Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01443/24.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/07/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:TIAGO MIRANDA
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
Sumário:
I – Os termos, quer da alª f) do no 2 do artigo 70º do CCP, quer do no 2º do artigo 71º revelam que o que o Legislador pretende da entidade adjudicante para os efeitos de cumprir com o disposto no nº 2 do artigo 1º-A do CCP, não é que ele exerça uma fiscalização, “extracontratual” – hoc sensu – indo para além do objecto da proposta, no sentido de fazer uma prognose sobre se o concorrente poderá, na sua individual circunstância, executar o contrato em respeito pelas vinculações legais em matéria ambiental, social e laboral, mas sim e apenas que verifique, em face do teor da proposta, se a mesma revela, em si mesma e em abstracto, como necessidade lógica ou prática, que tal violação já é implicada ou revelada nos termos da proposta.

II – Atentas as múltiplas variáveis, quanto ao “an”, ao tempo, ao modo e ao custo da obrigação do empregador de facultar a formação contínua aos trabalhadores, tal como é concebida e regulada nos artigos 131º a 134º do Código do Trabalho (CT) não era possível concluir, de uma proposta cuja nota justificativa do preço formulada em conformidade com o mínimo exigido pelo caderno de encargos, não discriminava tais variáveis, a certeza de que o contrato a celebrar, necessariamente, “implicava” – cf. alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP – ou melhor “revelava” – Cf. alínea e) do nº 2 do artigo 70º e nº 2 do artigo 71º do mesmo diploma – que o contrato violaria as leis laborais.

III - Nas acções administrativas que envolvam a impugnação de actos administrativos é da Administração o ónus da prova dos factos pressuposto do acto impugnado. Do Autor é o ónus de alegar e provar os factos que obstem à prova daqueles; e dos factos impeditivos da legalidade do acto impugnado.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
[SCom01...], LIMITADA, interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença do TAF do Porto de 24/10/2024, que julgou improcedente a acção que move contra Município ... e a Contra-interessada [SCom02...], LDA. na qual, com referência ao concurso público para a aquisição de serviços de portaria e vigilância para os Centros de Saúde do Município ..., publicitado mediante anúncio de procedimento com o n.° 21884/2023, de 21 de Dezembro, publicado na II Série do Diário da República de 21 de Dezembro de 2023, formula o seguinte pedido:
1. Ser anulada a deliberação que decidiu pela adjudicação ao concorrente [SCom02...] tomada pelo Ré e do contrato que venha a ser celebrado, conforme o disposto nos art.ºs 63, n.º 2 e 102, n.º 4 do CPTA.
2. Dar-se por verificado o erro na avaliação das propostas, devendo alterar-se a decisão de exclusão da proposta da Autora; devendo a proposta da Autora ser admitida e ordenada em primeiro lugar;
3 - Condenar-se o Réu a adjudicar o presente contrato à Autora;
4 - Condenar-se o Réu ao pagamento das taxas de justiça, custas de parte e o que mais resultar da Lei.”

A Recorrente (Autora), rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES
A - Na presente acção, a Recorrente peticionou o seguinte:
Face ao mais recente entendimento do que deve ser o poder do Júri na avaliação do preço apresentado pelos concorrentes, pode uma entidade adjudicante excluir uma proposta com o fundamento que a mesma não é suficiente para assegurar o cumprimento do contrato, em matéria laborai ou social, quando:
a) Os valores em causa que suscitam essa dúvida são residuais e insignificantes no conjunto do valor global da proposta e do valor do contrato?
b) O concorrente prove que, da execução desse contrato, obterá um lucro significativo que pode compensar esse eventual risco?
c) O regime legal da formação depende de múltiplos factores, pelo que não é possível, à partida, apurar quantas horas/ano serão ministradas; logo, não é possível determinar qual o custo em causa?
B - Com efeito, dispõe o art.° 131.°, n.° 2 do Código do Trabalho que o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de 40 horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, a um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano.
C - Todavia, a forma como os concorrentes organizam a formação faz parte da sua liberdade de auto-organização!
D - Desde logo, a Lei não proíbe que esta formação possa ser ministrada fora do horário de trabalho.
E - Pelo que pode até nem haver necessidade de substituição do trabalhador!
F - E a compensação que o trabalhador poderá auferir não tem de ser determinada pelo Exmo. Júri, mas faz parte da referida livre iniciativa dos operadores económicos!
G - Pelo que pode nem sequer passar por trabalho suplementar, como precipitadamente conclui o Exmo. Júri!
H - E mesmo que passe, a indicação desse custo não está prevista nas peças do procedimento e cabe dentro da margem de lucro prevista na proposta.
I - Por outro lado, a Lei apenas prevê que o empregador deve assegurar, anualmente, a formação contínua a pelo menos 10% dos trabalhadores da empresa.
I - Acresce que o Exmo. Júri não sabe, nem tem de saber, qual o tipo de contrato de trabalho que a Autora/Recorrente celebra com os seus trabalhadores e nem esta sabe quais os trabalhadores que estarão ao serviço.
J - Pelo que, sendo um contrato de trabalho a termo, nem sequer o número mínimo se fixa nas 40 horas.
L - É assim manifestamente infundada a conclusão constante na sentença recorrida, pela qual a Recorrente teria de alocar um maior número de trabalhadores ao contrato!
M - E ainda que o tivesse de fazer, tal circunstância, por si só, não significava que estaria inevitavelmente em causa o cumprimento do contrato!
N - Até porque, como se disse, a Recorrente prevê que da execução deste contrato obterá um lucro significativo!
O - Outrossim, e como afirma PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, no que é acompanhado por praticamente toda a doutrina: “A própria redacção escolhida para a alínea f) do n.° 2 do art.° 70° do CCP indica que não é a verificação de qualquer ilegalidade no teor de uma proposta contratual que se mostra relevante para efeitos da sua inaceitabilidade contratual, mas somente aquela ilegalidade que se projecte na regulação das futuras relações contratuais entre entidade adjudicante e adjudicatário [...] o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis [...]. Poderia, pois, em face dessa redacção, sugerir-se que o legislador não autoriza, é certo, que a entidade adjudicante se adentre numa relação contratual cujas prestações são definidas em contravenção com o bloco de juridicidade; mas não pressupõe já que caiba à entidade adjudicante imiscuir-se no modelo de negócio do seu parceiro ou, até, determinar o modo como se processam as relações (remuneratórias ou outras) entre o seu co-contratante e o respectivo pessoal ou terceiros que participam na execução do contrato. Dir-se-ia então que a fiscalização da legalidade das cláusulas contratuais propostas por cada concorrente, a que a entidade adjudicante é autorizada ao abrigo daquela alínea a) se reduz àquilo que rigorosamente se reconduz ao objecto e ao conteúdo de um contrato - a saber, a fixação das prestações contratuais e dos direitos e obrigações recíprocos assumidos pelas partes."
P - O mesmo Autor defende que: “A exclusão por fundamento no art.° 70°, n.° 2, alínea f) do CCP, só actua se a entidade adjudicante tiver absoluta confiança, por base nos elementos constantes na proposta, que os custos cuja satisfação é exigida pelas normas jurídicas aplicáveis ao contrato que se visa celebrar, não podem ser cobertas pelo preço proposto”. (In Direito da Contratação Pública, Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa).
Q - E em igual sentido, em Direito dos Contratos Públicos, 4.ª edição, Livraria Almedina, PEDRO GONÇALVES, (pp. 955 e ss) afirma que a possibilidade da exclusão das propostas com fundamento na violação de obrigações legais ou regulamentares representa uma forma de o órgão adjudicante cumprir o seu dever de assegurar, também em vista da execução dos contratos públicos, o cumprimento das normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género.
R - TODAVIA, e citando o art.° 57.°, n.° 4, alínea a) da Directiva 2014/24/EU, este Autor, transpondo para a legislação nacional, precisa que, para que opere uma exclusão com este fundamento, a entidade adjudicante tem de ter a convicção que, na execução do contrato, o contratante vai certamente desrespeitar as obrigações legais.
S - E diz mais, apesar das críticas à jurisprudência anterior (em concreto, ao Acórdão do STA de 19/01/17), que considerava não se enquadrar nas funções do Júri ou da entidade adjudicante a fiscalização dos concorrentes no que toca às suas obrigações laborais, o que é certo é que, para este Autor, a alteração legislativa operada em 2017 não teve a forca de romper em absoluto com este entendimento.
T - Ora, no caso sub judice, mesmo que a proposta reflectisse um preço que implicaria um custo inferior aos custos que derivam da aplicação de uma série de leis do trabalho, o que não acontece na medida em que já se demonstrou que está previsto um lucro superior a 8.000,00€, não implicava que, face ao teor da proposta, a adjudicatária não vá cumprir qualquer legislação vigente e nomeadamente a legislação de trabalho - no caso, a formação - que vem invocada como custos fixos a considerar na proposta.
U - Até porque, como vimos, o regime legal da formação profissional prevê um conjunto alargado de possibilidades, quanto ao número de horas mínimo depender do tipo de contrato, quanto ao regime em que é ministrada; que têm implicações nos respectivos custos!)
V - Pelo que, o preceito em causa do CCP, ao contrário do que é defendido pelo Tribunal a quo, não visa este tipo de situações, mas antes aquelas em que, à partida, e sem interferência de qualquer tipo de variante, o contrato não poderá ser cumprido sem que tal implique a violação evidente, “que entre pelos olhos dentro”, de normas legais.
X - Ora, no caso, para os custos com a formação profissional foi desde logo assumido um montante de 440,00€!
Z - E ainda que este valor não fosse suficiente, ou que houvesse a necessidade de reorganizar as horas de trabalho dos trabalhadores afectos à execução do contrato, a globalidade da proposta permite arcar com um custo suplementar!
AA- Não podemos, pois, dizer, ainda que este montante específico da formação fosse inferior ao necessário, e que por isso, a Recorrente, caso venha a celebrar o contrato, vai, com certeza, incumprir a legalidade vigente, nomeadamente as normas relativas à legislação laboral.
AB - MAS SEJA COMO FOR, no caso em apreço, o Tribunal não logrou provar, de forma alguma, que a proposta da Recorrente preenche o normativo do art.° 70.°, n.° 1, alínea f) do CCP, pelo que, não o tendo feito, mantém-se a inexistência de fundamento legal para a exclusão da respectiva proposta.
AC - Reiterando-se aqui a perspectiva de PEDRO FERNANDEZ SANCHEZ (ob. cit.), o que está em causa é a incompatibilidade - objectivamente demonstrada - do preço proposto com o somatório dos custos obrigatórios emergentes de normas legais ou regulamentares vinculativas para o concorrente. Ou seja, quando o que está em causa é aferir da conformação entre a proposta e os custos obrigatórios emergentes de normas legais ou regulamentares vinculativas para o concorrente, naturalmente que se terá de considerar o preço proposto.
AD - Essa impossibilidade de cumprimento do contrato em conformidade com o bloco de juridicidade deve ser avaliada em função do conjunto de informações que constam da proposta, pois só assim se obtém a necessária objectividade na demonstração de ser juridicamente impossível que o clausulado proposto satisfaça as normas legais ou regulamentares vinculativas para ela própria ou para o proponente - por exemplo, por se verificar ser matematicamente impossível que o preço proposto cubra custos laborais, ou outras, cuja satisfação é juridicamente obrigatória.
AE - De acordo com o disposto no art.° 72.°, n.° 1 do CCP, o Júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e avaliação das mesmas.
AF - POIS BEM, inicialmente, o Júri, na avaliação que realizou às propostas e que veio a originar o Relatório Preliminar, entendeu não suscitar qualquer esclarecimento sobre este aspecto em concreto da proposta da Autora.
AG -E só o veio fazer em consequência da pronúncia apresentada pelo concorrente [SCom02...].
AH - ora, a inaceitabilidade da proposta, como adianta MARGARIDA OLAZABAL CABRAL, só pode reconduzir à ilegalidade da proposta no caso de se comprovar cabalmente que os encargos com o pessoal são inferiores ao mínimo constante da convenção colectiva de trabalho.
AI - De igual modo, PEDRO FERNÁNDEZSÁNCHEZ, ao considerar que “O conteúdo normativo do princípio da legalidade permite esclarecer a solução jurídica a aplicar aos casos em que a entidade adjudicante detecte existir a certeza objectiva de que as prestações do contrato a celebrar, tal como foram configuradas na proposta a que o concorrente se vinculou irrevogavelmente (artigo 65° do CCP), não podem ser executadas sem que o adjudicatário incorra numa ilegalidade (...) se depara com um conjunto de informações que lhe atestam, sem margem para dúvidas, que a adjudicação da proposta que tem em mãos conduziria à celebração de um contrato que não poderia ser executado sem desrespeito por normas legais ou regulamentares que vinculam uma ou ambas as partes (...) que lhe incute a certeza de que a adjudicação da proposta produz, inevitavelmente, a celebração de um contrato cuja execução se não conforma com o bloco de juridicidade a que a Administração se subordina.”
AJ - E acrescenta que a operatividade da alínea f) do n.° 2 do art.° 70.° está dependente, por conseguinte, da circunstância de a entidade adjudicante determinar, “com absoluta segurança, baseada nos elementos constantes de uma proposta, que os custos cuja satisfação é exigida pelas normas jurídicas aplicáveis ao contrato que se visa celebrar, constantes de fontes vinculativas para as partes, sejam elas expressamente previstas ou não nas peças do procedimento, não podem ser cobertos pelo preço proposto”.
AL - Transversal a todos os Autores é o entendimento pelo qual - embora exista um poder-dever das entidades adjudicantes em garantir que as propostas cumpram com as normas laborais, ambientais ou sociais - só podem decidir pela respectiva exclusão se:
i) Exigirem aos concorrentes os devidos esclarecimentos (art.° 70.°, n.° 3 do CCP);
ii) Após esses esclarecimentos, concluírem, sem margem para dúvidas, que estão perante uma proposta cuja execução levará inevitavelmente ao incumprimento contratual.
AM - Destarte, a decisão de exclusão com fundamento nesta disposição só é válida nos casos em que a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares seja indesmentível, matematicamente comprovável e constitua uma certeza objectiva.
AN - Pois bem, é de tal forma insignificante a diferença de valores entre a proposta da [SCom01...] e da [SCom02...]: 1.999,32€ que se torna matematicamente impossível comprovar que uma delas implicaria a violação das normas laborais ou sociais e a outra não!
AO - É uma diferença entre propostas de 0,53% que significa uma diferença mensal inferior a 83€!!
AP - TALQUALMENTE, tem sufragado a jurisprudência que o cumprimento e a garantia da observância das obrigações e compromissos legais e contratuais por parte dos concorrentes e dos adjudicatários não está unicamente na dependência daquilo que seja o valor aposto como preço duma proposta, já que no juízo, na equação a efectuar, outros factores e termos importam e devem ser considerados, como aquilo que seja a sua concreta e específica situação e capacidade económica e financeira, a sua estrutura de custos, aquilo que sejam as suas capacidades e condições no acesso às fontes de financiamento [bancário e/ou no mercado de capitais], aquilo que sejam os seus recursos, sua estrutura/natureza e o modo como os mesmos são geridos e estão organizados, no seguimento da jurisprudência citada nas decisões recorridas e em consonância com o regime legal em vigor e com a alteração legislativa ocorrida em 2017.
AQ - A prestação de serviços de segurança privada constitui um sector de actividade económica, um mercado altamente competitivo e concorrencial, o que tem óbvios reflexos sobre os procedimentos de contratação pública.
AR - Por outro lado, trata-se de uma actividade cujas propostas contratuais assentam, fundamentalmente, no custo da mão-de-obra, o que torna difícil a verificação de diferenças concorrenciais.
AS - Daí que a avaliação sobre os custos das propostas e da suficiência dos montantes para cobrir com as obrigações legais deve ser muito bem ponderada pelas entidades adjudicantes e merecer a maior das cautelas.
AT - São inúmeros os casos que chegaram aos tribunais superiores que, apreciando as “notas justificativas do preço” apresentadas pelos concorrentes, discutem variadíssimos tipos de custos muito distintos entre si.
AU - É assim muito difícil determinar quais os custos legais exigíveis, existindo diferentes concepções sobre o conceito decustos mínimos legais e regulamentares”, e, por inerência, «vinculações legais ou regulamentares aplicáveis», de que fala o invocado art.° 70.°, n.° 2, alínea f) do CCP.
AV - Existem concorrentes que efectuam cálculos para apurar custos mínimos, com base num certo número de trabalhadores que, segundo o seu critério, acham necessários para a execução do contrato, para procurar demonstrar que as propostas dos outros concorrentes não respeitam os “custos mínimos legais e regulamentares”, traduzindo-se, em resumo, numa “venda com prejuízo”, ou seja, venda de prestações de serviços “abaixo de preço de custo”.
AX- Para além desta questão, existem ainda concorrentes que, no cômputo dos cálculos mínimos das propostas, reclamam que deve ter-se em conta apenas:
(i) as prestações impostas por Lei e pelo Contrato Colectivo de Trabalho aplicável;
(ii) cujo valor mínimo esteja quantificado na Lei e/ou no Contrato Colectivo de Trabalho, correspondente a um custo mínimo uniformemente aplicável a todos os concorrentes;
(iii) cuja atribuição decorra directamente dos critérios e requisitos indicados no Caderno de Encargos para a execução dos serviços, quanto aos períodos de funcionamento, categoria profissional dos trabalhadores que venham a ser alocados a tais serviços / responsabilidades dos mesmos.
AX - E avançam estes concorrentes que tais componentes se traduzem apenas nos custos das seguintes prestações:
a-Retribuição base;
b-Subsídio de férias;
c-Subsídio de Natal;
d-Subsídio de alimentação;
e-Trabalho nocturno;
f-Trabalho em dia feriado;
g-Subsídio de Chefe de grupo;
h-Subsídio de Rondista;
i-Substituição de trabalhadores ausentes por motivo de gozo de férias.
AZ - Para além desses custos, há quem entenda que devem ser considerados os custos previdenciais, porque exigidos por lei e aplicáveis de modo uniforme a todos os concorrentes, a saber:
a-Contribuições para a Segurança Social, à taxa contributiva de 23,75%;
b-Contribuições para o fundo de compensação salarial, à taxa de 1%.
BA - Bem como há igualmente quem pugne que, na definição dos custos mínimos legalmente exigíveis, não devem ser considerados custos dependentes de factores ou circunstâncias que não são necessariamente uniformes para todos os concorrentes, o que é o caso dos seguintes custos:
A - Prémios com seguros de acidentes de trabalho e responsabilidade civil, porque o custo não decorre directamente da lei e pode variar consoante as condições comerciais negociadas por cada concorrente, pelo “headcount” da empresa que pode variar consideravelmente durante um único ano e porque não é um custo que esteja expressamente previsto na lei e, portanto, não é contabilizável, de forma uniforme, para todos os concorrentes;
B - Custos decorrentes de obrigações assumidas com os trabalhadores, pelos concorrentes, nomeadamente, por via do contrato de trabalho ou resultantes de usos internos da empresa, quanto a retribuições de valor superior ao legal e/ou convencionalmente imposto;
C - Compensações pela cessação de contrato de trabalho, nomeadamente aquelas devidas em caso de caducidade de contrato de trabalho a termo;
D - Auxílios decorrentes de programas públicos e/ou privados de comparticipação nos custos salariais, nomeadamente o financiamento [subsidiação] de parte da retribuição;
E - Acréscimos devidos por trabalho suplementar, por não integrarem o valor mínimo devido a cada trabalhador, independentemente das condições em que o trabalho é prestado;
F - Custos com recrutamento e estágio, que não decorrem directamente da lei, podendo variar consoante as condições comerciais negociadas por cada concorrente;
G - Custos com fardamento, cujo valor não se encontra fixado por lei, e pode, por conseguinte, variar em função de condições comerciais acordados com os respectivos fornecedores;
H - Custos com SST e Medicina no Trabalho, cujo valor não se encontra fixado por lei, e pode, portanto, variar em função de condições comerciais acordados com os prestadores de serviços (quando externos);
I - Quaisquer vicissitudes passíveis de ocorrer no contrato de trabalho, com impacto no custo salarial, nomeadamente os custos decorrentes de absentismo remunerado, como seja a substituição de trabalhadores ausentes por motivo de faltas ou gozo de licença.
BB - E, para o que nos interessa, os custos decorrentes de formação profissional que podem não se verificar, nomeadamente tendo em conta que a formação pode ser ministrada internamente na empresa, sem custos adicionais ou por uma empresa externa, fora do horário de trabalho. E que depende de vários factores, como o tipo de contrato de trabalho.... E que até pode nem ser ministrada toda no mesmo ano...
BC - Para concluir que, os custos a considerar são os que decorram directa e expressamente da Lei pois que, os que não decorram dela ou que, ainda que decorram, não sejam quantificáveis e que, se fossem considerados, comprometeriam as regras da concorrência e da igualdade entre os concorrentes, e, por isso, não podem ser considerados.
BD - E que, precisamente, por isso, não pode ser considerado nestes «custos mínimos legais e regulamentares aplicáveis», o seguro de acidentes de trabalho, formação profissional e medicina do trabalho, pois, embora a Lei obrigue ao cumprimento de certas condições, não é possível determinar qualquer custo mínimo inerente às mesmas, o que impossibilita imputar qualquer violação de mínimos legais (que, in casu, não existem), e está dependente da dimensão, estrutura e capacidade negocial de cada empresa, podendo, no limite, ter custo nulo ou insignificante.
BE - Delimitada, assim, a situação, é extremamente difícil apurar quais os cálculos para obtenção dos custos que devem ser os custos /vinculações “legal e regulamentarmente aplicáveis”.
BF – É mister reconhecer a impossibilidade de contabilizar os custos ao cêntimo, bem como a necessidade de admitir certa margem de erro marginal, podendo existir demasiadas condicionantes que podem colocar em crise os cálculos, devido, vg, a diferenças (i) de fórmulas adoptadas, (ii) das condições comerciais de cada concorrente e (iii) de eventuais condições dos concorrentes que permitam a redução de custos legalmente exigíveis (como, vg, dispensa de pagamento de contribuições à Segurança Social ou outros benefícios públicos). (neste sentido, o recente Acórdão de 17/16/21 (SIC), TCA Sul, Processo n.° 132/19.1 BESNT).
BG - Esta complexidade deve levar as entidades adjudicantes a excluir as propostas por violação das obrigações legais face á insuficiência do preço apresentado, apenas e só:
i) Após a prestação de esclarecimentos por parte dos concorrentes que não sejam satisfatórios a justificar o preço apresentado;
ii) Quando essa violação é certa e objectiva e a diferença de valores com as demais propostas é flagrante!
BH - Daí que os Autores citados, como PEDRO FERNÁNDEZ SANCHEZ, PEDRO GONÇALVES ou ANA SOFIA ALVES utilizem expressões como “absoluta confiança na insuficiência do preço proposto” (...) “certeza objectiva” (...) “absoluta segurança” (...) “sem margem para dúvidas que o co-contratante vai certamente desrespeitar as obrigações legais” (...) “a referida violação das normas legais há de ressaltar de imediato da proposta apresentada” (...) entre outras menções que significam que a convicção da entidade adjudicante tem de ser muito forte para levar à exclusão de uma proposta com esta justificação legal - circunstância que, como se provou e foi confirmado pelas duas instâncias que já se pronunciaram, não existiu!!
BI - E também quanto à exigibilidade da solicitação prévia dos esclarecimentos: JORGE ANDRADE DA SILVA refere-se a um “dever de audiência prévia” (...); ANA SOFIA ALVES à “solicitação prévia obrigatória, por escrito e em prazo adequado, dos esclarecimentos” (...); o Acórdão Slovensko à “existência de um debate contraditório efectivo entre a entidade adjudicante e o concorrente”; o art.° 55.°, n.° 1 da Directiva 2004/18 ao “dever da entidade adjudicante em formular claramente um pedido dirigido aos candidatos, de modo a que possam justificar a seriedade das suas propostas”, (...); o art.° 68.°, n.° 1 da Directiva 2014/24/EU refere que “as autoridades adjudicantes devem exigir aos operadores económicos que expliquem os custos das propostas (...) e só pode haver lugar à exclusão da proposta no caso de os meios fornecidos não permitirem explicar satisfatoriamente os baixos custos propostos”.
BJ - Surgiu uma corrente jurisprudencial em Portugal que defendia que a entidade adjudicante não tem a obrigação de se pronunciar/fiscalizar a forma como os concorrentes organizam as suas propostas, de tal forma que estes podem até assumir que aquele contrato não dará lucro e, por isso, podem apresentar preços abaixo dos chamados preços de mercado. (Por todos, o Acórdão do STA de 12/03/15, Processo n.° 0657/15)
BL - Com a publicação das Directivas de 2014 a com a mais recente jurisprudência do TJUE, reforçou-se o entendimento que a contratação pública deve servir para a prossecução de políticas secundárias e que, para o interesse público, não basta fazer-se “o melhor negócio possível”, sendo igualmente relevante o cumprimento das práticas laborais, sociais ou ambientais.
BM - AQUI CHEGADOS, importava que o legislador nacional, através da última alteração ao CCP, acautelasse a protecção das entidades adjudicantes contra as propostas não sérias.
BN - E em consequência, foram aditadas 2 alíneas ao n.° 4 do art.° 71.° do CCP, incluindo nos critérios justificativos de preços anómalos a racionalidade e fiabilidade dos preços e custos apresentados e a demonstração do cumprimento da legislação obrigatória (que pode levar á exclusão - art.° 70.°, n.° 2).
BO - POR OUTRO LADO, o legislador nacional foi obrigado a aditar um art.° 1.° - A, n.° 2, prevendo que há uma obrigação transversal a todo o procedimento que impende sobre a entidade adjudicante de fiscalizar o cumprimento normativo das propostas, em todos os domínios, mesmo que o preço não esteja abaixo do limiar da anomalia!
BP - Ora, cabe à entidade adjudicante assegurar o cumprimento de todas as normas em vigor neste sector, garantindo que a prestação de serviço se faça no estrito cumprimento das normas constantes na Lei e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.
BQ - E a Recorrente teve o cuidado de demonstrar que o preço constante na sua proposta, cuja diferença nem sequer é significativa face ao preço da proposta apresentada pela empresa a quem se propõe a adjudicação, é suficiente para, ao contrário do que sustenta (mas não prova) o Relatório Final e agora a sentença recorrida, cobrir com os custos mínimos resultantes da execução do contrato que se visa celebrar.
BR - E, por isso, o valor proposto por cada hora de trabalho é um preço de referência a que a Recorrente se socorreu para a elaboração da proposta e praticamente igual ao da adjudicatária. E que não é posto em causa pela obrigatoriedade de ministrar a referida formação profissional aos seus trabalhadores.
BS - Inexiste prova e demonstração factual no procedimento de que o preço constante da proposta implique ou acarrete um qualquer incumprimento por parte da mesma daquilo que são as suas obrigações e vinculações legais/contratuais, quer face a entidades públicas ou privadas, quer face aos seus trabalhadores.
BT - As propostas da Recorrente e da adjudicatária assentam nos mesmos pressupostos, não se vislumbrando em que medida a referida diferença em que se cifrou a divergência dos valores das propostas permita validamente fundar um juízo claro, necessário e inequívoco de incumprimento daquilo que são as obrigações/vinculações legais em sede de custos da Autora/Recorrente e que o mesmo também não ocorra com a própria proposta da [SCom02...] quanto a ter também ela que dar cumprimento/observância aos mesmos custos/encargos obrigatórios.
BU - Como refere o TCAN: “Frise-se que para além dos custos fixos/impostos legal, administrativa e contratualmente, uma empresa defronta-se com uma gama muito variada de custos variáveis que não estão fixados ou taxados de forma alguma e em que entram factores que se prendem com capacidades de organização e de gestão detidas ou não, com capacidades comerciais e de negociação, pelo que não poderemos deixar de ter em consideração esta realidade no juízo concreto que importa fazer quando haja de se aferir se a situação em questão preenche ou não a previsão da ai. f) do n.° 2 do art. 70° do CCP”
BV - EM CONCLUSÃO, os factos constantes no procedimento não permitem que o Tribunal determine pela existência de um risco de incumprimento daquilo que são as estritas vinculações e obrigações legais por parte da Autora.
BX - Como refere PEDRO FERNANDEZ SANCHEZ: “A decisão de exclusão com base na alínea f) do n.° 2 do art.° 70 do CCP tem de inserir-se num contexto de cumprimento da liberdade da iniciativa privada e da liberdade dos concorrentes em conformar a sua proposta.
BZ - O Tribunal cita a alteração legislativa da Lei n.° 34 / 2013, de 16 de Maio, que veio estabelecer o Regime do Exercício da Actividade de Segurança Privada, ocorrida em 2019, pela qual se aditou o art.° 5.° A, que proíbe práticas comerciais desleais, considerando-se como tal a contratação com prejuízo, juntamente com o disposto no art.° 1.° A, n.° 2 do CCP, introduzido em 2017.
C - Todavia, onde está, no caso sub judice, o mero indício que a proposta apresentada pela Recorrente configura uma qualquer prática anti-concorrencial ou a contratação com prejuízo?
CA - O Tribunal a quo elencou uma série de decisões judiciais, discorrendo sobre uma pretensa orientação jurisprudencial acerca do que deve ser considerado como uma proposta cujo preço não é suficiente para cobrir com os custos de execução do contrato, nomeadamente em matéria laboral.
CB - Todavia, nunca a Autora/Recorrente apresentou tal proposta. Pelo contrário, não só assumiu expressamente uma verba adstrita ao custo de formação, como a proposta apresentada prevê um montante correspondente ao lucro que se espera obter com o cumprimento do contrato.
CD - Pelo que, o raciocínio seguido na sentença recorrida, com o devido respeito, está, desde o início, inquinado.
CE - Face ao exposto, não existe qualquer facto nos autos que possa levar à conclusão prevista na sentença recorrida, segundo a qual: “Da proposta da Autora não resulta que seja garantido o cumprimento da obrigação que sobre si recai de ministrar formação obrigatória aos trabalhadores”.
CF - E muito menos: “Como tal, o que se afigura é que um contrato celebrado nestes termos redundará num contrato em que o co-contratante não cumprirá com as suas obrigações em matéria laboral - acarretando a violação do disposto nos artigos 131° e ss do CT - pelo que, a proposta da Autora teria de ser, necessariamente, excluída nos termos do disposto na alínea f), do n.° 2, do artigo 70°do CCP’.
CG - Com o devido respeito, estamos perante uma conclusão meramente especulativa, já que não estão demonstrados/provados os seguintes factos:
f) Quais os trabalhadores que serão afectos à execução contratual e quais as características dos respectivos regimes contratuais, se a termo, se por tempo indeterminado, se a tempo parcial, etc.
g) Qual a opção que será adoptada para a formação, se dentro ou fora do horário de trabalho.
h) Quantas serão as horas necessárias para a formação, uma vez que se desconhece, como referido, o vínculo contratual dos trabalhadores.
i) A verba proposta pela Autora para formação não é suficiente para cumprir com a sua obrigação legal,
j) A proposta da Autora, a ser adjudicada, ainda que com margem de lucro e com um valor próximo da adjudicatária, implica necessariamente o incumprimento contratual.

Finalmente,

CH - O Tribunal a quo, na página 27 da sentença, sem qualquer fundamento legal, decidiu inverter o ónus da prova, considerando que é o concorrente excluído que terá de demonstrar que a sua proposta é suficiente para cobrir os custos mínimos com a execução do contrato.
Cl - Esta inversão não tem qualquer suporte no nosso ordenamento jurídico, no qual as “as causas de exclusão significam uma restrição à concorrência, a serem usadas com parcimónia, tal como aliás se defende no Acórdão do TCA Norte, de 5 de Junho de 2015, proc. n° 475/14.0 BEVIS.
CJ - Segundo este aresto, “A exclusão de uma proposta reduz a concorrência. Logo as hipóteses de exclusão das propostas devem ser reduzidas ao mínimo necessário, de forma a garantir o mais amplo possível de leques de propostas. Este mínimo necessário traduz-se precisamente em apenas permitir a exclusão nos casos expressos previstos na lei (tipificação dos casos de exclusão) e interpretar estas normas de forma restritiva e não extensiva e, menos ainda, analógica”.
CH - Nem poderia ser aplicada no caso concreto quando:
i) As peças do procedimento não pedem expressamente a previsão desse custo.
ii) Não foram pedidos esclarecimentos nesse sentido.
iii) É entendimento unânime que só pode haver exclusão de uma proposta com este fundamento quando haja absolutas certezas do não cumprimento com as vinculações legais.
iv) E só podem existir certezas se for possível calcular os alegados “custos mínimos” (e resulta da sentença e do já alegado que não é possível), e se ficasse demonstrado que com esses custos mínimos o preço proposto era insuficiente para os suportar.
Cl - Face ao exposto, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do Direito ao colocar o ónus da prova de demostrar que a sua proposta é suficiente para cumprir com custos que dependem de inúmeras variantes, aos quais a lei não define um valor mínimo, sobre o concorrente excluído,
CJ - Consequentemente, não foi feita nos autos prova inequívoca de que a adjudicação à proposta da Autora resultaria, necessariamente, num contrato ilegal, pelo que jamais poderia ter sido mantida a causa de exclusão.
CL - Vide neste sentido o Acórdão do TCA Sul, Processo n.° 175/21.5BELSB, de 4/11/21: “I - Se, da análise da justificação de preços apresentada para concorrente, não resulta que as prestações do contrato a celebrar não podem ser executadas sem que se incorra em ilegalidade decorrente do desrespeito de legislação laborai, não há fundamento para a exclusão da sua proposta nos termos conjugados dos art.°s 70°, n. 2, f), 1°-A, n.° 2 do CCP e 5°-A, n.° 2 da Lei n.° 34/2013 de 16 de Maio”.
CM - Assim, incorreu o tribunal a quo numa errada interpretação do art.° 5º A, n.° 2, alínea b) da Lei n.° 46/2019 e do art.° 70.°, n.° 2, alínea f) do CCP e, por sua vez, fez uma errada aplicação do Direito aos factos.

Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e proferida nova decisão a:
i) Anular a deliberação que decidiu pela adjudicação ao concorrente [SCom02...], tomada pelo Réu e do contrato que venha a ser celebrado, conforme o disposto nos art.° 63.° n.° 2 e 102.°, n.° 4; ambos do CPTA;
ii) Verificar o erro na avaliação das propostas, devendo alterar-se a decisão de exclusão da proposta da Recorrente, devendo a sua proposta ser admitida e ordenada em primeiro lugar;
iii) Condenar o Réu a adjudicar o presente contracto à Autora/Recorrente;
iv) Condenar o Réu no pagamento das taxas de justiça, custas de parte e o que mais resultar da Lei.»

A Recorrida, [SCom02...], respondeu à alegação do recurso da Autora [SCom01...].
Concluiu como segue:
«CONCLUSÕES:
A) Na acção de contencioso pré contratual na qual a Recorrente agora apresenta as suas Alegações de Recurso, a mesma peticionou “(1) a anulação da deliberação que decidiu pela adjudicação ao concorrente [SCom02...] tomada pela Ré e do contrato que venha a ser celebrado, conforme o disposto nos art°s 63, n.° 2 e 102, n.° 4 do CPTA; (2) Dar-se por verificado o erro na avaliação das propostas, devendo alterar-se a decisão de exclusão da proposta da Autora; devendo a proposta da Autora ser admitida e ordenada em primeiro lugar; (3) Condenar-se o Réu a adjudicar o presente contrato à Autora; (4) Condenar-se o Réu ao pagamento das taxas de justiça, custas de parte e o que mais resultar da Lei;
B) Sucede que por Douta Sentença, datada de 28.10.2024, o Tribunal a quo julgou (e bem!), nos termos dos fundamentos de facto e direito que expôs, a acção de contencioso pré-contratual totalmente improcedente e, consequentemente absolveu a Entidade Demandada dos pedidos;
C) Contrariando essa Decisão, a Recorrente alega agora que o Tribunal a quo incorreu numa errada interpretação do artigo 5º- A n.° 2 alínea b) da Lei n.° 46/2019 e do artigo 70° n.° 2 alínea f) do CCP, e, nesse conspecto, fez uma errada aplicação do Direito aos factos, o que culmina em erro de julgamento, considerando, assim, que deve a Sentença Recorrida ser revogada;
D) Sucede que a Recorrida entende que a Recorrente não cumpriu o rigoroso ónus no que concerne à especificação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados para que haja alteração da matéria de facto, e que não se encontram preenchidas as condições para que tal suceda, nomeadamente a existência de nítida disparidade entre erro na apreciação e a divergência do sentido em que se formou a convicção do julgador;
E) Tendo por base o que é referido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 22.10.2020, no âmbito do Processo n.° 1447/11.2BELRS que: “(...) II. Na impugnação da decisão da matéria de facto apurada de Ia. Instância a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, devendo, nas alegações de recurso, especificar, obrigatoriamente não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida. III. A alteração da matéria de facto pressupõe assim a existência de nítida disparidade entre erro na sua apreciação e a divergência do sentido em que se formou a convicção do julgador, sendo que a respectiva reapreciação por parte do tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo, sendo certo que na situação em análise” (sublinhado nosso);
F) Sendo que, além deste facto, entende a Recorrida que as Alegações de Recurso apresentadas pela Recorrente, não cumprem o disposto no artigo 639° do CPC, ex vi artigo 140° n.° 3 do CPTA, porquanto as Conclusões se demonstram complexas (n.° 2 do artigo 639° do Código de Processo Civil), devendo, por isso, existir lugar ao convite a reparar esse vício;
G) Assim, não obstante, a Recorrida entender que as Alegações de Recurso apresentadas pela Recorrente nem sequer deveriam ser apreciadas pelo Tribunal Superior, pelo supra exposto, sem prescindir e por dever de patrocínio, entende a Recorrida referir tudo quanto se segue, em sede de Contra-alegações;
H) Face ao teor das Alegações de Recurso da Recorrente, parece-nos pacífico que a questão referente à eventual falta de fundamentação, invocada em sede de Petição Inicial e que o Tribunal a quo julgou improcedente, não é mais suscitada, pelo que se tem essa questão por sanada;
I) Contudo, a Recorrente, confrontada com o teor da Sentença a quo, veio invocar novamente os fundamentos aduzidos em sede de Petição Inicial, reiterando o facto de o regime legal aplicável à formação apresentar uma grande flexibilidade, conferindo várias opções ao empregador para cumprimento da mesma e recorrendo, novamente, ao facto de que, alegadamente, obteria um “lucro significativo” que poderia vir a compensar o custo decorrente da formação, pelo que, dessa forma cumpriria as suas obrigações em matéria laborai;
J) Foi objecto de discussão nos autos e o Tribunal a quo considerou provado, que a Recorrente não contemplou, na sua Proposta, a quantidade mínima de vigilantes necessários (11,32) para assegurar, nos termos legais, as quarenta (40) horas de formação obrigatórias aos trabalhadores, o que conduziu à decisão de que a sua Proposta consubstanciava a violação da legislação em matéria laboral;
K) Sendo certo que a Recorrente invocou, a contrario, que o número de homens que indicou na sua Nota Justificativa do Preço (11,06) seria suficiente para o cumprimento da prestação de serviços, nomeadamente para comportar todas as condicionantes que possam suceder (com a formação, faltas, férias, baixas médicas, entre outros, ...), mas tal não tem cabimento na realidade do Concurso Público em questão;
L) Ademais, deve deixar-se claro que não corresponde à verdade, o explanado pela Recorrente nas Alegações que apresenta, de que não lhe foi dado o direito a proceder a esclarecimentos, pois a mesma teve oportunidade de se pronunciar após a decisão do Digníssimo Júri na exclusão da sua Proposta e fê-lo, contudo, essa pronúncia não logrou demonstrar-se suficiente para alterar a decisão do Júri do Procedimento;
M) É que a Recorrente tenta, por todos os meios e formas, encapotar a sua falta ao cumprimento das obrigações em matéria laborai, com o fundamento num eventual “lucro” que refere que iria obter com a celebração do contrato público com a Recorrida Câmara Municipal, sem que se entenda como o iria obter e a que “custo”;
N) A matéria da formação está prevista nos artigos 131° n.° 2 e 132° do Código do Trabalho, cabendo, assim, à entidade empregadora acautelar que a mesma seja ministrada, sendo certo que a Recorrente alega que este regime apresenta uma grande flexibilidade e confere ao empregador várias opções para o cumprimento deste dever;
O) Para tanto, e mais uma vez com recurso ao alegado “lucro”, a Recorrente invoca na Petição Inicial e nas Alegações de Recurso agora apresentadas, que “obterá, no mínimo, um lucro significativo (superior a 8.000,00€)”, mas da própria Nota Justificativa do Preço extrai-se a seguinte informação: “Lucro - € 1.400,00; Total de encargos/lucro para 24 meses - € 8.911,02". Portanto, o montante a que a Recorrente se refere de € 8.000,00 não se reporta apenas a lucro, mas também a encargos, pelo que é assim evidenciado que a Recorrente se socorre de uma manobra dilatória para tentar comprovar o que nem tão pouco é comprovável através dos documentos que juntou;
P) Ademais, quando a Recorrente alega que o preço apresentado pela adjudicatária é praticamente o mesmo, omite o facto de a aqui Recorrida ter apresentado uma Nota Justificativa do Preço, da qual consta a necessidade de um número superior de homens (11,32) para lograr a satisfação da prestação de serviços, no estrito cumprimento da Lei;
Q) Alega, também, a Recorrente que a citação do Tribunal a quo relativamente à alteração legislativa que estabeleceu o Regime do Exercício da Actividade de Segurança Privada, em 2019, e aditou o artigo 5°-A que proíbe práticas comerciais desleais (nomeadamente a contratação com prejuízo) não tem enquadramento no caso em apreço;
R) Mas não se pode concordar com tal entendimento, pois se a Recorrente não apresenta um número de homens suficiente para a prestação de serviços ocorrer no estrito cumprimento de todas as obrigações legais em matéria laborai, é óbvio que a situação se vai enquadrar naquele preceito legal, conduzindo a que haja uma contratação com prejuízo, porquanto como já se aludiu, a questão do alegado “lucro” não é suficiente para a verificação desse cumprimento legal;
S) Por outro lado, a Recorrente invoca no artigo 28° das Alegações de Recurso que não resulta da matéria de facto, nem da fundamentação da Sentença que a margem de lucro prevista equivale a uma contratação com prejuízo e que nessa medida inexiste legalidade na exclusão da sua Proposta;
T) Mas, se atentarmos na página 20 da Sentença a quo, parece-nos que salta bem à vista a pronúncia da Mma. Juiz quanto a esta matéria, nomeadamente quando refere que “A Autora argumenta que prevê um lucro superior a 8.000,00 euros; sendo certo que, o regime legal da formação profissional prevê um conjunto alargado de possibilidades, sendo que o número mínimo de horas depende do tipo de contrato e o regime em que é ministrada pode, igualmente, ser variável: tudo com implicações nos respectivos custos. Apenas significaria, segundo diz, que a Autora estava disposta a ter certo prejuízo, já que nada a impede de, a nível de estratégia comercial da empresa, preferir obter um certo contrato, ainda que com algum prejuízo; o que diz, nem sequer ser o caso (...) Ou seja, mesmo na ausência de fixação de um liminar de preço anormalmente baixo, a entidade adjudicante pode considerar determinada proposta como de preço anormalmente baixo, desde logo, porque o preço apresentado não é suficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental, social e laborai ou para cobrir os custos inerentes à execução do contrato. O que parece indiciar que o contrato “tem de se pagar a si próprio”, o que leva este a signatária a tender para uma posição distinta da anteriormente adoptada, no sentido de que os custos e encargos de um contrato, em face das alterações introduzidas ao CCP, não se pagam com todo o tecido contratual de uma empresa [isto é, com o rendimento obtido com a execução de todos os contratos ou outros rendimentos de outra natureza, mas sim com o rendimento arrecadado com a execução de um único contrato: o contrato a que se reportam os custos” (sublinhado nosso);
U) Concluindo, inclusive, na página 28 pelo seguinte “(...) sendo certo que, o que está em causa nos presentes autos, não é, propriamente, se a Autora vai obter lucro com a execução do contrato, mas, acima de tudo, se vai cumprir com as suas obrigações em matéria laboral (…).
V) Ademais, a Recorrente vem discorrer uma série de Acórdãos ao longo das Alegações de Recurso que apresenta, contudo, não enquadra a situação que realmente deve ser discutida e trazida à colação que se prende com a formação, não com a obtenção ou não de eventual “lucro”;
W) Não sendo sequer verdade que a Sentença recorrida não tenha acautelado esta questão, como a Recorrente refere no artigo 35° das suas Alegações, porquanto o teor da Sentença a quo foi claro ao referir-se à mudança de paradigma que estas questões têm vindo a sofrer, nomeadamente no que concerne ao lucro de um contrato ou ao lucro obtido na estrutura de uma empresa, por ordem a vários contratos celebrados;
X) Assim, se a entidade adjudicante previu que tais obrigações não iriam ser cumpridas, teve toda a legitimidade para proceder à exclusão da Proposta da Recorrente, pois tal como refere no Relatório: “(...) a formação contínua não pode ser ministrada “on the job”, porquanto um trabalhador ou está em formação ou está ao serviço; se está em formação tem de ser substituído e, se está ao serviço, não está em formação”.
Y) Desde logo pelo facto de a actividade da vigilância ser uma actividade de particular relevância, no âmbito da qual os trabalhadores afectos a determinado Cliente não podem ausentar-se do Posto onde trabalham, nem descurar a responsabilidade que lhe é confiada para manter o local vigiado e em segurança, sendo essencial referir que a maioria dos Postos afectos ao Cliente em questão operam 24 horas;
Z) Se por um lado, o trabalhador não se pode ausentar do Posto e deixar o mesmo sem um Colega que o substitua (o que traria repercussões não só para o trabalhador, como também para a sua entidade empregadora que é prestadora de serviços do Cliente), por outro, não poderá ter formação contínua enquanto desempenha as suas funções, sob pena de tais funções deixarem de ser devidamente acauteladas;
AA) Além disso, não obstante a nossa legislação laboral não proibir a formação fora do horário do trabalho ou mesmo em dia de descanso (como ademais é referido na Sentença a quo), a suceder esse facto, tem de ser chamado à colação o regime do trabalho suplementar, se a formação ocorrer fora do horário de trabalho em duas horas (não obstante serem pagas as primeiras duas horas ao valor/hora normal) e se prestado em dia de descanso semanal, tal como retrata o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 28 de Outubro de 2021, o qual conclui que a formação fora do período normal de trabalho não deve merecer primazia e que, sendo a mesma ministrada no período normal de trabalho, o trabalhador tem de ser substituído;
BB) A acrescer a isto, a Recorrente sabe que no caso em concreto dos concursos públicos (que é o caso dos autos e como refere nas Alegações de Recurso) opera a transmissão de estabelecimento, tal como se extrai da Lei n.° 18/2021, de 08.04, a qual estende o regime jurídico aplicável à transmissão de empresa ou estabelecimento às situações de transmissão por adjudicação de fornecimento de serviços que se concretize por concurso público, ajuste directo ou qualquer outro meio (artigo 285 n.° 10 do Código do Trabalho);
CC) E ao operar a transmissão de estabelecimento, os trabalhadores afectos ao Cliente já não estarão num regime laboral a termo e a estarem, a probabilidade de conversão a sem termo a breve trecho é inevitável, pelo que, terá de ser ministrada a totalidade das horas de formação, ou seja, as quarenta horas;
DD) Caso não sejam asseguradas as quarenta horas de formação anuais a um trabalhador, até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, as mesmas transformam-se em crédito de horas, que confere direito a retribuição, sendo que no caso concreto a Recorrente não cuidou de aferir, não questionou, nem pediu esclarecimentos ao prestador de serviços actual, quanto ao facto de, eventualmente, terem ou não sido ministradas as horas de formação previstas na legislação em vigor ou se existem, eventualmente, horas de formação a converter-se em crédito de horas que irão conferir direito a retribuição e que podem, assim, corresponder a um custo adicional que a Recorrente não acautelou;
EE) Mas, a Recorrida (não obstante ser, inclusive, entidade certificada formadora) acautelou essa situação, nomeadamente na prestação de formação aos trabalhadores, em condições normais e no cumprimento deste direito laboral, tendo para tal apresentada um Preço na sua Proposta suficiente para cobrir essas necessidades, face ao cálculo do número de homens que concluiu serem necessários para tal, para não se colocar numa situação de apresentação de um preço abaixo de custo, o que não é mais permitido, pelo menos desde 2017;
FF) Contrariamente, a Recorrente além de não ser entidade certificada e formadora (única forma de diminuir o custo de formação apresentado), indica o montante de € 440,00 (quatrocentos e quarenta euros) para cobrir os custos de formação e estágio durante os dois anos de duração de contrato, o que não se apresenta como um cenário realista. Dividindo o valor que apresenta pelas horas de formação e pelo número de homens, o montante final não ascende sequer a (pasme-se!) € 0,50 (cinquenta cêntimos), valor que não cobre o valor da retribuição devida aos trabalhadores, a sua eventual substituição e/ou os custos da própria formação;
GG) Assim, a Recorrente, ao longo das suas Alegações de Recurso, tenta, a todo o custo, ultrapassar questões que são insanáveis, nos termos da aplicação da legislação laboral, tentando, ainda, retirar ilações do teor da Sentença a quo que não são as correctas, pois só transcreve trechos, os quais, lidos sem o enquadramento do restante teor da Sentença, poderiam conduzir ao entendimento propugnado pela Recorrente, mas que não correspondem à verdade, como é o caso dos trechos das páginas 24 e 26;
HH) Concluindo-se claramente que a Recorrente não cumpriu o referido na Cláusula 5.ª n.° 1 do Caderno de Encargos, pois o valor que propõe não é suficiente para o cumprimento das obrigações legais, no caso concreto, em matéria laboral, o que teria de determinar, inevitavelmente, a sua exclusão, nos termos do disposto no artigo 1°-A n.° 2 do CCP - “2 - As entidades adjudicantes devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental, de igualdade de género e de prevenção e combate à corrupção, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional’ (sublinhado nosso);
II) Sendo este o entendimento propugnado por Pedro Férandez Sánchez: “(...) sempre que a informação constante da proposta permita detectar qualquer incompatibilidade com o bloco de legalidade vigente — independentemente de a respectiva fonte ser legal ou regulamentar -, a entidade adjudicante pode (e deve) formular um juízo de exclusão da proposta — sob pena de ela própria se constituir como cúmplice da ilegalidade que seria praticada no decurso da execução do contrato, violando o princípio da legalidade consagrado no n° 2 do artigo 266° da Constituição e no n° 1 do artigo 3º do CPA In “Direito da Contratação Pública”, Volume II, AAFDL Editora, página 274 (sublinhado nosso);
JJ) E o Autor Pedro Gonçalves vai no mesmo sentido ao referir que existe a possibilidade da exclusão das propostas com fundamento na violação de obrigações legais ou regulamentares, representando assim uma forma de o órgão adjudicante cumprir o seu dever de assegurar, também em vista da execução dos contratos públicos, o cumprimento das normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género (in “Direito dos Contratos Públicos”, 4.a edição, Livraria Almedina, páginas 955 e seguintes);
KK) Bem como a Jurisprudência - Acórdão do STA, de 22.09.2022, proferido no âmbito do Processo n.° 339/21.1BECBR “7 - Pelo menos desde 2017. a partir da alteração do Código dos Contratos Públicos produzida pelo DL n° 111-B/2017, de 31/8 (por imposição do direito da UE, nomeadamente da Directiva 2014/24/UE), não é mais possível defender que o risco de um preço ou custo insuficiente pode correr apenas por conta das empresas adjudicatárias, sem necessidade de controlo, nesta sede, pelas Entidades Adjudicantes, ou que basta uma declaração/compromisso de cumprimento das obrigações legais, ou que um preço insuficiente pode ser compensado com recurso a outras fontes de rendimento de financiamento das empresas adjudicatárias, ou a outros contratos, ou que consubstancie um prejuízo que as empresas adjudicatárias estejam dispostas a suportar por razões de marketing ou estratégia comercial em nome de uma sua “Liberdade de gestão empresarial”. O direito da UE, transposto para o direito nacional, opõe-se claramente a este armamentário, estabelecendo que o que relevante é o binómio relacional “preço/prestação” e não a maior ou menor capacidade dos proponentes; o que interessa aferir é, pois, se o preço proposto é, ou não, objectivamente suficiente para cobrir os custos a incorrer” (sublinhado nosso).
LL) Daí que se tenha por necessária a “fiscalização” da entidade adjudicante numa fase pré-contratual que acautele qualquer incumprimento que venha a suceder no decurso do contrato a celebrar;
MM) Pelo que não é o facto de a Recorrente tentar evidenciar a obtenção de lucro (que até nem é clara, como já se referiu, nem a questão fulcral em discussão nos autos) ou, em contrapartida, ter a disponibilidade para, inclusive, obter um prejuízo financeiro assente em factores de estratégia comercial que vai dirimir a responsabilidade da entidade adjudicante em acautelar qualquer incumprimento que possa existir, seja do foro legal ou regulamentar (reiterando-se o conteúdo do trecho do Acórdão que antecede);
NN) Ademais, vem a Recorrente referir-se a Jurisprudência europeia, mas não invoca qual, bem como invoca Jurisprudência Nacional - artigo 62° das Alegações da Recorrente - que nem se aplica ao caso dos autos, atenta a transmissão de estabelecimento, pois como já se frisou anteriormente, os meios humanos não se encontram na esfera jurídica da Recorrente, porquanto esta não é a actual prestadora de serviços na entidade adjudicante;
OO) A Recorrente utiliza, assim, artifícios, manobras e estratégias, por forma que não seja apreciada pelo Tribunal Superior a matéria que concretamente foi expurgada nos autos, para que possa obter um resultado diverso do que obteve no julgamento de 1.ª instância e de uma forma leviana, ao perpassar trechos da Sentença a quo que lhe interessam, deixando de parte a subsequente alegação da Sentença e a conclusão a que o Tribunal a quo chegou;
PP) Todos os factos que a Recorrente releva no artigo 77° das suas Contra-alegações estão, assim, devidamente demonstrados, provados e fundamentados na Sentença a quo, já que a questão que aqui se coloca nos autos não é a de se analisar se a Recorrente vai ou não obter lucro através da Proposta que apresenta (o qual já verificamos nem ser tão linear como a Recorrente refere), mas sim se a mesma cumpre as formalidades necessárias para ministrar a formação aos trabalhadores;
QQ) Pelo que não se consegue extrair outra conclusão que não respalde o facto de a Recorrente não cumprir com as suas obrigações em matéria laboral para com os trabalhadores;
RR) Finalmente, a Recorrente alega que o Tribunal a quo decidiu inverter o ónus da prova, considerando que o Concorrente excluído tem de demonstrar que a sua proposta é suficiente e que a inversão não tem suporte no nosso ordenamento jurídico;
SS) Devendo, nesse decurso, trazer-se novamente à colação o Acórdão datado de 29.04.2022, no âmbito do Processo n.° 339/21.1BECBR e supra-referido. É que ainda que a Recorrente se tenha pronunciado após a decisão de exclusão da sua Proposta, nada de novo veio acrescentar quanto ao cumprimento da legislação laboral, mais concretamente, no que respeita à formação a ministrar aos trabalhadores, pelo que nada restou ao Júri senão manter a sua decisão;
TT) Como explica e bem Nuno Cunha Rodrigues, a propósito da reforma introduzida pelo DL n.° 11 l-B/2017 (in “Jornadas de Direito dos Contratos Públicos (16-17 de Maio de 2019, FDUL)”, AAFDL, 2020, págs. 167 e segs.: “(o CCP passou a proceder a uma ligação intrínseca entre o regime do PAB [preço anormalmente baixo] e o incumprimento de obrigações de cariz laboral, ambiental ou social, procurando-se, dessa forma, ir ao encontro do previsto na Directiva-clássica”, ou seja as entidades adjudicantes passaram a estar obrigadas a excluir a proposta caso determinem que esta é anormalmente baixa por não cumprir as obrigações aplicáveis a que se refere o artigo 18° n.° 2 da Directiva, ou seja, as obrigações de cariz laboral, ambiental ou social;
UU) E as alterações legislativas decorrem de imposição do direito da UE, no caso, em particular, da Directiva n° 2014/24/EU, de 26/2, a qual expressava no seu Considerando 40: «O controlo da observância destas disposições ambientais, sociais e laborais deverá ser efectuado nas fases pertinentes do procedimento de contratação, ou seja, ao aplicar os princípios gerais que regem a escolha dos participantes e a adjudicação de contratos, ao aplicar os critérios de exclusão e ao aplicar as disposições relativas às propostas anormalmente baixas (...)»;
W) Sendo entendimento unânime na Jurisprudência que o Júri dispõe de margem de livre decisão quanto à apreciação da razoabilidade e da suficiência das justificações apresentadas pelos Concorrentes, pelo que o controlo de legalidade ao ser efectuado pelo Tribunal deverá atender ao princípio da separação de poderes, donde resulta que o Tribunal não pode imiscuir-se no mérito, oportunidade ou conveniência da decisão administrativa proferida ao abrigo daqueles poderes;
WW) Cabe sim ao Tribunal sindicar se os motivos indicados na decisão impugnada se mostram lógicos e congruentes e, por outro lado, se são suficientemente convincentes para que possam ser aceites, à luz do fim visado pela norma que conferiu esses poderes de valoração e à luz dos princípios gerais da actividade administrativa (vd. nesse sentido, Mário Aroso de Almeida, «Teoria Geral do Direito Administrativo», 10a ed., Almedina, 2022, p. 460 e ss.);
XX) Essa justificação é importante para identificar eventuais erros de facto ou de apreciação, nos quais o agente possa ter incorrido, baseando-se em factos inexistentes ou falseados, ou avaliando ou qualificando de modo inadequado a situação em função da qual actuou, o que não se verifica na Sentença a quo;
YY) Não existe, assim, uma errada aplicação do Direito aos factos, devendo improceder de facto e de Direito as Alegações de Recurso apresentadas pela Recorrente;
ZZ) Em face do exposto, impõe-se concluir que a douta Sentença Recorrida procedeu a uma correctíssima interpretação dos artigos 5°-A n.° 2 alínea b) da Lei n.° 46/2019 e do artigo 70° n.° 2 alínea f) do CCP e não enferma, por isso, de uma errada aplicação do Direito aos factos, devendo a Sentença Recorrida manter-se nos seus exactos termos.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DOUTAMENTE A SUPRIR POR V. EXAS., DEVE O RECURSO EM APREÇO SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE, SENDO INTEGRALMENTE MANTIDA, COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, ASSIM SE FAZENDO,
INTEIRA JUSTIÇA»

O Recorrido, Município, respondeu, também, à alegação do recurso do Réu ISS, concluindo nos seguintes termos:
«CONCLUSÕES:
1 - As conclusões de recurso apresentadas pela Recorrente, por complexas e praticamente mimetizarem as alegações, violam o ónus de concluir, de forma sintética, os fundamentos do recurso, previsto no n.° 1 do art.° 639.° do CPC, devendo o Recorrente ser convidado a sintetizar as mesmas, nos termos do n.° 3 do art.° 639.° do CPC.
Sem prescindir,

2 - A sentença a quo não merece qualquer censura, devendo manter-se na ordem jurídica, por corresponder à adequada decisão da causa, que a Recorrente não logrou colocar em crise com o seu argumentário de apelação.
3 - A proposta da Recorrente viola a norma contida no n.° 2 do art.° 131º do CT, por não prever o número de trabalhadores necessários e suficientes para acautelar a formação contínua dos trabalhadores, razão pela qual foi excluída pelo Júri do Procedimento, com fundamento na al. f) do n.° 2 do art.° 70.° do Código dos Contratos Públicos CCP, decisão que foi validada pelo Tribunal a quo.
4 - Os cálculos efectuados pelo júri do procedimento determinaram que seria necessário um número mínimo de 11,32 trabalhadores para assegurar a execução do serviço e a formação contínua dos mesmos, sendo que a proposta da Recorrente apresentava o número de 11,06 vigilantes, ou seja, abaixo do limiar contabilizado pelo júri para que fosse assegurada a prestação do serviço a contratar, o que implicava que, se a proposta fosse convertida em contrato, violaria o disposto no art.° 131.° do CT relativa mente à formação contínua obrigatória dos trabalhadores, em particular o n.° 2 daquele artigo.
5- Ao longo do procedimento e também dos presentes autos a Recorrente não rebateu os cálculos elaborados pelo júri e que permitiram sustentar a insuficiência dos meios humanos para a execução dos presentes autos.
6 - A execução deste contrato em específico, por força das funções executadas pelos vigilantes, não permite que a formação seja ministrada “on the job”, ou seja, durante o horário de trabalho, como sugeriu - e sugere - a Recorrente, pois o trabalhador ou está ao serviço ou em formação contínua e, neste último caso teria de ser substituído, o que não foi acautelado pela Recorrente.
7 - A formação promovida fora do horário de trabalho implica a necessidade de compensar o trabalhador, através do regime de trabalho suplementar, com o consequente aumento dos custos para a entidade patronal, algo que também não foi contemplado na nota justificativa do preço apresentado pela Recorrente.
8- A alegação da Recorrente de que a contratação de trabalhadores a termo pode diminuir o número de horas de formação não tem suporte factual nos presentes autos, nem a Recorrente fez prova dessa efectiva diminuição das exigências temporais de formação, seja na fase procedimental, seja, agora, na fase judicial.
9 - À situação objecto dos presentes autos, e porque se tratam [SIC] de trabalhadores afectos a serviço de vigilância, são aplicáveis as regras da transmissão de estabelecimento, nos termos da Lei n.° 18/2021, de 8 de Abril, que estende o regime jurídico aplicável à transmissão de empresa ou estabelecimento às situações de transmissão por adjudicação de fornecimento de serviços que se concretize por concurso público, ajuste directo ou qualquer outro meio, alterando o Código do Trabalho.
10 - Os contratos de trabalho celebrados pela actual prestadora do serviço objecto de contratação, a aqui Contra-interessadas [SCom02...], a transmitir, de acordo com as regras da transmissão do estabelecimento, nos termos da Lei n.° 18/2021, de 8 de Abril, correspondem a contratos por tempo indeterminado ou estão em vias de se converterem em contratos desse tipo, como a Contra-interessadas confessou na sua contestação, pelo que soçobra a argumentação da Recorrente de que, em abstracto, com contratos a termo poderia ter um custo menor com a formação profissional.
11-0 valor de €0,50/hora para formação, que resulta do valor indicado para custos de formação e estágio na proposta da Recorrente, além de não poder ser tomado de forma séria pelo Recorrido, enquanto entidade adjudicante, constitui mais uma prova de que a Recorrente não iria cumprir o n.° 2 do art.° 131.° do CT e a obrigatoriedade de promover a formação contínua dos seus trabalhadores, ou seja uma norma vinculativa do foro laborar, como esclareceu o Júri no seu Relatório Final, pelo que bem andou ao promover a exclusão da proposta com fundamento na al. f) do n.° 2 do art.° 70.° do CCP.
12 - As entidades adjudicantes, no âmbito dos respectivos procedimentos concursais, têm o dever legal de verificarem a suficiência do preço contratual das propostas apresentadas para cobrir todos os custos legalmente obrigatórios, e, consequentemente e caso tal não se verifique, têm o dever de determinar a exclusão das propostas que sejam insuficientes para suportar estes custos, com fundamento na al. f) do n.° 2 do art.° 70.° do CCP - (neste sentido, cfr. Acórdão do TCA-Norte, de 07-12-2022, tirado no processo 00972/22.4BEPRT).
13 - Nos termos do n.° 2 do art.° 1.°-A do CCP, resultante da revisão de 2017, adjudicantes têm o dever “(...) de assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laborai, ambiental e de igualdade de género, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional.”, o que impunha a exclusão da proposta da Recorrente, conforme o Recorrido Município procedeu.
14 - A proposta da Recorrente contempla uma previsão de margem de lucro de apenas €1.400,00 nos 24 meses de execução do contrato, como resulta da nota justificativa de preço, que está transcrita no ponto D) dos factos provados na sentença a quo e que não foi impugnado no recurso, e não superior a €8.000,00, como falsa e censuravelmente alega a Recorrente, o que é manifestamente insuficiente para assegurar os custos da formação profissional e da insuficiência de trabalhadores na proposta da Recorrente.
15- O valor de €8.911,02 que consta da proposta da Recorrente corresponde aos encargos com o contrato, pelo período de 24 meses, nos quais a Recorrente incluiu a sua margem de lucro de apenas €1.400,00.
16 - Da aplicação do CCP, em particular do disposto no n.° 2 do art.° 1 .°-A, aditado por força da transposição da Directiva Comunitária n.° 2014/204/EU, e do dever das entidades adjudicantes assegurarem que, na formação e na execução dos contratos públicos, os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental, conjugado com o Regime do Exercício da Actividade de Segurança Privada, aprovado pela Lei n.° 34/2013, de 16.05, que proíbe práticas comerciais desleais neste sector (cf. art.º 5.°-A), resulta que a análise do júri que tem por objecto os custos do contrato tem de se ater à proposta inerente ao contrato em concreto que irá ser celebrado e não a toda a estrutura económica e empresarial de cada concorrente, o que, aliás, tornaria inviável a actividade da Administração.
17 - Ao júri do procedimento, pelo menos neste concurso e atento o caderno de encargos, cumpria analisar propostas concretas e relativas a este procedimento de contratação e não a capacidade financeira, económica ou a estrutura de custos de cada um dos concorrentes, pelo que, em face do incumprimento das vinculações legais pela proposta, impunha-se a sua exclusão.
18 - Uma proposta com um preço que causaria prejuízo ao concorrente e inferior aos custos necessários a assegurar o cumprimento das obrigações legais decorrentes da execução do contrato, designadamente em matéria laborai, sempre seria considerada como uma proposta não séria e com um preço anormalmente baixo, à luz do disposto no n.° 2 do art.° 71 do CCP, o que implicaria a exclusão da proposta, nos termos da al. e) do n.° 2 do art.° 70.° do CCP.
19 - A Recorrente não fez prova da suficiência da sua proposta para assegurar os custos mínimos inerentes à formação profissional dos trabalhadores adstritos ao contrato a celebrar na sequência deste concurso, nem na fase do procedimento concursal, nem no decurso dos presentes autos.
20- O Recorrido Município teve, como tem, certeza objectiva na sua decisão de excluir a proposta da Recorrente, por esta desrespeitar obrigações legais, no caso em matéria laboral e a sentença a quo, ao ter mantido esta decisão de exclusão, não incorreu em erro de julgamento.
21 - A exclusão da proposta da Recorrente não decorreu “a pedido de outro concorrente", como de forma intolerável esta alega, mas decorreu da informação objectiva que constava do procedimento concursal e no qual todos os concorrentes puderam participar, em igualdade de circunstâncias, através da audiência prévia, da qual ressaltou a insuficiência da proposta da Recorrente para assegurar as obrigações inerentes à formação dos trabalhadores, pelo número insuficiente de elementos para assegurar a formação durante o horário de trabalho, ou por não contemplar os custos necessários à compensação dos trabalhadores por trabalho extraordinário, caso a formação fosse ministrada fora do horário laboral.
22-0 alegado vício de falta de fundamentação da decisão de exclusão da proposta já foi julgado improcedente na sentença a quo e, nesse segmento, transitou em julgado, pois não foi objecto de recurso por parte da Recorrente, não podendo esta, de forma encapotada, suscitar, de novo, esse vício sem o impugnar judicialmente.
23 - Após a notificação da intenção de exclusão da proposta, incumbia ao Recorrente demonstrar, a partir da sua proposta, que cumpria com as normas legais em vigor, designadamente no que se refere à suficiência da mesma para assegurar a formação profissional, o que jamais logrou fazer.
24 - A sentença a quo não padece de qualquer vício de errada interpretação do Direito, no que se refere à alegada inversão do ónus da prova, pois ao Recorrente não foi exigido algo que já não fosse imputável a qualquer outro particular que não se conforme com uma decisão da Administração.
25 - A sentença não padece de qualquer vício ou erro de julgamento, como alega, de forma infundada a Recorrente, não merecendo, por isso, censura, devendo manter-se na ordem jurídica.
Nestes termos e nos melhores de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, porque não provado, com as devidas consequências legais, mantendo-se a sentença a quo.
Assim decidindo, Vossas Excelências farão a habitual Justiça!»

Os vistos estão dispensados, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC.

II – Questão prévia: conclusões complexas
Os recorridos alegam a complexidade das conclusões, a qual, segundo eles, deveria determinar se procedesse nos termos do n.° 3 do art.° 639.° do CPC, sendo a Recorrente convidado a sintetizar as mesmas.
Considerando a natureza urgente do processo, que os conceitos mais ou menos indeterminados presentes na norma invocada remetem para o poder de gestão processual do Juiz nesta matéria e que as conclusões do recurso não deixam de ser claras o Tribunal passa a apreciar e a decidir o recurso desde já.

III - Delimitação do objecto dos recursos
Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações.

Posto isto:
III.1 - As questões em que se analisa o Recurso são as seguintes:

1ª Questão
A sentença recorrida erra no julgamento de direito ao confirmar a decisão do Júri, de excluir a proposta da Autora e ora Recorrente com fundamento na alª f) do nº 2 do artigo 70º do CCP e na consideração de que a proposta não contemplava o número de trabalhadores nem a verba necessária para, na execução do contrato adjudicando, ser cumprido, pela adjudicatária, o disposto nos artigos 131º nº 2 e 132º do Código do trabalho?

2ª Questão
A Mª Juiz a qua errou no julgamento de direito, também porque coloca sobre a recorrente, no procedimento, e sobre e Autora, na acção, o ónus da prova de que o custo da sua proposta é suficiente para cumprir com os custos da formação contínua?

III.2 Consequências do julgamento do recurso, para a sorte da Lide
No caso de o recurso proceder em virtude da resposta positiva a todas ou bastantes das questões que antecedem, haverá que extrair disso as consequências legais para todo o objecto da acção, em face do pedido.

IV - Apreciação do objecto do recurso
IV.1 – A decisão recorrida, em matéria de facto.
Destaca-se, para a apreciação do mérito dos recursos os seguintes excertos da decisão em matéria de facto:
«Com relevância para a boa decisão da causa, foram considerados provados os seguintes factos:
A) Mediante anúncio de procedimento com o n.° 21884/2023, de 21 de Dezembro, publicado na II Série do Diário da República de 21 de Dezembro de 2023, foi dada publicidade ao concurso público para a aquisição de serviços de portaria e vigilância para os Centros de Saúde do Município ... — cfr. fls. 26 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
B) Foi aprovado o Caderno de Encargos, do qual se extrai o seguinte:
Cláusulas 1ª. Objecto
1. O presente Caderno de Encargos compreende as cláusulas a incluir no contrato a celebrar na sequência do procedimento pré-contratual que tem por objecto principal a aquisição de serviços de Portaria e Vigilância.
2ª. Prazo do contrato
O contrato terá um prazo de dois anos ou até ser atingido o preço contratual, sem prejuízo das obrigações acessórias que devam perdurar para além da cessação do contrato.
(...)
4ª. Preço contratual
1. Pela prestação dos serviços objecto do contrato, bem como pelo cumprimento das demais obrigações constantes do presente caderno de encargos, a entidade adjudicante deve pagar ao prestador de serviços o preço mensal para cada espaço municipal que resulta dos preços/hora constantes da proposta adjudicada, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, se este for legalmente devido.
2. O preço referido no número anterior não pode, em qualquer caso, ser superior a € 504.000,00 no prazo máximo de vigência admitido (valor sem IVA).

5. Nota Justificativa do Preço proposto
1 - As propostas a apresentar pelos Concorrentes serão obrigatoriamente acompanhadas por uma Nota Justificativa do Preço proposto, que demonstre claramente que o valor proposto é suficiente para o cumprimento de todas as obrigações legais e impostas por este Caderno de Encargos, sem a qual a Proposta não será considerada.
2 - A Nota Justificativa do Preço proposto deverá incluir no mínimo os seguintes custos:
2.1 - Vencimentos
2.2 - Subsídio de Natal e Subsidio de Férias;
2.3 - Subsídio de Alimentação;
2.4 , Substituição nas férias;
2.5 - Contribuições para a Segurança Social;
2.6 - Máquinas, produtos e utensílios;
2.7 - Fardamentos;
2.8 — Medicina no Trabalho;
2.9 — Seguros de responsabilidade Civil;
2.10 - Seguros de Acidentes de Trabalho;
2.11 ~ Encargos Administrativos.
Os Concorrentes deverão ainda apresentar o Anexo “Mapa de Quantidades / Custos" devidamente preenchido.
(...)” — cfr. fls. 35 e seguintes do PA [numeração do PDF], cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

C) Foi aprovado o programa do procedimento — cfr. fls. 21 e seguintes do PA [numeração do PDF], cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
D) A Autora apresentou proposta ao concurso referido em A), tendo instruído a sua proposta, entre outros, com os seguintes documentos:
a. ANEXO I, Modelo de Proposta, da qual se extrai o seguinte:
[SCom01...], Lda., pessoa colectiva nº ...20, com sede na, Av. ... - Centro Comercial ... - L). 16, ... ..., depois de ter tomado conhecimento do objecto do contrato s concurso denominado “Concurso público de aquisição de serviços de portaria e vigilância para os Centros de Saúde do Município ...”, a que se refere o anúncio datado de 21 de Dezembro de 2023. obriga-se a executar o contrato a celebrar, em conformidade com o Caderno de Encargos da totalidade dos serviços a prestar, com renúncia a qualquer foro especial, pelo valor mensal de 15.742,00 € (quinze mil setecentos e quarenta e dois euros, sem inclusão do IVA), perfazendo o valor global de 377.808,10 € (trezentos e setenta e sete mil oitocentos e oito euros e dez cêntimos), sem inclusão do IVA), para os 24 meses do contrato.
Esta proposta é válida por 66 dias a contar da data limite para a sua entrega.
Mais declara que renuncia a foro especial e se submete, em tudo o que respeita a execução do seu contrato, ao que se achar prescrito na legislação portuguesa em vigor.
b. Nota Justificativa de Preço, da qual se extrai o seguinte:
NOTA JUSTIFICATIVA DE PREÇO - CP Centros Saúde do Município ...
jl - Elementos de cálculo
Ordenados Base de um Vigilante aplicável ao período864,96 €
Valor Hora Diurna (€)4,99 €ti!
Valor Hora Nocturna {€)6,24 €(0
Valor Hora Feriado Diurna ( € )9,98 €th]
Valor Hora Feriada Nocturna (€}12,48 €M
Valor dia do Subsidio de Alimentação {€)6,68 €
2 - PRESTAÇÃO DO SERVIÇO (12 meses) ■ SERVIÇO NORMAL
Horas Totais de Prestação do serviço42473tal
Na Floras diurnas42151
Na Horas nocturnaste)
Na Horas diurnas feriado312(])
N? Horas nocturnas feriado0
3 - Efectivo necessário
Horas Homem / mês173,33<b)
N* de Homens Necessários/ média mês10,2(c) =((a)/24meses)/(b)=0,4
N- de Homens Necessários para substituição nas férias/ média mês0,85cl) [(c) *173,33(n2 de horas de férias
por ano)*2(anos de prestação de serviço)] /24 meses= 147,5 horas por mês para as quais são necessários


147,5/173,33=0,85 vigilantes
Total de vigilantes necessários11,06c)+CJ|
■4 - Encargos/Més
Ordenado Base Homem / mês1009,12 €oftí V««+Mtl FéfiMMUb «•'-*
Taxa Social Ú nica239,67 C23,7596
Custo Remuneração + Encargos Sociais (TSU Normal)1 248,79 €(d)
Custo Total em Remunerações13 812,73 €(d) *11,6
Remuneração por Trabalho Nocturno (TSU Normal)0,00 €l[((f-g)*e)/24])+TSU
Feriados diurno (T5U Normal)80.28 €[(h)-(gí*j]/24meses)fTSU
Feriados nocturno (TSU Norma!)0,00 €[li)-(g)*kl/24mesesJ+TSU
Subsidio de Alimentação1 477,71 €(((a)/Bh turno]/24 meses] “6,68 €
I Total das remunerações do trabalho mensal15 370.71
5 -Encargos 1
Medicina do Trabalho e SST230,00 €
Máquinas, produtos, utensilio (como livros de relatórios, rádios, sistemas de800,00 €
picagem, telemóveis)
Custos de Estrutura e Administrativos Custos Financeiros1 360,00
Recrutamento130,00
Seguro de Acidentes de Trabalho Seguro de Responsabilidade Civil1 330,00 C
Absentismo Pago545,00 €
Outros custos relacionados com substituição em férias1 690,52
Formação e Estágio440,00
Uniformes, material e equipamentos técnicos, e outros custos985,50
Lucro1400,00 6
Total de encargos /lucro para 24 meses8911,02
6 -Total da proposta 1
Total Mensal da Proposta (24 meses)15 742,00 c
Total Global da Proposta377 808,10 C

c. Preços Unitários, do qual se extrai o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(Vide restante imagem a fs. 19 s sentença).
- Cfr. fls. 101 e seguintes do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

E) A 8 de Fevereiro de 2024, o júri do procedimento deliberou o seguinte:
“(…) Vide restante imagem na sentença. solicitar apresentação até as 17h do 3º dia útil a contar da data da notificação, dos esclarecimentos ou suprimentos previstos no artigo 72º do Código dos Contratos Públicos, na sua actual redacção, as propostas apresentadas pelos concorrentes, designadamente:
1 – [SCom03...] Lda:
(…)
2 – Restantes concorrentes
Porque se constatam discrepâncias entre os ordenados base de um vigilante apresentados pelas diversas concorrentes, requer-se que se digne prestar a justificação para o valor que foi apresentado aquando da submissão da proposta.”
- Cfr. fls. 281 do PA [numeração do PDF], cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

F) A Autora prestou os seguintes esclarecimentos:
“[SCom01...], Lda., pessoa colectiva nº ...20, com sede na, Av. ... - Centro Comercial ... - L. 16, ... ..., vem prestar esclarecimentos relativos ao ponto 2 do pedido de esclarecimentos por parte da entidade adjudicante, "Porque se constatam discrepâncias entre os ordenados base de um vigilante apresentados pelas diversas Concorrente, requer-se que se digne prestar a justificação para o valor que foi apresentado aquando da submissão da Proposta.".
1. O valor do ordenado base do vigilante apresentado pela [SCom01...] Lda., era o único conhecido à data da submissão da proposta.
2. Sendo que a data de decisão de contratar foi o dia 18/12/2023, e a data limite para submissão 21/01/2024.
3. Anexo o Boletim do Trabalho e Emprego (BTE) nº 7, referente ao ano 2023, como podem ver na página 180, no nível XIX, o valor do ordenado base para vigilante é de 864,96 €.
4. O Boletim para o ano 2024 foi apenas publicado no dia 29 de Janeiro de 2024, data essa que já havia passado o prazo de submissão das propostas, anexamos também o BTE de 2024 para que possam aferir a data.

G) A 28 de Março de 2024, foi elaborado o primeiro relatório preliminar, tendo a proposta da Autora ficado graduada em segundo lugar — cfr. fls. 299 e seguintes do PA [numeração PDF], cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

H) Na sequência do que, a Autora emitiu pronúncia em sede de audiência prévia — cfr. fls. 307 e ss do PA [numeração PDF], cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
I) A 2 de Maio de 2024, foi elaborado o segundo relatório preliminar, do qual se extrai o seguinte:
“5. PRONÚNCIA APRESENTADA
A Concorrente [SCom01...], Lda. apresentou uma pronúncia em sede de audiência prévia, tendo invocado, em suma, que a Concorrente [SCom02...] "além de só ter considerado na nota
justificativa 14 feriados, apresenta um total de horas que é 1637h inferior às horas que efectivamente vão ser prestadas durante o serviço", concluindo o seguinte: “Este valor, 8,94 €, multiplicado pelo n° de horas correcto, que são 42473h, dá um valor global de 379.708,62 €, valor este que é superior ao valor da proposta da [SCom01...], devendo ser esta concorrente colocada em 2° lugar e a [SCom01...] em 1º.
6. ANÁLISE DA AUDIÊNCIA PRÉVIA APRESENTADA PELA CONCORRENTE [SCom01...]
Tendo presente a alegação, em sede de audiência prévia, apresentada pela [SCom01...]. Lda. e apôs a reanálise das Propostas apresentadas, o Júri verificou que as Concorrentes apresentaram nas notas justificativas submetidas, diferentes horas totais para a prestação de serviços.
Atento esse facto, incumbe ao Júri esclarecer que o período contratual da prestação dos serviços terá início a 1 de Junho de 2024 e término a 30 de Junho de 2026, conforme o quadro.
DUFSDTotal dias
jul2304431
agos2115431
Set2104530
Out2313431
Nov2015430
2024Dez2134331
fan2214431
Fev2004423
Mar21fS531
Abril2034330
Maio2115431
jun1034530
jul23044:31
Ago2015531
Set2204430
Out2314331
Nov20;lj4530
2025Dez2034431
Jan2115431
Fev200442a
4a r2204531
Abr2133330
Mai2015531
2026uri1934A30
5022810199730
Face o exposto e nos termos do disposto nº 4 do artigo 72° do CCP, atento o facto de existirem erros evidentes na referida contabilização de horas, o Júri procede à rectificação dos erros de cálculo contidos nas Propostas, nos termos da disponibilidade que lhe é concedida pela Lei,
Pelo que, aplicando os valores unitários que cada Concorrente apresentou na respectiva Proposta e imputando os mesmos ao número de dias necessários à prestação de serviços, as Propostas dos Concorrentes consubstanciam os seguintes valores globais:
(...)
Assim, da aplicação do normativo legal, o Júri procedeu à rectificação, por simples cálculo aritmético, multiplicando o custo unitário hora pelo número de horas previsto no caderno de encargos, que culminou nos valores totais e mensais atrás mencionados.
Face à rectificação, o Júri procede à reordenação das Propostas constantes do 1° Relatório Preliminar

7. REORDENAÇÃO DAS PROPOSTAS ADMITIDAS:
O critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, segundo a modalidade monofactor, considerando o preço enquanto único aspecto da execução do contrato a celebrar, de acordo com o estipulado na alínea b) do n ° 1 do artigo 74° do CCP, na sua actual redacção. É adjudicada a proposta que apresente o valor mensal mais baixo.
ConcorrentesAtributos da PropostaAvaliação
Valor Mensal
(s/ 1VA)
Valor Total (sJIVA)
[SCom01...], Lda.15 719,03 €377 256,66 €
[SCom02...], Lda.15 802,33 €379 255,98 €2o
[SCom04...], S.A,18 047,03 €433 128,80 €

6. AUDIÊNCIA PRÉVIA:
Nos termos do artigo 147° do CCP, aprovado pelo Decreto-lei n.° 18/2009, de 29 de Janeiro, e alterado pelo Decreto-Lei n.° 111-5/2017 de 31 de Agosto, atenta a reordenação das Propostas, o júri irá proceder à nova audiência prévia escrita dos concorrentes, durante o período de 5 (cinco) dias úteis.

- Cfr. fls. 310 e ss do PA [numeração PDF], cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
J) A Contra-interessada [SCom02...], S.A. emitiu pronúncia em sede de audiência prévia, na sequência do que foi elaborado, a 22 de Maio de 2024, o terceiro relatório preliminar, do qual se extrai o seguinte:
“13. AUDIÊNCIA PRÉVIA:
Nos termos do artigo 147º do CCP, aprovado peio Decreto-lei n.º 18/2009, de 29 de Janeiro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017 de 31 de Agosto, atenta a reordenação das Propostas, o júri procedeu à nova audiência prévia escrita dos concorrentes, durante o período de 6 (cinco) dias úteis.
A Concorrente [SCom02...], Lda. apresentou uma pronúncia em sede de audiência prévia, tendo invocado que a Concorrente [SCom01...], Lda. “não contempla as 40 (quarenta) horas da formação”. Invoca ainda que, por esse motivo, "o valor declarado na proposta da Concorrente [SCom01...] assenta em cálculos errados, revelando-se o mesmo insuficiente para o cumprimento das obrigações decorrentes da legislação em matéria social e laboral, pelo que, por força do n° 2 do artigo 1°-A, conjugado com a alínea g) do n ° 4 do artigo 71° e do n.° 2 do mesmo artigo, ambos do CCP, se revela insuficiente para a prestação de serviços" e que "decorrente do supracitado e atento o disposto nas alíneas e), f) e g), do n.° 2 do Artigo 70º a proposta da Concorrente [SCom01...] deverá ser excluída."
14. ANÁLISE DA AUDIÊNCIA PRÉVIA APRESENTADA PELA CONCORRENTE [SCom02...]
Tendo presente a alegação, em sede de audiência prévia, apresentada pela [SCom02...], Lda. e tendo presente o teor do 2° Relatório Preliminar, o Júri elaborou o presente 3.° Relatório Preliminar, no qual propõe:
1. Excluir da Proposta a Concorrente [SCom01...]. Lda., por violar o disposto na alínea f) do n.° 2 do artigo 70° do CCP.
Face ao exposto, o Júri procede à reordenação das Propostas constantes do 2.° Relatório Preliminar.
15. REORDENAÇÃO DAS PROPOSTAS ADMITIDAS:
O critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, segundo a modalidade monofactor. considerando o preço enquanto único aspecto da execução do contrato a celebrar, de acordo com o estipulado na alínea b) do n.° 1 do artigo 74° do CCP, na sua actual redacção. É adjudicada a proposta que apresente o valor mensal mais baixo.
ConcorrentesAtributos da PropostaAvaliação
Valor Mensal (s/ IVA)Valor Total (s/ IVA)
[SCom02...], Lda.15 802,33 €379 255,98 €1."
[SCom04...] S.A.18 047,03 €433 128,80 €2.°

(...)” — cfr. fls. 317 e ss do PA [numeração PDF], cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

K) A Autora emitiu nova pronúncia em sede de audiência prévia, no seguimento do que foi elaborado, a 12 de Junho de 2024, o relatório final, do qual se extrai o seguinte:
“17. ANÁLISE DA AUDIÊNCIA PRÉVIA APRESENTADA PELA CONCORRENTE [SCom01...]
Tendo presente a alegação, em sede de audiência prévia, apresentada pela concorrente [SCom01...], Lda, sem prejuízo de se proceder, de seguida, à análise dos argumentos invocados pela concorrente, entende o Júri que a mesma viola o disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 70° do CCP.
Analisada novamente a Proposta da Concorrente [SCom01...], verifica-se que que a mesma não contabiliza o número de homens necessários para que seja ministrada a formação obrigatória.
Tal obrigação é decorrente da legislação laboral, nomeadamente do artigo 131° n.º 2 do Código do Trabalho, tendo cada trabalhador direito a quarenta (40) horas de formação, em cada ano civil.
Pelo que se verifica que, efectivamente seriam necessários 11,32 homens para assegurar a prestação de serviço, ao invés dos 11,06 apresentados na proposta da [SCom01...], atenta a análise dos cálculos apresentados na reclamação apresentada pela Concorrente [SCom02...] e que o Júri considera aqui correcto:
N.° horas totais apuradas (24 meses): ...94
N.° Horas/homem ano no cumprimento da legislação em vigor: 1871,90 horas homem/ano N.º vigilantes necessários: 11,32
E é evidente que a formação contínua não pode ser ministrada "on the job “, porquanto um trabalhador ou está em formação ou esta ao serviço: se está em formação tem de ser substituído e, se está ao serviço, não está em formação.
Sendo certo que não pode também proceder o fundamento da Concorrente [SCom01...] quanto ao facto de a formação ser ministrada fora de horário de trabalho e em sintonia com os interesses dos trabalhadores, pelo que não há necessidade da sua substituição.
Se a formação for ministrada fora do horário de trabalho, ainda que não haja necessidade da sua substituição, o trabalhador tem de ser compensado.
É que ainda que não resulte da legislação laboral qualquer proibição para a realização de formação fora do horário do trabalho ou mesmo em dia de descanso, há que notar que se assim ocorrer deve ser convocado o regime de trabalho suplementar i) se a formação ocorrer fora do horário de trabalho em duas horas e; ii) se prestado em dia de descanso semanal. Pelo que, em suma, aumentam, assim, os custos da entidade patronal para que possa ministrar a formação profissional fora do horário de trabalho.
Se por um lado, temos que a Concorrente [SCom01...] indica que não existe necessidade de indicar mais homens, na nota Justificativa de preço, pelo facto de a formação ser ministrada fora do horário de trabalho, por outro lado e se assim for, aumentam os encargos, nomeadamente com o pagamento de trabalho suplementar que a mesma também não contempla na referida nota.
Refere, também, a Concorrente [SCom01...], na audiência prévia apresentada que existe falta de fundamentação no 3.° Relatório Preliminar.
Dispõe o n.º 2 do art 1°-A do CCP que: “As entidades adjudicantes devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laborai, ambiental e de igualdade de género, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional”.
Ou seja, sobre as Entidades Adjudicantes recai o dever de controlo, não apenas na fase de execução do contrato, mas também numa fase pré-contratual da “formação dos contratos públicos”.
Pelo que, nos termos do disposto no n.° 1 do artº 70° do CCP, "As propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados petos factores e subfactores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições",
E nos termos da alínea f) do n," 2 do mesmo preceito legal, são excluídas as propostas cuja análise revele que “o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis".
Atendendo â exposição que foi apresentada pela Concorrente [SCom02...] e analisadas novamente as Propostas apresentadas e as notas justificativas do preço, o Júri formou a sua convicção de que a Concorrente [SCom01...] não irá cumprir, nos termos previstas pela legislação em vigor, a ministração da formação obrigatória aos seus trabalhadores, porquanto, o número de homens constante da nota não se demonstra suficiente para esse efeito. Pelo que, em algum momento da fase de execução do contrato, o mesmo não será cumprido.
Pois, como já se referiu, sendo a formação ministrada fora do horário de trabalho, acarreta outro tipo de custos, nomeadamente a título de trabalho suplementar que a Concorrente também não previu, nem referiu como irá satisfazer o pagamento.
Tudo fazendo crer que, de facto, as vinculações legais não serão cumpridas, violando, assim, o disposto na legislação e que apenas pode culminar na exclusão da Concorrente.
Veja-se, inclusive, o seguinte.
Ainda que o Júri solicitasse a rectificação da Proposta da Concorrente [SCom01...], na qual esta teria de incluir o número de vigilantes necessários à prestação de serviços - o que a Concorrente não acolhe como sua pretensão, atentos os fundamentos que expõe em sede de audiência prévia - as evidências conduzem o Júri a concluir que a Proposta de Preço rectificada, iria traduzir-se numa rectificação cujo preço ficaria acima do preço apresentado pela Concorrente [SCom02...].
Concretizando,
Para o referido número de vigilantes necessários à prestação de serviços, o custo mensal apenas para as remunerações é de € 14.136,30 (catorze mil, cento e trinta e seis euros e trinta cêntimos).
Se a este valor adicionarmos as rubricas constantes da nota justificativa que a [SCom01...] apresenta, a titulo de pagamento de feriados, subsidio de alimentação e outros encargos, temos o seguinte:
Feriado (valor constante da NJP da Concorrente [SCom01...]) - € 80,28/mês
Subsidio de alimentação (valor constante da NJP da Concorrente [SCom01...]) - € 1,477,71/mês
Encargos (valor constante da NJP da Concorrente [SCom01...]) - € 371,29/mês
Assim, efectuado o cômputo das rubricas, o valor mensal da proposta da [SCom01...] sempre ascenderá a € 16 065,58/mês.
O que equivale a que o preço apresentado fosse superior ao da Concorrente ordenada em primeiro lugar,
Pelo que, atendendo ao facto de a Concorrente [SCom01...] não contemplar o número de vigilantes suficientes para a prestação de serviços, é motivo suficiente para que o Júri determine a sua exclusão, atento tudo quanto se expôs anteriormente.
Assim, o Júri mantém a deliberação de exclusão da Proposta da Concorrente [SCom01...]. Lda., por violar o disposto na alínea f) do n.° 2 do artigo 70° do CCP, mantendo a ordenação constante do 3.“ Relatório Preliminar:
ConcorrentesAtributos da PropostaAvaliação
Valor Mensal (s / IVA)Valor Total (s/ IVA)
[SCom02...], Lda.,15 802,33 €379 255,98 €1.®
[SCom04...] S.A.18 047,03 €433 128,80 €2.“

(…)”
(...)” — cfr. fls. 337 e ss do PA [numeração PDF], cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
L) Mediante despacho de 14 de Junho de 2024, foi o relatório final homologado e, por conseguinte, excluída a proposta da Autora e adjudicada a proposta da Contra-interessada - cfr. fls. 381 do PA [numeração PDF], cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
*
Nãos se provaram outros factos com relevância para a boa decisão da causa.»

IV.2 - Posto isto, enfrentemos as questões acima expostas.

1ª Questão
A sentença recorrida erra no julgamento de direito ao confirmar a decisão do Júri, de excluir a proposta da Autora e ora Recorrente com fundamento na alª f) do nº 2 do artigo 70º do CCP e na consideração de que a proposta não contemplava o número de trabalhadores nem a verba necessária para, na execução do contrato adjudicando, ser cumprido, pela adjudicatária, o disposto nos artigos 131º nº 2 e 132º do Código do trabalho?

Em síntese, poderá dizer-se que a Recorrente alega, em ordem à resposta positiva a esta questão, que, ainda que se aceite uma mudança de paradigma na aplicação da alínea f) sobredita, implicada na alteração legislativa constituída pela introdução do artigo 1º-A do CCP pelo DL nº 111-B/2017 de 31/8 e seu reforço pelas alterações ao artigo 71º do mesmo diploma operadas pela Lei Nº 30/2021 de 21 de Maio, nem por isso resultava dos termos da proposta que a mesma implicaria a violação, pelo contrato a celebrar, designadamente na sua execução, de quaisquer vinculações legais, designadamente, as obrigações do empregador, decorrentes do disposto nos artigos 131º nº 2 e 132º do Código do trabalho, por isso que o exercício concreto deste dever dependia de múltiplos factores que a proposta não determinava – nem tinha que determinar, pois não era exigidos pelo programa do concurso, uns, e porque não eram determináveis a priori, outros: tudo isto no pressuposto de que não deixou de ser necessária, mesmo segundo a jurisprudência e na doutrina mais recentes, uma certeza prática de que o contrato, com o conteúdo delineado nos termos da proposta, redundará numa violação daquelas vinculações legais ou regulamentares, de ordem social laboral ou ambiental.
Adiantamos desde já que julgamos assistir razão à Recorrente.
Porém, antes de expormos e desenvolvermos a nossa concordância com o essencial daquela síntese argumentativa, e posto que Juris novit curia, cumpre-nos dizer que, sem embargo, se nos afigura à partida indevida a invocação da alínea f) do nº 2 do artigo 72º do CCP como fundamento da exclusão de uma proposta que se revele incompatível com o cumprimento de vinculações legais em matéria ambiental social e laboral, como seria, segundo o Júri e a sentença recorrida, o presenta caso.
Na verdade, se a alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP contempla a exclusão da proposta “cuja análise revele (…) que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis”; mas uma outra alínea do mesmo número – a alª e) – prevê a exclusão da proposta “cuja análise revele (…) um preço ou custo anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do disposto no artigo seguinte; se, o nº 2 do “artigo seguinte”, o 71º, dispõe que “mesmo na ausência de definição no convite ou no programa do procedimento, o preço ou custo de uma proposta pode ser considerado anormalmente baixo, por decisão devidamente fundamentada do órgão competente para a decisão de contratar, designadamente por se revelar insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental, social e laboral”; e se o elemento sistemático da interpretação das normas nos impõe considerar que as nomas diversas, de igual hierarquia, de um mesmo sistema, não conflituam entre si, dispondo de modo diverso sobre o mesmo objecto, antes se conjugam coerentemente – pelo que a norma especial derroga a geral – então, quando o fundamento para a exclusão de uma proposta for o facto de os seus termos revelarem que o seu preço ou custo é insuficiente para o cumprimento daquelas especiais obrigações do empregador na execução do contrato, a alínea do nº 2 do artigo 70º do CCP que, nesse caso, deve ser invocada é, não a f) mas a alª e), melhor, a conjugação desta com o citado nº 2 do artigo 71º.
Em suma, com as inovações legislativas verificadas e melhor descritas na sentença recorrida, a disposição da alínea f) do nº 2 do artigo 72º do CCP passa a referir-se apenas a outras quaisquer violações de vinculações legais e regulamentares que não as violações de da lei laboral social ambiental reveladas pela insuficiência, para o seu cumprimento, do preço ou custo constantes da proposta, porque para estes casos existe a previsão específica constituída pela conjugação da alª e) daquele mesmo número com o nº 2 do artigo 71º.
Como já adiantámos, sem embargo da diferença no enquadramento normativo, julgamos que assiste razão à Recorrente no que alega em ordem à resposta afirmativa à questão acima enunciada.
Na verdade, o que, quer o teor da nº 2 do artigo 1º - A, quer o teor da alª f), quer o teor da alª e) do no 2 do artigo 70º do CCP, quer o teor do nº 2 do artigo 71º do CCP revelam é que o que o Legislador pretende da entidade adjudicante para os efeitos de esta cumprir com aquela primeira norma, não é que ela exerça uma fiscalização, “extracontratual” – hoc sensu – indo para além do objecto da proposta, no sentido de fazer um prognóstico sobre se o concorrente poderá, na sua individual circunstância, executar o contrato em respeito pelas vinculações legais em matéria ambiental, social e laboral, mas sim e apenas que verifique, em face do teor da proposta, se a mesma revela, em si mesma e em abstracto, como necessidade lógica ou prática, que tal violação já é implicada ou revelada nos termos da proposta.
Tal é o que decorre cristalinamente do emprego do sujeito indeterminado “se” e do predicado “revelar” na expressão “por se revelar insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental, social e laboral”. Quer dizer, requer-se que os termos da proposta revelem objectivamente, em si mesmos, aquela insuficiência, sem necessidade de investigação e consideração de outros factos e circunstâncias subjectivas ou objectivas exteriores ao objecto imediato da proposta.
Depois, se do que se trata é de conhecer uma insuficiência objectiva do preço ou de custos da proposta, tão pouco pode haver lugar a juízos de valor, insusceptíveis, que são, de uma demonstração lógica ou mesmo meramente prática.
Ao uníssono da doutrina invocada pela Recorrente, se bem que referido à sobredita alª f), pode ajuntar-se a 6ª edição de “Direito dos Contratos Públicos” de Pedro Costa Gonçalves, de Novembro de 2023 Ed. Almedina, 2023., isto é, bem depois de serenarem as águas da doutrina e da jurisprudência, agitadas pelas sobreditas inovações legislativas, que, laborando, embora, também, no pressuposto da aplicação alínea f) do nº 2 do artigo 70º, reza assim, a páginas 791:
A Exclusão da proposta com fundamento na alínea f) do nº 2 do artigo 70º não deve basear-se numa conjectura sobre a mera possibilidade de o contrato a celebrar vir a implicar a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis. Entre outros, o propósito da lei consiste em afastar as propostas que, em caso de adjudicação, vão envolver práticas do designado anti-dumping social. Mas a proposta não deve ser excluída apenas com apoio na prognose de uma possibilidade de vir a ocorrer uma violação, devendo antes exigir-se uma demonstração segura e cabal de que a execução do contrato nos termos da proposta iria implicar uma violação de vinculações legais ou regulamentares.”
Ora, in casu, o caderno de encargos do procedimento exigia que a proposta integrasse uma nota justificativa do preço proposto que demonstrasse claramente que o valor proposto era “suficiente para o cumprimento de todas as obrigações legais” e impostas pelo próprio Caderno de Encargos, discriminando “no mínimo” determinados custos”, de entre os quais, os relevantes em matéria laboral eram os custos com vencimentos e outras remunerações, com as contribuições para a segurança social, com fardamento, com medicina no trabalho e com seguros de acidentes de trabalho;
A nota justificativa de preços não tinha, portanto, que ser integrada por uma previsão de custos com formação profissional. Tão pouco tinha que ser integrada, a nota justificativa, por uma menção expressa da quantidade de vigilantes a contratar ou empregar efectivamente.
Veja-se, supra, o facto provado B).
A formação contínua, tal como é concebida e regulada nos artigos 131º a 134º do Código do Trabalho (CT) não tem custos legais pré-definidos, nem por trabalhador, nem por tema, nem por espécies de empresas. Pode ser ministrada pelo empregador ou por terceiro acreditado e ser antecipada ou diferida por dois anos, desde que o empregador assegure a formação em cada a ano a pelo menos 10% de todos os trabalhadores. Além disso, as horas obrigatória de formação - 40 por ano ou as proporcionais ao tempo do contrato, no caso do contrato a termo – podem ser utilizadas pelo estudante trabalhador (cf. todo o artigo 132º).
Enfim, são tantas as variáveis, que de modo nenhum era possível concluir, de uma qualquer proposta cuja nota justificativa do preço formulada em conformidade com o mínimo exigido pelo caderno de encargos, a certeza de que o contrato a celebrar, necessariamente, não cumpriria as exigências legais em matéria de formação continua, apesar de a nota justificativa do preço da Recorrente incluir uma verba concreta e aparentemente reduzida para a formação contínua.
Com efeito, os trabalhadores a contratar ou empregar – que, note-se, não podiam ser em números centesimais, como parecem dar de barato os Recorridos, mas apenas “unidades de trabalhador” – poderiam ser ou não estudantes trabalhadores, serem ou estarem, todos ou alguns, contratados a termo ou sem termo, ter ou não ter acumulado formação contínua antecipada para dois anos – sendo certo que dois anos era precisamente o tempo previsto para a vigência e a execução do contrato – podia, o empregador, ainda, adiar por dois anos, quanto a alguns ou todos os trabalhadores envolvidos na execução deste contrato, a formação contínua, ministrando-a ou facultando-a, sem embargo, a uma percentagem de 10 % de todos os seus trabalhadores escolhida apenas em trabalhadores não envolvidos na execução do contrato adjudicando…
Em suma, ante tantas variáveis que a proposta não discriminava, nem tinha que discriminar, não era nem é possível sustentar racionalmente que a proposta da Recorrente, quer pela média mensal ou total do número de trabalhadores previstos, quer pela verba em concreto destinada a formação continua dos mesmos, “implicava” – cf. alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP – ou melhor “revelava” – Cf. alínea e) d nº 2 do artigo 70º e nº 2 do artigo 71º do mesmo diploma – que o contrato violaria as leis laborais.
Mal andaram, portanto, o Júri e a Mª Juiz a qua, quando julgaram ser de bom direito a exclusão da proposta da Recorrente com tal fundamento.
Portanto, é positiva, a reposta a esta questão.

2ª Questão
A Mª Juiz a qua errou no julgamento de direito, também porque coloca sobre a recorrente, no procedimento, e sobre e Autora, na acção, o ónus da prova de que o custo da sua proposta é suficiente para cumprir com os custos da formação contínua?

A Recorrente não concretiza o Direito que teria sido violado pela sentença recorrida, mas indica a página 27 da sentença como o ponto da mesma em que se “decidiu inverter o ónus da prova” contra o concorrente (cf. parágrafo 78 do corpo das alegações).
O excerto em causa só pode ser o seguinte:
“O mesmo se aplica nos casos em que uma proposta é excluída pela entidade adjudicante, que considerou o preço insuficiente para satisfação dos custos mínimos com a execução do contrato e, nessa medida, excluiu uma proposta com fundamento nas alíneas e) e f), do n.° 2, do Artigo 70.° do CCP. Isto é, o concorrente excluído com estes fundamentos e pretenda reagir contra o acto de exclusão, terá de demonstrar que, de facto, a sua proposta é suficiente para cobrir os custos mínimos com a execução do contrato, não sendo suficiente considerandos amplamente genéricos ou meramente conclusivos”
Não podemos sufragar esta entendimento, quer se esteja a laborar no pressuposto de se aplicar a alº f), quer no de se aplicar a alª e) do artigo 70º do CCP, em conjugação como o citado nº 2 do artigo 71º.
Na verdade, é da Administração o ónus da prova dos factos pressuposto do acto aqui impugnado. Esta é uma evidência que se colhe, quer sob o prisma do disposto naquelas específicas normas, quer do ponto de vista do direito probatório geral: do ponto de vista daquelas normas especificas, porque nem o artigo 70º nºs 1 e 2 e suas alíneas e) e f) nem o nº 2 do artigo 71º dispõem, tácita ou expressamente, que o pressuposto de facto do acto administrativo de exclusão da proposta consista em não ter logrado, o concorrente, demonstrar o que quer que seja, mas sim e apenas em revelarem, objectivamente, os termos da proposta, que a mesma propõe um preço ou custo que implicará que o contrato ou a sua execução violarão vinculações legais; do ponto de vista do regime geral do ónus da prova, porque, segundo decorre do artigo 342º nº 1 do CC, a Autora não tem o ónus de alegar e provar o facto negativo, a falsidade, dos factos pressupostos do acto impugnado bastando-lhe, quanto a estes, opor “contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos” (artigo 346º do CC). Dela é, sim, o ónus de alegar e provar factos de que decorra não ter a Administração feito prova, no procedimento, como devia, dos pressupostos de facto do seu acto administrativo e ou de factos impeditivos do direito invocado pelo autor do acto, isto é, factos impeditivos da validade do acto (cf. artigo 342º nº 2 do CC) .
Não se diga que o que decorre precisamente do artº 342º nº 1 do CC é que impende sobre o Autor, impugnante do acto administrativo, o ónus de alegar e provar a inexistência dos factos pressuposto do acto impugnado, por isso que essa inexistência é que é constitutiva do seu direito a obter a anulação do acto. Na verdade, e desde logo, se é dever procedimental do Autor do acto reunir e assegurar-se da veracidade de todos os pressupostos de facto do acto – dever decorrente dos princípio da justiça (artigo 8º), da boa fé (artigo 10ª) e do inquisitório (artigo 58º, todos do CPA), então, para sustentar a invalidade do acto basta ao interessado arguir que essa prova não foi feita, seja criticando, sem mais, o juízo probatório, seja alegando e provando, se necessário, os factos de que a insuficiência da prova decorra. Depois ultrapassado, que está, o postulado da presunção de legalidade do acto administrativo, impõe-se ter presente a especificidade das acções de impugnação de actos administrativos, no sentido em que nelas se dá como que uma inversão prática da posição das partes, pois o Autor surge como quem contesta os factos pressupostos e invocados pelo Autor do Acto na respectiva fundamentação e este sustentando o seu “direito” a ter praticado acto, como se Autor fosse numa acção em que pedisse o reconhecimento disso. Esta peculiaridade não exige uma inversão ou uma derrogação das regras gerais sobre o ónus da prova, mas recomenda especial rigor conceptual na sua aplicação.
«Assim, quando o impugnante alegue o não preenchimento dos pressupostos do acto, deve recair sobre a Administração o ónus material da prova: é a consequência natural da recusa de uma presunção em juízo do preenchimento dos pressupostos nos quais se baseia o acto.
Quando, pelo contrário, o impugnante alegue a ocorrência de factos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão administrativa consubstanciada no acto impugnado, é justo que sobre ele recaia o ónus da prova…» Cfr. Mário Aroso de Almeida, in Teoria Geral do Direito Administrativo: temas nucleares, Almedina, 2012, pág.184.
No nosso caso, a Autora e recorrente apenas impugnou, de jure, a ilação de facto, invocada pelo júri com base em factos cuja prova não vem posta em crise, de que os termos da proposta permitiam concluir que o contrato ou a sua execução implicariam a violação das leis laborais, designadamente quanto ao direito dos trabalhadores à formação contínua. Portanto, quem tinha o ónus de invocar, no procedimento, e alegar, na acção, os factos de que se tivesse de concluir pela insuficiência do preço da proposta para se cumprir com as leis laborais em matéria de formação contínua, eram o autor do acto impugnado, i.e., o Recorrido Município, e a Recorrida Contra-interessada, beneficiária do mesmo acto. Em contrapartida, não impendia sobre a Autora, ora Recorrente, qualquer ónus de provar que o preço ou os custos da proposta permitiam efectivamente cumprir com aquela legislação laboral. Para uma visão holística do estado actual da questão da repartição do ónus da prova nas acções de impugnação de actos administrativos pode ver-se o ac. deste TCAN de 30/09/2022 tirado no processo 00125/20.6BEMDL, relatado pela – actualmente - Juiz Conselheira Helena Ribeiro.
Pelo exposto, também é positiva a resposta a esta segunda questão.


IV – Consequências da procedência do recurso para a sorte da Lide
Como oportunamente se disse, no caso de o recurso proceder em virtude da resposta positiva a todas ou bastantes das questões cuja discussão antecede, haveria que extrair disso as consequências legais para todo o objecto da acção, em face do pedido.
Vem pedida anulação da decisão de adjudicação do contrato à CI [SCom02...] e a condenação do Município Demandado a admitir e ordenar em primeiro lugar a proposta da recorrente e a adjudica-lhe o contrato objecto do procedimento.
Quanto à anulação, essa, haverá de ser determinada em toda a medida em que o acto relevar dos vícios ora reconhecidos.
Quanto ao mais peticionado:
Conforme resulta da matéria de facto assente, o critério de graduação e de adjudicação era constituído pela proposta economicamente mais vantajosa, segundo a modalidade monofactor, considerando o preço enquanto único aspecto do contrato a submeter à concorrência.
Na sequência da primeira pronúncia prévia apresentada pela ora Autora, o júri elaborou e comunicou segundo relatório preliminar em que rectificou por cálculo aritmética, os preços mensais de cada proposta O Júri invocou, para o efeito, a permissão legal contida no nº 4 do artigo 72º do CCP. reordenou estas em função desses valores corrigidos e graduou a ora Recorrente em primeiro lugar, na base de um preço mensal de 15 719,03 €, seguindo-se a CI na base de um preço mensal de 15 802,33 € e a concorrente [SCom04...], na base de um preço mensal de 18 047,03 €.
Na sequência de nova audiência prévia, o Júri, desta feita secundando pronúncia CI [SCom02...], excluiu a proposta da Autora e, mantendo o resultado das correcções que fizera ao preço mensal das propostas não excluídas, graduou as mesmas (a concorrente [SCom02...] em primeiro lugar, seguindo-se a proposta da concorrente “[SCom04...]”).
Foi este relatório final que o acto impugnando homologou. Ora:
Nada se mostra obstar, in casu, à anulação meramente parcial do acto impugnado, pelo que o mesmo haverá de ir anulado apenas na parte em que excluiu a proposta da Autora, graduou as propostas não excluídas e adjudicou o contrato à Contra-interessada [SCom02...]. Assim, julgamos que, do acto em crise, se mantém e consolidou na ordem jurídica a parte que procede à requantificação do preço mensal da proposta da CI [SCom02...] e da concorrente [SCom04...]. Contudo, não temos um preço certo, recalculado ou confirmado ou corrigido por acto administrativo externo, da proposta da Autora, pois o relatório preliminar em que tal correcção foi feita pelo júri não passou disso mesmo e o assunto não foi retomado pelo relatório final, único homologado, por isso mesmo que a preposta da Autora quedava excluída, o que prejudicava a rectificação de um seu qualquer preço mensal.
Sucede que uma definição vinculativa de um valor do preço mensal da proposta, diferente do constante do teor literal da mesma, não só é, em abstracto, uma atribuição exclusiva da entidade adjudicante, promotora do procedimento administrativo, a exercer neste, segundo o princípio da separação de poderes, como se mostra uma tarefa especializada, eminentemente técnica, não replicável por outrem que não o órgão colegial, composto por pessoas tecnicamente habilitadas, que é o júri.
Assim sendo, não estão reunidas condições para em juízo e desde já se concluir serem vinculativa uma determinada graduação das propostas e a consequente adjudicação, ou uma condenação da entidade demandada à adjudicação do contrato a um dos concorrentes ainda na lide, designadamente à aqui Autora e Recorrente.
Apenas se pode e deve, nos termos do nº 5 do artigo 85º do CPTA, explicitar as vinculações que, sem embargo, já decorram da procedência parcial da acção, as quais in casu se reconduzem a um retomar do procedimento pré-contratual com a elaboração, pelo júri, de um novo relatório preliminar, tendo por pressuposto que o acto impugnado se consolidou na parte relativa à admissão das propostas das concorrentes [SCom02...] e [SCom04...] e à re-contabilização dos valores dos respectivos preços mensais e tendo exclusivamente por objecto a quantificação do preço mensal da proposta da Autora e recorrente e a sua graduação em função do preço mensal achado, bem como a adjudicação do contrato à concorrente titular da proposta graduada em primeiro lugar.

V – Conclusão
Ante tudo o exposto, impõe-se concluir que há que conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a sentença recorrida e julgar parcialmente procedente a acção, anulando-se o acto impugnado em toda a dimensão em que excluiu a proposta da Autora, graduou as propostas das restantes concorrentes admitidas e determinou a adjudicação do contrato à Contra Interessada [SCom02...]; e condenando o Município ... a retomar o procedimento de contratação pública com a elaboração, pelo Júri, de novo relatório preliminar exclusivamente com o objecto da quantificação do valor do preço mensal da proposta da Autora e a sua graduação em função deste, bem como a indigitação da adjudicação do contrato à concorrente titular da proposta dessa feita graduada em primeiro lugar, seguindo-se os subsequentes termos legais até ao acto final de adjudicação se a tal, entretanto, nada mais obstar.

VI - Custas
Atentas as procedências parciais do recurso e da acção, as custas hão-de ficar a cargo de ambas as partes, nas proporções dos decaimentos numa e noutra, (artigo 527º do CPC), que se fixam em 80% para Município demandado e Contra-interessada, por um lado, e em 20% para a Autora, por outro, tanto no recurso como na acção.
VII - Dispositivo
Assim, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso e em julgar parcialmente procedente a acção, anulando parcialmente o acto impugnado e condenando a entidade demanda aa retomar o procedimento de contratação no ponto, nos termos e com o objecto acabados de definir.
Custas: por ambas as partes, em ambas as instâncias, nos termos também acima definidos.
Porto, 7/2/2025

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Maria Clara Alves Ambrósio
Ricardo Jorge Pinho Mourinho de Oliveira e Sousa