Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00558/10.6BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:CONVOLAÇÃO, ILEGALIDADE CONCRETA, PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA;
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO NO PRAZO DE CADUCIDADE, IRREGULARIDADES NA NOTIFICAÇÃO;
FALTA DE INDICAÇÃO DOS MEIOS DE DEFESA;
Sumário:
I - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.

II - Deduzido em processo de oposição pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição e outros de impugnação judicial, está o juiz impedido de ordenar a convolação para conhecimento dos fundamentos próprios desse processo, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição.

III - A notificação da liquidação, apesar de poder conter irregularidades, por não indicar os meios de defesa e prazos para reagir contra o acto notificado, se der a conhecer ao destinatário a existência da liquidação, é suficiente para obstar à caducidade do direito à liquidação do imposto.

IV - No entanto, essas irregularidades não podem ser aquelas que o próprio Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) comina com a nulidade da notificação.

V - O artigo 39.º do CPPT não comina com nulidade a notificação que tenha sido enviada sem constarem os meios de defesa, mas antes os casos de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», contribuinte n.º ...90, residente na Rua ..., em ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 03/05/2018, que julgou improcedente a oposição contra o processo de execução fiscal n.º.......................068, para cobrança coerciva da quantia de €25.158,11, proveniente de dívidas de IRS, referente ao ano de 2005 e respectivos juros compensatórios.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“i. O presente recurso é interposto da douta sentença proferida nos autos aos 30.04.2018, compilada a fls... dos autos, que, julgou improcedente a oposição à execução fiscal.
ii. A data limite de pagamento da nota de liquidação da divida exequenda ocorreu no dia 02.09.2009, conforme se pode aferir da certidão e divida coligida a fls. 40 dos autos, onde no seu canto inferior esquerdo consta essa data como data limite de pagamento.
iii. A impugnação judicial da liquidação poderia ter sido instaurada até ao dia 02.12.2009, data em que se perfaziam 3 meses da data em que se iniciou a contagem do prazo em resultando do términos do prazo de pagamento do tributo fiscal exequendo.
iv. A oposição à execução fiscal deu entrada aos 16.11.2009 – vide fls. 2 a 9 dos autos e facto 6) da factualidade dada como assente na Douta Sentença.
v. Os fundamentos esgrimidos na oposição e os pedidos formulados, cabem nos fundamentos de impugnação, nos termos do artigo 97.º, n.º 1 do CPPT.
vi. Destarte, deveria o Tribunal ad quo ter determinado a convolação da presente oposição à execução em impugnação judicial, ao abrigo do disposto nos artigos 97.º, n.º 1, 98.º, n.º 4, 102.º do CPPT e 97.º, n.º 3 da LGT.
vii. A Oponente invocou falta de notificação da decisão que recaiu (que é que existiu) sobre o pedido da 2.ª avaliação do prédio.
viii. Se é verdade que tal fundamento radica na discussão da (i)legalidade da liquidação, não é menos verdade que tal questão não foi decidida pela AT e, salvo mais douto entendimento, tal chama à colação o disposto no artigo 204.º, n.º 1, al. h) do CPPT.
ix. A não ser desta forma tal questão nunca será apreciada, violando-se deste forma o Principio da tutela jurisdicional efectiva, contante no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
x. Destarte, tal questão por não ter ainda sido decidida poderia, como foi, ser fundamento de oposição à execução, ao abrigo do disposto no artigo 204.º, n.º 1, al. h) do CPPT.
xi. Invocou a Oponente que a nota de liquidação não foi validamente notificada porquanto dela não constavam quais os meios de defesa e prazos para reagir contra tal acto.
xii. A Douta Sentença considerou ser de aplicar ao caso dos autos o disposto no artigo 37.º do CPPT que incumbe o contribuinte de notificar a AT para que esta fornecesse os elementos omitidos.
xiii. Salvo mais douta opinião, a nota de liquidação não configura decisão em matéria tributária, se assim fosse e o legislador quisesse abarcar a liquidação como decisão tributária não teria usado terminologias distintas nos artigos 36.º e 37.º do CPPT, onde no primeiro fala em “actos em matéria tributária” e no segundo em “decisão em matéria tributária”.
xiv. O artigo 37.º será de aplicar aos recursos hierárquicos, às reclamações graciosas, aos pedidos de isenção de tributos (…), onde existe uma decisão, não à liquidação que é o acto tributário pelo qual se aplica a taxa ao rendimento. Nesta não existe qualquer decisão mas apenas um acto de em matéria tributária de aplicação da taxa ao rendimento.
xv. Não sendo de aplicar o artigo 37.º do CPPT ao caso dos autos, ser-lhe-á de aplicar o disposto no artigo 36.º do CPPT, que determina a invalidade da notificação que não contenha todos os elementos exigidos. Posto que não tendo sido regularmente notificada e tendo a Oponente arguido tal invalidade, deve a mesma ser reconhecida com os consequentes efeitos legais.
xvi. A Douta Sentença sob recurso a decidir como decidiu violou as disposições normativas contidas nos artigos 36.º, n.ºs 1 e 2, 37.º, n.ºs 1 e 2, 97.º, n.º 1, 98.º, n.º4, 102.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, al. h) do CPPT e 97.º, n.º 3 da LGT.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, que V.ªs Ex.ªs mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, determinar-se a revogação da sentença recorrida, com a inerentes repercussões jurídico-processuais. Assim farão V.ªs Ex.ªs a Costumada JUSTIÇA!!!”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao não ter convolado a presente oposição em impugnação judicial, ao não ter apreciado a ilegalidade da liquidação e ao não ter considerado a notificação da liquidação inválida.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Dos autos considera-se como assente a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir:
1) No dia 4 de Maio de 2005 foi celebrado documento denominado “COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA” constando do mesmo, além do mais, o seguinte: «PRIMEIRA
«AA», (…)
SEGUNDO
«BB», (…), o qual outorga por si, como fiador, e em representação do comprador:
a) «CC», (…)
(…)
Declarou a primeira outorgante que vende ao representante do segundo outorgante, «CC», o seguinte:
Fracção autónoma, designada pela letra ..., destinada a habitação, Tipo Tquatro, Bloco ..., sita no segundo andar duplex esquerdo e uma garagem, a primeira na cave do lado poente, (…). A habitação tem o valor patrimonial tributário de 43.346,63 euros e a garagem tem o valor patrimonial tributário de 11.099,37 euros.
Esta fracção pertence ao prédio sito à Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...78, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o ............... dezoito, freguesia ..., estando a aquisição da fracção registada a favor da vendedora pela Inscrição ..., afecto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição ...
Que esta venda é feita pelo preço de duzentos mil euros, quantia já recebida.
(…)» - cfr. fls. 19 a 25 dos autos;
2) Em 24-07-2009, foi emitida em nome da ora oponente a liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, referente ao ano de 2005 com o número 2009.................316, na qual foi apurado imposto a pagar no montante de € 29.951,31 acrescido de juros compensatórios no montante de € 1.447,24, perfazendo o total de € 31.398,55 – cfr. resulta de fls. 107 dos autos;
3) Nesse mesmo dia 24-07-2009 foi efectuada a compensação entre o montante a pagar mencionado no ponto anterior [€ 31.398,55] com o montante que resulta do estorno da liquidação n.º 2009.............023 [€ 6.240,55], perfazendo o total de imposto a pagar de € 23.825,72 e de juros compensatórios de € 1.332,39, o que tudo somado perfaz a quantia de € 25.158,11, a qual deveria ser paga até ao dia 02-09-2009 – cfr. fls. 106 dos autos;
4) Por ofício expedido sob o registo postal RY4............79PT, recepcionado em 31-07-2009 foi a ora oponente notificada da liquidação e da demonstração da compensação relativa a IRS/2005 – cfr. fls. 45 a 47, informação de fls. 48 dos autos;
5) Contra a ora oponente foi instaurada e autuada em 30-09-2009, a execução fiscal n.º .......................068 que corre termos no Serviço de Finanças ... para cobrança coerciva da quantia de € 25.158,11, proveniente de dívidas de IRS, referente ao ano de 2005 e respectivos juros compensatórios – cfr. fls. 39 e 40 dos autos;
6) Citada para a execução fiscal mencionada no ponto anterior, em 16-11-2009, a ora oponente remeteu, via fax, a presente oposição – cfr. fls. 2 a 9 dos autos;
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Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.
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O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos.”

2. O Direito

A Recorrente, em face do julgamento realizado pelo tribunal de primeiro conhecimento quanto à adequação do meio processual - “impugnação judicial” - para conhecer de alguns fundamentos vertidos na petição inicial, sustenta que os fundamentos esgrimidos na oposição e os pedidos formulados cabem nos fundamentos de impugnação, nos termos do artigo 97.º, n.º 1 do CPPT. Destarte, defende que deveria o tribunal recorrido ter determinado a convolação da presente oposição à execução em impugnação judicial, ao abrigo do disposto nos artigos 97.º, n.º 1, 98.º, n.º 4, 102.º do CPPT e 97.º, n.º 3 da LGT.
A sentença recorrida detectou, na petição inicial, um fundamento que considerou, sem dúvida, fundamento deste meio processual utilizado (oposição judicial): a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, indicando o disposto no artigo 204.º, n.º 1, alínea e) do CPPT; tendo quanto aos restantes fundamentos (também) julgado a oposição improcedente.
Não vislumbramos qualquer erro neste julgamento recorrido e, como vimos, as causas de pedir indicadas pela Recorrente tiveram como consequência a improcedência da oposição nessa parte.
O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.
Embora o pedido não se encontre formulado com inteira precisão, a verdade é que é apreensível poder ser a extinção do processo de execução fiscal que se pretendia, sendo possível interpretar o pedido formulado nesse sentido, dado que, a partir do artigo 31.º da petição inicial, se alude à suspensão da execução por força da dedução da oposição judicial, inculcando a ideia de obstar à prossecução do processo de execução fiscal.
Porém, não será possível convolar esta oposição em impugnação judicial, dado que foi invocado fundamento de oposição: falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, segundo o disposto no artigo 204.º, n.º 1, alínea e) do CPPT.
Lembramos que, deduzido pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição e outros de impugnação judicial, está o juiz impedido de ordenar a convolação neste meio processual para conhecimento dos fundamentos próprios desse processo, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição que utilizou – cfr., entre muitos, o Acórdão do STA, de 25/11/2015, proferido no âmbito do processo n.º 0944/15.
Recordamos, também, que na sentença de primeira instância inexiste uma decisão de erro na forma do processo, que não se mostra questionada neste recurso, por isso não é possível falar em convolação.
Assim, no presente processo é preciso atentar no pedido que foi formulado, na concreta pretensão de tutela jurisdicional que o contribuinte visa obter, que será “a suspensão/extinção do processo de execução fiscal”; mas as concretas causas de pedir, referentes à “ilegalidade da liquidação”, não são aptas a alcançar tal pretensão. Saber se as causas de pedir aduzidas podem ou não suportar esse pedido é matéria que se situa no âmbito da procedência. Por isso, com o fundamento de que as causas de pedir invocadas não são adequadas ao pedido formulado poderá decidir-se no sentido da improcedência da acção (eventualmente, até do indeferimento liminar da petição inicial), mas não no sentido da verificação do erro na forma do processo.” - cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, proferido no âmbito do recurso n.º 01086/13.
Aquilo que é decisivo para individualizar a pretensão é o fundamento de facto, real, em que o oponente alicerça a sua pretensão, mas fundamento de facto no sentido de facto jurídico, porque subsumível a uma norma material associada à pretensão do oponente.
Conjugando estas regras com o pedido formulado pela Recorrente, observa-se que, com os fundamentos vertidos nos artigos 1.º a 8.º e 16.º a 30.º da petição, deve a presente oposição ser julgada improcedente, como o realizou o tribunal “a quo”, uma vez que essas causas de pedir aí descritas são próprias de um processo de impugnação judicial.
Nesta conformidade, se não há erro na forma do processo, não existe fundamento para a convolação, na medida em que a ponderação/efectivação desta pressupõe a existência do erro – cfr. artigo 98.º, n.º 4 do CPPT.
De qualquer forma, tendo em vista responder a este recurso, se os fundamentos invocados correspondem a pedidos distintos e diferentes formas processuais, torna-se inviável a convolação, já que o juiz está impedido de optar por qualquer uma delas – cfr. Acórdão deste TCAN, de 28/01/2021, também relatado pela aqui relatora no âmbito do processo n.º 01046/19.0BEPRT.

A Recorrente não questiona que o fundamento relativo à falta de notificação da decisão que recaiu sobre o pedido da 2.ª avaliação do prédio em causa radica na discussão da (i)legalidade da liquidação, porém, chama à colação o disposto no artigo 204.º, n.º 1, alínea h) do CPPT. Alerta que, tal questão, por não ter ainda sido decidida, poderia ser fundamento de oposição à execução, ao abrigo do referido artigo 204.º, n.º 1, alínea h) do CPPT.
É nossa convicção que o tribunal “a quo” realizou uma leitura correcta da norma, ao destacar que tal contende com a apreciação da ilegalidade concreta da dívida exequenda, a qual apenas pode ser discutida em sede de oposição quando a lei não assegure outro meio processual de impugnação, apontando que, para apreciar a ilegalidade da dívida, a oponente tinha à sua disposição outro meio processual mais adequado: a impugnação judicial, pelo que não pode ser discutido nesta oposição.
Portanto, não é relevante se tal questão ainda não foi decidida; o importante é que podia ter sido, porque tinha à sua disposição a impugnação judicial.
A questão de saber se o imposto foi ou não, em concreto, legalmente liquidado constitui fundamento de impugnação judicial, não podendo proceder a oposição deduzida com esse fundamento, salvo nos casos, que não é o dos autos, em que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação (vide a alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT) – cfr., entre outros, Acórdãos do STA, de 07/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 01120/15, e de 18/11/2020, proferido no processo n.º 0699/17.9BELRA.
Replica a Recorrente que, a não ser desta forma (conhecida na oposição), tal questão nunca será apreciada, violando-se o princípio da tutela jurisdicional efectiva, constante no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Inexiste violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, uma vez que a interpretação dos artigos aplicados na decisão recorrida está em conformidade com o sistema fiscal.
Na verdade, esse princípio está consagrado na CRP (artigo 268.º, n.º 4), mas a sua efectivação não é anárquica, está sujeita a regras a estabelecer pelo legislador ordinário, tais como, por exemplo, a do uso do meio processual adequado, do estabelecimento de prazos para esse exercício, ou da necessidade de prévia utilização de meios graciosos.
A respeito do meio processual adequado, estabelece o artigo 2.º, n.º 2 do CPC que "A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção."
No âmbito do contencioso tributário, o meio processual adequado erigido pelo legislador ordinário para reagir contra a (i)legalidade concreta do acto de liquidação é a impugnação judicial – cfr. artigo 97.º, n.º 1, alínea a) e artigo 99.º, ambos do CPPT, só quando esse meio não assegurar a tutela jurisdicional efectiva dos direitos do contribuinte é legítimo o recurso a outros meios processuais.
Posição contrária, no sentido de que o uso da oposição judicial tutelava eficazmente os direitos da Recorrente, equivaleria à eliminação pura e simples do princípio do uso do meio processual adequado, o que não é de admitir, tanto mais que, na base dessa eliminação, estava o incumprimento de mais um princípio basilar do nosso contencioso administrativo e tributário - a existência de prazos para fazer uso do processo - com o que se pretende alcançar a segurança jurídica.
Ora, na situação em análise, a Recorrente não fez uso do meio adequado ao seu dispor no sistema fiscal, no prazo legalmente previsto.
Conclui-se, assim, que o direito à tutela judicial efectiva se mostra assegurado através de meios judiciais próprios e adequados; sendo imputável à Recorrente o facto de não ter utilizado esses meios previstos legalmente. In casu, a lei assegura meio judicial de impugnação contra o acto de liquidação (cfr. a alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT).

Quanto ao fundamento de oposição que foi apreciado em primeira instância, a Recorrente havia invocado que a nota de liquidação não foi validamente notificada, porquanto dela não constavam quais os meios de defesa e prazos para reagir contra tal acto, pretendendo demonstrar a falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade.
A sentença recorrida plasmou a irrelevância de tal irregularidade para esse efeito pretendido e considerou ser de aplicar ao caso dos autos o disposto no artigo 37.º do CPPT, faculdade que não terá sido utilizada pela oponente, no sentido de a AT ser instada para fornecer os elementos omitidos; apoiando-se em jurisprudência dos tribunais superiores.
Nos termos do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT), o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, contado, no caso dos impostos periódicos, desde o termo do ano em que se verificou o facto tributário.
In casu, estando em causa a liquidação de IRS (imposto periódico) relativa ao ano de 2005, o respetivo prazo de caducidade conta-se a partir de 31.12.2005.
A questão controvertida passa por saber se o documento notificado a 31.07.2009 pode ou não ser considerado como sendo notificação válida da liquidação controvertida – cfr. ponto 4 da decisão da matéria de facto.
Como é jurisprudência pacífica, para efeitos de caducidade do direito à liquidação, tem sido entendido que, ainda que a notificação possa ter algumas irregularidades, a mesma pode ser suficiente para obstar ao decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação.
A este respeito, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09.03.2022, proferido no âmbito do processo n.º 01214/07.8BEPRT (e jurisprudência no mesmo citada), onde se refere:
“[T]em-se entendido que, fora dos casos previstos no n.º 9 do artigo 39.º, a notificação sem todos os requisitos exigidos não deixa de valer como ato de comunicação ao destinatário quanto a tudo o que comunicou, produzindo efeitos próprios de uma notificação quanto àquilo que comunicou, se o destinatário usar da faculdade prevista no artigo 37.º. Ou seja, a notificação insuficiente, que não seja cominada com a nulidade (n.º 9, do artigo 39.º), não deixa de produzir efeitos para que é idónea, que é dar conhecimento ao destinatário da existência de uma decisão da administração tributária, e apenas não produzir efeitos para que é inidónea, os de iniciar os prazos de impugnação administrativa ou contenciosa, se o interessado não usar da faculdade prevista no artigo 37.º - cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29/10/2014, processo 01381/12.
Na verdade, o legislador apenas cominou com a nulidade, as notificações em que falta a indicação do autor do ato e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data, o que aponta para que as outras que padeçam de outras insuficiências possam produzir os seus efeitos, com exceção de dar inicio ao prazo de impugnação administrativo ou contenciosa, por efeito do n.º 2 do artigo 37.º, e apenas quando tal faculdade for exercida. Por outro, o n.º 2 do artigo 37.º não determina que se realize uma nova notificação com todos os elementos previstos na lei mas tão-só que sejam notificados os elementos em falta, o que aponta para que a primeira notificação produz efeitos. De notar ainda que se a faculdade prevista no artigo 37.º não for usada, a notificação da liquidação produz todos os seus efeitos.
É certo que nos termos da lei apenas uma notificação validamente efetuada é considerada para os efeitos do n.º 1 do artigo 45.º da LGT. Contudo, a validade a que se reporta a norma deve ser entendida como respeitando à forma como é efetuada a notificação, ou seja, às garantias de que o ato chegou ao conhecimento do destinatário, e não quanto ao seu conteúdo - cf. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 22/01/2014, proferido no processo 01108/13 (e acórdãos do mesmo Tribunal nele citados) e de 29/10/2014, proferido no processo 01381/12”.
Ainda que, como já referimos, a falta de menção de alguns dos requisitos legais da notificação possa não afectar a sua pertinência para efeitos de caducidade, este entendimento, como decorre da jurisprudência citada supra, não abrange as situações que o legislador comina com a nulidade da notificação.
Ora, o artigo 39.º do CPPT (actual n.º 12) não comina com nulidade a notificação que tenha sido enviada sem constarem os meios de defesa, mas antes os casos de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data.
Como tal, não assiste razão à Recorrente, não se verificando a falta de notificação no prazo de caducidade do direito à liquidação, como bem decidiu o tribunal recorrido, devendo, para esse efeito, ser considerada a notificação indicada no ponto 4 do probatório (anterior a 31.12.2009).
Ao arrepio da jurisprudência citada, e com a qual concordamos, a Recorrente insiste na inaplicabilidade do artigo 37.º do CPPT ao caso, defendendo que o artigo 37.º será de aplicar aos recursos hierárquicos, às reclamações graciosas, aos pedidos de isenção de tributos (…), onde existe uma decisão, mas não à liquidação que é o acto tributário pelo qual se aplica a taxa ao rendimento. Nesta não existe qualquer decisão mas apenas um acto em matéria tributária de aplicação da taxa ao rendimento.
Discordamos desta construção jurídica, na medida em que, em regra, o acto de liquidação consubstancia um acto administrativo, quando seja praticado pelo sujeito activo no culminar de um procedimento administrativo tributário levado a cabo pela AT, equivalendo a uma decisão em matéria tributária, podendo ser objecto de impugnação da sua validade/legalidade.
Na esteira do que expende Jesuíno Alcântara Martins in “A Liquidação e Prescrição das Dívidas Tributárias” - ISCAL – Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa) “(…) A caducidade do direito à liquidação pressupõe que o ato de liquidação seja da responsabilidade do sujeito ativo da relação jurídica tributária, o qual através de um órgão competente tem de efetuar as operações administrativas de quantificação e liquidação do tributo, bem como a sua válida notificação. O ato de liquidação é, portanto, um ato administrativo que tem de ser praticado por um órgão competente e tem de integrar os requisitos materiais e formais estabelecidos na lei. A eficácia do ato de liquidação depende da sua válida notificação (n.º 6 do art.º 77.º da LGT), bem como a sua validade exige uma adequada fundamentação nos termos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º da LGT. A sua notificação, quanto à substância, tem de obedecer às regras estabelecidas no n.º 2 do artigo 36.º do CPPT e quanto à forma às regras previstas nos artigos 38.º e 39.º do CPPT. O ato de liquidação descrito pode ser denominado como uma liquidação administrativa em contraponto à liquidação ou apuramento do imposto realizado pelo contribuinte ou outro obrigado tributado, que é designado por autoliquidação ou retenção na fonte. Nesta situação não existe um ato administrativo de liquidação, existe sim, é um ato voluntário de entrega do imposto nos cofres do credor tributário, realizado pelo próprio sujeito passivo da relação jurídica tributária ou contributiva ou pelo substituto tributário. (…)”
O artigo 37.º do CPPT está reservado para situações de notificação respeitante a actos em matéria tributária que possam ser objecto de meio judicial de reacção contra a sua validade/existência, e não para suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de actos, nomeadamente de actos processuais, cujas regras de cumprimento e validade estão, primordialmente, previstas no Código de Processo Civil (artigos 193.º e seguintes) – cfr. Acórdão do STA, de 21/11/2019, proferido no âmbito do processo n.º 03479/10.9BEPRT 01514/14.
Assim sendo, na medida da suficiência do já exposto, pois também este argumento do recurso soçobra, urge negar provimento ao mesmo e confirmar a sentença recorrida.

Conclusões/Sumário

I - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.
II - Deduzido em processo de oposição pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição e outros de impugnação judicial, está o juiz impedido de ordenar a convolação para conhecimento dos fundamentos próprios desse processo, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição.
III - A notificação da liquidação, apesar de poder conter irregularidades, por não indicar os meios de defesa e prazos para reagir contra o acto notificado, se der a conhecer ao destinatário a existência da liquidação, é suficiente para obstar à caducidade do direito à liquidação do imposto.
IV - No entanto, essas irregularidades não podem ser aquelas que o próprio Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) comina com a nulidade da notificação.
V - O artigo 39.º do CPPT não comina com nulidade a notificação que tenha sido enviada sem constarem os meios de defesa, mas antes os casos de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe tenha sido concedido.

Porto, 11 de Abril de 2024

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Ana Paula Santos