Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00579/11.1BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2025
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:PAULA MOURA TEIXEIRA
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA:
EXCESSO DE PRONÚNCIA;
CLÁUSULA GERAL ANTI-ABUSO, CGAA, PRESSUPOSTOS;
Sumário:
Cabe à AT, nos termos conjugados do n.º 2 do art.º 38.º da LGT e n.º9 do art.º 63.º do CPPT, nos casos de aplicação da CGAA, descrever o negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado e da sua verdadeira substância económica; indicar elementos que demonstrem que a celebração do negócio ou prática do ato tiveram como fim único ou determinante evitar a tributação que seria devida em caso de negócio ou ato de substância económica equivalente; e, descrever os negócios ou atos de substância económica equivalente aos efetivamente celebrados ou praticados e das normas de incidência que se lhes aplicam.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
Os Recorrentes, AUTORIDADE TRIBUTÁRIA ADUANEIRA, e «AA» E «BB», contribuintes n.º ...16 e ...24, respetivamente, e com demais sinais dos autos, inconformados, vieram interpor recursos jurisdicionais da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Viseu, que julgou parcialmente procedente a ação administrativa, versando sobre contencioso autónomo da autorização da aplicação da cláusula geral anti abuso (CGAA).

A. DO RECURSO DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA ADUANEIRA
A Recorrente não se conformando com a decisão interpôs recurso com as seguintes conclusões:
“(…)
A. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que concedeu provimento à acção à margem referenciado, na parte em que a julgou procedente quanto ao vício de violação de lei decorrente da não comprovação de actos artificiosos, resultando prejudicada a análise dos demais requisitos da aplicação da CGAA.
B. Sucede que, salvo outro e melhor entendimento, a decisão ora em crise enferma de erro de julgamento por excesso de pronúncia quanto à matéria de facto, uma vez que afastando-se da factualidade provada constrói uma convicção relativamente às motivações subjacentes à transformação social que não obedece a critérios racionais, lógicos e objectivos porquanto se sustenta em interpretações da jurisprudência que não tem a mesma base probatória.
C. Padecendo também a douta decisão de um erro de direito, quando sufraga o entendimento de que mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais, não pode deixar de se aceitar fiscalmente.
D. Resultando “ Dos autos resultam indícios de que, aquando do aumento e transformação (…), havia já o intuito de venda das acções, dada a proximidade temporal de cerca de dois meses” e pese embora esta circunstância, entende o Tribunal a quo que a funcionalização da transformação social, relativamente à intenção de venda das participações sociais, pudesse coexistir com um: “verdadeiro interesse societário”, que não se revela à luz da factualidade provada, não tendo sequer sido alegado pelas partes.
E. Considerando o Tribunal a quo que: “ (…) neste caso se podia cogitar que os Sócios melhor poderiam explicar a mencionada ideia: “… melhor rentabilizar a sua gestão de acordo com a estratégia empresarial pretendida…”, ou seja é este que salienta o facto de os Autores não lograram demonstrar a motivação que em concreto, alegaram no relatório para a transformação social, pelo que e face à ausência de prova o Tribunal só poderia ter concluído que a transformação foi funcionalizada, tendo como intenção principal evitar a tributação da operação de alienação de participações sociais.
F. Não pode o Tribunal a quo considerar a existência de um “eventual” interesse económico dos Autores e/ou dos outros adquirentes, na transformação social, o qual não foi apurado no probatório, e contende com a falta de demonstração da motivação que ele próprio reconhece existir, face à falta de explicação da ideia de: “melhor rentabilizar a sua gestão de acordo com a estratégia empresarial pretendida”.
G.Mais extravasa o Tribunal o âmbito dos seus poderes relativamente à matéria de facto quando considera que a transformação societária foi funcionalizada, “por válidas razões, não comunicadas”, facto este que não se revela à luz da factualidade provada, nem sequer foi alegado pelas partes, sendo uma dedução que o Tribunal a quo faz da jurisprudência que invoca, mas com a qual a situação dos autos não tem similitude.
H. Ou seja, face à factualidade alegada pelas partes e à prova que foi efectuada, o Tribunal a quo, não poderia ter considerado como provado a existência de um “interesse societário, entenda-se económico”, na transformação social, uma vez que esta se encontra numa sequência de actos que não podem ser analisados separadamente
. I. Ou seja, face à factualidade apurada, o Tribunal a quo só poderia ter concluído que a alienação das participações sociais tanto ocorreria quer fossem quotas, quer fossem acções, no entanto sem recurso à artificiosa estrutura utilizada, os Autores sabiam que não beneficiariam da exclusão de tributação, e se assim é razoável o critério utilizado pelo Tribunal quando na ponderação entre o intuito fiscal e um presumível “interesse societário”, não demonstrado, decide considerando julgando inverificado o “meio artificioso”.
J. Ao construir um juízo conclusivo, meramente indiciário, o Tribunal a quo afasta-se de um critério lógico e razoável assente nos factos para aferir da juridicidade dos actos isoladamente considerado.
K. Assim, pese embora da factualidade provada não resulte demonstrada qualquer racionalidade económica, na transformação da sociedade por quotas em anónima, a douta decisão face a uma interpretação que faz do Ac. do TCA N. n.º 01188/11.0 BEPRT, de 28-09-2017 conclui, de forma “meramente indiciária” que “não é totalmente de excluir a existência de algum interesse societário, entenda-se económico”.
L. Ou seja, afasta-se da factualidade provada para construir uma convicção que se configura como um erro de julgamento da matéria de facto, ocorrendo um excesso de pronúncia, pois atinente com uma valoração da motivação da transformação social que extravasa a prova produzida, ao contrário do que se passa no Acórdão que sustenta a sua convicção.
M. Porquanto a transformação da sociedade pode constituir um acto normal da vida da sociedade justificável em função de razões económicas, no entanto, não se provando esta motivação “normal”, o acto de transformação constituirá um acto anómalo, artificioso, dirigido apenas, a posteriori, escapar à tributação legalmente devida.
N. No Ac. do TCA N. n.º 01188/11.0 BEPRT, de 28-09-2017 que o Tribunal a quo, utilizou como instrumento de reflexão na apreciação do caso em concreto, em concreto, e face à factualidade apurada demonstrou-se que existia uma motivação não fiscal para a transformação o que não aconteceu na decisão do Tribunal a quo.
O. Na apreciação da motivação dos Autores, o Tribunal a quo, deveria ter partindo do relatório justificativo da transformação da sociedade por quotas em anónima e ponderar, face à prova produzida se as alegadas e demostradas razões, para a transformação social prévia à venda da participação social, se verificavam em concreto.
P. Se assim acontecesse impunha-se a ponderação das mesmas, face à evidente motivação fiscal que ocorreu, obtendo-se uma vantagem fiscal, que de outra forma não seria de todo possível obter, com uma transmissão de quotas.
Q. Ora, o Tribunal a quo não efectua esta ponderação, tanto mais que o relatório de transformação social não reflecte em absoluto qualquer situação que se tenha verificado em concreto, a motivação do Autor consistiu na prática de actos na esfera da sociedade, essencial ou principalmente dirigidos à não tributação da venda das partes sociais que detinham, sendo que a sua artificialidade produz efeitos que são directamente projectados na sua esfera jurídica.
R. Assim, sendo o julgador livre de formar a sua convicção com base na prova produzida, e se o Autores no relatório justificativo da transformação da sociedade por quotas em anónima apontam como única razão “ a necessidade de melhor rentabilizar a sua gestão de acordo com a estratégia empresarial pretendida”, não poderia o Tribunal dar como provado que pudesse existir um “interesse dos AAs e/ou dos futuros adquirentes na criação da sociedade anónima em vez da sociedade por quotas”, e com esta fundamentação considerar que não existe um “meio artificioso”. S. Ora, se não foi efectuada nenhuma prova, nem alegado nenhum facto, que permita, no caso em concreto apurar, com razoável segurança e segundo critérios de razoabilidade e normalidade que a estruturação jurídica da venda das participações sociais teve uma motivação não fiscal, o Tribunal, na ponderação efectuada só poderia ter considerado que os negócios jurídicos celebrados devem ser considerados abusivos, cujo propósito só se consegue justificar com a obtenção de uma vantagem fiscal, que de outra forma não seria de todo conseguida
T. Face à apreciação efectuada, o Tribunal fazendo assentar a sua convicção no indicio de existência de um “eventual” interesse económico dos Autores e/ou dos outros adquirentes, na transformação social, que não demonstrado, sufraga a existência de uma real motivação na transformação social, considerando “inverificado o “meio artificioso”, resultando prejudicada a análise dos demais requisitos da aplicação da CGAA”.
U. O que configura, salvo douta opinião em contrário, um manifesto erro de facto, porque dos elementos de apresentados não resultou qualquer evidência inequívoca ou provável de que existisse alguma intenção comercial ou empresarial válida e legítima, mas sim na intenção de obter vantagens fiscais indevidas, integrando assim um esquema de evitação fiscal.
V. Pelo que, padece de nulidade sentença por excesso de pronúncia, que determinou um erro de julgamento da matéria de facto, o que leva à nulidade da sentença, devendo ser dado provimento ao recurso interposto pela AT.
W. Não obstante, a douta decisão também enferma de um erro de direito, quando prolata o douto Tribunal a quo, como normal e adequado e por decorrência, lícito ou legítimo que os contribuintes estruturem os seus actos de modo a transformarem artificialmente rendimentos sujeitos a tributação em rendimentos dela excluídos, sob pena de estar abusivamente a descaracterizar a realidade.
X. Da prova efectuada, não restam dúvidas quanto às reais motivações para a transformação social ocorrida, a qual visou somente a desoneração fiscal, padecendo a douta decisão de um erro de direito, quando sustenta o entendimento de que a transformação teria sempre algum interesse societário.
Y. Se o Autor tivesse praticado negócio equivalente e vendido as quotas teria obtido idênticos resultados económicos aos que derivam do negócio celebrado, só que teria de se sujeitar à tributação devida.
Z. Não se nega a finalidade de exclusão tributária do artigo 10º, n.º 2, alínea a) do CIRS, só que esse incentivo está direccionado aos investidores que transformam e aproveitam da nova forma de gestão e organização e não àqueles que só se preocupam em proceder a tal alteração no momento que antecede a venda com o único e exclusivo fim de aproveitar a vantagem fiscal, padecendo de erro de julgamento de direito a douta sentença porquanto da prova produzida, só podemos concluir que tais pressupostos resultam verificados, tendo a AT demonstrado que se não fosse o esquema de transformação social utilizado pelos Autores as mais-valias apuradas com tal transformação estariam sujeitas a tributação.
AA. E apurada a intenção do abuso, resulta provado qualquer propósito negocial, está também provado que o Autor utilizou meios artificiosos visando iludir o sistema tributário, optando por uma forma ou negócio que resulta provado ser a inadequada ao fim a que se destina.
BB. Resulta demonstrado que os actos/ negócios jurídicos praticados/efectuados foram queridos e fruto de uma vontade efectiva, directa e autónoma, o que constitui uma prova substantiva da existência de um negócio real (negócio sombra), a decorrer paralelamente ao negócio formal (artificial), cabendo a este conferir a formalidade necessária para atingir o objectivo da não tributação que resultaria única e exclusivamente com a realização do negócio real.
CC. Sem recurso à estrutura utilizada o Autor sabia que não beneficiaria da exclusão de tributação, ficando sujeito a imposto, nos termos gerais, como rendimentos da categoria G de IRS.
DD. A Constituição e a lei fiscal pressupõem a tributação segundo a capacidade contributiva, mesmo quando essa tributação incide sobre a alienação de participações sociais.
EE. Neste caso, a exclusão das mais valias provenientes da alienação das acções detidas por um período superior a 12 meses, teve subjacente critérios exclusivos de política fiscal como forma de incentivar e dinamizar o mercado de capitais e atrair investimentos, sem contudo, deixar de tributar a mera especulação mobiliária de curto prazo ou qualquer outra forma artificiosa de exclusão.
FF.Na situação em apreço verifica-se existir essa forma artificiosa de exclusão que passou por atribuir aos actos uma forma diferente da substância, entender como faz o Tribunal a quo que os Autores poderiam enquanto sócios e pessoas singulares, decidir dentro dos limites da lei e do direito, quais as formas menos onerosas de tributação, no entanto esta capacidade encontra-se constitucionalmente limitada, não estando, no entanto, em causa o exercício da autonomia privada, mas sim o facto que respeita ao grau da sua oneração fiscal.
GG. Ora, o aproveitamento ilícito, através de meios artificiosos ou fraudulentos do regime de exclusão tributária, não pode deixar de merecer censura normativo-sistemática por parte do ordenamento jurídico e não podendo ser preservada, ao abrigo de um “ eventual” interesse societário, como decorre, erradamente, da douta decisão recorrida, ou seja a real intenção do artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do CIRS seria, se sufragasse este entendimento, premiar quem o conseguir ludibriar
HH. A interpretar-se assim o escopo do sistema jurídico – fiscal, até nos poderíamos interrogar do porquê da tributação das mais-valias resultantes da alienação de quotas? II. Não fosse o expediente artificial e injustificado – como supra ficou demonstrado – da transformação da sociedade e os Autores sempre seriam tributados pela alienação das suas participações sociais.
JJ. Ora, na transformação da sociedade nunca esteve presente qualquer razão relativa ao desenvolvimento do mercado de capitais, mas apenas e só (supostos) interesses pessoais, que não podem suportar a existência de uma dúvida sobre o facto tributário, a qual não existe, ao contrário do que entende a douta decisão do Tribunal a quo, que padece assim de um, salvo o devido respeito, manifesto erro de direito.
KK. É errado o entendimento sufragado pela douta decisão do Tribunal a quo, porquanto não pode dizer-se que o legislador tenha querido o aproveitamento de formas fiscais menos onerosas, dando ao contribuinte a possibilidade de escolher os negócios mais vantajosos, apenas, por motivações fiscais.
LL. De facto não existe sequer qualquer prova da justificação dada pelos Autores para a transformação social, estando demonstrado para além de qualquer dúvida razoável, que nos presentes autos se verifica uma preponderância da motivação fiscal face à motivação não fiscal, dada a debilidade dos argumentos que sustentam a douta decisão do tribunal a quo.
MM. Não se pode conceber, tal como faz o douto Tribunal a quo, como normal e adequado e por decorrência, lícito ou legítimo que os contribuintes estruturem os seus actos de modo a transformarem artificialmente rendimentos sujeitos a tributação em rendimentos dela excluídos, sob pena de estar abusivamente a descaracterizar a realidade.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, deve o presente recurso proceder, por estar verificado o erro de julgamento da matéria de facto e erro de direito da sentença do Tribunal a quo, com as legais consequências. (…)”

B. DO RECURSO DE «AA» E OUTROS
Os Recorrentes não se conformando com a decisão interpuseram recurso com as seguintes conclusões:
1) A sentença recorrida incorreu em erro de cálculo quanto à proporção da condenação em custas entre os ora recorrentes e a Entidade Demandada.
2) Tendo o Tribunal decidido anular o ato impugnado que neste caso é a autorização da aplicação da cláusula ao anti abuso do Artº 63.º, n.º 7 do CPPT, deve ficar prejudicada da questão associada pelos Autores, relativamente aos vícios de incompetência e da violação da lei por desrespeito do prazo da aplicação da CGAA, porquanto estes requisitos fazem parte do procedimento de aplicação das normas anti abuso.
3) Procedendo-se à anulação do ato de autorização da CGAA do Artº 63.º, n.º 7 do CPPT deve-se julgar totalmente procedente a ação.
4) Ou não ter decidido assim, violou o tribunal a quo o disposto no artigo 527º do CPC e artigo 6.º/1 do RCP.

Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada e alterada em conformidade determinando-se a condenação na totalidade das custas a cargo da entidade demandada com as legais consequências.
Assim se decidindo farão V. Exas justiça.(..)

Os Recorridos não contra-alegaram.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, as quais são delimitada pelas conclusões das respetivas alegações, sendo:
No recurso da AT: saber se a sentença recorrida incorreu em: (i) nulidade por excesso de pronúncia; (ii) erro de julgamento de facto e direito por violação do artigo 10.º n.º 2 alínea a) do CIRS.
No recurso de «AA»: saber se a sentença recorrida incorreu em erro de cálculo quanto à proporção da condenação em custas

3. DO JULGAMENTO DE FACTO
3.1 Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “(…)
A) O A. «AA», em 21-12-1995, através de escritura de cessão de quotas e aumento de capital adquiriu uma quota nominal de € 1 246,99 da sociedade [SCom01...], LDA., efetuado um aumento de capital de € 6 234,97, realizado em dinheiro, sendo aquele, nomeado gerente;
B) Os AAs., em 29-06-1999, através de escritura de cessão de quotas, aumento de capital e alteração parcial do pacto efetuaram a aquisição das restantes quotas da sociedade [SCom01...], LDA., no valor nominal de € 14 963,94 e subsequentemente procederam a um aumento de capital, realizado integralmente em dinheiro, no montante de € 226 953,04, passando o capital social a ser de € 249 398,95, correspondendo à soma de duas quotas iguais pertencentes a cada um dos AAs., aos quais pertence a gerência;
C) A A. «BB», em 23-09-1999, através de escritura de cessão de quotas e alteração parcial do pacto social renunciou à gerência e efetuou a transmissão da quota de 50% do capital da [SCom01...], LDA., por valor igual ao nominal de € 124 699,47 para «CC»;
D) Os sócios gerentes da [SCom01...], LDA., em 10-05-2007, apresentaram, nos termos do artigo 132º do CS Comerciais, relatório justificativo da transformação daquela sociedade em sociedade anónima, “movida por necessidade de melhor rentabilizar a sua gestão de acordo com a estratégia empresarial pretendida.”;
E) A Assembleia Geral extraordinária da sociedade [SCom01...], LDA., reunida em 25-05-2007 decidiu admitir três novos sócios e efetuar um aumento de capital de €5 601,06, passando o capital social total a ser de € 255 000.00, repartido em duas quotas iguais correspondente a 49%, para cada um dos já referidos sócios e os novos três sócios com participações de 1% e duas de 0,50%, mais se deliberando a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima integrando o ora A. «AA» o conselho de administração, na qualidade de presidente e o sócio «CC» como Vogal;
F) Decisões objeto de registo comercial em 5 de julho de 2007;
G) O A. «AA», através de contrato de compra e venda de ações, celebrado em 19-07-2007, vendeu à [SCom02...] SGPS SA, a totalidade das 124 950 ações da [SCom01...] SA, correspondente a uma participação de 49% pelo preço de € 1 470 000,00;
H) “Em cumprimento do despacho do Sr. Director de Finanças ..., datado de 20- 12-2010, foi autorizado se procedesse à análise da aplicação da norma geral anti abuso a um conjunto de operações, em que os Serviços de Inspeção Tributária detectaram evidências de planeamento fiscal com abuso da forma jurídica.”, cfr. fls. 9 e segs. do Processo Administrativo (PA), aqui dadas por reproduzidas;
I) A “análise” vinda de referir, ou seja, a informação do procedimento do artigo 63º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que no essencial elencou os fatos referidos em A) a G), concluiu pela verificação dos pressupostos da aplicação da cláusula anti abuso solicitando autorização para a aplicação da referida cláusula prevista no artigo 38º, n.º 2 da LGT, conclusão e solicitação superiormente ratificadas pelo que o expediente foi remetido ao Diretor Geral dos Impostos, idem anterior e fls. 3 a 5 e 81 e segs. também do PA;
J) Os competentes serviços elaboraram informação que encerrou com conclusão idêntica à referida em I) e, depois da anuência dos quadros superiores da Direção geral, foi objeto de despacho, em 15-09-2011, do Diretor Geral, a autorizar a aplicação do procedimento proposto, comunicada aos AAs. em 06-10-2011, vide fls. 5ª e segs e, 24 a 35 do PA e doc. n.º 1 que instruiu a PI;
K) Em cumprimento da autorização foi realizada inspeção na qual se propôs, para os AAs, um acréscimo de imposto em sede de IRS no montante de € 117 240,00; proposta acolhida superiormente e comunicada àqueles para querendo exercerem o direito de audição. Verificando-se o silêncio, converteu-se em decisão definitiva comunicada ao AAs em 28-11-2011, cfr. fls. 36 a 49 do PA;
L) Os AAs., não se conformando com a decisão da aplicação da cláusula geral anti abuso apresentaram, em 14-12-2011, a PI que deu origem aos presentes autos, vide primeira folha da PI.
II Factos não provados
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos e do processo administrativo apenso aos autos, os quais não foram impugnados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.
Relativamente às alíneas A) a H) elas respeitam a factualidade que não é objeto de dissenso entre as Partes.. (…)”

3.2. Aditamento oficioso à matéria de facto
Nos termos do art.º 612.º do CPC, por conhecimento ex officis e por dos autos em suporte físico e em suporte digital (SITAF) resultar procede-se ao aditamento oficioso dos seguintes factos, atribuindo-lhe a numeração E-1, E-2, E-3, G-1 e M., por questão de procedência temporal, nos seguintes termos:
E-1. Na Assembleia Geral extraordinária da sociedade [SCom01...], LDA., reunida em 25/05/2007 foi decidido admitir três novos sócios, sendo «BB», «DD» e «EE», sendo a primeira esposa do autor e as restantes filhas de ambos; (Ata n.º vinte cinco de 25/05/2007 e relatório de inspeção de 21.11.2011, constante de pag 41 a 49 do PA, em suporte em papel apenso aos autos);
E-2. Os sócios «CC» e «AA» reforçaram, cada um, a sua quota em € 250, 53, a sócia «BB» o valor nominal de € 2 550,00 e «DD» e «EE», € 1 275,00 cada uma. (Ata n.º vinte cinco de 25/05/2007);
E-3. Na mesma Assembleia Geral extraordinária da sociedade [SCom01...], LDA foi deliberado a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima a qual passaria a adotar afirma [SCom01...], S.A. e foi deliberado sobre o projeto dos estatutos (Ata n.º vinte cinco de 25/05/2007);
G-1. Pelo mesmo contrato promessa de compra venda de ações e cessão de suprimentos (19/07/2007) «BB» procedeu à alienação de 1% da sua participação pelo valor de € 30 000,00;
M- Em 29/07/2007, a [SCom01...], S.A procedeu à cessação da sua atividade em IVA e IRC por motivos de fusão.
A. DO RECURSO AUTORIDADE TRIBUTÁRIA ADUANEIRA
4. DO JULGAMENTO DE DIREITO
4.1 Da alegada nulidade de sentença por excesso de pronúncia.
Nos termos da alínea d), do artigo art.º 615.º do CPC aplicável ao contencioso tributário por força da alínea e) do art.º 2 do CPPT, prevê a nulidade da sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
O excesso de pronúncia está relacionado com o dever que é imposto ao juiz pelo n.º 2 do artigo 608. º do CPC, em que se prevê que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, ressalvando aquelas que forem prejudicadas pela solução dada a outra não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Assim, o excesso de pronúncia pressupõe que a decisão do julgador vá além do que lhe foi pedido pelas partes, ou seja, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do decidido (causa judicandi) não se identifique com a causa de pedir ou com o pedido (causa petendi).
E nesta conformidade, será nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o juiz invoque, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).
Se bem entendemos as alegações e conclusões da Recorrente entende que a decisão enferma de erro de julgamento por excesso de pronúncia quanto à matéria de facto, uma vez que afastando-se da factualidade provada constrói uma convicção relativamente às motivações subjacentes à transformação social que não obedece a critérios racionais.
Alega ainda a Recorrente (conclusão v) que a sentença padece de nulidade, por excesso pronúncia, que determinou um erro de julgamento da matéria de facto.
Como decorre do supra dito será nula, a sentença por excesso de pronúncia, quando o juiz invoque, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).
A sentença recorrida, começou por analisar os pressupostos da aplicação da CGAA e sustentando-se, bem ou mal aqui não está em questão, em jurisprudência e doutrina para distinguir entre planeamento legitimo e ilegítimo e para concluiu, a final, que “consideramos inverificado o “meio artificioso”, resultando prejudicadas análise dos demais requisitos da aplicação da CGAA”.
Da análise da petição inicial, dela resulta nos pontos 20.º a 29.º a alegação de que a Autora entende que jamais houve negócios jurídicos de natureza artificiosa ou fraudulenta, com o objetivo de excluir da tributação as mais-valias obtidas.
A nulidade de sentença, por excesso de pronúncia, não se confunde com erro de julgamento.
Nesta conformidade, entendemos que a questão subjacente prende-se com erro de julgamento de direito e de facto, e não conhecimento de questão que o tribunal a quo não deva conhecer.
Destarte, improcede a alegada nulidade de sentença.

4.2. A Recorrente AT nas suas alegações imputa erro de julgamento de facto e de direito à sentença recorrida quando sufraga o entendimento de que mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais, não pode deixar de se aceitar fiscalmente.
E que não pode o Tribunal a quo considerar a existência de um “eventual” interesse económico dos Autores e/ou dos outros adquirentes, na transformação social, o qual não foi apurado no probatório, e contende com a falta de demonstração da motivação que ele próprio reconhece existir, face à falta de explicação da ideia de: “melhor rentabilizar a sua gestão de acordo com a estratégia empresarial pretendida”.
E da prova efetuada, não restam dúvidas quanto às reais motivações para a transformação social ocorrida, a qual visou somente a desoneração fiscal, padecendo a douta decisão de um erro de direito, quando sustenta o entendimento de que a transformação teria sempre algum interesse societário. Resulta demonstrado que os atos/ negócios jurídicos praticados/efetuados foram queridos e fruto de uma vontade efetiva, direta e autónoma, o que constitui uma prova substantiva da existência de um negócio real (negócio sombra), a decorrer paralelamente ao negócio formal (artificial), cabendo a este conferir a formalidade necessária para atingir o objetivo da não tributação que resultaria única e exclusivamente com a realização do negócio real.
Sem recurso à estrutura utilizada o Autor sabia que não beneficiaria da exclusão de tributação, ficando sujeito a imposto, nos termos gerais, como rendimentos da categoria G de IRS.
Na situação em apreço verifica-se existir essa forma artificiosa de exclusão que passou por atribuir aos atos uma forma diferente da substância, entender como faz o Tribunal a quo que os Autores poderiam enquanto sócios e pessoas singulares, decidir dentro dos limites da lei e do direito, quais as formas menos onerosas de tributação, no entanto esta capacidade encontra-se constitucionalmente limitada, não estando, no entanto, em causa o exercício da autonomia privada, mas sim o facto que respeita ao grau da sua oneração fiscal.
Alega ainda que o aproveitamento ilícito, através de meios artificiosos ou fraudulentos do regime de exclusão tributária, não pode deixar de merecer censura normativo-sistemática por parte do ordenamento jurídico e não podendo ser preservada, ao abrigo de um “eventual” interesse societário, como decorre, erradamente, da douta decisão recorrida, ou seja, a real intenção do artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do CIRS seria, se sufragasse este entendimento, premiar quem o conseguir ludibriar.
Apreciando:
A questão que importa conhecer é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e direito por violação da alínea a) do n.º 2 do artigo 10.ºdo CIRS.
A sentença recorrida considerou estar numa zona de fronteira onde o labor da AT é difícil no sentido de apurar se o conjunto de atos e/ou negócios têm um mero intuito fiscal ou se também coexiste um verdadeiro interesse societário. Tendo concluído que na situação em apreço, face ao efetivamente verificado não é totalmente de excluir a existência de algum interesse societário entenda-se económico, considerando inverificado o “meio artificioso" e consequentemente julgando procedente o vício de violação de lei decorrente da não comprovação de atos artificiosos.
Os Autores/Recorridos foram alvo de uma ação de inspeção externa, pela Direção Finanças ... que incidiu, sobre o ano de 2007, em sede de IRS, tendo subjacente a alienação de partes sociais, detetando evidências de planeamento fiscal com abuso de forma jurídica e em consequência foi autorizado o recurso ao procedimento de aplicação da cláusula norma geral anti abuso (CGAA) nos termos do art.º 38.º, n.º 2, da LGT e art.º 63.º do CPPT.
Decorre da alínea b) do n. º 1 do 10.º do CIRS que constituem mais valias os ganhos obtidos com alienação onerosa de partes sociais.
A alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS excluem de mais valias os ganhos provenientes da alienação de ações detidas pelo seu titular.
O regime jurídico da CGAA está prevista no art.º 38.º, n.º 2, da LGT, nos seguintes termos: “São ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.” (destacado nosso).
Este normativo, contempla um mecanismo que permite à Administração Tributária (AT) pôr em causa uma determinada opção negocial do contribuinte, no entanto, a sua aplicação contém especiais exigências, que passam, desde logo, pela existência de um procedimento específico.
Dispõem o art.º 63.º do CPPT que: “1 - A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio.
2 - Consideram-se disposições antiabuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou atos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.
3 - (…)
7 - A aplicação das disposições antiabuso será prévia e obrigatoriamente autorizada, após a observância do disposto nos números anteriores, pelo dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário em quem ele tiver delegado essa competência.
8 - (…)
9 - Salvo quando de outro modo resulte da lei, a fundamentação da decisão referida no n.º 7 conterá:
a) A descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado e da sua verdadeira substância económica;
b) A indicação dos elementos que demonstrem que a celebração do negócio ou prática do ato tiveram como fim único ou determinante evitar a tributação que seria devida em caso de negócio ou ato de substância económica equivalente;
c) A descrição dos negócios ou atos de substância económica equivalente aos efetivamente celebrados ou praticados e das normas de incidência que se lhes aplicam.
10- (…)”.(destacado nosso)
Nas palavras de Saldanha Sanches, in “Os limites do Planeamento Fiscal”, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 177. “[d]a fundamentação devem constar a descrição da “verdadeira substância económica” do acto jurídico realizado, a indicação dos elementos que demonstrem o fim único ou principal da operação (redução da carga fiscal), a tributação que seria devida se fosse feito o outro acto ou negócio jurídico com ‘substância económica equivalente’ e, também, a descrição dos actos ou negócios que contêm a tal ‘substância económica equivalente”.
Por sua vez, Gustavo Lopes Courinha, in A Cláusula Geral Anti-abuso no Direito Tributário, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2009, p. 165., sistematiza considerando que os elementos ou pressupostos de aplicação da CGAA são: a) Elemento meio; b) Elemento resultado; c) Elemento intelectual; e o d) Elemento normativo.
Quanto ao elemento meio, o mesmo implica que os meios (ato ou negócio real, válido e lícito), de que o contribuinte lança mão, devem configurar um abuso de formas jurídicas.
Refere Gustavo Lopes Courinha, “[c]orresponde à via escolhida pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal, i.e., o(s) acto(s) ou negócios jurídicos cuja estrutura se encontra determinada em função de um dado resultado fiscal (…) // Tal opção do legislador exige que se retirem as devidas consequências quanto à estruturação do negócio que, para além de dirigido à obtenção da referida vantagem fiscal, será ainda simultaneamente dotado de uma forma anómala, inusual, artificiosa, complexa, ou mesmo contraditória, (…) em consideração dos fins económicos visados pelo contribuinte. É, em conclusão, do nível de incoerência entre a forma ou estrutura escolhida e o propósito económico prático final do contribuinte, entre o fim para que é entregue concretamente essa forma adoptada e a causa que lhe é própria que se aferirá o elemento".
Continua o mesmo Autor, que se chama à colação a designada step by step doctrine, onde, no fundo, está em causa uma sucessão de negócios que, coordenados, visam a tal obtenção da vantagem fiscal, sendo nestes casos imprescindível uma apreciação dessa estrutura mais complexa, composta de vários atos ou negócios. Cfr. Gustavo Lopes Courinha, in A Cláusula Geral Anti-abuso no Direito Tributário, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2009, p. 165 a 169.
A propósito do conceito de meio artificioso ou fraudulento, a nossa jurisprudência, nomeadamente nos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 01188/11.0BEPRT de 28.09.2017 e 00917/13.3BECBR de 18.10.2018 e nos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, n.º 04255/10 de 15.02.2011 e 2925/04.5BELSB de 30.09.2020, tem se sustentado nos contributos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), em matéria de apreciação da justificação de determinadas restrições à liberdade de estabelecimento, por motivos de luta contra práticas abusivas.
Refere-se no Acórdão do TJUE de 12.09.2006, Cadbury Schweppes, C-196/04, EU:C:2006:544, n.ºs 51 e 55:
51 (…) [U]ma medida nacional que restrinja a liberdade de estabelecimento pode ser justificada quando vise especificamente os expedientes puramente artificiais cuja finalidade é fugir à alçada da legislação do Estado-Membro em causa (v., neste sentido, acórdãos ICI, já referido, n.° 26; de 12 de Dezembro de 2002, Lankhorst-Hohorst, C-324/00, Colect., p. I-11779, n.° 37; De Lasteyrie du Saillant, já referido, n.° 50, e Marks & Spencer, já referido, n.° 57).
(…)
55 (…) [P]ara que uma restrição à liberdade de estabelecimento possa ser justificada por motivos de luta contra práticas abusivas, o objectivo específico de tal restrição deve ser o de impedir comportamentos que consistam em criar expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, com o objectivo de eludir o imposto normalmente devido sobre os lucros gerados por actividades realizadas no território nacional”.
No que respeita ao elemento resultado, o mesmo consubstancia-se na obtenção de um resultado fiscal vantajoso como fim último ou dominante, podendo definir-se vantagem fiscal, neste contexto, como “qualquer situação pela qual, em virtude da prática de determinados actos, se obtém uma carga tributária mais favorável ao contribuinte do que aquela que resultaria da prática dos actos normais e de efeito económico equivalente, sujeitos a tributação. Assim, estaremos perante uma comparação entre os ónus fiscais normalmente suportados e os evitados com a actuação produzida. Se de tal análise resultar uma efectiva diferença (…) que seja objectivamente vantajosa para o contribuinte, ter-se-á por verificado este requisito". In ob.cit Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti-abuso no Direito Tributário, cit., pp. 172 e ss.
Quanto ao elemento intelectual, em síntese, consubstancia-se na motivação fiscal, objetivamente considerada. “Quer isto dizer que não basta decorrer, da análise dos actos ou negócios jurídicos em causa, a obtenção de um resultado fiscalmente vantajoso e um resultado não fiscal equivalente. Exige-se, de igual forma, que as escolhas e formas adotadas pelo contribuinte sejam fiscalmente dirigidas (…) e que aquele (resultado fiscal) prevaleça sobre (…) [o] resultado não fiscal". cit., pp. 171 e ss.
Daí que o então art.º 63.º, n.º 9, al. b), do CPPT prescrevesse, que é fundamental a indicação dos “elementos que demonstrem que a celebração do negócio ou prática do ato tiveram como fim único ou determinante evitar a tributação que seria devida em caso de negócio ou ato de substância económica equivalente”.
No tocante ao elemento normativo, o mesmo respeita à reprovação normativo-sistemático da estrutura.
Entende-se por elemento normativo o requisito pelo qual se avalia se a aplicação de uma CGAA a uma estrutura de planeamento fiscal cumpre o seu propósito de combate à fraude à lei fiscal (…). [T]rata-se de indagar se o negócio(s) praticado(s) merece um juízo de reprovação pelo Ordenamento Fiscal". In Gustavo Lopes Courinha, “A Cláusula Geral Antiabuso no CAAD: a insustentabilidade de uma jurisprudência contraditória - comentário às decisões dos processos 47/2013, 51/2014 e 131/2014”, Desafios Tributários, Vida Económica, Lisboa, 2015, p. 99.
Como é sabido, cabe à AT, nos termos conjugados do n.º 2 do art.º 38.º da LGT e n.º9 do art.º 63.º do CPPT, nos casos de aplicação da CGAA, descrever o negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado e da sua verdadeira substância económica; indicar elementos que demonstrem que a celebração do negócio ou prática do ato tiveram como fim único ou determinante evitar a tributação que seria devida em caso de negócio ou ato de substância económica equivalente; e, descrever os negócios ou atos de substância económica equivalente aos efetivamente celebrados ou praticados e das normas de incidência que se lhes aplicam.
No entanto, “descrever” e “indicar” não é o mesmo que provar os pressupostos e falta de substância económica dos mesmos.
Os negócios jurídicos, em causa, referem-se à transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima (10/05/2007) aumento de capital e admissão de novos sócios, da primeira para atingir o capital mínimo exigido para a constituição de uma sociedade anónima e venda de ações.
Como resulta da matéria de facto provada nas alíneas A) a C) a sociedade [SCom01...], LDA., desde 23/09/1999 tinha por sócios «AA» e «CC» com quotas de 50% por valor nominal de € 124 699,47.
Os sócios gerentes da sociedade [SCom01...], LDA., em 10/05/2007, apresentaram, nos termos do artigo 132º do Código das Sociedades Comerciais, relatório justificativo da transformação daquela sociedade em sociedade anónima, “movida por necessidade de melhor rentabilizar a sua gestão de acordo com a estratégia empresarial pretendida. (Facto D)
Em 25/05/2007, na Assembleia Geral extraordinária da sociedade [SCom01...], LDA., decidiu admitir três novos sócios e efetuar um aumento de capital de €5 601,06, passando o capital social total a ser de € 255 000.00, repartido em duas quotas iguais correspondente a 49%, para cada um dos já referidos sócios e os novos três sócios com participações de 1% e duas de 0,50%.
Sendo as três novas sócias, «BB», «DD» e «EE», sendo a primeira esposa do autor e os 2 filhas de ambos.
Na mesma Assembleia Geral extraordinária da sociedade [SCom01...], LDA foi deliberado a transformação da sociedade por quotas e em sociedade anónima a qual passaria a adotar afirma [SCom01...], S.A. e foi ainda deliberado sobre o projeto dos estatutos da mesma.
Mais deliberando que o sócio «AA» integrava o conselho de administração, na qualidade de presidente e o sócio «CC» como Vogal.
Em 19/07/2007, através de contrato promessa de compra venda de ações e cessão de suprimentos, «AA» vende à empresa [SCom02...] SGPS, S.A. um conjunto de ações de 124 950 do [SCom01...], S.A., correspondente a uma participação de 49% pelo preço de € 1 470 000,00 (um milhão quatrocentos setenta mil euros).
Pelo mesmo contrato promessa de compra venda de ações e cessão de suprimentos «BB» procedeu à alienação de 1% da sua participação pelo valor de € 30 000,00.
Como resulta da matéria de facto provada o Autor/Recorrido efetuou a alienação de parte do capital – 49% - à empresa [SCom02...] SGPS. S.A. e que por força da alínea a) do n.º 2 do art.º 10.º do CIRS fica isenta de IRS.
Em resultado dos atos e negócios jurídicos praticados através de uma operação de aumento de capital da sociedade [SCom01...] Lda., no montante de € 5 601,06, subscrito e realizado em dinheiro, com a entrada 3 novos sócios com quem tem relações familiares estreitas, e subsequente transformação em sociedade anónima, com a redenominação do capital em 255 000 ações, ficou excluído da tributação as mais valia, prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRS que estava sujeita a IRS, as quais por força do 72.º eram tributadas em 10%.
Com a realização de atos e negócios jurídicos praticados foi obtido pelo Autor/Recorrido, por substituição de uma operação sujeita a imposto (alienação onerosa de parte sociais quota) por outra isenta (venda de ações) mas com o propósito disponibilizar recursos financeiros ao titular de capital.
Ora daqui se pode retirar contrariamente ao decidido pela sentença recorrida a existência de um conjunto de negócios jurídicos de natureza artificiosa em detrimento de uma operação normal da alienação de partes sociais de uma sociedade por quotas.
A sentença recorrida entendeu que face ao efetivamente verificado não é totalmente de excluir a existência de algum interesse societário, entenda-se económico.
Verificando-se algum interesse societário/económico, poderiam os sócios ter explicado esse interesse.
Mas como decorre do processo os sócios nunca deram uma explicação cabal quanto a esta estratégia, escudando no teor da ata n.º 25 na qual consta que o motivo foi a “necessidade de melhor rentabilizar a gestão de acordo com a estratégia empresarial pretendida
Porém não se percebe qual é necessidade de melhor rentabilizar a gestão, sendo certo, que esta operação mostrou-se sem qualquer consequência, pois todos os acionistas venderam as suas ações e a sociedade [SCom01...] S.A, cessou a sua atividade em sede de IVA e IRC, por fusão.
Para além desse processo ter ocorrido em 25/05/2007 e passado 1 mês e 14 dias os sócios, aqui Autores/Recorridos, terem celebrado contrato promessa de venda das suas participações em 19/07/2007 e passado 10 dias a mesma sociedade ter cessado atividade (19/07/2007).
Aqui chegados entendemos contrariamente ao decidido pela sentença recorrida que está verificado o primeiro pressuposto exigido, ou seja, (ato ou negócio real, válido e lícito), de que o contribuinte lança mão, configura um abuso de formas jurídicas.
Nesta conformidade, ficou sobejamente demonstrado a existência de um conjunto de atos/negócios jurídicos de caracter artificioso em detrimento da normal operação da alienação de partes sociais de uma sociedade por quotas.
Tendo em conta que a sentença considerou inverificado o “meio artificioso”, e deu como prejudicada a análise dos demais requisitos da aplicação da CGAA, importa agora verificar se ficou demonstrado a intenção do Recorrido/Autor de obter uma vantagem fiscal com a realização de tais atos.
E como supra já foi adiantado, também aqui está verificado o pressuposto, alienação de quotas sociais da sociedade [SCom01...]. Lda, foi preterida em função da realização de uma sequência de negócios jurídicos a montante que originou aumento de capital a redominação do capital social em ações, com o objetivo de possibilitar aos sócios, efetuar a transmissão das suas participações sociais e obter rendimentos de mais valias beneficiando da exclusão da tributação de IRS.
Toda atuação do Recorrido/Autor demonstram que os atos foram praticados de forma consciente e deliberada orientados para a obtenção de uma vantagem fiscal.
Por fim, importa verificar se ficou demonstrada a equivalência económica entre o conjunto de atos ou negócios que precedeu a operação de alienação de partes sociais e o que seria realizado na ausência desses meios artificioso.
Com a realização dos atos/negócios ficou demonstrado, o que se pretendeu foi unicamente transmitir a sociedade em causa com todo o seu património, sem sujeição das mais valias realizadas a tributação, quando numa situação sem recurso artificiosos da transmissão das quotas da sociedade [SCom01...]. Lda., estaria sujeita a uma tributação em IRS a taxa de 10% na esfera do sócio individual.
Face ao exposto, procede o recurso da Recorrente Autoridade Tributária.

B. DO RECURSO DE «AA» E OUTROS
Os Autores/Recorrido imputam à sentença recorrida erro julgamento relativamente ao cálculo quanto à proporção da condenação em custas entre os ora, Recorrentes e a Entidade Demandada.
Face ao provimento total do recurso e consequente revogação da sentença recorrida julgando improcedente a ação, o presente recurso deixa ter objeto.

4.3.E assim, formulando a seguinte conclusão:
Cabe à AT, nos termos conjugados do n.º 2 do art.º 38.º da LGT e n.º9 do art.º 63.º do CPPT, nos casos de aplicação da CGAA, descrever o negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado e da sua verdadeira substância económica; indicar elementos que demonstrem que a celebração do negócio ou prática do ato tiveram como fim único ou determinante evitar a tributação que seria devida em caso de negócio ou ato de substância económica equivalente; e, descrever os negócios ou atos de substância económica equivalente aos efetivamente celebrados ou praticados e das normas de incidência que se lhes aplicam.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento do recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a ação administrativa.

Custas pelos Autores/Recorridos, em ambas as instâncias, nos termos do art.º 527.º do CPC.
Porto, 30 de abril de 2025

Paula Maria Dias de Moura Teixeira (Relatora)
Rui Manuel Rulo Preto Esteves (1.º Adjunto)
José António Oliveira Coelho (2.º Adjunto)