Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02084/24.7BEPRT-S1 |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 03/21/2025 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA |
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Descritores: | LEVANTAMENTO DO EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO; ARTIGO 103º, Nº. 4 DO CPTA; |
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Sumário: | I – Conforme ditado pelo artigo 103º - A do C.P.T.A., o que está em causa não é ponderar valores ou interesses em si, mas danos ou prejuízos, que numa prognose relativa às circunstâncias do caso concreto, resultariam do levantamento ou não do efeito suspensivo dos efeitos do ato impugnado. II- Perante a evidência que o procedimento concursal visado nos autos não visa a execução da empreitada da construção do Edifício de ambulatório do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, E.P.E., mas antes a elaboração do projeto que o antecederá e servirá, e à míngua da alegação de uma data concreta e determinada para o início da execução material da obra de edificação das novas instalações do Instituto Português de Oncologia, deve concluir-se no sentido da inexistência de um nexo de causalidade entre a suspensão do procedimento de elaboração do projeto e a futura prestação de cuidados de saúde. III- Neste enquadramento, considerando a duração previsível do processo estimada de 1 ano, e, bem assim, a natureza exclusivamente patrimonial dos prejuízos em confronto, nenhuma ponderação criteriosa pode conduzir à conclusão que o interesse da Contrainteressada, aqui Recorrente, prevalece sobre o demais, de forma a justificar o levantamento do efeito suspensivo automático do presente procedimento concursal.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos: * * I – RELATÓRIO 1. A sociedade comercial [SCom01...] S.A., Contrainteressada nos autos de CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Autora [SCom02...], S.A. e Entidade Demandada o INSTITUTO PORTUGUÊS DE ONCOLOGIA DE LISBOA FRANCISCO GENTIL, E.P.E, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do (i) despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, editado em 13.11.2024, que julgou desnecessária a abertura de um período de produção de prova e, bem assim, da (ii) decisão judicial que julgou improcedente o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático do ato impugnado. 2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) I- ENQUADRAMENTO GERAL: CARÁCTER CRÍTICO E PRIORITÁRIO DO PROJETO DE EXECUÇÃO PARA O NOVO EDIFÍCIO DO IPO A) Em 2022, foram estimados mais de 66 mil novos casos de cancro em Portugal, com predominância de cancros da mama, colorretal, próstata e pulmão. Além disso, o cancro é responsável por 23% das mortes em Portugal, sendo a segunda principal causa de mortalidade no país. Estes dados e os objetivos infra mencionados justificam a urgência da construção do Novo Edifício de Ambulatório para garantir que os doentes possam aceder a tratamentos eficazes e em condições adequadas. B) É neste contexto que a entidade demandada promoveu o procedimento concursal em causa nos presentes autos e adjudicou à Recorrente os serviços de elaboração do Projeto de Execução do Novo edifício do IPO de Lisboa cuja implementação, há muito revelado como imprescindível e prioritário, visa: Eliminar a dispersão dos serviços do IPO por 19 edifícios distintos; Eliminar a duplicação de funções de recursos humanos e técnicos, que tem vindo a afetar a eficiência dos serviços prestados; Terminar com a situação existente em que que os doentes, frequentemente em estado de saúde crítico, têm de percorrer longas distâncias a pé para receber um tratamento adequado e digno; Eliminar situações de risco clínico resultantes de atrasos em tratamentos e sobreocupação de espaço de internamento; Concentrar grande parte da atividade ambulatória e unidades de investigação num novo edifício, moderno e expansível, com a prestação integrada dos seguintes serviços aos seus pacientes oncológicos (Consulta externa/clínicas multidisciplinares; Hospital de dia; Técnicas endoscópicas e exames especiais de ginecologia e urologia; Medicina física e de reabilitação; Imagiologia; Cardiologia; Laboratórios e central de colheitas; Assistência domiciliária; Unidade de atendimento não programado; Posto avançado de farmácia; Centro de investigação; e Registo oncológico nacional); Otimizar o uso de recursos, facilitando o trabalho das equipas médicas e melhorando a prestação dos serviços e a experiência dos doentes, sobretudo aqueles em condições mais debilitadas, com uma abordagem mais eficiente e mais humana, com respostas integradas, em face do volume crescente de tratamentos; Integrar o Hospital de Dia para Adultos, cuja implementação é crucial para o aumento da capacidade de atendimento, aumento de camas para internamento e para a modernização e maximização da eficiência dos cuidados prestados; Melhorar significativamente as condições de diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos doentes oncológicos, assim como a adequação da prestação de cuidados de saúde às necessidades e à crescente procura de cuidados especializados em oncologia, facilitando a comunicação entre os diversos participantes nos processos assistenciais, de diagnóstico e de investigação e ensino; Aumentar a eficácia do tratamento oncológico e a segurança dos pacientes; Garantir o cumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos por lei; Melhorar substancialmente as condições da investigação clínica. C) A prestação dos serviços do Projeto de Execução tem um prazo de conclusão de 120 dias, sendo que tal prestação se encontra suspensa por via do efeito suspensivo automático resultante da ação de impugnação do ato de adjudicação. D) Sendo que o projeto de execução concursado (a concluir em 120 dias) é objetivamente necessário e condição precedente para o lançamento do concurso tendente à adjudicação da empreitada e construção do Novo Edifício do IPO, conforme resulta do n.º 1 do artigo 43.º do Código dos Contratos Públicos e da Portaria n.º 255/2023, de 7 de agosto. E) Pelo que, o efeito suspensivo automático decorrente da ação intentada pela Recorrida acarreta que, só após decisão transitada em julgado, é que os serviços poderão ser iniciados e só após a sua conclusão é que poderá ser lançado o concurso público relativo à execução da Empreitada. O que, face à demora inerente a um contencioso desta natureza, permite concluir pela suspensão do projeto de execução por 1 ou 2 anos, com grave prejuízo para o interesse público e lesão irremediável do direito constitucional à saúde, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana! II- DA DECISÃO QUE DETERMINOU A NÃO ABERTURA DE UM PERÍODO DE INSTRUÇÃO E DA MATÉRIA DE FACTO RELEVANTE QUE TAMBÉM DEVERIA TER SIDO DADA COMO PROVADA F) Na sentença recorrida, nas suas páginas 4 in fine até à página 12, o Tribunal elenca alguma matéria de facto que entendeu dar como provada apenas com base na documentação junta aos autos. G) No entanto, o Tribunal desconsiderou (ignorou) todo um conjunto de factos alegados no requerimento inicial de manifesta relevância para a apreciação do mérito da causa, a saber o alegado sob os arts. 16º, 19º, 20º, 21º, 25º, 26º, 27 º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 48º, 49º, 51º, 52º, 54º, 57º, 59º, 60º, 62º, 63º, 64º, 66º, 67º, 68º, 72.º e 75.º do requerimento inicial relativo à criticidade, prioridade e urgência da construção do Novo edifício do IPO, a par do facto de, segundo os relatórios dos vários orçamentos de Estado dos últimos anos, a atribuição de verbas para a construção do Novo Edifício ser já uma realidade adquirida. H) Ora, tratam-se de factos que devem ser considerados como provados face à falta de contestação/impugnação por parte da Recorrida, sabendo-se que: (i) nos termos do art. 607.º, n.º 4, do CPC o Juiz “toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo”, vulgo falta de contestação/impugnação; (ii) nos termos do art. 607º, n.º 5, do CPC, a livre apreciação da prova “não abrange os factos (...) que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes e (iii) nos termos do art. 574º, nº1, do CPC, “consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados (…)”. I) Pelo que, por força do exposto devem tais factos ser considerados como provados, por acordo das partes. J) Com efeito, não pode o Tribunal considerar provada uma determinada materialidade essencialmente de natureza mais burocrática, porque resultante de documentação maioritariamente proveniente da própria entidade demandada e, sem critério objetivo, ignorar outra materialidade manifestamente relevante e dá-la como não provada, apesar de existir acordo tal como resulta do articulado de oposição da Recorrida que não os contestou, nem impugnou, limitando-se a tecer considerações e conclusões! E isto, sem apresentar qualquer outro fundamento passível de ser sindicado pelas instâncias superiores. Sem transigir, dir-se-á ainda que: K) Ademais, o tribunal a quo rejeitou as diligências probatórias requeridas, apesar destas respeitarem: (i) ao depoimento de parte do legal representante da entidade demandada, na pessoa da Presidente do seu Conselho de Administração, sobre a matéria em causa, (ii) à inquirição, como testemunhas, dos anteriores Presidentes do Conselho de Administração da entidade demandada; do Diretor do Departamento de Hematologia da entidade demandada e do Presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro; tudo pessoas necessariamente com conhecimento direto daquela materialidade e do interesse público subjacente a ser prosseguido. L) Acresce que se o ónus da prova recai sobre a Requerente (art. 342.º do C. Civil) não se pode retirar à Requerente o direito de poder produzir a prova que entender adequada para o efeito (art. 392.º do C. Civil), cabendo ao Juiz a sua análise crítica e devidamente fundamentada. M) O facto de o Tribunal a quo não ter dado como provada aquela materialidade e, ademais, o facto de também não ter aberto a fase de instrução, viola clara e indubitavelmente, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, na sua dimensão constitucional e europeia, e ao limitar a apreciação de prova, no âmbito do incidente do levantamento do efeito suspensivo, aos documentos juntos pelas partes, viola, igualmente, os princípios europeus da efetividade e da equivalência (artigos 20.º e 268º, n.ºs 4 e 5, da CRP), em particular o direito a um processo equitativo, previsto no seu n.º 4 Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa – Anotada, Vol. I, pp. 417 e 418. . Nos termos da referida jurisprudência (uniforme e unânime em todos estes níveis), o direito à produção de prova pode ser limitado, em situações em que tal se justifique, mas nunca restringido, em juízo, à apreciação de prova documental, sem que o juiz possa determinar, oficiosamente ou a requerimento das partes, a produção de prova adicional, que se repute necessária para o apuramento da verdade material. N) Além de inconstitucional, esta limitação viola o princípio europeu da equivalência, que impõe que as regras aplicáveis ao processo do Direito da União não possam ser menos desfavoráveis do que as regras que seriam aplicadas a processos de direito interno equivalentes ou análogos, e o princípio da efetividade, segundo o qual as regras aplicáveis não devem tornar excessivamente difícil, ou virtualmente impossível, a correta aplicação do Direito da UE, conforme resulta do Acórdão do TJUE Pizzarotti, de 10-07-2017, proferido no âmbito do processo n.º C-213/13. O) Assim, desconsiderar a materialidade alegada, não impugnada, e ao limitar de forma desproporcionada a produção de prova, o Tribunal impediu o apuramento da verdade material e, consequentemente, a correta aplicação do Direito da UE em matéria de contratação pública P) Pelo que, o despacho a rejeitar as diligências probatórias conjugado com a sentença proferida, violou princípios elementares tais como: Princípio relativo à garantia de acessos aos tribunais; Princípio do inquisitório; Princípio da oralidade e da imediação; Princípio da descoberta da verdade material; Princípio da justiça; e ainda (i) disposto nos arts. 2.º, 411.º, 413.º, 574º, n.º 1, e 607º, nºs. 4 e n.º 5 (a contrario), do CPC e o disposto nos arts. 341.º e 342.º, n.º 1, do Código Civil. Q) Pelo que, a decisão aqui em crise enferma de grave erro de julgamento, violando ainda o disposto no art. 103º-A, n.º 3, do CPTA, devendo ser anulada e substituída por outra que: dê como provada a materialidade supra alegada ou, caso assim se não entenda, determine a realização das diligências probatórias requeridas pela Recorrente no seu requerimento inicial, seguindo-se os ulteriores trâmites legais. III- DOS CRITÉRIOS E REQUISITOS LEGAIS PARA O LEVANTAMENTO DO EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO R) Na sentença recorrida, é feita uma errada interpretação do regime legal aplicável ao pedido de levantamento do efeito suspensivo e dos respetivos requisitos legais com a redação atualmente em vigor. S) Com efeito, segundo o art. 103.º-A, n.º 4, do CPTA, “o levantamento do efeito automático basta-se, hoje, com o reconhecimento de que os prejuízos que, para o impugnante, podem resultar do levantamento são meramente inferiores àqueles que resultariam da manutenção daquele efeito, seja para o interesse público, seja para os contrainteressados. (…). O nº 4 deixou de exigir que o levantamento do efeito suspensivo só seja decretado quando se verifique que da manutenção desse efeito resultaria um desequilíbrio desproporcionado entre os interesses envolvidos, em desfavor da entidade demandada ou, sequer, dos contrainteressados”. IV- DA PONDERAÇÃO DE INTERESSES: SUPOSTO PREJUÍZO DA RECORRIDA T) Verifica-se da análise da oposição da Recorrida que esta não alegou qualquer facto concreto quanto a concretos prejuízos, seja a nível qualitativo, seja quantitativo, resultantes do levantamento do efeito suspensivo; não apresentando qualquer valor concreto do prejuízo ou bem jurídico lesado, mas potenciais danos meramente abstratos. U) Sendo certo que qualquer eventual prejuízo da Recorrida está dependente da prévia verificação cumulativa de duas condições, que estão longe de se verificar, quais sejam: a procedência da ação principal nos presentes autos com anulação da adjudicação e adjudicação da proposta da Recorrida. V) O que nos leva a concluir, necessariamente, que o prejuízo invocado pela Recorrida, para efeitos do exercício de ponderação de interesses previsto no art. 103.º-A, n.º 4, do CPTA, é ZERO! W) Ademais, a jurisprudência dos tribunais superiores tem maioritariamente entendido que, na ponderação de interesses concitada pelo artigo 103.º-A, n.ºs 2 e 4, não relevará a qualidade de vencido no concurso, e consequentemente o dano resultante da não adjudicação e contratação, na medida em que esse dano se insere no campo da incerteza própria e incontornável associada aos procedimentos concorrenciais. V- DA PONDERAÇÃO DE INTERESSES: DO PREJUÍZO SUPERIOR PARA O INTERESSE PÚBLICO EM RESULTADO DA MANUTENÇÃO DO EFEITO SUSPENSIVO X) Face à materialidade já assente e à remanescente que deve ser dada como assente, torna-se lógico e forçoso concluir que o projeto de execução concursado e a subsequente construção do Novo Edifício são absolutamente essenciais à prossecução e concretização do interesse público, na vertente do direito à proteção da saúde, assegurando o Estado que todos os cidadãos tenham acesso a cuidados de saúde de qualidade, acessíveis e eficientes (art. 6º da CRP) de forma a garantir o respeito pelo principio da dignidade da pessoa humana (art. 2º da CRP) (Vide ainda os n.ºs 2 e 4 da Base 1 da Lei de Bases da Saúde, a Lei n.º 15/2014, de 21 de março, que consolidou a legislação em matéria de direitos e deveres do utente dos serviços de saúde, a Convenção sobre os Direitos Humanos e a Biomedicina (CDHB)). Y) Sob pena do interesse público que se pretende prosseguir com a sua implementação, ficar irremediavelmente prejudicado por tempo indeterminado. Z) A manutenção do efeito suspensivo causará, assim, graves prejuízos ao interesse público, pois relegará para um momento futuro, longínquo e incerto a materialização do Novo Edifício de Ambulatório do IPO, há muito revelado imprescindível e prioritário. AA) Numa outra dimensão, mas, ainda assim, perfeitamente aplicável, o Acórdão do TCA Sul de 13-04-2000, proferido no âmbito do processo n.º 04172/00, sobre a suspensão de eficácia de uma deliberação do INFARMED que autorizou a instalação de uma farmácia, decidiu que: “Causaria grave lesão do interesse público, por violação do direito à saúde (artº 64º da C.R.P.) a suspensão de eficácia de uma deliberação do INFARMED que autorizou a instalação de uma farmácia numa freguesia constituída, na sua maioria, por pessoas idosas e sem recursos, que têm tido que deslocar-se às freguesias vizinhas para adquirirem medicamentos.” BB) No caso vertente, temos por um lado um gravíssimo e manifesto prejuízo para o interesse público com afetação indelével do direito constitucional à proteção da saúde, que se vê em crise com a manutenção do efeito suspensivo durante um litígio que, por via da apresentação de recursos, pode levar vários anos, comprometendo a conclusão do projeto de execução para posterior lançamento do concurso da empreitada de execução do projeto e respetiva conclusão. CC) Do outro temos apenas o interesse subjetivo e egoístico da Recorrida cujo suposto prejuízo não foi minimamente alegado e que, a existir, está sujeito a várias condições precedentes longe de se mostrarem possíveis de satisfazer. DD) No sentido da primazia do interesse público e visando obviar à sua lesão, veja-se o Acórdão do TCA Sul de 30-06-2011, proferido no âmbito do processo n.º 07053/11, autos em que se discutia a entrada no mercado de medicamentos genéricos, refere que: "(...) é de pôr na balança de um lado um interesse privado, de conteúdo patrimonial decorrente da titularidade da patente, e do outro lado, o interesse público em garantir a acessibilidade de todos os portugueses aos cuidados de saúde. Ora, está bem de ver que o retardamento da entrada no mercado de medicamentos genéricos, de menor custo, causa efectiva lesão do interesse público, com custos relevantes para o consumidor e, em última análise, para o Estado, através do regime de comparticipação do Serviço Nacional de Saúde” (sublinhado nosso). EE) Sendo, assim, evidente que os danos com a manutenção do efeito suspensivo serão muitíssimo superiores do que os eventuais danos resultantes para a Recorrida do levantamento deste último que, aliás, são inerentes à participação num procedimento concursal e que, em qualquer caso, são passiveis de ressarcimento. FF) Já a lesão do interesse público nas várias dimensões e com ofensa grave do direito à saúde são prejuízos incomensuravelmente superiores e insuscetíveis de reparação, afetando o acesso e a prestação de cuidados para a promoção da saúde e prevenção de doenças do foro oncológico à população, cuja ausência poderá determinar danos irreversíveis para a saúde dos cidadãos que deles necessitam. GG) Pelo que, no juízo de ponderação de interesses, e tendo subjacente a prognose empírica sobre o tempo previsível de duração da presente ação de contencioso pré-contratual, mostra-se manifesta a inevitabilidade da ocorrência de um grave dano e uma irreparável lesão para o interesse público caso se mantenha o efeito suspensivo da adjudicação. VI- DA DEMORA DO CONTECIOSO EM QUESTÃO NOS PRESENTES AUTOS HH) Dito isto, não se pode deixar de salientar a demora inerente à tramitação dos presentes autos e respetivos recursos como fator de agravamento da lesão do interesse público. É que ao contrário da sentença recorrida que estima ser possível que o trânsito em julgado ocorra num período não superior a 6 meses, desconhecendo-se os fundamentos para tal afirmação singela, II) Veja-se que a ação de impugnação do ato de adjudicação foi instaurada no dia 2709-2024, sendo que, entretanto, já decorreram mais de dois meses, sem que tenha ocorrido fase de saneamento e a necessária instrução e, se aplicável, a fase de alegações escritas. JJ) Por outro lado, como decorre dos articulados apresentados na ação principal, o thema decidendum abrange, ainda, questões relativas ao sentido e alcance de disposições do direito da União Europeia e à (des)conformidade do direito interno, podendo dar lugar ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia. E estando em causa princípios constitucionais, poderá ainda haver lugar a recurso para o Tribunal Constitucional. KK) Note-se que a duração média dos processos nos tribunais administrativos de 1ª instância, em 2023, foi de 6 meses, de acordo com o Sistema de Informação das Estatísticas da Justiçahttps://estatisticas.justica.gov.pt/sites/siej/pt-pt/Paginas/Duracao-media-dosprocessosfindosnostribunaisadministrativos-e-fiscais-de-1-instancia.aspx . LL) Pelo que, face ao período médio de duração de um processo, incluindo perante o STA, estima-se que o trânsito em julgado demorará cerca de 2 anos, podendo ser ligeiramente inferior ou até mesmo superior. MM) Não se critica aqui o contencioso administrativo pré-contratual que é das jurisdições mais céleres, fruto também, mas não só, da sua natureza urgente. Do que se trata é do rito e da tramitação processual prevista na lei aplicável às várias fases do processo e seus recursos, que não permite objetivamente sustentar a afirmação feita pelo Tribunal recorrido quanto a se obter uma decisão transitada em julgado em 6 meses, por ser manifestamente irreal e incompatível com a experiência e a realidade. NN) A manter-se o efeito suspensivo, a prestação de serviços do Projeto de Execução apenas poderá ser iniciada após o termo do presente contencioso, a que haverá a somar o prazo elaboração do projeto (120 dias) e o processo de lançamento do concurso público e, subsequentemente, o prazo para a construção do Novo Edifício. OO) Perante este cenário, o período de duração do presente contencioso pré-contratual será irremediavelmente perdido, a que se deverá somar o período subsequente para a prestação dos serviços do Projeto de Execução, concurso público relativo à Empreitada e a sua respetiva execução; com lesão manifesta e ostensiva do interesse público pretendido prosseguir através da criação de uma infraestrutura de cuidados de saúde que não só é indispensável, como crítica para a população. VII- Da omissão da entidade demandada quanto ao pedido de levantamento do efeito suspensivo e da legitimidade da Recorrente para invocação do interesse público e da sua prevalência PP) Resulta da sentença recorrida que o facto de a Entidade Demandada não ter requerido o levantamento do efeito suspensivo constituirá, aparentemente, um óbice para a procedência do pedido feito pela Contra-Interessada, ora Recorrente, por não deter a necessária e suficiente legitimidade para invocar os prejuízos para o interesse público. QQ) Ora a Recorrente tem expressa legitimidade para requerer o levantamento do efeito suspensivo, por via de disposição expressa contida no art. 103.º-A, n.º 2, do CPTA, que estatui “Durante a pendência da ação, a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo previsto no número anterior”; sendo que não pode à Recorrente ser-lhe vedada a possibilidade de invocar os prejuízos para o interesse público para efeitos do levantamento do efeito suspensivo automático, quando o critério que resulta do n.º 4 do artigo 103º-A do CPTA é o da ponderação de “todos os interesses públicos e privados em presença”, nada referindo o legislador quanto à falta de legitimidade do privado para invocar a defesa do interesse público. RR) Note-se que o que está em causa é o prejuízo para o interesse público que a Recorrente tem legitimidade para defender e evitar; e não um qualquer prejuízo patrimonial da entidade demandada que apenas a própria poderia alegar e defender. SS) Sendo certo que a materialidade necessária relativa aos prejuízos para o interesse público (se se mantiver o efeito suspensivo), foi ampla e largamente alegada. TT) Acresce que, quanto à legitimidade da Recorrente para invocar a defesa do interesse público, de acordo com Freitas do Amaral Direito Administrativo, Vol. II, 1988, p. 36 , o “interesse público é o interesse colectivo, é o interesse geral de uma determinada comunidade, é o bem-comum”, que traduz uma “exigência de satisfação das necessidades colectivas”. UU) Embora a Administração Pública tenha como principal incumbência a prossecução do interesse público, conforme decorre do artigo 266.º da Constituição, a defesa de valores e bens de interesse público não é exclusiva, atribuindo o próprio Código de Processo dos Tribunais Administrativos legitimidade aos particulares, associações ou outras entidades, para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, independentemente dos seus interesses pessoais na demanda (vide ainda o art. 9º do CPTA). VV) Conforme refere Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida Grandes linhas da reforma do contencioso administrativo, p. 17. , esta solução trata de: “assegurar que o contencioso administrativo proporcione a mais efetiva tutela a quem quer que se lhe dirija - admitindo, entretanto, que não sejam só os indivíduos a poderem dirigir-se à jurisdição administrativa, em defesa dos seus direitos e interesses particulares, mas que também se lhe possam dirigir Ministério Público, as entidades públicas, as associações cívicas e os próprios cidadãos, uti cives, em defesa de interesses públicos, colectivos e difusos”. WW) Conforme conclui Mário Aroso de Almeida, “qualquer das pessoas e entidades legitimadas pelo artigo 9.º, n.º 2, pode dirigir-se aos tribunais administrativos para deduzir pretensões correspondentes a qualquer das formas de processo previstas pela lei processual administrativa”, sem que tenha de ser invocado um interesse pessoal e direto ou demonstrada uma qualquer conexão com a relação material controvertida. XX) Pelo que vedar à Recorrente a possibilidade de fundamentar o seu requerimento de levantamento do efeito suspensivo com os prejuízos para o interesse público representa uma interpretação restritiva não prevista no art. 103.º-A do CPTA e violadora das normas acima enunciadas. YY) Saliente-se, ainda, que a atuação de particulares em defesa do interesse público não é uma usurpação de competências da Administração Pública, mas um complemento necessário num Estado de Direito Democrático de uma responsabilidade que deve ser partilhada entre o Estado e a sociedade civil, sob pena de violação de tais princípios. ZZ) Adicionalmente, tendo a Recorrente legitimidade ativa para requerer o levantamento do efeito suspensivo e tendo alegado a ofensa do interesse público e o prejuízo para o interesse para o público, está o Tribunal vinculado à sua apreciação, independentemente de a entidade demandada nada ter feito. AAA) Na verdade, o facto de a entidade demandada não ter pedido o levantamento do efeito suspensivo não permite, sem mais, por via dessa omissão, concluir que a entidade demandada assumiu uma qualquer posição, até porque o pedido de levantamento do efeito suspensivo pode ser requerido em qualquer altura e a todo o momento. BBB) Seria desejável, atendendo à invocação do interesse público, que a entidade demandada tivesse tomado uma posição, alinhando com a Recorrente e até complementando a defesa do interesse público associado e pretendido prosseguir com a implementação do Novo Edifício Ambulatório. CCC) Todavia, a omissão da entidade demandada não permite concluir que esteja de acordo ou que esteja em desacordo com essa pretensão, por simplesmente não existir qualquer ato administrativo positivo ou negativo, mas antes uma omissão da qual não se pode retirar qualquer consequência prática e muito menos jurídica, em especial para denegar relevância ao interesse público prevalecente; tal como também não pode significar, nem impedir que à Recorrente seja vedada essa invocação e de pedir aos tribunais que apreciem a prevalência do interesse público e a manifesta superioridade dos prejuízos decorrentes do efeito suspensivo automático, por referência aos supostos prejuízos da Recorrida que nada alegou, de concreto, a esse respeito. DDD) A ofensa do interesse público e o prejuízo para o interesse público adveniente da suspensão automática pode ser arguida por qualquer contra-interessado e, ainda mais, por parte do co-contratante privado escolhido pela entidade adjudicante para prestar os serviços concursados visando a satisfação do interesse público, cabendo então ao Tribunal ponderar todos os interesses públicos e privados em presença, os prejuízos que resultam da manutenção do efeito suspensivo e se estes se mostram superiores aos que podem resultar do seu levantamento. EEE) Adicionalmente, sempre se dirá, que a determinação do interesse público, a sua ofensa e a avaliação de prejuízos para o interesse público cabem, em última instância, aos tribunais, independentemente da posição e do entendimento que as entidades públicas e demais partes processuais possam ter. A assim se não entender, seria um caso clássico de violação do princípio do Estado de Direito entender-se que a omissão de uma entidade pública quanto à defesa (ou não) do interesse do público impede que o Tribunal apure se o interesse público está ser afetado, ofendido ou violado, de modo a garantir a reposição da legalidade em benefício dos destinatários do interesse público e, também, daqueles que contratam com as entidades públicas e que submeteram aos tribunais essa mesma apreciação, na medida em que, sublinhe-se, está reservada, em última instância, aos tribunais a apreciação do thema decidendum à luz dos princípios que enformam a atividade administrativa, designadamente o da legalidade, da justiça, da igualdade, da proporcionalidade e do interesse público. FFF) Entender doutro modo equivaleria e equivalerá a fazer os tribunais reféns da mera ação ou omissão das entidades públicas, em detrimento do interesse público que a norma contida no art. 103.º-A, n.º 4, do CPTA, visa defender por referência e ponderação com outros interesses privados e que, a ser assim, é violada. Tal como equivaleria e equivalerá à violação do princípio pro actione, à denegação do princípio da justiça e da tutela jurisdicional efetiva. (…)”. * I. Não se conformando com o teor da sentença do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, datado de 13.11.2024, ao qual foi atribuída a referência SITAF 008913315, a Recorrente, interpôs recurso de apelação que tem como objeto aquela decisão; II. Em concreto, a Recorrente sustentou as suas alegações de recurso nas seguintes traves-mestras: (i) vícios da decisão que determinou a não realização das diligências probatórias requeridas pela Recorrente, (ii) a alegada matéria de facto que deveria ter sido dada como provada por falta de impugnação; (iii) os pressupostos legais para o levantamento do efeito suspensivo automático, (iv) os prejuízos para o interesse público e a ponderação de interesses públicos e privados e (v) a legitimidade da Recorrente para a invocação do prejuízo para o interesse público, tendo em conta a omissão de pronúncia por parte da Entidade Demandada; III. Ora, por um lado, a Recorrente considerou que o Tribunal a quo não deu como provada a matéria factual alegada no requerimento factual - matéria que a Recorrente entendia ser fundamental para uma decisão no sentido de levantamento do efeito suspensivo automático; IV. Neste sentido, a Recorrente entendia ser essencial que o Tribunal tivesse deferido o requerimento probatório por esta apresentado, em concreto, depoimento de parte e produção de prova testemunhal, sendo certo que apenas deste modo os factos por esta alegados seriam suscetíveis de ser provados; V. Por outro lado, a Recorrente alegou, ainda, que o Tribunal a quo aplicou uma errada interpretação daquele que é o regime aplicável ao pedido de levantamento do efeito suspensivo, mormente por aplicar critérios mais exigentes; VI. Assim sendo, a Recorrida pronunciou-se acerca dos prejuízos invocados pela Recorrida, tendo, para o efeito, afirmado que os mesmos não passam de meras hipóteses e potenciais danos, pelo que, alegou a Recorrente, que a Recorrida não sofria, na sua esfera, quaisquer danos; VII. Numa ponderação dos interesses suscetíveis de serem lesados, a Recorrente defendeu que, a existirem danos na esfera da Recorrida, estes nunca seriam superiores àqueles que se (supostamente) se verificavam para o interesse público; VIII. Para além disso, a Recorrente chamou à colação a necessidade de o projeto concursado ser condição do lançamento do concurso relativo à execução da empreitada, pelo que a manutenção do efeito suspensivo automático na presente lide e, bem assim, o atraso na elaboração do projeto de execução implicaria (supostamente) um grave prejuízo para o interesse público; IX. A Recorrente aduziu, ainda, um outro argumento relacionado com a alegada demora na tramitação dos presentes autos, sustentando o seu entendimento na (mera) possibilidade de existirem recursos para outras instâncias; X. Numa outra perspetiva, a Recorrente expendeu, ainda, algumas considerações acerca da falta de pronúncia da Entidade Demandada sobre o levantamento do efeito suspensivo automático, tendo, quanto a esta matéria afirmado que tal omissão não significaria uma proibição para a Recorrente de alegar prejuízos para o interesse público; XI. Porém, tal como se demonstrará com particular clarividência ao longo das presentes contra-alegações, o entendimento da Recorrente não é dotado de qualquer tipo de viabilidade jurídica, razão pela qual está o recurso de apelação interposto por aquela condenado a improceder, devendo, assim, manter-se em vigor na ordem jurídica portuguesa, nos precisos termos, a decisão ora recorrida; XII. Quanto à decisão que determinou a não abertura de um período de instrução da matéria de facto relevante que alegadamente também deveria ter sido dado como provada, importa destacar que a Recorrente considerou que deveriam ter sido dados como provados pelo Tribunal a quo os factos vertidos nos artigos 16.°, 19.° a 21.°, 25.° a 35.°, 48.°, 49.°, 51.°, 52.°, 54.°, 57.°, 59.°, 60.°, 62.° a 64.° 66.° a 68.°, 72.° e 75.° do requerimento inicial apresentado pela Recorrente; XIII. Pese embora a Recorrente tenha afirmado que a Recorrida não impugnou os factos vertidos no requerimento inicial, a verdade é que, tendo por base a natureza do presente incidente, a Recorrida contestou os factos - que se consubstanciam nos alegados prejuízos - invocados pela Recorrente no seu requerimento inicial, tendo apontado vários vícios, tais como (i) o facto de os referidos factos alegados não se reportarem à esfera da Recorrida e, por outro lado, (ii) o facto de as preocupações invocadas não se relacionarem com a existência de efeito suspensivo automático; XIV. Mais a mais, relembre-se que a Recorrente, com as alegações proferidas, pretende confundir o Tribunal ad quem relativamente aos factos que atestam a importância do projeto e relativamente aos factos que demonstram a urgência na execução imediata do contrato celebrado; XV. Em boa verdade, os factos alegados pela Recorrente apenas são passíveis de demonstrar a importância do projeto a levar a cabo na sede da Entidade Demandada, mas nunca suscetíveis de atestar a urgência na execução do contrato e, bem assim, a necessidade de levantar o efeito suspensivo automático; XVI. Contudo, o que releva para a decisão de levantamento do efeito suspensivo automático é precisamente a alegação de factos que sejam capazes de comprovar a absoluta urgência no início da execução do contrato, ainda que corra termos uma ação de contencioso pré-contratual; XVII. Neste sentido, recorde-se que a Recorrente alegou que o facto de o Tribunal a quo ter dispensado a prova testemunhal e a prestação de depoimento de parte impediu-a de cumprir com o seu ónus de provar os factos/prejuízos que alegou, em sede de requerimento inicial; XVIII. No entanto, a Recorrente, como ficou demonstrado, pretendia ver provados factos que nada tinham que ver com o instituto do efeito suspensivo automático nos presentes autos, não obedecendo, por isso, o que prevê o n.° 4 do artigo 103.°-A do CPTA; XIX. Tal preceito impõe que os prejuízos a equacionar numa decisão do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático devem relacionar-se com o próprio instituto do efeito suspensivo automático, não podendo, por isso, corresponder a situações anteriores à verificação do efeito suspensivo automático; XX. Tendo esta realidade por base, à luz do artigo 90.° do CPTA, não está o Tribunal obrigado a admitir todos os meios de prova requeridos pelas partes, sendo possível que, quando considere que a produção de prova se mostra desnecessária, tal requerimento de produção de prova seja indeferido; XXI. Descendo ao caso concreto, o que a Recorrente pretende - e o que a lei impõe - é a prova de factos que sustentem o levantamento do efeito suspensivo automático, sendo, para o efeito, necessário fazer prova de que os prejuízos a obter com a manutenção do efeito suspensivo automático serão superiores àqueles que obteriam com o levantamento do efeito suspensivo; XXII. Assim, não logrando a Recorrente em alegar factos que consubstanciem prejuízos que se reportem à manutenção do efeito suspensivo - porquanto são anteriores a este, como a própria Recorrente admite - não teria o Tribunal outra opção senão o indeferimento da produção de prova testemunhal por esta se revelar absolutamente desnecessária para a boa decisão da presente causa; XXIII. Neste sentido, como ensina a doutrina e jurisprudência portuguesas, deve o Tribunal abster-se da prática de atos que não sejam necessários para a boa decisão da causa, sendo que, nessa medida, as diligências probatórias a realizar deverão incidir apenas sobre os factos que são essenciais para a boa decisão da causa; XXIV. Como tal, é absolutamente relevante atentar no que dispõe o artigo 130.° do CPTA, aplicável ex vi artigo 1.° do CPC, sendo certo que é o próprio legislador que impõe que todos os intervenientes do processo abdiquem da prática de atos que possam ser considerados inúteis, tendo, aliás, o legislador referido, de forma expressa, que tal prática é ilícita; XXV. Em boa verdade, ao não determinar um período de instrução, o Tribunal apenas cumpriu uma obrigação legalmente imposta, não sendo, como tal, possível alcançar os vícios que a Recorrente aponta à decisão do Tribunal; XXVI. Com efeito, não poderá vingar a tese da Recorrente, pelo que deverá o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente e por não provado, mantendo-se na ordem jurídica a decisão ora recorrida; XXVII. No que tange com os interesses invocados pela Recorrente, pese embora a Recorrente tenha adotado uma estrutura diferente, previamente a tecer algumas considerações acerca da ponderação de interesses realizada pela Recorrente, entende a Recorrida ser necessário, num primeiro momento, analisar os interesses que a Recorrente estarem presentes; XXVIII. Desde já, é importante referir que os interesses invocados pela Recorrente reportam-se a alegados prejuízos para o interesse público, à semelhança do que realizou no seu requerimento inicial, pelo que - como já se referiu - não são suscetíveis de serem relacionados à manutenção do efeito suspensivo automático; XXIX. À luz daquelas que são as exigências impostas pelo n.° 4 do artigo 103.°-A do CPTA o facto de a Recorrente ter alegado, em sede de requerimento inicial - e como fez nas suas alegações de recurso -, que as atuais condições das instalações da Entidade Demandada não permitem uma resposta às necessidades dos pacientes em condições adequadas não é suscetível de demonstrar prejuízos para o interesse público e, bem assim, a necessidade de recorrer ao instituto do levantamento do efeito suspensivo automático; XXX. Aliás, da prova documental constante dos presentes autos, é possível perceber que a Recorrente foi mais longe, tendo feito menção, no seu requerimento inicial, a uma notícia, datada de 16.10.2019, que dava conta de que as preocupações invocadas pela Recorrente já eram pensadas em 2001 - cfr. facto provado S) da sentença recorrida; XXXI. Mais a mais, por via de uma notícia, mencionada pela Recorrente no artigo 65.° do requerimento inicial, foi possível depreender que, desde os anos 90, o projeto já tinha começado a ser equacionado - cfr. facto provado T) da sentença recorrida; XXXII. Ora, resulta claro da documentação junta aos presentes autos pela própria Recorrente que as preocupações de que se serve a Recorrente para sustentar o levantamento do efeito suspensivo automático são bastante anteriores à promoção do procedimento pré-contratual ora sob escrutínio; XXXIII. Nessa medida, não logra a Recorrente alegar - ou sequer provar - prejuízos que advenham da manutenção do efeito suspensivo automático nos presentes autos; XXXIV. Obviamente, não se ignora que as obras de construção do novo edifício de ambulatório resultariam em melhorias das condições em que os serviços da Entidade Demandada são prestados - aliás o objetivo da realização de qualquer género de obras de requalificação/reabilitação é precisamente a melhoria das infraestruturas -, XXXV. Contudo, é manifestamente desproporcionado equacionar que o adiamento - até à prolação de uma decisão judicial no âmbito da presente lide - seja suscetível de provocar prejuízos para o interesse público tão gravosos quanto foi alegado pela Recorrente; XXXVI. Uma vez mais, sublinhe-se que não poderá vingar a tese da Recorrente, segundo a qual os interesses que esta invoca são suficientes para comprovar que, por um lado, existem prejuízos que advêm da manutenção do efeito suspensivo automático que enforma a presente lide e, por outro lado, que estes seriam superiores àqueles prejuízos de decorreriam do levantamento do efeito suspensivo automático, pelo que deverá improceder o recurso interposto pela Recorrente; XXXVII. Para além do facto da Recorrente não alegar e, consequentemente, não provar factos passíveis de consubstanciarem prejuízos decorrentes da manutenção do efeito suspensivo, esta serviu-se dos interesses da Entidade Demandada para o efeito, sendo absolutamente essencial relembrar, a este propósito, que a Entidade Demandada nada proferiu acerca dos mesmos; XXXVIII. Ora, para tentar vingar a sua tese de que poderia, sem mais, usar-se do interesse público, sem que a Entidade Demandada acerca destes se pronunciasse - entidade que estaria na melhor posição para o efeito - esta, por um lado, alegou que o Tribunal a quo utilizou um Acórdão para sustentar a sua posição que correspondia ao anterior regime do efeito suspensivo automático, XXXIX. Por outro lado, a Recorrente arquitetou uma tese, sustentada no n.° 2 do artigo 103.°-A do CPTA e no n.° 2 do artigo 9.° do CPTA, com vista a tentar justificar a sua legitimidade para invocar prejuízos para o interesse público, quando não é a entidade, mais uma vez, que se encontra na melhor posição para afirmar tais prejuízos; XL. Ora, por uma banda, a Recorrente serve-se do disposto no n.° 2 do artigo 103.°- A do CPTA para justificar a sua legitimidade para invocar prejuízos para o interesse público para sustentar o pedido do levantamento do efeito suspensivo automático; XLI. Por outra banda, serve-se da mesma disposição para justificar a suposta inaplicabilidade do Acórdão supra transcrito ao caso em concreto, em virtude de estar em causa uma versão anterior do regime do efeito suspensivo automático; XLII. Ignora, contudo, que, em ambas as versões, aqueles preceitos têm a mesma redação e, portanto, o mesmo alcance; XLIII. Mais a mais, a Recorrente serve-se ainda no n.° 2 do artigo 9.° do CPTA para tentar fundamentar a sua legitimidade para invocar prejuízos para o interesse público, na medida em que acredita que aquele preceito lhe confere legitimidade para, no caso em concreto, alegar tais interesses; XLIV. O referido preceito, tal como deu nota a própria Recorrente, remete para o regime da ação popular, a qual se encontra regulada na Lei n.° 83/95, de 31 de janeiro, sendo certo que a ação popular se destina a proteger interesses difusos, ou seja, interesses que a todos os cidadãos dizem respeito, conferindo, assim, legitimidade aos cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos, associações e fundações defensoras desses interesses e autarquias locais para lançarem mão de um meio processual para tutelar os referidos interesses difusos que consideram estar a ser lesados; XLV. Assim sendo, tendo em conta os ensinamentos da jurisprudência dos tribunais superiores portugueses, para o que releva para a presente lide, é possível retirar as seguintes conclusões: (i) a ação popular procura tutelar um interesse difuso; (ii) a pretensão deduzida não poderá ser sustentada numa dimensão individual do interesse difuso que o Autor da mesma pretende tutelar; (iii) o objeto do processo é essencial para aferir da aplicabilidade da legitimidade ativa conferida pela ação popular, regulada na Lei n.° 83/95, de 31 de agosto; XLVI. Descendo ao caso em concreto, o objeto da presente lide é o levantamento do efeito suspensivo automático, o qual, de forma absolutamente evidente, não é passível de se consubstanciar na defesa de um interesse difuso, ainda que a Recorrente tenha tentado alegar o direito à proteção da saúde, XLVII. Somente a defesa de um interesse que apenas à Recorrente interessa, já que nem mesmo a Entidade Demandada se pronunciou quanto à possibilidade de levantamento do efeito suspensivo automático, ainda que a Recorrente se servisse de interesses e prejuízos que só a esta cabia invocar; XLVIII. Em boa verdade, a Recorrente limitou-se a aduzir meras alegações genéricas e conclusivas acerca das circunstâncias fáticas da situação da Entidade Demandada de que tem conhecimento - não suscetíveis, por isso, de servir de prova para qualquer prejuízo, sendo certo que apenas a Entidade Demandada estaria em condições de atestar a realidade alegada, não o tendo feito; XLIX. Como tal, é inalcançável considerar que a Recorrente esteja em posição para proferir alegações nos termos em que fez; L. Face a tudo quanto se expôs, resulta claro que a Recorrente não logrou cumprir o ónus de prova que o n.° 4 do artigo 103.°-A do CPTA lhe impõe, pelo que deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e por não provado; LI. Ademais, quanto à demora na tramitação dos presentes autos, pese embora a Recorrente tenha individualizado ambas as questões, a Recorrida entende que se reportam ao mesmo tema: por um lado, a demora em virtude da mera possibilidade de os presentes autos serem objeto de recurso e, por outro lado, a impossibilidade de cumprir o Caderno de Encargos; LII. Ora, relativamente a esta última questão, importa sublinhar que as alegações proferidas pela Recorrente não têm o alcance que esta lhes pretende conferir, sendo oportuno relembrar que a execução do referido contrato se encontra suspensa; LIII. No mesmo sentido, no que tange com a suscetibilidade de recurso da decisão final da presente lide, a Recorrente serve-se da mera possibilidade de os presentes autos serem objeto de recurso para as instâncias superiores do Tribunais Administrativos, bem como para o Tribunal Constitucional e Tribunal de Justiça da União Europeia, possibilidade esta que poderá não vir sequer a concretizar-se; LIV. Para além disso, é ainda importante notar que os acórdãos escolhidos pela Recorrente para justificar a longa duração da tramitação da presente ação de contencioso pré-contratual revestem-se, naturalmente, de características próprias que apenas a estes dizem respeito, não passíveis de serem transposta para o presente caso; LV. Ainda assim, refira-se que se existem acórdãos que a Recorrente considera "demorados”, certamente existirão inúmeros outros acórdãos que, pelo contrário, têm uma tramitação mais célere; LVI. De todo o modo, importa alertar que a ação de contencioso pré-contratual é um processo urgente e, nessa medida, tem uma tramitação acelerada, tal como a própria Recorrente reconheceu, gozando, assim, das prerrogativas fixadas nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 36.° do CPTA; LVII. Quanto a este tema importa, ainda, recuperar que os argumentos invocados pela Recorrente não são atendíveis em virtude de existir um dever, na esfera da entidade adjudicante, de ter em conta, na definição dos timings da promoção do procedimento pré-contratual, eventuais atrasos na execução do contrato a celebrar decorrentes do recurso aos meios judiciais próprios para tutelar os interesses que considerem ter sido lesados na tramitação do procedimento; LVIII. Pese embora a Recorrente ignore esta realidade, a verdade é que a Entidade Demandada - na veste de entidade adjudicante - parece estar ciente deste panorama, já que nunca contestou a manutenção do efeito suspensivo automático que enforma a presente lide; LIX. Ora, aquando da definição do momento em que será promovido o procedimento pré-contratual, e considerando a urgência de que a execução do contrato a celebrar reveste, devem as entidades adjudicantes atuar com a diligência necessária ao bom funcionamento e normal tramitação do procedimento pré-contratual, e, nessa medida, devem ter em conta, não só os prazos que a própria tramitação do procedimento pré- contratual tem de obedecer, mas, de igual modo, e já numa fase pós- adjudicatória, é necessário que a entidade adjudicante acautele os demais contratempos que possam surgir da impugnação judicial dos atos de formação do contrato celebrado ao abrigo daquele procedimento pré- contratual; LX. Aliás, não se pode sequer considerar que os mencionados contratempos decorrentes do recurso aos meios judiciais sejam uma novidade para uma entidade adjudicante que promove um procedimento pré-contratual, porquanto tais atrasos decorrem de disposições legais; LXI. Neste conspecto, não tendo existido uma atuação diligente, por parte da entidade adjudicante, na definição dos timings do procedimento pré- contratual, quando tinha pleno conhecimento da possibilidade e implicações de um eventual processo judicial, não poderão os prejuízos invocados servir de fundamento para o seu levantamento - prejuízos estes que só a Recorrente parece antever; LXII. Por último, no que concerne com a ponderação dos interesses em jogo, na aceção do n.° 4 do artigo 103.°-A do CPTA, cumpre, desde já, dar nota de que a Recorrente considera que os prejuízos na esfera da Recorrida são inexistentes; LXIII. Por outro lado, tal como já se referiu, a Recorrente invoca prejuízos para o interesse público prosseguido pela Entidade Demandada, não tendo invocado, nas suas alegações, quaisquer prejuízos para a sua própria esfera; LXIV. Ora, quanto aos prejuízos na esfera da Recorrida com a procedência do levantamento do efeito suspensivo automático, tal como se deu nota na resposta ao pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, refira-se apenas que não só se verificaria um prejuízo para os interesses privados da Recorrida - que veria frustrada a sua oportunidade de celebrar e executar um contrato com a Entidade Demandada, perdendo, assim, todo o benefício económico que tal execução lhe proporcionaria, o qual não é suscetível de ser totalmente compensado, LXV. Como, por outro lado, com uma decisão com este teor, também o interesse público - que tanto a Recorrente defende - sairia prejudicado, na medida em que a indemnização a receber pela Recorrida seria paga pela Entidade Demanda, a qual teria de dispor de dinheiros públicos para o efeito; LXVI. A realidade é que a Recorrida era o operador económico que reunia as melhores condições, tendo em conta as exigências das peças do procedimento, para executar o contrato objeto do procedimento pré-contratual aqui em causa; LXVII. Apenas devido a uma ilegalidade - a não exclusão da proposta da Recorrente - é que a Recorrida viu frustrada a sua pretensão e, nessa medida, perdeu o benefício económico que adviria da execução do contrato que celebraria com a Entidade Demandada, após a adjudicação daquele procedimento; LXVIII. O que importa ter em conta na presente ponderação de interesses é, por um lado, a natureza dos interesses invocados pela Recorrente e, por outro lado, os termos em que estes foram invocados; LXIX. Tal como já se explicitou nas presentes contra-alegações - para onde se remete por razões de economia expositiva -, inexistem os prejuízos para o interesse público alegados pela Recorrente para sustentar a procedência do presente incidente, sendo da maior importância reforçar que a própria Recorrente não alegou e, consequentemente, não provou quaisquer prejuízos na sua esfera jurídica, tendo-se limitado a invocar eventuais inconvenientes na esfera da Entidade Demandada, que só esta última se encontra numa posição em que pode atesta, ou não, tais alegações, mas não o fez; LXX. Por outro lado, como bem se explicitou supra, os prejuízos invocados pela Recorrente não suscetíveis de justificar o levantamento do efeito suspensivo automático, na medida em que não são decorrentes da existência/manutenção do efeito suspensivo automático - são anteriores a estas questões decorrentes do procedimento pré-contratual ora sob escrutínio; LXXI. Tal significa que a manutenção do efeito suspensivo automático não importa uma alteração na atuação da Entidade Demandada até então - entenda-se o modo e condições em que presta os serviços -, já que as perturbações identificadas existem, pelo menos, desde a década de 90 - tal como resulta da prova documental junta aos presentes autos; LXXII. Finalmente, cabe voltar a fazer uma breve referência ao facto de a Recorrida não ter sequer invocado quaisquer prejuízos na sua esfera jurídica, pelo que apenas se pode concluir, por um lado, que estes não existem e, por outro lado, que a Recorrente não logrou cumprir o ónus que o n.° 4 do artigo 103.°-A do CPTA impõe, não sendo possível comprovar que os prejuízos que decorrem da manutenção do efeito suspensivo são superiores àqueles que decorrem do seu levantamento; LXXIII. Assim sendo, não poderá o Tribunal ad quem julgar o presente recurso de apelação totalmente procedente e por provado, pelo que deverá a sentença recorrida ser mantida na ordem jurídica. (…)”. * 4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida. * 5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não exerceu a competência prevista no n.º1 do artigo 146.º do CPTA. * 6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta. * * II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR 7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA. 8. Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir consistem em saber: (i) Determinar se o despacho de 13.11.2024, que julgou desnecessária a abertura de um período de produção de prova, viola “(…) princípios elementares tais como: Princípio relativo à garantia de acessos aos tribunais; Princípio do inquisitório; Princípio da oralidade e da imediação; Princípio da descoberta da verdade material; Princípio da justiça; e ainda (i) disposto nos arts. 2.º, 411.º, 413.º, 574º, n.º 1, e 607.º, nºs. 4 e n.º 5 (a contrario), do CPC e o disposto nos arts. 341.º e 342.º, n.º 1, do Código Civil (…)”; (ii) Verificar se a decisão judicial que julgou improcedente o incidente de levantamento do efeito suspensivo objeto de recurso enferma de erro de julgamento de direito, designadamente, por errónea interpretação e aplicação da normação contida no artigo 103.º-A, n.º 4, do CPTA. 9. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar. * * III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 10. O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: A) A ED promoveu o Concurso Público Limitado por Prévia Qualificação com Publicidade Internacional para a “celebração de contrato de prestação de serviços para elaboração do projeto do Edifício de ambulatório do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, E.P.E.; B) O procedimento pré-contratual identificado na alínea antecedente, foi publicitado em DR e no JOUE; C) Do Caderno de Encargos («CE») relativo ao referido Concurso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, extrai-se, designadamente, o seguinte: “(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] E) Por Decisão de 12-09-2024, o Conselho de Administração do IPO autorizou a adjudicação do procedimento pré-contratual à proposta apresentada pela MSA, Requerente do incidente; F) A Autora apresentou a presente ação de contencioso pré-contratual em 27-09-2024 - cf. fls. 1 e ss. do Sitaf; G) O contrato foi celebrado em 30-09-2024; H) O incidente de levantamento de efeito suspensivo foi deduzido pela CIMSA, ora Requerente, em 29-10-2024 - cf. fls. 201 e ss. do Sitaf; Mais ficou provado que, I) No Plano de Atividades e Orçamento dos anos de 2017 e 2018 do IPO foi identificado como um dos pontos fracos as “instalações antigas, que têm vindo a ser requalificadas e adaptadas, mantendo constrangimentos aos circuitos e processos de trabalho” - doc. n.ºs 1 e 2 juntos com a petição do incidente; J) No Plano de Atividades e Orçamento do ano de 2019 do IPO foram identificados como um dos pontos fracos as “instalações com vários edifícios dispersos, alguns antigos e desadequados, o que cria constrangimentos aos circuitos e processos de trabalho e à maximização da eficiência especialmente na área de ambulatório” - doc. n.º 3 junto com a petição do incidente; K) No Plano de Atividades e Orçamento do ano de 2019 do IPO apresentava-se como oportunidade “continuar o processo de requalificação das instalações do instituto, beneficiando do novo plano urbanístico da Câmara Municipal de Lisboa para a Praça de Espanha, para viabilizar a construção de um novo edifício para o ambulatório” - doc. n.º 3 junto com a petição do incidente; L) No Plano de Atividades e Orçamento do ano de 2019 do IPO consta, na sua página 34, no ponto 1.7. referente ao “Plano de Continuidade e investimentos”, além do mais, que [cf. doc. n.º 3 junto com a petição do incidente]: M) No Plano de Atividades e Orçamento dos anos de 2020 e 2021 do IPO mantinha-se o “ponto fraco” referente às instalações identificado no acima referido Plano de Atividades e Orçamento do ano de 2019 - cf. doc. n.ºs 4 e 5 juntos com a petição do incidente; N) Consta do Plano de Atividades e Orçamento do ano de 2020 do IPO, além do mais, que [cf. doc. n.º 4 junto com a petição do incidente] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] O) Consta do Plano de Atividades e Orçamento do ano de 2021 do IPO, além do mais, que [cf. doc. n.º 5 junto com a petição do incidente] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] P) Resulta do Plano de Atividades e Orçamento do ano de 2022 do IPO, que o mesmo pretendia continuar o processo de requalificação das instalações do instituto - cf. doc. n.º 6 junto com a petição de incidente; Q) No Relatório de Gestão e Contas de 2023 do IPO manteve-se “como grande prioridade a construção de um novo edifício para qualificação dos cuidados ambulatórios, necessidade há muito sinalizada, mas morosa do ponto de vista processual” - cf. doc. n.º 7 junto com a petição de incidente; R) Extrai-se do Plano de Desenvolvimento Organizacional 2024-2026 do IPO, além do mais, que [cf. doc. n.º 8 junto com a petição de incidente] (…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] S) No dia 16-10-2019, noticiou-se nos meios de comunicação social que, apesar do projeto já vir desde 2001, tanto o Governo como a Câmara Municipal apontavam a conclusão da construção do novo edifício do IPO para 2023 - cf. doc. n.º 10 junto com a petição do incidente; T) Entre os anos 2021 e 2023, noticiou-se nos meios de comunicação social a necessidade, urgência e premência da construção do novo edifício de ambulatório - cf. doc. n.ºs 11 a15 juntos com a petição do incidente; U) No dia 10-01-2024, noticiou-se no jornal Observador que “A Assembleia Municipal de Lisboa quer que a câmara promova diligências junto do Governo para garantir o financiamento necessário para a construção do novo edifício do IPO -Instituto Português de Oncologia na capital, anunciado há três décadas. Por proposta do Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV), os deputados aprovaram esta terça-feira recomendar à câmara que “pugne pelo reforço da oferta de prestação de cuidados de saúde especializados e diferenciados no seio do Serviço Nacional de Saúde, como no caso dos serviços oncológicos prestados pelo IPO Lisboa” - cf. doc. n.º 16 junto com a petição do incidente; V) No dia 09-10-2024, foi noticiado no jornal Observador que o IPO tem cada vez mais dificuldade em responder aos doentes que precisam de tratamentos oncológicos, tendo os doentes de esperar 3 a 5 meses para iniciar tratamentos de radio e quimioterapia, situação que o Presidente da Liga Contra o Cancro considera “dramática” - cf. doc. n.º 17 junto com a petição do incidente. * * IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO * * 11. Nos presentes autos vem interposto, como sabemos, recurso do (i) despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, editado em 13.11.2024, que julgou desnecessária a abertura de um período de produção de prova e, bem assim, da (ii) decisão judicial que julgou improcedente o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático do ato impugnado. 12. Realmente, e com reporte ao primeiro vetor recursivo, a Recorrente clama que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao desconsiderar um conjunto significativo de factos alegados no requerimento inicial, não impugnados pela parte contrária, que deveriam ter sido considerados provados por acordo, nos termos dos artigos 574.º, n.º 1, 607.º, n.º 4 e n.º 5 do Código de Processo Civil. 13. Tais factos, elencados nos artigos 16º, 19º a 21º, 25º a 35º, 48º, 49º, 51º, 52º, 54º, 57º, 59º, 60º, 62º a 64º, 66º a 68º, 72º e 75º do requerimento inicial, referem-se à criticidade, prioridade e urgência da construção do Novo Edifício de ambulatório do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, E.P.E, bem como à atribuição de verbas para esta construção nos relatórios dos orçamentos de Estado dos últimos anos, elementos de manifesta relevância para a apreciação do mérito da causa. 14. Tais factos, referentes à criticidade, prioridade e urgência da construção do Novo Edifício de ambulatório do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, E.P.E, eram, no entender da Recorrente,de manifesta relevância para a apreciação do mérito da causa. 15. Adicionalmente, apregoa que o Tribunal rejeitou indevidamente as diligências probatórias requeridas, nomeadamente o depoimento de parte do representante legal da entidade demandada e a inquirição de testemunhas com conhecimento direto dos factos, violando assim o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, na sua dimensão constitucional e europeia, bem como os princípios da efetividade e da equivalência consagrados no Direito da União Europeia. 16. Já quanto à decisão judicial que indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo, a Recorrente advoga, brevitatis causae, que ocorreu uma errónea interpretação do regime jurídico aplicável ao pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, sustentando que a Recorrida não demonstrou quaisquer danos concretos, qualitativos ou quantitativos, decorrentes do levantamento, estando estes condicionados à verificação cumulativa de condições incertas [procedência da ação principal e adjudicação à recorrida], o que resulta em prejuízo nulo para efeitos de ponderação de interesses. 17. Em contrapartida, defende que a manutenção do efeito suspensivo provocará graves e irreparáveis lesões ao interesse público, comprometendo a implementação do Novo Edifício de Ambulatório do IPO, infraestrutura considerada essencial à prossecução e concretização do direito fundamental à proteção da saúde e do princípio da dignidade da pessoa humana. 18. Com efeito, a Recorrente sustenta que os prejuízos decorrentes da demora processual, que estima em cerca de dois anos, acrescida do tempo necessário para a elaboração do projeto, lançamento do concurso e construção do edifício, agravarão significativamente esta lesão, afetando a prestação de cuidados oncológicos, com potenciais danos irreversíveis para os cidadãos, danos estes insuscetíveis de reparação, ao contrário dos eventuais prejuízos da Autora, que são ressarcíveis. 19. Analisemos, ressaltando, ab initio, que os dois vetores recursivos invocados, não obstante de natureza diversa, conexionam-se, pelo que serão objeto de análise conjunta. 20. A resenha processual relevante é a que se segue: 21. A sociedade comercial [SCom02...], S.A., intentou a presente ação de contencioso pré-contratual contra o Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, E.P.E., tendo formulado o seguinte petitório: “(…) NESTES TERMOS, Deverá a presente ação ser julgada totalmente procedente e, em consequência, ser determinada a: a) Anulação do Ato de Adjudicação (Deliberação) proferido pelo IPO e notificada à Autora a 13.09.2024 que, com base no Relatório Final do Júri de 28.08.2024, decidiu proceder à adjudicação da proposta ilegal da MSA; b) Anulação do contrato que tenha sido ou a venha a ser celebrado entre o Réu e a Contrainteressada MSA na sequência do Concurso; c) Ser o Réu condenado a praticar o ato legalmente devido e, por conseguinte, a adjudicar a proposta apresentada pela Autora [SCom02...]; d) Decretar nos termos do artigo 103.º-A do CPTA, a suspensão automática da eficácia do ato de adjudicação impugnado, bem como da suspensão da execução do contrato se entretanto este já tiver sido ilegalmente celebrado. 22. No decurso do pleito, veio a Contrainteressada [SCom01...] S.A., aqui Recorrente, suscitar o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação impugnado na presente ação, ao que respondeu a Autora nos termos e com o alcance explicitados a fls. 2670 e seguintes dos autos principal [suporte digital]. 23. Em 13.11.2024, o Tribunal a quo promanou decisão judicial a julgar improcedente o incidente de levantamento judicial do efeito suspensivo suscitado nos autos. 24. A ponderação de direito que estribou a improcedência de tal incidente foi, sobretudo, a seguinte: “(…) Ora, no caso, importa começar por referir que está em causa a “celebração de contrato de prestação de serviços para elaboração do projeto do Edifício de ambulatório do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, E.P.E.”, que inclui no seu objeto a elaboração do programa base, do estudo prévio, do anteprojeto, do projeto de execução e assistência técnica. Este contrato vigorará por 63 meses a partir da data da sua assinatura até à conclusão da obra. É isso que nos diz a cláusula 3.ª do CE, sendo o prazo máximo para a entrega do projeto de execução de 120 dias. Como se diz na referida cláusula do CE “caso exista necessidade de prorrogar o prazo de execução da obra, o contrato será também prorrogado até receção provisória da obra.” Portanto, não está aqui em causa, nesta ação de contencioso pré-contratual, aferir da legalidade do procedimento pré-contratual destinado à celebração do contrato de empreitada para a execução da obra. Mas a prestação de serviços para elaboração do projeto do Edifício de ambulatório do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, E.P.E. Este Tribunal tem bem presente e não descura que, por natureza, todos os procedimentos de contratação pública são lançados pelas entidades públicas para dar satisfação a necessidades coletivas, de interesse público, pelo que é manifesto que a suspensão de um ato de adjudicação praticado no âmbito de procedimentos de formação de contratos públicos e a suspensão da execução do contrato perturbará sempre e em qualquer caso a prossecução do interesse público. E este caso certamente não será diferente, tanto mais quando é um passo necessário para a ED prosseguir o objetivo de construção do novo edifício de ambulatório, “30 anos depois de ter sido anunciado”, mas que foi relançado por várias vezes e já conheceu várias localizações, como nos dá conta a própria Requerente do incidente. Agora para que fique claro, para ser possível o levantamento deste efeito suspensivo, é preciso ir mais além da própria fundamentação que subjaz à necessidade coletiva, de interesse público, de lançar para o mercado este concreto procedimento pré-contratual e realizar esta contratação, pois, nunca é demais lembrar e sublinhar que, perante as exigências do ordenamento nacional aqui com absoluto respaldo comunitário, só excecionalmente deverá ser levantado o efeito suspensivo. Não estamos aqui a tratar da execução desta obra, mas deste contrato de prestação de serviços para elaboração do projeto. E por mais que seja noticiado e veiculado pelos diversos órgãos de comunicação social e existam recomendações por parte da Assembleia Municipal de Lisboa, alertando para a necessidade da materialização desta obra, certo é que nada se sabe sobre a execução da empreitada e o seu planeamento, quer físico, quer financeiro. O máximo que a CI nos diz no artigo 74.º da petição é que é “intenção do IPO candidatar-se para efeitos de financiamento através do Portugal 2030, conforme resulta do Plano de Desenvolvimento Organizacional de 2024-2026”. Mas nada se sabe sobre isto. Nada se sabe sobre o modelo de investimento ou financiamento. Fica tudo no plano das intenções. Isto num caso em que a Entidade Demandada, o próprio IPO, não apresentou incidente de levantamento de efeito suspensivo. Não sabe o Tribunal nem isso foi alegado pela CI e muito menos pela ED (que, como referido, não apresentou incidente de levantamento de efeito suspensivo), em que estado está o planeamento desta obra, o seu investimento público, com as devidas autorizações, e as garantias do financiamento, seja interno, seja comunitário. Isto é, se cumprida integralmente a fase de elaboração e aprovação do projeto de execução, a que o procedimento pré-contratual aqui em causa se reporta, estarão depois reunidas todas as condições (reais e efetivas, legalmente previstas) para avançar para a execução desta empreitada de construção do novo ambulatório. A premência e a urgência a que a CI se refere no seu articulado é da construção do edifício, já lá vai mais de três décadas, sobre o qual, de concreto, de factual, e de atual nada se sabe. Este tribunal não coloca em causa a necessidade de satisfação do interesse público com o lançamento deste procedimento pré-contratual e que está relacionado com a execução de um ambulatório e que mexe com uma área sensível como a saúde dos cidadãos que vivem em Portugal e, na verdade, com a saúde de todos nós, mas não existem evidências fácticas, concretas, de que a suspensão da execução deste contrato trará efeitos concretos (e quais) e implicará o atraso na execução da obra em si mesmo. E é a obra em si que poderá afetar este direito universal à saúde, o direito constitucionalmente consagrado no artigo 64.º da nossa Constituição de que todos os cidadãos têm direito a cuidados de saúde de qualidade, acessíveis e eficientes, e não o projeto de execução que lhe antecede, sem que se saiba, sequer em termos mínimos, o que se seguirá a este projeto de execução. Era necessário para isso trazer factos concretos e precisos ao processo, sobretudo pela Entidade Demandada que tem conhecimento direto sobre o estado e o desenvolvimento da execução da obra, designadamente quanto ao seu planeamento e financiamento. Mas a ED não deduziu incidente de levantamento de efeito suspensivo automático e, por isso, o Tribunal não tem uma alegação suficientemente concretizada sobre os interesses públicos em presença por quem tem legitimidade para os defender, o Instituto Demandado, opondo-se também ao efeito suspensivo automático. E como se diz no Acórdão do TCAN de 30-04-2020, P. 01692/19.2BELSBS1, www.dgsi.pt, “Na verdade o Tribunal não se pode substituir à Administração – por caber no poder discricionário desta – e afirmar a existência de um grave prejuízo para o interesse público onde a Administração entendeu não afirmar tal realidade e onde, por outro lado, não existe a evidência desse grave prejuízo”. Diz-se, aliás, no sumário deste mesmo aresto do TCAN que “2. Quanto aos prejuízos para o interesse público em jogo, incluindo os prejuízos para os interesses de terceiros destinatários dos bens objecto do contrato, não podem ser atendidos se invocados pela contrainteressada, por ilegitimidade da requerente do levantamento do efeito suspensivo automático para defender tais interesses” - destaque nosso. Note-se que não é sequer um caso em que está em causa a prestação de serviços de saúde em si mesmo pelo IPO - nem isso a ED veio dizer ao Tribunal - mas a materialização de uma (futura) obra que irá permitir a prestação destes serviços com maior eficiência e eficácia, como nos dá conta a CI. Admitir o levantamento do efeito suspensivo da execução do contrato neste caso equivaleria a admitir que deve ser deferido este incidente quanto a todos os procedimentos de contratação pública, pois todos eles, em tese, visam salvaguardar e prosseguir interesses públicos, e isso o tribunal não pode aceitar, sob pena de se defraudar os objetivos previstos nas Diretivas comunitárias sobre a suspensão de eficácia do ato. Quando o legislador - quer europeu quer nacional – estabeleceu o regime da suspensão automática do ato de adjudicação e da (eventual) execução do contrato (em caso de celebração) e, nessa decorrência, reduziu as possibilidades do seu levantamento aos casos excecionais, pressupôs que todas as consequências naturais, normais, coevas, ou imediatamente decorrentes da não execução imediata do contrato ou da não continuação dessa execução (em caso da sua celebração) seriam prejuízos que se assumiam como necessários e que se tinham como não tão relevantes quanto os interesses que se queriam proteger por via da aplicação do referido instituto da suspensão automática do ato de adjudicação e da execução do contrato [cf. Acórdão TCAS, 04-02-2021, P 865/20.0BELSB-S1, www.dgsi.pt]. E por isso é que o interesse particular na manutenção do efeito suspensivo automático não é de somenos importância quando confrontado com um prejuízo para o interesse público decorrente da paralisação de um procedimento contratual em curso, “conquanto está em causa garantir o efeito útil decorrente da proibição da celebração imediata do contrato, acautelando-se « os interesses dos concorrentes afastados ou preteridos, quando estes tiverem concluído que é viável a discussão em tribunal da legalidade do ato adjudicatório, tendo em vista conferir maior eficácia ao processo impugnatório que venha a ser deduzido» ( cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha, in Comentário ao Código de Processo Nos Tribunais Administrativos, 5.ª Edição, Almedina, págs.882-883)” - cf. o Acórdão do TCAN, de 14-01-2022, P. n.º 1529/21.2BEPRT-S1, disponíveis em www.dgsi.pt]. Ao contrário do que a CI defende na sua petição de incidente, não é a suspensão dos serviços de elaboração do Projeto de Execução que acarretará, nas suas palavras, “necessariamente, um atraso substancial no lançamento do concurso público para execução da respetiva empreitada que fica adiada sine die”, mas, a existir esse hipotético atraso (porque este Tribunal nada sabe de concreto sobre esta obra), será apenas imputável à atuação da ED, que nem sequer deduziu o incidente de levantamento de efeito suspensivo, conformando-se, pois, com a consequência legal que deriva da impugnação do ato de adjudicação, nos termos do artigo 103.º-A do CPTA, pois, para nós é linear que as “entidades adjudicantes bem sabem que, sendo o regime regra que decorre do art. 103º-A do CPTA, a suspensão imediata dos efeitos do acto de adjudicação ou mesmo a execução do contrato se este tiver sido celebrado, é expectável que os concorrentes preteridos recorram aos Tribunais para impugnar os actos procedimentais como seja de exclusão de propostas ou de adjudicação a outro concorrente, pelo que a delonga do processo judicial é um risco inerente a este tipo de procedimentos / concursos” - cf. ac. do TCAS, de 02-07-2010, P. n.º 21/20.7BELRA, www.dgsi.pt. Perante este cenário, o objeto desta prestação de serviços (associado à eventual execução desta obra, em tempos e sobre circunstâncias fácticas que se desconhece) não é suficiente para valer por si para justificar o levantamento do efeito suspensivo. De resto, diga-se, as expectativas da Autora são idênticas às da CI, concorrente adjudicatária, mas cuja legalidade da adjudicação está em discussão. Ainda que a Autora, Requerida neste incidente, não tenha invocado ou demonstrado qualquer prejuízo concreto que para si resultaria do levantamento do efeito suspensivo, atenta alegação da CI, também não se pode concluir que estão verificados os referidos pressupostos para o levantamento do efeito suspensivo automático, que permita concluir que os mesmos merecem maior ponderação que os correspondentes prejuízos e interesses da Autora, que foi igualmente concorrente, e que com a impugnação beneficia ope legis do referido efeito. Por fim, importa atender que os presentes autos se encontram na fase de saneamento do processo e de eventual instrução (findos os articulados), mesmo tendo presente o ritmo processual desta ação (urgente) de contencioso pré-contratual e as eventuais instâncias recursivas, atenta a questão a decidir, não se prevê que o trânsito em julgado ocorra num período superior a 6 meses. Em suma, os prejuízos decorrentes de um retardamento por alguns meses da prossecução da execução do contrato e desta prestação de serviços, não pode justificar uma prevalência face aos prejuízos para o interesse da Autora, que numa ponderação criteriosa justifique o levantamento do efeito suspensivo automático do presente procedimento concursal, pelo que, no caso concreto, não estão reunidas as condições de que depende o levantamento do efeito suspensivo automático decorrente do disposto no artigo 103.º-A, n.º 1 do CPTA, o que deve determinar a improcedência do presente incidente (…)”. 25. Conforme emerge grandemente do que se vem de transcrever, o Tribunal recorrido fundou o juízo de improcedência do incidente em análise na consideração de que não está em causa a prestação direta de serviços de saúde pelo IPO, mas sim a elaboração de um projeto que antecede uma futura obra, sobre a qual, apesar das notícias e recomendações da Assembleia Municipal de Lisboa sobre a necessidade da obra, "nada se sabe sobre a execução da empreitada e o seu planeamento, quer físico, quer financeiro", ficando as intenções de candidatura a financiamento através do Portugal 2030 "no plano das intenções". 26. Na perspetiva do Tribunal recorrido, esta diferenciação revela-se determinante na economia decisória, pois demonstra que o objeto contratual não incide diretamente sobre a prestação assistencial oncológica, mas sobre uma etapa preliminar e preparatória cuja concretização subsequente permanece envolta em indefinição, o que serve para afastar a demonstração de um nexo de causalidade entre a suspensão do procedimento de elaboração do projeto e a futura prestação de cuidados de saúde. 27. O Tribunal recorrido destacou igualmente a circunstância da Entidade Demandada, principal defensora natural do interesse público em causa, não ter deduzido o incidente de levantamento, dessa forma, conformando-se tacitamente com a suspensão automática do ato impugnado. 28. Derradeiramente, sopesou a dimensão temporal, referindo que, dada a tramitação processual e o facto de a ação ser urgente, "não se prevê que o trânsito em julgado ocorra num período superior a 6 meses", pelo que os prejuízos decorrentes deste retardamento não justificavam a prevalência face aos interesses da Autora na manutenção do efeito suspensivo. 29. Adiante-se, desde já, que não temos nada a objetar ao assim decidido. 30. Na verdade, nos termos da normação vertida no nº. 4 do artigo 103º- A do C.P.T.A., “ (…) o efeito suspensivo é levantado quando, devidamente ponderados todos os interesses públicos e privados em presença, os prejuízos que resultariam da sua manutenção se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento (…)”. 31. Na interpretação desta normação, deve-se, necessariamente, proceder à clarificação dos conceitos indeterminados contidos na sua estatuição. 32. Assim, impera ressaltar que o interesse público é definido como o “(…) interesse coletivo, o interesse geral de uma determinada comunidade, é o bem comum (…)” [aresto do S.T.A.,de 01.02.2001, tirado no processo nº. 039384], incumbindo a prossecução e/ou a defesa deste ao Estado [latu sensu]. 33. Já o “interesse privado” define-se como o interesse relacionado com objetivos individuais ou de empresas, maxime, o lucro, cuja defesa, como o próprio nome indica, compete aos próprios privados. 34. É da ponderação judicial da justaposição destes dois tipos de interesses que a lei faz depender o levantamento [ou não] do efeito suspensivo automático dos atos impugnados, bastando que os danos que decorrem para o interesse público [Entidade Pública] sejam superiores àqueles que podem advir para o interesse privado [Autora]. 35. Como bem afirmou o Tribunal Recorrido, o procedimento concursal visado nos autos não visa a execução da empreitada da construção do Edifício de ambulatório do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, E.P.E., mas antes a elaboração do projeto que o antecederá e servirá. 36. Não obstante a manifesta conexão intrínseca entre os dois procedimentos em apreço, impõe-se constatar que, para que se possa assertar, com o devido rigor técnico-jurídico, que a suspensão da execução do primeiro procedimento acarretará, inexoravelmente, a dilação temporal na concretização da empreitada correlacionada, afigura-se imprescindível que esteja processualmente consolidada e determinada a data estabelecida para o início da execução desta última. 37. Neste âmbito, todavia, permanecemos na esfera das meras intenções, desprovidas de concretização fáctica efetiva. 38. Realmente, perlustrando meticulosamente o teor do requerimento de levantamento de efeito suspensivo, conclui-se pela inexistência de alegação de uma data concreta e determinada para o início da execução material da obra de edificação das novas instalações do Instituto Português de Oncologia. 39. Deveras, na peça processual supramencionada, encontram-se diversas referências temporais correlacionadas com o projeto em causa, não obstante, verifica-se a ausência de fixação taxativa quanto à data de inauguração dos trabalhos de construção propriamente ditos. 40. É exemplo disso o disposto no artigo 15.º, onde se constata que o contrato para elaboração do Projeto de Execução foi celebrado em 30 de setembro de 2024, prevendo-se a sua conclusão no início do ano de 2025, o que viabilizará o ulterior procedimento concursal para adjudicação da Empreitada. 41. Merece igual referência o consignado no âmbito do artigo 57.º, onde se invoca que o Plano de Investimento contempla a construção do novo Edifício de ambulatório do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, E.P.E., com dotação orçamental estimada em € 51.925.000 [cinquenta e um milhões, novecentos e vinte e cinco mil euros], cuja "estimativa de execução" se situa no período temporal compreendido entre 2024 e 2026. 42. Releva-se ainda, a título exemplificativo, o exposto em diversos segmentos do requerimento, nomeadamente no artigo 66.º, onde se manifesta a expectativa de que o ano de 2024 constitua o marco inicial para o começo da edificação. 43. Em nenhum momento, portanto, a Requerente estabelece uma data concreta, específica e determinada para o início efetivo das obras de construção. 44. Há apenas períodos estimados e expectativas, mas não uma data definida para o início da execução da empreitada. 45. Temos, pois, assim que, não obstante a invocação da criticidade e urgência da construção do Novo Edifício de ambulatório do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, E.P.E e dos potenciais prejuízos para o interesse público decorrentes da manutenção do efeito suspensivo, não foi cabalmente alegado um elemento essencial para a procedência do pedido de levantamento: o cronograma concreto e vinculativo que estabeleça a data efetiva para o início da construção do referido edifício. 46. Com efeito, embora a Recorrente tenha alegado a existência de previsão orçamental para a obra nos relatórios dos orçamentos de Estado dos últimos anos, bem como a tramitação administrativa que se seguiria após a conclusão do projeto de execução, não logrou demonstrar que a efetiva construção do Novo Edifício de ambulatório do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, E.P.E. iniciar-se-ia num horizonte temporal determinado ou determinável, capaz de estabelecer um nexo causal direto entre a manutenção do efeito suspensivo e o prejuízo concreto para o interesse público. 47. Importa ainda considerar que, contrariamente ao alegado pela Recorrente, que estima uma duração processual de aproximadamente dois anos até ao trânsito em julgado, a nossa convicção aponta para uma duração substancialmente inferior. 48. De facto, tratando-se de processo urgente, sujeito a tramitação prioritária nos termos da alínea c) do nº.1 do artigo 36.º do CPTA, afigura-se razoável estimar que a resolução definitiva da lide não excederá o prazo de um ano. 49. Esta circunstância temporal é particularmente relevante na ponderação dos interesses em presença. 50. Considerando que o próprio procedimento de execução do projeto tem um prazo previsto de 120 dias, a que acrescerá necessariamente o tempo para lançamento do concurso público para a empreitada e para os procedimentos administrativos subsequentes, não se vislumbra que o diferimento da execução do contrato pelo período previsível de duração do processo judicial cause prejuízo irreparável ou desproporcionado ao interesse público invocado. 51. Não se questiona a relevância incontestável da infraestrutura para a prestação de cuidados oncológicos, nem o interesse público subjacente à sua construção. 52. Todavia, para efeitos do juízo de ponderação previsto no artigo 103.º-A, n.º 4, do CPTA, é necessário que os prejuízos invocados sejam efetivos, concretos e demonstrados, não bastando a mera alegação de uma situação potencial ou hipotética de dano, especialmente quando não se comprova que o diferimento temporal causado pela pendência judicial seja incompatível com o cronograma global do projeto. 53. É igualmente significativo o facto de a entidade adjudicante, à qual incumbe primordialmente a prossecução do interesse público nos termos do artigo 266.º da Constituição, não ter requerido o levantamento do efeito suspensivo. 54. Embora tal omissão não constitua impedimento absoluto ao provimento do pedido formulado pela aqui Contrainteressada, representa um elemento indiciário de que a própria entidade responsável pela concretização do projeto não vislumbra prejuízo grave e irreparável decorrente da suspensão do procedimento pelo período de duração do processo judicial. 55. Acresce que o prejuízo resultante para a Contrainteressada da celebração e execução do contrato durante a pendência da ação tem natureza exclusivamente patrimonial e é, por isso mesmo, integralmente ressarcível em caso de procedência da ação principal. 56. De facto, é às “entidades públicas” que cabe prosseguir e promover a defesa do interesse público, não podendo os privados arrogar-se em tais atribuições e competências, ademais e especialmente, com vista a justificar a manutenção de um “status quo” que só a eles aproveita. 57. Admitir o contrário, seria admitir a perversão da liturgia processual gizada para o contencioso pré-contratual, em particular para o incidente de levantamento do efeito suspensivo, com prejuízo para a comunidade em geral. 58. Neste enquadramento, isto é, considerando a duração previsível do processo, a ausência de demonstração quanto à data prevista para o início da construção suportada por cronograma oficial aprovado pela entidade adjudicante, e a natureza dos prejuízos em confronto, nenhuma ponderação criteriosa pode conduzir à conclusão que o interesse da Contrainteressada, aqui Recorrente, prevalece sobre o demais, de forma a justificar o levantamento do efeito suspensivo automático do presente procedimento concursal. 59. E este julgamento tem repercussão nos vetores sustentadores do recurso do despacho interlocutório de 13.11.2024. 60. Efetivamente, a ausência de alegação de uma data concreta e determinada para o início da execução material da obra de edificação das novas instalações do Instituto Português de Oncologia – devidamente concatenada com a falência da argumentação da Recorrente em torno da errónea interpretação e aplicação do disposto no nº. 4 do artigo 103º do CPTA - transporta-nos para evidência da inocuidade e insuficiência do tecido fáctico pretendido aditar de per se, conjugados um com o outro, ou conjuntamente com os demais provados – para alterar a decisão da causa. 61. E nesta impossibilidade de “apropriação” da alegação da Recorrente com recurso ao aditamento do quadro fáctico pretendido reside o “punctum saliens” distintivo da falta de préstimo à boa decisão de causa, dessa sorte, não justificando a necessidade de abertura de um período de produção de prova. 62. Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser negado provimento a ambos os recursos jurisdicionais e mantidas as decisões judiciais recorridas. 63. Ao que se proverá no dispositivo. * * V – DISPOSITIVO Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO a ambos os recursos jurisdicionais e confirmar as decisões judiciais recorridas. Custas pela Recorrente. Registe e Notifique-se. * * Porto, 21 de março de 2024, Ricardo de Oliveira e Sousa Tiago Afonso Lopes de Miranda |