tribunal a quo e que verdadeiramente nunca chega a ser impugnada pela AT, nem em sede inspectiva, nem nos autos da presente acção. G. Convém, pois, recordar que, computada a prova documental e testemunhal produzida, a factualidade alegada pela impugnante é definitivamente coerente com os fundamentos invocados na sentença, que se apresentam como conclusões óbvias face à ausência de contraditório eficaz por parte da AT e agora da Fazenda Pública. H. A propósito do vício arguido pela recorrente sobre o julgamento da matéria de direito, convém esclarecer, antes de mais, que, ao contrário daquele que é o ponto de partida da recorrente, a alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC não se pode aplicar à situação da X.L..: o regime que se deve aplicar à situação ora em análise é o do artigo 36º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio (usado, e bem, pelo Tribunal a quo), o qual estabelece que as associações de municípios beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais, entre as quais se conta a isenção de IRC, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 9º do respectivo Código. I. Ao aplicar na solução jurídica do caso o artigo 36º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio, o Tribunal a quo actuou com respeito pelas normas jurídicas mobilizáveis e de um modo conforme e coerente face à sucessão das leis no tempo. J. Já quanto à questão central dos presentes autos, a de saber se a X.L.. exerce ou não, a título principal, uma actividade comercial e industrial, o Tribunal a quo não hesita em responder negativamente. E falo com a consciência de que “como consta dos estatutos da Impugnante publicados em Diário da República e não colocado em causa pela Administração Tributária, o objecto imediato da impugnante é a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados e por outras entidades que a associação venha admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infraestruturas necessárias pata o efeito. Assim sendo, a actividade exercida pela Impugnante tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos reveste natureza eminentemente dum serviço público – vulgarmente designado de recolha e tratamento de lixo urbano – pois, a circunstância de tal actividade poder ser exercida por privados (o que não é o caso), não retira esse carácter de serviço público (pelo menos, no sentido de utilidade pública)”, e, além disso, que “prosseguindo a impugnante eminentemente um serviço público o de recolha e tratamento de resíduos e não existindo qualquer referência no Relatório de Inspecção Tributário de que não afecte todas os rendimentos que obtém à satisfação desse serviço público, não restam dúvidas de que a Impugnante sempre usufruiria de isenção à luz do artigo 9º, al, b) da CIRC”. K. Ora, assim não pensa a recorrente, que coloca a noção de “actividade exercida a título principal” no centro das soluções que propõe: todo o Direito a que a recorrente recorre – uma vez estabelecida a sua posição de não aplicação à X.L.. da isenção de IRC – para apurar o lucro tributável e as tributações autónomas da empresa tem esse conceito como pressuposto. L. A tese prosseguida pela recorrente merece, no entanto, alguns esclarecimentos: pela actividade comercial ou industrial (ou, ainda, agrícola) que consubstancia o objecto de uma sociedade comercial entende-se, nos termos do n.º 4 do artigo 3º do Código do IRC, uma actividade que consista na realização de operações económicas. Depois, de acordo com a Doutrina unânime, por actividade económica entende-se uma actividade que em regra gera lucros distribuíveis pelos sócios (cfr., por todos, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II – Das Sociedades –, págs. 8 e seguintes). De resto, é o que se recolhe da lei: segundo o artigo 980º do Código Civil, o “contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade”. M. Sublinhe-se, neste momento, que, nem nas associações do regime geral (cfr. o artigo 157º do Código Civil), nem nas associações municipais, o lucro pode ser repartido pelos associados. N. Ora, a noção de “actividade exercida a título principal” tem de ser interpretada por remissão para os conceitos de fim associativo ou ainda, subsidiariamente, de objecto social, e atendendo, mais concretamente, ao entendimento que possamos fazer do que é que são fins ou objectos principais e acessórios. O. Neste ponto, a sentença recorrida é exímia: subjacente ao sentido da decisão do Tribunal está, pois, a caracterização de um determinado fim de uma associação ou objecto de uma sociedade como “principal” dever-se-á fazer por apelo ao critério que melhor conjugue, por uma lado, a teleologia – isto é, o propósito, quanto a essa matéria, de quem constituiu a associação ou a sociedade – com, por outro lado, a formalidade – ou seja, a percepção que a comunidade jurídica pode ter de qual é esse objecto a partir dos documentos públicos que garantem a transparência e a segurança do tráfego jurídico. Assim sendo, melhor meio não há para averiguar qual o objecto principal de uma associação ou sociedade do que indagá-lo a nível estatutário. P. E esta tese é, de resto, bem apoiada na Doutrina societária, que vem definindo o objecto da sociedade como a actividade económica de não mera fruição que o sócio ou os sócios se propõem exercer através da sociedade ou propõem que a sociedade exerça (cfr., de novo por todos, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Ob. Cit., págs. 8 e seguintes). Pelo que, então, o objecto principal dessa sociedade (ou o fim principal de uma associação) há-de sempre ser aquele que os sócios (ou os associados) fizeram, em primeira linha, constar expressamente do acto constituinte ou negócio jurídico por excelência expressivo da sua vontade – isto é, os estatutos. Q. Ora, de acordo com o n.º 2 do artigo 2º da Lei 11/2003, as associações de municípios de fins específicos (como a X.L..) são pessoas colectivas de direito público criadas para a realização de interesses específicos comuns aos municípios que as integram, isto é, interesses exclusivamente de serviço público, não lucrativo ou empresarial. Aliás, do artigo 5º do mesmo diploma extrai-se a confirmação de que as mesmas não podem exercer (pelo menos a título principal) uma actividade que gere lucros para os associados (os municípios que as integram). As atribuições aí elencadas, enquadradas até pela referência do corpo do n.º 1 a “fins públicos”, nada têm a ver com um qualquer carácter empresarial, constituindo simplesmente atribuições dos próprios municípios, agora levadas a cabo de forma delegada pelas associações. R. É o que acontece no caso concreto, como bem preconiza a sentença de que se recorre: é ao Estado e, mais especificamente, aos municípios – como todos reconhecem – que compete promover e garantir a realização dos serviços básicos de recolha e tratamento dos lixos: não é este um compromisso ou responsabilidade do Estado – dos municípios – nos resultados da actividade, mas ura verdadeiro “dever que visa garantir sua existência”, o que, aplicado ao caso e à questão sub judice, transforma a actuação de uma associação com aquela natureza numa decorrência daquela responsabilidade de execução, não focalizada num interesse de cariz lucrativo, e já não numa responsabilidade de execução privada (embora de interesse público) de carácter empresarial. S. Por outro lado, qualquer outro critério (de cariz material) para qualificação como principal de um determinado fim associativo ou objecto social seria imprestável. T. Referimo-nos a um critério relativo, por exemplo, à contribuição das receitas respectivas para a globalidade dos resultados da associação ou da empresa ou aos níveis de afectação a esse fim dos recursos da entidade em causa – segundo o qual apenas poderíamos concluir que uma actividade não-lucrativa é a actividade exercida a titulo principal se as receitas e/ou os níveis de afectação de recursos superassem as receitas e os níveis de afectação às restantes. Um tal critério sena imprestável, desde logo, em abstracto, porque, de novo, não podemos esquecer a natureza das associações de municípios. U. É que, como também se defende na decisão recorrida, uma associação deste tipo dedica-se, exclusiva ou principalmente, à realização, fora da lógica concorrencial, dos serviços de interesse público (não-lucrativos) típicos da actividade municipal (tendo essencialmente como contrapartida financeira o produto das contribuições, transferências, dotações, subsídios ou comparticipações municipais, estatais e comunitárias), para o que necessita, muitas vezes, de recorrer ao exercício de outras actividades, a esta acessórias, como meio de financiamento da actividade principal – é o que acontece no caso concreto! V. Nestes termos, o Tribunal a quo compreendeu (bem) que uma qualquer actividade complementar da associação, a que estejam subjacentes prestações de serviços com escopo lucrativo e uma actuação no mercado, facilmente represente a fatia maioritária dos rendimentos da associação, por muito acessória que seja a intencionalidade dos associados na sua prossecução e residuais os meios a ela afectos. Mas o mesmo critério seria imprestável igualmente em concreto. W. Tendo em conta que a actividade acessória da X.L.. se resume à recolha e tratamento de resíduos, bem se percebe também, como já dissemos, que os respectivos (e eventuais) lucros só sejam possíveis porque a X.L.. aproveita todo um know-how e uma estrutura montada para a sua actividade principal de serviço público, assim logrando objectivos de economia de escala que de outra forma nunca conseguiria. X. Ademais, como bem reconhece o Tribunal a quo, os proveitos resultantes daquela actividade acessória são sempre aplicados no desenvolvimento das condições em que é levada a cabo a actividade principal, muitas vezes até por imposições de Directivas comunitárias e regulamentos do sector. Y. É, pois, partindo do princípio de que a X.L.. não exerce uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola a título principal que devemos interpretar a sua situação tributária. Z. No fundo, temos que, a título principal, cabe à X.L.. a assunção directa de responsabilidades que relevam imediatamente da prossecução das atribuições dos municípios nela integrados (recolha e tratamento de resíduos) – é esta a destinação da essencial da sua actividade –, assumindo a Impugnante a condição de um operador dedicado, isto é, de uma entidade cuja actuação de serviço público e, nessa medida, desinteressada e altruísta, visa em derradeira instância alimentar ou satisfazer as necessidades daqueles municípios no sector específico da gestão de resíduos. AA. Sobre o conceito de exercício, a título principal ou meramente acessório, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, deve atender-se ainda ao teor do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 29.11.2000, no âmbito do processo nº 025580, de acordo com o qual “I – Podem beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea a) do nº 1 do art. 9º do CIRC, as pessoas colectivas de utilidade pública que tenham fins predominantemente científicos. II – Podem beneficiar desta isenção pessoas colectivas de utilidade pública que tenham por fins primaciais actividades científicas de qualquer natureza, incluindo de divulgação científica, não se restringindo a isenção “as que tenham actividades próprias de investigação científica”. Para concluir desta forma, esclarece aquele Tribunal, com interesse essencial para o presente caso, que “O que é relevante para que se conclua que as pessoas colectivas de utilidade pública visam predominantemente fins científicos, para efeitos da norma em apreço, é que as actividades de natureza comercial ou industrial a que respeita a isenção de IRC, sejam meramente acessórias dos fins científicos, designadamente que os _proventos obtidos no seu exercício se destinem a ser utilizados na satisfação desses fins científicos” (o sublinhado é nosso). BB. Nestes termos, a AT só pode tributar a X.L.. com base no seu (alegado) lucro tributável se esta prosseguir uma actividade económica a titulo principal (e não a qualquer outro titulo – acessório, marginal, residual, isolado), algo que, como vimos, não se verifica. CC. As liquidações são, portanto, também por força deste desajustamento entre a natureza da actividade da Impugnante e o Direito aplicado, ilegais. Termina a Recorrida pedindo que seja julgado improcedente o presente recurso. * Os autos foram com vista ao distinto Sr. Procurador Geral Adjunto junto deste TCA.* Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.-/- II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância: 1. A impugnante foi constituída pelos Município de, , , , , , e, através de escritura pública, a de Novembro de 19 como associação de municípios, tendo sido publicado o seu estatuto no Diário da República a de o de 19, tendo aquele sido alterado a de de (DR III série nº de.. e nº de. ). 2. É o seguinte o objecto da impugnante (cfr. art. 2º, dos estatutos referidos em 1.): 1 – A associação tem por objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito. 2 – A associação pode ver ampliado aquele seu objecto imediato a vir a prosseguir quaisquer fins compreendidos nas atribuições dos municípios associados, com excepção daqueles que, pela sua natureza ou por disposição legal, devam ser exercidos directamente por eles. 3 – Pode ainda, a associação, por si ou associada a terceiros, dedicar-se: a) Ao tratamento de outros resíduos sólidos; b) Ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares; c) À exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto. 4 – A associação desenvolverá a sua actividade na área dos municípios associados, por sua conta e risco, através de serviços próprios, como serviço intermunicipalizado ou por qualquer outra forma legalmente possível. 3. A Direcção de Serviços do Imposto sobre o rendimento das Pessoas Colectivas emitiu a Informação nº /2006, relativa ao enquadramento fiscal da impugnante e defendendo a sua tributação em sede de IRC (doc. nº 3, junto a fls. 100 e ss). 4. A impugnante foi alvo de uma inspecção tributária, que abrangeu os exercícios de 2004 e 2005, no termo da qual foi elaborado relatório de inspecção e emitidas liquidações de IRC (docs. nº 4 e 5, de fls. 109 a 112). 5. No relatório de inspecção, mencionado em 3., que se encontra junto à reclamação graciosa, consta o seguinte: “(...) Assim, a X.L.. é a entidade responsável pela gestão, tratamento e valorização dos resíduos produzidos e recolhidos pelos oito municípios municipais associados, tendo vindo a implementar uma gestão integrada de resíduos, recuperando, ampliando e construindo infra-estruturas, complementadas com campanhas de sensibilização junto da população. Nesse âmbito tem desenvolvido uma estratégia integrada de valorização e tratamento de resíduos sólidos, baseada nos seguintes componentes: a) valorização energética, que consiste na recuperação da energia calorífica dos resíduos mediante um processo térmico de tratamento controlado e na sua transformação em energia eléctrica que ocorre na central de valorização energética (CVE) designada X.L.. II. (...) A exploração da CVEé feita pela sociedade D. SCA Sucursal, NIPC (…), mediante contrato de administração de concessão. b) valorização orgânica, processo que consiste na compostagem da fracção orgânica dos RSU assegurada através da Central de Valorização Orgânica, associada à implementação de circuitos de remoção da fracção orgânica, junto de grandes produtores (restauração, grandes superfícies, mercados) nas zonas de recolha selectiva porta a porta, (resíduos domésticos), esquemas de recolha de resíduos verdes e complementada com iniciativas locais de compostagem caseira. A matéria orgânica produzida (composto), designada pela marca ,é comercializada desde 2006. A CVO foi inaugurada em de 200 e a sua exploração está a cargo do consórcio S., M e H. ACE, NIPC (…). c) valorização multimaterial, processo cuja infra-estrutura fundamental é o Centro de Triagem X.L.., com capacidade de processamento de 35.000 ton/ano, em que é realizada uma separação complementar, com a triagem das matérias provenientes de recolha selectiva, enfardando e acondicionando as mesmas, para posterior venda às indústrias recicladoras (o principal cliente é a Sociedade P., SA, NIF (…)). (...) d) confinamento técnico, é o último estádio do sistema global de gestão, tratamento e valorização de resíduos. Consiste no acolhimento (confinamento) em aterros, dos resíduos que não puderam ser valorizados através da reciclagem multimaterial e orgânica ou da valorização energética. Acolhe, igualmente, as cinzas e escórias provenientes da incineradora. (...) e) educação ambiental, a X.L.. desenvolve campanhas de sensibilização e educação ambiental, designadamente através do Gabinente de Informação X.L.. (), criado em, que abrange a realização de sessões temáticas nas escolas, a organização de cursos de formação em empresas, visitas de estudo às infra-estruturas da X.L.., campos de férias, organização de exposições temáticas, entre outras actividades de sensibilização. (...) Em resultado das operações realizadas no âmbito da sua actividade, a X.L.. aufere diversos proveitos, como se descreve: a) Venda de Produtos (recicláveis/composto) Do sistema de reciclagem multimaterial resultam vários produtos (recicláveis) como o cartão, mescla, PEAD, PET, PVC, T-PACK, alumínio, aço, madeira, vidro, esferovite, filme de plástico, sucata de ferro, sucata de folhagem, plásticos, etc. O principal cliente é a Sociedade P. SA. Em 2006, a X.L.. iniciou a comercialização do composto produzido na CVO (). Com o objectivo de incentivar a separação multimaterial e a valorização orgânica, a X.L.. não debita qualquer prestação de serviços pela recepção e tratamento deste tipo de resíduos (isentos de tarifa ou tarifário “0”). b) Venda de Produtos (energia eléctrica) A energia eléctrica produzida na CVO (incineradora é vendida à REN – Rede Eléctrica Nacional SA c) Prestação de Serviços (cedência de energia eléctrica) A X.L.. debita a cedência de energia eléctrica, que é consumida pela entidade que explora e gere a incineradora, o que constitui uma prestação de serviços. d) Prestação de Serviços (tratamento de RSU às Câmaras associadas) Os resíduos recolhidos pelas Câmaras Municipais, são entregues à X.L.. para o seu tratamento na CVE – X.L.. II e no confinamento técnico (aterros, nos casos aplicáveis). Pela entrega e tratamento dos resíduos a X.L.. factura as respectivas prestações de serviços às Câmaras associadas, de acordo com as quantidades/toneladas recebidas. Em paralelo, e mensalmente, a X.L.. debita aos municípios associados um valor, a título de “comparticipação para investimentos”, que constitui parte integrante da contraprestação devida pela prestação de serviços às Câmaras, suas clientes. e) Prestação de Serviços (tratamento de RSU a outros clientes) A X.L.. também factura prestações de serviços a empresas que procedam à entrega para tratamento de resíduos equiparados a urbanos na CVE – X.L.. II e no confinamento técnico. f) Outros proveitos Neste ponto há a referir a obtenção de outros proveitos provenientes do diferimento de subsídios do Fundo de Coesão para financiamento de projectos de investimento, da venda de cadernos de encargos, subsídios obtidos de organismos como o IEFP e juros de depósitos bancários.” 6. Em 29 de Maio de 2009, a impugnante apresentou a declaração de rendimentos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), modelo 22, relativa ao exercício de 2008, tendo autoliquidado IRC, no montante de € 134.447,75 e derrama no valor de € 8.066,86 (doc. nº 1, junto a fls. 88 e ss). 7. Contra a autoliquidação referida, a impugnante deduziu reclamação graciosa, a qual, por despacho proferido em 18.12.2009, foi indeferida com os fundamentos constantes de fls. 265 a 270 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. * Na sentença ora recorrida, considerou-se relativamente aos factos não provados que:«Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.» * Relativamente à motivação da decisão da matéria de facto, decidiu-se na sentença recorrida que:«A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos conforme se deixou indicado ao longo dos factos provados. Valorou-se, igualmente, os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, a cujo aproveitamento se procedeu, nos termos do art. 421º do CPC. As testemunhas arroladas pela impugnante esclareceram as actividades prosseguidas pela impugnante, confirmando o descrito no facto provado sob o nº 5. Por seu turno, a testemunha da FP confirmou o teor do relatório de inspecção e a tese propugnada pela AT quanto ao enquadramento da impugnante em sede de IRC.» -/- III – Questões a decidir. No presente recurso, cabe aferir das questões suscitadas pela ora Recorrente no presente recurso e delimitadas no seu âmbito pelas respetivas conclusões, traduzindo-se estas, em síntese, no erro de julgamento de facto e no erro de julgamento de direito atribuídos à sentença recorrida. -/- IV – Das questões suscitadas no presente recurso. Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto pela qual se considerou procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida (X.L..) contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação de IRC do ano de 2008, assim como contra a correspetiva liquidação de juros compensatórios. Em primeiro lugar e antes de imergirmos nas questões suscitadas no presente recurso, cabe ter presente qual o quadro normativo em que o mesmo se movimenta, tendo presente que o presente meio processual foi deduzido em 30.12.2009 e que a sentença ora recorrida foi proferida em 09.07.2014. Ora, na sua essência o regime de recursos de decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais tributários está, globalmente, sujeito ao regime de recursos em sede processual civil, sem prejuízo das especialidades normativamente previstas no próprio CPPT (cf. art.º 281.º do CPPT). Assim, o regime de recurso em processo civil foi objeto de sucessivas alterações legislativas tendo, mais recentemente, culminado com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho. Deste modo, nos termos do art.º 7.º do diploma citado, na presente situação é aplicável o disposto no novo Código do Processo Civil (NCPC). Passemos, então a analisar o presente recurso, ordenando as questões nele suscitada de acordo com a ordem lógica de conhecimento das mesmas. IV.I – Do recurso incidente sobre a matéria de facto. A ora Recorrente veio questionar o teor da matéria de facto exarado na sentença recorrida (cf. concluso «D» do presente recurso). Assim, tendo sido impugnada a matéria de facto provada em primeira instância, cabe, antes de mais, verificar se a ora Recorrente cumpre o ónus processual vertido no art.º 640.º do atual CPC (aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT). Deste modo, como refere António Abrantes Geraldes in «Recursos no Novo Código de Processo Civil», 2018, pag. 165 e segs.: “[…] Sem nos alongarmos demasiado em considerações sobre os regimes anteriores, podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto: a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente pode sugerir à Relação a renovação da produção de certos meios de prova, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. a), ou mesmo, a produção de novos meios de prova nas situações referidas na al. b). Porém, como anotamos à margem desses preceitos, não estamos perante um direito potestativo do recorrente, antes em face de um poder-dever da Relação que esta deve usar de acordo com a perceção que recolher dos autos; e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente; f) Na posição em que o recorrido se encontra, incumbe-lhe o ónus de contra-alegação, cujo incumprimento produz efeitos menos acentuados do que os que se manifestam em relação ao recorrente. O facto de inexistir efeito cominatório para a falta de apresentação de contra-alegações ou para o incumprimento das regras sobre a sua substância ou forma e o facto da a Relação ter poderes de investigação oficiosa determinam que sejam menos visíveis os efeitos que decorrem da sua deficiente atuação. […]”. O mesmo autor na obra supra citada a fls. 168, refere que a rejeição total ou parcial da decisão da matéria de facto dever ocorrer quando: “a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2 al. b)); b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”. Na presente situação, a ora Recorrente pretende ver aditados um conjunto de factos a que faz alusão na conclusão «C» da matéria de facto, sendo que nesta se faz uma remissão para a motivação do presente recurso, mais concretamente, para os seus pontos 11 a 14. Assim, nestes últimos pontos, a Recorrente afirma que deverá ser alterada a matéria de facto provado, sendo designadamente aditado que: “11. devem ser dados como provados os factos seguintes, de conformidade com os poderes que são concedidos ao Tribunal ad quem pelo art. 662º, nº 1, do CPC, aplicável por via da al. e) do art. 2º do CPPT, por se encontrarem comprovados nos autos e se reputar essenciais à boa decisão da causa, assim se modificando o segmento relativo a factos provados: G. A associação impugnante executa a atividade de tratamento e valorização dos resíduos urbanos sólidos que os Municípios associados lhe entregam nos termos do nº1 do art. 2º dos seus Estatutos, e a atividade de tratamento, reciclagem e valorização de outros resíduos sólidos, de resíduos industriais ou hospitalares bem como atividades energéticas conexas com o seu objeto, nos termos do nº3 do art. 2º dos seus Estatutos – cfr Relatório de Inspeção Tributária, especialmente pág 8, e minuto 14:00 do registo áudio do depoimento da testemunha F.; H. Na prossecução das atividades que compõem o seu objeto estatutariamente definido a impugnante tem desenvolvido uma estratégia integrada de valorização e tratamento de resíduos sólidos, baseada nas componentes de - valorização energética, por recuperação da energia calorífica dos resíduos e na sua transformação em energia elétrica na central designada X.L.. II, que permite a autosuficiência da própria central, que consome 10% da energia produzida, e a venda de 90% à Rede Elétrica Nacional, SA, sendo que a exploração da central foi concedida à sociedade D. SCA Sucursal, NIPC (…); - valorização orgânica, por compostagem da fração orgânica dos resíduos sólidos urbanos na Central de Valorização Orgânica, cuja matéria orgânica produzida (composto), designada pela marca, comercializada desde 2006, sendo que a Central de Valorização Orgânica foi concedida a uma entidade privada, o consórcio S., M e H ACE, NIPC (…); - valorização multimaterial, por triagem das matérias provenientes de recolha seletiva, que são depois vendidas às industrias recicladoras, em especial a Sociedade P., SA, NIF (…); - confinamento técnico, que consiste no acolhimento ou confinamento dos resíduos que não puderam ser valorizados através da reciclagem multimaterial e orgânica ou da valorização energética, bem como das cinzas e escórias provenientes da incineradora; - educação ambiental, pelo desenvolvimento de campanhas de sensibilização e educação ambiental; -- cfr. Relatório de Inspeção Tributária, especialmente pág.s 9-10; I. Em vista da evolução das infraestruturas do mero depósito em aterro para a queima de resíduos, reciclagem e sua valorização energética, do lado dos custos houve uma evolução nos investimentos, na aquisição de ativos, e do lado dos proveitos no sentido de “minimalizar” o encargo dos associados com o tratamento dos resíduos - minutos 1:16:00 e 1:28:00 do registo áudio do depoimento da testemunha V.; J. Os Municípios, enquanto clientes da prestação de serviços de reciclagem, tratamento e valorização dos resíduos sólidos urbanos entregues à impugnante, pagam dois “fees”, um a título de despesa corrente derivada dos serviços prestados, que a impugnante fatura, e outra relacionada com os quantitativos denominada de comparticipação para investimentos, destinada a atenuar o desgaste da infraestrutura – cfr. minutos 1:16:00 e 1:29:30 do registo áudio do depoimento da testemunha V. L. De entre os meios de financiamento da impugnante, as tarifas ou preços dos serviços prestados de recolha e tratamento de resíduos eram fixadas e aprovadas antes do início económico, em orçamento, em que se definia a componente do preço por tonelada do serviço prestado aos Municípios, e outra componente, a comparticipação para investimento, era fixada com base no historial do tratamento da tonelagem; a tarifa dos serviços de recolha e tratamento de resíduos para privados era sensivelmente o dobro da dos Municípios associados, sendo que a formação dos preços far-se-ia segundo a estrutura dos custos e proveitos passados - cfr. Relatório de Inspeção Tributária, especialmente pág.s 11 a 13, minuto 1:33:00 do registo áudio do depoimento da testemunha V. e minuto 1:57:00 do registo áudio do depoimento da testemunha C.. M. Todas as receitas e proveitos obtidos pela impugnante, retirados os custos associados, são reinvestidos em toda a sua atividade, reintegrados no negócio, designadamente nas instalações e infraestruturas produtivas da impugnante, nomeadamente os proveitos com a venda de produção de energia à EDP, segundo preços fixados aos produtores através de energias renováveis, e dos produtos obtidos com a reciclagem à Sociedade P. – cfr. minutos 23:00 a 33:00 e 50:00 do registo áudio do depoimento da testemunha F. e minutos 1:16:00 e 1:29:30 do registo áudio do depoimento da testemunha V.; N. Os rendimentos da X.L.. são utilizados indistintamente, de forma solidária, para fazer face aos custos de funcionamento, e a sua gestão tem sido dirigida de modo a gerar resultado líquido positivo, o que tem conseguido, à exceção do exercício de 2000, no intuito de gerar capital próprio e cumprir as responsabilidades da X.L.. com financiamentos obtidos junto do Banco e o– cfr. minuto 1:30:00 do registo áudio do depoimento da testemunha V.; 12. Ainda a propósito da matéria de facto que entende dever ser dada como provada, a Fazenda Pública assinala que a sentença reproduz, sob o ponto D. do título III – Dos Factos, extratos do Relatório de Inspeção Tributária mencionado no ponto 5. dos “Factos Provados”” Deste modo, cabe salientar que a ora Recorrente cumpre, na generalidade, os ónus processuais previstos no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, pelo que cabe agora aferir da viabilidade do recurso no segmento relativo à impugnação da matéria de facto. Assim, no que tange à alteração propostos pela inclusão das alíneas «G» e «H» e «L» (em parte) na matéria de facto provada, constata-se que a mesma corresponde, na sua essência, a matéria que consta do relatório inspetivo e que é reproduzida na matéria de facto e sobre a qual não foi feito qualquer juízo de não comprovação por parte da sentença recorrida (como se demonstra, aliás, na motivação da sentença ora sob apreciação). Por isso, nada há a alterar neste aspeto, no que tange aos apontados pontos, pelo que improcede, neste segmento, o presente recurso incidente sobre a matéria de facto. No que concerne às alíneas «I» a «N» cuja inclusão é agora pretendida como matéria de facto, a ora Recorrente não indica de onde emerge a respetiva alegação factual. Porém, lidos os articulados apresentados pelas partes em presença, não vislumbramos qualquer alegação que possa corresponder à matéria factual que a ora Recorrente pretende ver aditada e que esta última prefigura como se tratando de factualidade a considerar. Efetivamente, em sede de contencioso tributário, cabe às partes alegar os factos que pretendem ver considerados como provados (ou não), sendo que o Tribunal apenas poderá oficiosamente conhecer de factualidade atinente a questões que sejam de conhecimento oficioso (cf. n.º 1 do art.º 99.º da LGT). Por outro lado, não se vislumbra que a pretendida alteração tenha qualquer relevância para o aqui julgado (ou a julgar), independentemente da natureza de tais factos (como sendo, por exemplo, potencialmente instrumentais, complementares ou concretizadores dos alegados). Assim, terá que neste subitem improceder o presente recurso. No que diz respeito ao ponto 12 da motivação, a Recorrente pretende que seja alterado o ponto Relatório de Inspeção Tributária transcrito na alínea «D» da matéria de facto da sentença recorrida. Contudo inexiste tal alínea na factualidade vertida na sentença recorrida. Igualmente se diga que no citado ponto 12 da motivação do presente recurso, o que a Recorrente invoca não se consubstancia em verdadeira matéria de facto, uma vez que ali apenas faz alusão a uns documentos. Ora, os documentos são meros meios de prova e não factos em si mesmos. Por isso e quanto a este ponto, terá que improceder o presente recurso. Deste modo, improcede o presente recurso no que concerne aos invocados erros de julgamento de facto. IV. 2 – Do imputado erro de julgamento. A ora Recorrente entende que a sentença ora sob apreciação padece de erro de julgamento de direito, uma vez que na situação ora em apreço, a Recorrida estaria sujeita a tributação à luz do vertido no CIRC, máxime de acordo com o disposto n al. b) do nº 1 do art. 9º, deste código. Na sentença recorrida, sobre esta matéria, considerou-se que: “[…] Atento o quadro legal supra referido, temos como certo que a Lei – Lei 11/2003, de 13 de Maio – estabelece uma equiparação entre a associação de municípios e autarquias locais – em sede de isenção. No entanto, face à redacção vigente de IRC, uma vez que a sua alínea b) refere expressamente a isenção quanto a “associação de municípios”, coloca-se o problema de se saber, qual das alíneas é aplicável à presente situação. Porém, na opinião deste Tribunal, independentemente da situação retratada recair sobre a alínea a) ou b), a mesma encontra-se sempre abrangida pela isenção. Na verdade, se se considerar que a remissão da Lei nº 11/2003, de 13 de Maio é realizada para os termos previstos na alínea a) do artigo 9º, nº 1 do CIRC, as associações de municípios são equiparados a Autarquias Locais e como tal estão isentas de IRC – por mais discutível que seja opção legislativa ou a redacção da norma remissiva e da norma de isenção. Sendo certo que o artigo 9º, alínea a) do CIRC não menciona qualquer exigência quanto aos meios e organização utilizados para que as autarquias possam prosseguir os seus fins. Por sua vez, se se entender que a remissão da Lei nº 11/2003, de 13 de Maio é realizada para os termos previstos na alínea b) do artigo 9º, nº 1 do CIRC, a mesma encontra-se abrangida pela tal isenção uma vez que, na opinião deste Tribunal, não se pode concluir que a impugnante exerce uma actividade comercial, industrial ou agrícola. Como consta dos estatutos da impugnante, publicados em Diário da República, o objecto imediato da impugnante é a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados e por outras entidades que a associação venha admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito. Assim sendo, a actividade exercida pela impugnante – tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos – reveste natureza eminentemente dum serviço público – vulgarmente designado de recolha e tratamento de lixo urbano – pois, a circunstância de tal actividade poder ser exercida por privados (o que não é o caso), não retira esse carácter de serviço público (pelo menos, no sentido de utilidade pública). Ora, prosseguindo a impugnante eminentemente um serviço público – o de recolha e tratamento de resíduos – e não decorrendo dos factos considerados provados, que não afecte todos os rendimentos que obtém à satisfação desse serviço público, não restam dúvidas de que a impugnante sempre usufruiria de isenção à luz do artigo 9º, al. b) do CIRC. Aliás, a AT, no relatório de inspecção tributária mencionado no facto nº 5, faz ampla referência aos proveitos obtidos pela impugnante na venda de produtos e prestação de serviços como forma de justificar o seu entendimento de que a impugnante exerce a título principal, actividade de natureza comercial e industrial, fazendo, no entanto, parca referência aos custos da recolha e tratamento subsequente dos lixos urbanos. Procede, pois, a impugnação, devendo, em consequência, ser o acto impugnado anulado.[…]” Ora, sobre uma questão idêntica à presente, já tomou posição este Tribunal no acórdão datado de 03.02.2022 e proferido no processo n.º 264/14.2BEPRT e a cujos fundamentos e conclusões aderimos. Assim, no citado aresto desta instância relatou-se que: “[…] Não acompanhamos, porém, o entendimento do Tribunal a quo no que se refere à aplicação à Recorrida da isenção prevista no artigo 36º da Lei n.º 11/2003, de 13/05, segundo o qual «As comunidades e as associações beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais.». Com efeito, acompanhando o discurso fundamentador do acórdão do STA de 10.11.2021, rec. 02857/12.3BEPRT, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3f648ac2742a790e8025878e0050c70a?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1, diremos que sendo o imposto em causa nos autos, relativo ao exercício fiscal de 2012, a pretensão da Recorrente deve ser apreciada à luz da Lei n.º 45/2008, de 27 de Agosto (e não tendo por referência a revogada Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio - o regime jurídico das associações de municípios foi revogado sucessivamente pelo Decreto-Lei n.° 99/84, de 29-03, pelo Decreto-lei n.° 412/89, de 29-11, pela Lei n.° 179/99, de 21-09, pela Lei n.° 11/2003, de 13-05 e pela Lei n.° 45/2008 de 27-08), tendo em conta a seguinte argumentação ali considerada e acolhida: «Ora, contrariamente ao defendido pela Impugnante e atendendo a que no caso presente está em causa o ano de 2011, há que aferir o que dispõe para os devidos efeitos a Lei n.° 45/2008 de 27.08 e não a já revogada Lei n.° 11/2003, de 13.05. Assim, estatuía o artigo 30.° da Lei n.° 45/2008 de 27.08 que "as CIM beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais”. Nesta medida, a Lei n.° 45/2008 de 27.08 veio alterar o que até aqui vinha a ser estabelecido, ou seja, a estatuição que previa que o beneficio das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais aplicava-se às comunidades e às associações (cfr. artigo 36.° da Lei n.° 11/2003, de 13.05). Assim, "com a revogação desta Lei, operada pela Lei n.° 45/2008, de 27.08, o legislador apenas manteve tal isenção para as associações de municípios de fins múltiplos, ou seja, para as Comunidades Intermunicipais (CIM), cfr. artigos 1°, 2°, n.°s. 1, al. a) e 2) e 30°, esclarecendo expressamente que as CIM beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais, tendo excluído expressamente do texto desta norma, respeitante às isenções fiscais, as associações de municípios de fins específicos como anteriormente acontecia no artigo 36° da Lei n.° 11/2003” - cfr. Acórdão do STA de 28.02.2018, rec. 0522/17. Não se olvida que à luz de norma transitória inserida na Lei n.° 45/2008, de 27.08 (artigo 38° n.° 6), o legislador permitiu que as associações de municípios de fins específicos constituídas até à entrada em vigor da presente lei pudessem manter em vigor a natureza de pessoa colectiva de direito público. No entanto, não se nos afigura, que esta possibilidade modifique a redacção introduzida por esta lei, por forma a que as associações de municípios de fins específicos continuassem a beneficiar das isenções reconhecidas às autarquias, na medida em que se considera que a ter sido essa a vontade do legislador ela decorreria expressamente do texto legal. Em sentido idêntico vide o decidido no já aqui enunciado Acórdão do STA de 28.02.2018, rec. 0522/17. Ademais, de acordo com o disposto no artigo 9.° n.° 3 do Código Civil (CC), "Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados...”, sendo certo que o intérprete não deve postergar o princípio geral da adequação da expressão do pensamento legislativo, contido no citado artigo 9.° n° 3 do CC. A letra da lei é, naturalmente, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, “desde logo, uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou, pelo menos, qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei”, sendo a letra da lei, o texto da norma, o limite da sua interpretação, neste sentido vide Baptista Machado (in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina Coimbra, 1990, pág. 182). No caso presente, é nítida a pretensão do legislador ao excluir do normativo em apreço as associações de municípios de fins específicos. Acresce que, também não é pelo facto das atribuições, da estrutura orgânica e a determinação do quadro de distribuição de competências entre os seus vários órgãos se tiverem mantido que podemos estender o regime que decorre do artigo 30.° da Lei n.° 45/2008 de 27.08 relativamente à CIM às associações de municípios de fins específicos, uma vez que, tal como referencia a Impugnante, eram aspectos que já se encontravam significativamente diferenciados para as CIM e para as associações de municípios de fins específicos no contexto da Lei n.° 11/2003 de 13.05. Ora, estabelecia à data o n.° 1 do artigo 9.° do Código do IRC (CIRC), com a redacção introduzida pela Lei n° 64-A/2008, de 31 de Dezembro e como tal aplicável ao caso dos autos que “Estão isentos de IRC:) O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, com excepção das entidades públicas com natureza empresarial; b) As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas; c) As instituições de segurança social e previdência a que se referem os artigos 115° e 126° da Lei n° 32/2002, de 20 de Dezembro; d) Os fundos de capitalização e os rendimentos de capitais administrados pelas instituições de segurança social (...)” Nesta senda, e no que respeita ao ano aqui em questão – 201[2] - não se verifica qualquer incompatibilidade entre o disposto no artigo 30.° da Lei n.° 45/2008 de 27.08 e o disposto na alínea b) do artigo 9.° do CIRC, uma vez que daquele preceito legal não decorre a aplicação do disposto na alínea a) do artigo 9.° do CIRC. Ora, contrariamente ao defendido pela Impugnante, esta é sujeito passivo de IRC ao abrigo do disposto na alínea a) n.° 1 do artigo 2.° do CIRC que determina que, "São sujeitos passivos do IRC a) as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado, com sede ou direcção efectiva em território português” Assim, sendo a Impugnante uma associação de municípios criada para a realização de fins específicos é de se lhe aplicar o que resulta da alínea b) do artigo 9.° do CIRC no que respeita a isenção. Como tal, a Impugnante somente estará isenta nos termos da alínea b) do artigo 9.° do CIRC se não exercer actividades comerciais, industriais ou agrícolas. Assim, resta aferir se a Impugnante exerce actividade comercial, industrial ou agrícola. Nos termos do estabelecido pelo n.° 4 do artigo 3.° do CIRC "Para efeitos do disposto neste Código, são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços”. Ora, tal como decorre do acervo probatório, a Recorrente tem por objeto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregue pelos seus associados e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento de infra-estruturas necessárias para o efeito. Acresce que, por força dos seus estatutos, é-lhe permitido, por si ou associada a terceiros, dedicar-se ao tratamento de resíduos sólidos, de resíduos industriais ou hospitalares e à exploração de atividades de natureza energética conexas com o seu objeto, a Recorrente aufere proveitos resultantes da venda de produtos e prestação de serviços aos municípios seus associados e outras entidades públicas e privadas. Assim, a Impugnante exerce, a par de uma atividade de caráter público - a recolha e tratamento de resíduos - uma atividade de natureza comercial. Por outro lado, do texto da alínea b) do artigo 9º do CIRC não resulta que a atividade exercida tenha de ser a atividade principal, sendo feita somente referência ao exercício de “atividades comerciais, industriais ou agrícolas” Onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir, sendo o elemento gramatical o primeiro e principal ponto de partida na interpretação da lei (artigo 9º do CC). O intérprete deve presumir que o legislador soube consagrar na lei o seu pensamento e não pode retirar do elemento literal aquilo que lá não consta. Assim, não sendo distinguido expressamente na norma legal, também não poderá ser entendido que do preceito legal se extrai que o normativo somente respeita a atividades principais. Nesta senda, não podemos aceitar com a tese da Recorrida ao sustentar que a norma se reporta somente à atividade principal desenvolvida atendendo à lógica sistemática do Código do IRC. Isto também porque, nem sempre o CIRC referencia as atividades comerciais, industriais e agrícolas como respeitantes ao exercício principal de uma qualquer entidade, mas por vezes faz essa especificação. A título de exemplo veja-se o disposto no nº 5 do artigo 87º do CIRC ao determinar que “Relativamente ao rendimento global de entidades com sede ou direcção efectiva em território português que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, a taxa é de 21,5 %”. […] «Neste contexto, sendo irrelevante, pelas razões já apontadas «que a dita actividade desenvolvida possa ser considerada acessória da actividade principal desenvolvida a favor de municípios, pois que, pelo menos, para efeitos do disposto no C.I.R.C., a mesma foi autonomizada, conforme resulta da previsão “todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços”, constante também do art. 3º nº 4 do CIRC, sendo que tal encontra-se directamente ligado à regra de incidência, a qual, de acordo com o art. 3º nº 1 do CIRC é diversa, consoante seja exercida uma actividade com a dita natureza, “a título principal” ou não - há forçosamente que concluir que aquela regra se aplica «sobre o “lucro”, ou o rendimento global, corresponde à soma algébrica dos rendimentos das diversas categoriais consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito”, conforme melhor consta expresso nas suas alíneas a) e b).» - cfr. acórdão do STA de 10.11.2021, rec. 02857/12.3BEPRT, que vimos acompanhando. Concluímos, assim, que a sentença recorrida enferma do erro de julgamento que lhe vem assacado pela Recorrente, pelo que o presente recurso merece provimento, devendo ser revogada a sentença sob escrutínio, negando-se provimento à impugnação judicial e mantendo-se a liquidação impugnada.[…]” Assim, entendemos ser aqui de aplicar e transpor para a presente situação a jurisprudência supra citada, sendo a mesma aqui inteiramente aplicável, o que determina a verificação do erro de julgamento invocado pela ora Recorrente com a procedência do presente recurso e a consequente improcedência da pretensão impugnatória que havia sido deduzida pela Recorrida. Mais se note que o entendimento vertido no acórdão supra citado tem plena aplicação à situação dos presentes autos, uma vez que a alteração legislativa ocorrida pela Lei n.° 45/2008 de 27.08, entrou em vigor ainda no ano de 2008, sendo que é a este ano/exercício que se refere a liquidação aqui em causa, tendo em conta a periodicidade deste imposto (cf. art.º 8.º do CIRC, na redação em vigor à data dos factos). -/- Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, apresenta-se o seguinte sumário: I - No recurso incidente sobre a matéria de facto cabe ao recorrente cumprir os ónus processuais previstos no art.º 640.º do CPC ex vi art.º 281.º do CPPT, sob pena de não conhecimento daquele na parte respetiva. II - As isenções de IRC de que beneficiam o Estado e as autarquias locais, previstas no artigo 9º do CIRC não incluem as entidades públicas com natureza empresarial nem as associações e federações de municípios que pratiquem atividades de natureza comercial, industrial e agrícola. III - Na Lei n.º 45/2008, e para efeitos de aplicação do regime legal, foi efetuada uma diferenciação entre associações de municípios de fins múltiplos, denominadas comunidades intermunicipais (artigos 2.º e seguintes) e associações de fins específicos (artigos 34.º e seguintes) e apenas se prevendo para as primeiras a aplicação de isenções fiscais (artigo 30.º). Deste modo, não pode esta isenção ser aplicável a uma associação de fins específicos. IV - A isenção prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 9º do CIRC assenta no não exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas, pelo que, desenvolvendo a Recorrida uma atividade de natureza comercial, ainda que com natureza acessória, não lhe deve ser reconhecido o direito à supradita isenção. -/- V – Dispositivo Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e declarando-se improcedente a presente impugnação. Custas pela Recorrida (por vencida). Porto, 17 de fevereiro de 2022 Carlos A. M. de Castro Fernandes Tiago A. Lopes de Miranda Cristina da Nova |