| Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
O Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local - STAL, em representação do seu Associado PJPM, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra o Município do P..., tendente, em síntese, a obter a anulação do ato que lhe aplicou Pena Disciplinar de 20 dias de Suspensão, inconformado com o Acórdão proferido em 28 de Junho de 2013 (Cfr. fls. 134 a 137 Procº físico) que julgou improcedente a Ação, absolvendo a entidade demandada dos pedidos, veio interpor recurso jurisdicional do referido Acórdão, proferido em primeira instância e em coletivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Formula o aqui Recorrente nas suas alegações de recurso, apresentadas em 19 de Setembro de 2013, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 160 a 168 Procº físico):
“1) Deve ser retirada da “Matéria dada como apurada ” o conteúdo da sua alínea 7) considerando que se fundamentou no texto do ato punitivo (doc. 5 da petição e doc. do P.A) e este não contém tal matéria, nem a permite.
2) Como é Jurisprudência há muito unânime e pacífica, a fundamentação do ato administrativo deve ser clara, suficiente, congruente e contextual.
3) Esta fundamentação obrigatória pode consistir em motivação própria ou motivação ”per relationem”, consistindo esta na remissão expressa para anteriores informações, pareceres ou propostas.
4) A deliberação punitiva em causa contendo unicamente o seguinte texto:
“Assunto: aplicação de sanção disciplinar aos trabalhadores RPCPM e JMMM.
Em votação por escrutínio secreto, aprovado com 7 votos a favor e 6 votos contra.
Reunião privada, de 13 de Março de 2012.”
Não possui qualquer fundamentação, quer própria, quer por remissão.
5) Nem, sequer, QUAL a pena disciplinar, em concreto que foi decidida, tendo o representado do recorrente tomado conhecimento unicamente pelo teor do ofício que lhe foi enviado.
6) Ao assim não ter entendido e decidido o douto Acórdão recorrido padece de vício de erro de julgamento, com violação dos arts. 124º e 125º do CPA e 268º, 3 de CRP.
Nestes termos, e acima de tudo pelo que Vossas Excelências não deixarão, por certo, de suprir, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, o douto Acórdão recorrido revogado, e a presente ação julgada procedente, como é de Justiça.”
O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 24 de Janeiro de 2014 (Cfr. fls. 173 Procº físico).
O aqui Recorrido/Município veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 24 de Março de 2014, concluindo do seguinte modo (Cfr. fls. 179 a 192 Procº físico):
“(a) O texto que documenta a deliberação camarária que determinou a aplicação da sanção disciplinar ao Associado do Recorrente tem como assunto a aplicação de sanção disciplinar aos trabalhadores que foram arguidos no processo disciplinar, nos termos da proposta da Senhora Vereadora com o Pelouro dos Recursos Humanos, em concordância com o teor do relatório final de procedimento disciplinar elaborado pelo instrutor;
(b) Existiu, por isso, uma fundamentação por remissão dupla, admitida pelo n.º 1 do artigo 125.º do Código do Procedimento Administrativo, bem como pelas nossas doutrina e jurisprudência;
(c) A nossa jurisprudência vem entendendo que a fundamentação dos atos administrativos é um conceito relativo, que se verifica quando um destinatário normal, tendo em conta o tipo de ato administrativo em causa e todo o contexto que envolve a sua prática e a sua notificação, consiga perceber o motivo da decisão concretamente tomada;
(d) Um destinatário normal, confrontado com um Relatório Final de Processo Disciplinar, com uma proposta de aplicação de sanção disciplinar que remete os seus fundamentos e a pena a aplicar para esse Relatório, e com uma deliberação camarária que aprovou essa proposta sem referências a quaisquer alterações ou outras propostas, entenderia – como entendeu – que a fundamentação dessa decisão disciplinar consistiu nos argumentos aduzidos nesse Relatório Final de Processo Disciplinar;
(e) O Associado do Recorrente acompanhou todo o raciocínio vertido no ato administrativo que levou à sua emissão, acompanhando em concreto o enquadramento legal e factual vertido no relatório final do instrutor, percebendo que a Proposta da Senhora Vereadora com o Pelouro dos Recursos Humanos acompanhou a proposta do instrutor, que a fez sua, anexando-a, e entendendo que o executivo camarário aprovou a proposta que lhe foi submetida (com 7 votos a favor e 6 votos contra), anexando a proposta da Senhora Vereadora, que tinha, por sua vez, anexado o relatório do instrutor. Foi assim plenamente cumprido o dever de fundamentação;
(f) Da deliberação camarária de 13 de março de 2012 resultou a aprovação, na íntegra, da proposta do senhor instrutor do Processo Disciplinar N.º 36/10, pelo que, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 55.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, sempre seria desnecessária uma fundamentação autónoma ínsita no texto que documenta aquela deliberação;
(g) A matéria de facto dada como provada não contém nenhuma alínea G) – alínea que o Recorrente indica como devendo ser eliminada –, motivo pelo qual não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea a) do CPC (aplicável ex vi artigo 1.º e 140.º do CPTA) e, consequentemente, impõe o indeferimento da reclamação quanto à matéria de facto;
(h) Caso assim não se entenda, e sem prescindir, a fl. 472 do processo administrativo – e que, de resto, corresponde à fl. 33 dos autos (documento 5 junto pelo Recorrente com a PI) – permite perfeitamente dar como provado o facto constante do ponto 7) da matéria de facto provada, sobretudo quando lido em conjunto com o facto provado 6) (fls. 470-472 do processo administrativo).
Nestes termos, e nos que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se integralmente a decisão recorrida, com o que farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 2 de Maio de 2014, nada veio dizer, requerer ou promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, verificando, designadamente, o suscitado “erro de julgamento”.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, entendendo-se a mesma como adequada e suficiente:
“1. Na sequência da participação efetuada pelo Comandante do Batalhão de Sapadores Bombeiros do Município do P..., por despacho do Vereador da Câmara Municipal do P..., com Pelouro da Proteção Civil, Controlo Interno e Fiscalização, datado de 22/11/2010, foi determinada a instauração contra o representado do autor de procedimento disciplinar – cfr. fls. 2 e 3 do processo administrativo apenso aos autos.
2. No âmbito do referido processo disciplinar, em 25/05/2011, foi elaborada a nota de culpa de fls. 142 a 148 do processo administrativo, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
3. Esta nota de culpa foi notificada pessoalmente ao representado do autor em 01/06/2011 – cfr. fls. 150 do processo administrativo.
4. O representado do autor apresentou defesa escrita, com o teor de fls. 252 a 254 do processo administrativo, que aqui se tem por reproduzido.
5. Em 15/02/2012, foi elaborado o relatório final constante de fls. 385 a 469 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
6. Em 07/03/2012, foi elaborada pela Vereadora com o Pelouro dos Recursos Humanos, proposta com o seguinte teor:
“(…)
PROPONHO
1.º - Que a Câmara Municipal aprecie e delibere, por escrutínio secreto, a proposta do (a) Senhor (a) Instrutor (a), anexa.
2.º Que os funcionários sejam notificados da presente deliberação nos termos do n.º 1 do art. 57.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro. (…)” – cfr. fls. 470 e 471 do processo administrativo.
7. Esta proposta foi objeto de aprovação por escrutínio secreto, na reunião privada da Câmara Municipal do P..., realizada em 13/03/2012 – cfr. fls. 472 do processo administrativo.
8. Em 20/03/2012, o representado pelo autor foi notificado pessoalmente do seguinte: “(…) Fica V. Exa. por este meio notificado da decisão final, cuja cópia se anexa, aprovada em deliberação de Câmara de 13 de Março de 2012, relativa ao processo mencionado em epígrafe, em que foi determinado a pena de suspensão por um período de vinte dias.
A pena aplicada produz efeitos a partir da presente notificação.
Junta-se cópia da deliberação de Câmara e do relatório final. (…)” – cfr. fls. 494 e 495 do processo administrativo apenso aos autos.
IV – Do Direito
Enquadrando a questão controvertida, para já em abstrato, refira-se o seguinte:
O direito disciplinar aqui em análise é predominantemente regulado pelo Estatuto Disciplinar, aprovado pelo DL nº 58/2008, de 9 de Setembro.
Refira-se que a acusação em processo disciplinar tem de ser formulada através da articulação de factos concretos e precisos, sem imputações vagas, genéricas ou abstratas, devendo individualizar as circunstâncias conhecidas de modo, lugar e tempo.
A enunciação de tais factos de forma vaga e imprecisa, impossibilitando o eficaz exercício do direito de defesa, equivale à falta de concessão deste direito, geradora da nulidade insuprível.
Relacionada com este princípio está a proibição de no Relatório Final se virem a dar como provados factos que não constavam da acusação, com base nos quais a autoridade administrativa aplica a sanção. Também nesta situação se estará perante nulidade insuprível resultante de falta de audição do arguido (cfr. Acs. do S.T.A. de 26.9.96 e de 1.10.96, respetivamente in Rec. nº. 28.054 e R. 31.378).
Lê-se no Acórdão nº 12868/03 do TCA-Sul de 09/06/2004: Diz-nos Eduardo Correia: “(...) na medida em que as penas disciplinares são um mal infligido a um agente, devem (...) em tudo quanto não esteja expressamente regulado, aplicar-se-ão os princípios que garantem e defendem o indivíduo contra todo o poder punitivo (...)” (Eduardo Correia, Direito Criminal, I, Almedina, 1971, pág. 37.).
Por seu turno, José Beleza dos Santos sustenta: “(…) As sanções disciplinares têm fins idênticos aos das penas crimes; são, por isso, verdadeiras penas: como elas reprovam e procuram prevenir faltas idênticas por parte de quem quer que seja obrigado a deveres disciplinares e essencialmente daquele que os violou. (...) aquelas sanções têm essencialmente em vista o interesse da função que defendem, e a sua atuação repressiva e preventiva é condicionada pelo interesse dessa função, por aquilo que mais convenha ao seu desempenho atual ou futuro (...). No que não seja essencialmente previsto na legislação disciplinar ou desviado pela estrutura específica do respetivo ilícito, há que aplicar a este e seus efeitos as normas do direito criminal comum. (...)” ( José Beleza dos Santos, Ensaio sobre a introdução ao direito criminal, Atlântida Editora SARL/1968, págs.113 e 116.).
Tal não significa que o princípio da legalidade e consequente função garantística de direitos subjetivos públicos esteja arredada do direito sancionatório disciplinar, nomeadamente ao amparo da conceção da relação jurídica de emprego público como relação especial de poder (Luís Vasconcelos Abreu, Para o estudo do procedimento disciplinar no direito administrativo português vigente: as relações com o processo penal, Almedina, Coimbra/1993, pág. 30. Francisco Liberal Fernandes, Autonomia coletiva dos trabalhadores da administração. Crise do modelo clássico de emprego público, Boletim da Faculdade de Direito, Studia Iuridica, 9, Universidade de Coimbra, Coimbra /1995, págs.146/147.).
Todo este labor legislativo traduz-se na adoção de conceitos gerais e indeterminados, juridicamente expressivos do conteúdo da relação laboral (vinculativos) o que outorga à autoridade administrativa no exercício da competência disciplinar, uma vez definidos quais os factos provados, uma margem de livre apreciação, subsunção e decisão, operações todas elas jurisdicionalmente sindicáveis no que concerne à definição do efeito jurídico no caso concreto (validade do ato), v.g. quanto à existência material dos pressupostos de facto (Mário Esteves de Oliveira, Lições de Direito Administrativo – FDL/1980, págs.621 e 787. Bernardo Diniz de Ayala, O défice de controlo judicial da margem de livre decisão administrativa, Lex, 1995, pág. 91.).
A operação de subsunção da factualidade provada ao conceito identificado pelos substantivos abstratos que qualificam os deveres gerais, em ordem a aplicar ao caso concreto a consequência jurídica definida pela norma, passa, assim, por dois planos:
primeiro: pela interpretação e definição de conteúdo dos conceitos indeterminados que consubstanciam os deveres gerais;
segundo: pelo juízo de integração ou inclusão dos factos apurados na previsão do normativo aplicável e consequente concretização dos referidos conceitos normativos.
O direito sancionatório disciplinar pune os comportamentos que, consubstanciados no caso concreto pela factualidade apurada e definida no procedimento disciplinar, em juízo subsuntivo não integrem as qualidades abstratamente elencadas.
A questão a aqui a analisar prende-se predominantemente com a necessidade de verificar se a pena disciplinar de 20 dias de suspensão foi aplicada de forma legítima e adequada.
Se é certo que as garantias dos direitos dos arguidos não podem ser vistas, como muitas vezes sucede, como categorias abstratas, formais, tipo pronto-a-vestir, mas como instrumentos concretos cujo conteúdo há de ser conformado em função da natureza e características da matéria disciplinar em causa, o que se pretende é que o arguido em processo disciplinar compreenda o conteúdo da acusação que lhe é dirigida e que dela se possa defender.
Como é sabido, o chamado controlo jurisdicional da adequação da decisão aos factos, conforme entendimento corrente dos Tribunais Administrativos Superiores, determina que o Tribunal se não pode substituir à Administração na concretização da medida da sanção disciplinar, o que não impede que lhe seja possível sindicar a legalidade da decisão punitiva, na medida em que esta ofenda critérios gerais de individualização e graduação estabelecidos na lei ou que saia dos limites normativos correspondentes (cfr. Ac. STA, 1ª Secção, de 9.3.83; in Ac. Dout. Ano XXIX, nº 338, p. 191 e ss).
Em qualquer caso, e de acordo designadamente com o Acórdão do TCA - Sul, nº 05841/01 - 1º Juízo Liquidatário de 03/02/2005 “É requisito essencial dos artigos de acusação em processo disciplinar o da individualização ou discriminação dos factos que se tenham por averiguados e disciplinarmente puníveis, com a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que foram cometidas e com referência aos preceitos legais e às penas aplicáveis.
No que concerne à referência aos correspondentes preceitos legais e às penas aplicáveis, embora não seja de exigir que ela seja feita imediatamente a seguir à imputação de cada facto, é necessário que para o arguido não se torne impossível ou especialmente difícil estabelecer a relação entre cada conduta fáctica descrita e cada violação disciplinar imputada (cfr. Acs. do STA de 4/2/93 in BMJ 424º.-713 e de 20/1/99 – Rec. nº. 36654).
É pois exigível, além de outros requisitos, que os artigos da acusação sejam formulados em termos claros e precisos, ou seja, para que a defesa se efetive nos termos em que a lei a concede e é de direito natural “torna-se necessário que a nota de culpa contenha com toda a individualização, isto é discriminados um por um e acompanhados de todas as circunstâncias de modo, lugar e tempo, os factos delituosos de que o arguido é acusado (cfr. Marcello Caetano, “Manual de Direito Administrativo”, 9ª. ed., vol. IV, 854, e “Do Poder Disciplinar”, 1932, p. 181).-
No que concerne já especificamente à Fundamentação, pressuposto essencial do recurso aqui em análise, refira-se que em princípio, apenas no campo decisório pertinente aos atos administrativos lesivos, se coloca a exigência de fundamentação (neste sentido aponta claramente o elenco enunciado no artigo 124º/1 do CPA), a qual poderá ser efetivada por remissão.
Diz-se “em princípio” com o intuito de salvaguardar uma margem de exceção para casos marginais e atípicos.
Em qualquer caso, é do senso comum que a lei não impõe nem poderia impor a fundamentação da fundamentação (e assim sucessivamente) sob pena de o autor do ato administrativo se ver condenado, como um Sísifo moderno, a rolar o rochedo da fundamentação até à consumação do Tempo. (Cfr. Acórdão do TCAS nº 2303/99 de 09/01/2003).
Nas palavras de Marcello Caetano (Manual, I, nº 197): “Não interessa ao jurista conhecer quaisquer motivos da vontade administrativa, mas tão-somente os motivos determinantes, aquelas razões de direito ou considerações de facto objetivamente consideradas, sem cuja influência a vontade do órgão administrativo não se teria manifestado no sentido em que se manifestou”.
Como resulta, de entre muitos outros, do Acórdão do Colendo STA nº 032352 de 28/04/94, “A fundamentação do ato administrativo deve ser expressa, o que implica que só é válida a fundamentação contextual, ou seja, a que se integra no próprio ato e dele é contemporânea”.
A fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal do ato administrativo, exigindo-se que, perante o itinerário cognoscitivo e valorativo constante daquele ato, um destinatário normal possa ficar a saber por que se decidiu em determinado sentido.
Como ficou dito no Acórdão do Colendo STA nº 762/02, de 19 de Fevereiro de 2003, “…a fundamentação dos atos administrativos visa, por um lado, dar a conhecer aos seus destinatários o iter cognoscitivo e valorativo seguido pela Administração, de molde a permitir-lhes uma opção consciente entre a aceitação do ato e a sua impugnação contenciosa, e, por outro, que a Administração, ao ter de dizer a forma com agiu, porque decidiu desse modo e não de outro, tenha de ponderar aceitavelmente a sua decisão.”
É, por isso, um conceito relativo, que depende de vários fatores, designadamente do tipo legal de ato, dos seus antecedentes e de tudo aquilo que possibilite aos seus destinatários ficar a saber a razão de ser dessa decisão.
Sem prejuízo do precedentemente afirmado, entrar-se-á agora na análise objetiva da questão controvertida.
Desde logo e no que concerne à suscitada “falta de decisão do ato executado” e “erro de julgamento”, refira-se desde já, que não se vislumbra merecer censura a decisão que determinou a aplicação da recorrida da pena de 20 dias de suspensão.
Tendo a pena sido aplicada pelo órgão competente, no caso, a Câmara Municipal, em votação secreta, não se poderá descortinar qualquer vicio de competência do referido órgão, sendo que, tendo a votação sido efetuada por voto secreto, ratificando o sentido do que vinha proposto, naturalmente que integrará a fundamentação constante do relatório final que a propunha.
Efetivamente, estamos em presença de proposta de deliberação apresentada pela Vereadora com o Pelouro dos Recursos Humanos, a qual desde logo apontava no sentido da decisão final ser proferida pela Câmara Municipal, com base no relatório elaborado pelo instrutor do processo.
Propondo o instrutor do processo disciplinar “Face ao enquadramento legal acima referido”, a aplicação, designadamente, ao aqui representado, de pena de suspensão por 20 dias, é patente que a parte decisória do procedimento se encontra corretamente delineada, ratificando-se, assim, aquilo que vinha proposto.
Naturalmente que a deliberação camarária punitiva não valerá só por si em abstrato, antes resultando da correspondente Proposta apresentada pela Vereadora competente, que por sua vez assenta na fundamentação aduzida na proposta do instrutor ínsita no Relatório Final apresentado, uma vez que o sentido é coincidente.
Caso o sentido do deliberado fosse divergente do proposto e da fundamentação de facto e de direito constante do Processo disciplinar, é que a deliberação teria de ter acrescida fundamentação, como resulta do Artº 55º nº 4 do identificado Estatuto Disciplinar ao referir que “a decisão do procedimento é sempre fundamentada quando não concordante com a proposta formulada no relatório final do instrutor …”.
Resulta pois claro que a deliberação camarária emerge da proposta da Vereadora com o Pelouro dos Recursos Humanos, que por sua vez assumiu o conteúdo da tramitação do Processo Disciplinar preteritamente instruído e do correspondente Relatório Final, o que determinou a aplicação da pena disciplinar de 20 dias de suspensão, tal como vinha proposto, aprovada em Câmara por sete votos a favor e seis contra, enquanto órgão competente para o efeito.
Já no que concerne ao invocado vício de forma, por falta de fundamentação, sem prejuízo de tudo quanto precedentemente ficou dito relativamente à referida questão, diga-se ainda o seguinte:
Ao contrário do que o Recorrente pretende demonstrar, descontextualizando a decisão punitiva, a deliberação camarária que aplicou a pena de 20 dias de suspensão, designadamente, ao aqui representado, mostra-se suficiente e adequadamente fundamentada, na medida em que necessariamente se apropria do teor quer da proposta, quer do relatório final do processo disciplinar.
E não poderá o então arguido alegar desconhecimento do teor dos referidos elementos, uma vez que se mostrou provado que os mesmos lhe foram notificados (facto provado 8).
Tendo sido facultado ao então arguido o conjunto de todos os elementos relevantes, a saber, Relatório Final, Proposta de Deliberação e Deliberação punitiva, mal se compreende como poderá o mesmo invocar seriamente que não entendeu a fundamentação da prática do ato administrativo que lhe determinou a aplicação da pena de suspensão de 20 dias.
Resulta aliás sintomaticamente da Proposta de deliberação, submetida a aprovação camarária que:“(...) Por despacho do Exmo. Senhor Vereador com o Pelouro da Proteção Civil, Controlo Interno e Fiscalização, de 22 de novembro de 2010, foi instaurado processo disciplinar aos seguintes colaboradores:
(…)
§ PJPM – 67501
§ (...)
“Em 29 de dezembro de 2011 foi concluído o referido processo e elaborado pelo(a) Senhor(a) Instrutor(a) o Relatório Final.
PROPONHO
1.º - Que a Câmara Municipal aprecie e delibere, por escrutínio secreto, a proposta do(a) Senhor(a) Instrutor(a), anexa.
2.º - Que os funcionários sejam notificados da presente deliberação nos termos do n.º 1, do artigo 57.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro.”
Acresce que a Vereadora proponente refere expressamente que a proposta submetida à Câmara resulta de proposta do instrutor:
“Que a Câmara Municipal aprecie e delibere, por escrutínio secreto, a proposta do(a) Senhor(a) Instrutor(a), anexa.”
Verifica-se pois, de forma manifesta, a existência de fundamentação por remissão, admitida nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do Código do Procedimento Administrativo.
Neste sentido, designadamente, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in “Código do Procedimento Administrativo Comentado”, 2.ª edição, Almedina, anotação IV ao artigo 125.º, página 603), onde referem que «Em vez de indicar no próprio ato a fundamentação da decisão, o seu autor pode remeter-se para os fundamentos constantes de “parecer, proposta ou informações anteriores” – que será, nomeadamente, o caso do relatório e proposta do instrutor, referidos no artigo 105.º do Código”.
Como em muitos outros acórdãos, refere-se no acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, de 2 de dezembro de 2010, que A fundamentação por remissão, expressamente prevista no art. 125º, nº 1 do CPA consiste na remissão para os termos de uma informação, parecer ou proposta que contenha, ela mesma, a motivação do ato, de tal modo que essa remissão deve ser entendida no sentido de que o ato administrativo absorveu e se apropriou da respetiva motivação ou fundamentação, que, assim, dele ficará a fazer parte integrante.”
Refere-se ainda no acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo de 30 de setembro de 2009, Processo n.º 0564/08, que “Nada obsta a que a fundamentação seja feita por dupla remissão, ou seja, que o ato remeta para uma peça processual que, por sua vez, remeta para outra ou outras, desde que todas se encontrem no processo, e daí não resulte demasiada complexidade na fundamentação e desde que a cadeia de remissão seja clara e facilmente apreensível por um destinatário normal, permitindo um encadeamento sucessivo, lógico e articulado das referências remissivas utilizadas.”
Ainda no que concerne à fundamentação de atos refere-se no acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de novembro de 1994, in Apêndice ao Diário da República, n.º 401, p. 594) que “(…) a fundamentação do ato administrativo é um conceito relativo, devendo concluir-se pela sua existência quando um destinatário normal, posto na posição do interessado em concreto, atentas as suas habilitações literárias e os seus conhecimentos profissionais, o tipo legal do ato, os seus termos e as circunstâncias da que rodearam a sua prolação, não tenha dúvidas acerca das razões que motivaram a decisão (…)”.
Por outro lado, e finalmente, refere-se no acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo de 1 de março de 2005, que “(…) o dever de fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo legal de ato, dos seus antecedentes e de todas as circunstâncias com ele relacionadas, designadamente as típicas condutas administrativas, que permitam dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo que levou a que fosse decidido dessa maneira e não de outra, estando suficientemente fundamentados quando um destinatário normal se aperceba das razões de ser da decisão (…)”.
Em face de tudo quanto precedentemente ficou dito, tendo ao então arguido sido facultado a Proposta de Deliberação da referida Vereadora, Relatório Final do Processo Disciplinar e a emergente Deliberação Camarária, com a notificação da aplicação da Sanção disciplinar de 20 dias de suspensão, mostram-se manifestamente preenchidos os pressupostos aplicáveis à necessidade de fundamentação, tanto mais que aquele não invoca qualquer falta de fundamentação relativa ao relatório Final.
Em face de tudo quanto ficou dito, não se vislumbra, como invocado no Recurso, que possam ter sido violados os Artº 124º, 125º do CPA e Artº 268º, nº 3 da CRP.
Finalmente, e no que respeita à requerida “retirada da fundamentação de facto o conteúdo da alínea G considerando que se fundamentou no texto do ato punitivo … e este não contém tal matéria, nem a permite”, uma vez que a matéria de facto do acórdão recorrido está organizada numericamente, a referência feita poderá reportar-se ao Acórdão nº 1542/12BEPRT, remetido nos termos do Artº 93º do Artº 94º do CPTA, mas que por se circunscrever a processo diverso, e tendo o Acórdão recorrido “matéria de facto apurada” própria, não se poderá naturalmente verificar sequer o suscitado, por relativo presumivelmente a processo diverso.
Mas, em qualquer caso, uma vez que a impugnação da matéria de facto não poderá ser deixada à mera presunção do julgador, perante a ausência de clareza e concretização do invocado pelo Recorrente, sempre se imporia a rejeição do invocado, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, alínea a) do CPC, por não estarem devidamente identificados “os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados”. * * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar improcedente o Recurso Jurisdicional apresentado, confirmando-se o Acórdão Recorrido.
Custas pelas Recorrentes.
Porto, 6 de Novembro de 2014
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Maria do Céu Neves |