Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01668/23.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/07/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA/MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES E INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL;
SUBSCRITORA DA CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES;
ARTIGO 2º, N.º 2 DA LEI N.º 60/2005, DE 29 DE DEZEMBRO;
ARTIGO 22º, Nº 1 DO ESTATUTO DA APOSENTAÇÃO;
INÍCIO DE FUNÇÕES;
ACERTO DA SENTENÇA POSTA EM CAUSA/NÃO PROVIMENTO DO RECURSO DA CGA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA» propôs acção administrativa contra o Ministério da Educação, a Caixa Geral de Aposentações, I.P. e o Instituto da Segurança Social, I.P., todos melhor identificados nos autos, tendo em vista o reconhecimento judicial do seu direito à manutenção da inscrição na Caixa Geral de Aposentações, I.P. («CGA») e a condenação das Entidades Demandadas a praticar os actos materiais a tal necessários, com efeitos à data em que foi inscrito na Segurança Social (20.09.2006).
Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi decidido assim:
julgo a presente acção administrativa procedente e, em consequência:
- Reconheço o direito de a Autora manter a inscrição na Caixa Geral de Aposentações, com efeitos reportados a 20.09.2006;
- Condeno as Entidades Demandadas a colocar em marcha os procedimentos necessários à concretização daquele direito, com efeitos reportados a 20.09.2006.
Desta vem interposto recurso pela CGA.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:

A - Para que possa “reativar” a sua inscrição no Regime Previdencial gerido pela CGA não é suficiente ter existido um vínculo à função pública, que conferiu esse direito, antes de 31 de dezembro de 2005. É necessário existir uma continuidade temporal entre vínculos com a administração pública!

B - É isto que resulta da maioria da jurisprudência dos Tribunais superiores Nacionais! Veja-se, por exemplo, o Acórdão 889/13, de 2014-03-06, oriundo do Supremo Tribunal Administrativo, ao qual muitos outros foram buscar, parte, da sua fundamentação para condenar a CGA a proceder à reinscrição de ex-subscritores em situação semelhante à da aqui recorrida, esquecendo-se, todavia da tão importante necessidade de continuidade temporal entre vínculos públicos.

C - Da leitura do referido Acórdão resulta claro que o critério a seguir não poderá ser unicamente o de saber se se trata de uma situação em que já tinha existido exercício em funções públicas, com inscrição, antes de janeiro de 2006 ou, se se trata de uma situação em que o funcionário ou agente público nunca havia sido detentor da qualidade de subscritor da CGA.

D - Deverá, igualmente, ter-se em conta se se encontra verificado o critério da continuidade temporal.

E - É o que resulta a contrario do referido Acórdão, o qual não deixa margem para dúvidas ao afirmar que não cai no âmbito do artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, em conjugação com o disposto no artigo 22.º n.º1 do Estatuto da Aposentação, a situação de um professor que rescinde o contrato administrativo de provimento que o liga a uma instituição de ensino e celebra com outra instituição um novo contrato com efeitos a partir do dia seguinte - ou seja, em termos formais há descontinuidade do vínculo jurídico mas não há descontinuidade temporal.

F - Donde, resulta que a situação da Autora/Recorrida cai dentro do âmbito daquela disposição legal uma vez que, no seu caso, não só existe uma descontinuidade do vínculo jurídico em termos formais (pela estabelecimento de um novo vínculo contratual com o agrupamento de escolas para onde foi lecionar em 2006-09-20) como uma descontinuidade temporal, dado o tempo decorrido entre ambos os vínculos públicos - cessou um vínculo contratual em 2006-08-31 e só voltou a estabelecer novo vínculo para lecionar em 2006-09-20.

G - Refira-se que a Autora/recorrida iniciou funções docentes em 1999-09-01, no Agrupamento Vertical de Escolas Idães, o que lhe permitiu a inscrição na CGA com o n.º ...34, tendo permanecido inscrita e a descontar quotas até 2006-08-31.

H - No ano letivo - 2006/2007 - a Autora/Recorrida, retomou a sua atividade letiva, tendo celebrado não um mas dois contratos, um para lecionar na Escola ..., para iniciar a sua atividade docente em 20 de setembro de 2006 e um outro contrato para desempenhar funções docentes na Escola2,3,EB, Nasoni a iniciar em 18 de outubro de 2006.

I - Sabe-se, pela leitura da petição inicial, que ao ser colocada, em 2006-09-20, para exercer funções docentes, foi inscrita no Regime Geral da Segurança Social.

J - E bem! Uma vez que desde que interrompeu o vínculo que lhe permitia a inscrição na CGA - 2006-08-31 - até estabelecer um novo vínculo com a função pública - 2006-09-20 - existiu uma descontinuidade temporal.

K - E, como em 2006 já se encontrava em vigor a Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, o Agrupamento de Escolas para onde a Autora foi lecionar, no estrito cumprimento da Lei, promoveu a sua inscrição no Regime Geral da Segurança Social e não na CGA!

L - Por força por força do hiato temporal verificado entre a cessação do vínculo contratual que lhe permitia a inscrição na CGA e estabelecimento de novo vínculo contratual para lecionar em 2006-09-20, a Autora/Recorrida perdeu a qualidade de subscritora da CGA, motivo pelo qual, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, foi, corretamente, inscrita no regime geral de segurança social, descontando para aquele regime previdencial desde então.

M - A tudo isto acresce que a sentença de que se recorre, ao reconhecer o Direito da Autora/recorrida com efeitos retroativos à data em que foi inscrita no RGSS viola o disposto no artigo 38.º, n.º2 do Código do Procedimento dos Tribunais Administrativos, pondo em causa o principio da certeza e segurança jurídicas.

N - Com o devido respeito, o Tribunal “a quo” não andou bem ao julgar a ação totalmente procedente e condenando os réus à manutenção da inscrição da Autora na CGA com efeitos a 2006-09-20.

O - Não apreciou bem a situação da Autora nem aplicou corretamente a Lei, devendo a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente e absolva os réus de todos os pedidos.

Termos em que, e nos mais de direito, deverá a douta sentença, de que se recorre, ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente, com as necessárias consequências.
A Autora juntou contra-alegações, concluindo:
1. No seu recurso, a Recorrente alega que o Tribunal “a quo” não interpreta corretamente o disposto no artigo 2º, n.º 2 da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, e o artigo 22º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro. Contudo, não lhe assiste razão.

2. Da leitura do Artigo 2º da Lei 60/2005, é possível depreender que o legislador pretende que a CGA deixe de proceder á inscrição de subscritores, a partir de 1 de janeiro de 2006.

3. Tal significa que aos funcionários e agentes que “iniciem” funções, a partir daquela data, passa a aplicar-se o regime da segurança social.

4. Neste sentido, a utilização da palavra “inicie” funções, afigura-se inequívoco no sentido de abranger os trabalhadores que ingressem pela primeira vez (ex novo) na função pública.

5. Ou seja, o que se pretende é não aumentar o número de inscrições através do cancelamento da entrada de novos subscritores e, nessa medida, caminhar para a convergência ao mesmo tempo que se limita o crescimento da despesa pública nesta área.

6. Aliás, na exposição de motivos constante da Proposta de Lei nº 38/X pode ler-se, entre o mais, que “A concretização da convergência não deve, porém, fazer-se nem à custa do sacrifício das expectativas daqueles que, no quadro do regime actualmente em vigor, já reúnem condições para se aposentarem. Nem de rupturas fracturantes, optando-se antes por um modelo de transição gradual que aplica aos funcionários, agentes da Administração Pública e demais servidores do Estado o regime de pensões do Estatuto da Aposentação, o regime de segurança social ou ambos simultaneamente.”

7. Desta feita, parece-nos claro poder retirar-se do preceito que o mesmo deve ser interpretado no sentido de a CGA estar impedida de inscrever como subscritor aquele funcionário que, pela primeira vez, venha a ser titular de relação jurídica pública.

8. Por outro lado, o artigo 22º do EA, sob a epígrafe “Eliminação do subscritor”, prevê as situações em que há lugar ao cancelamento da inscrição dos subscritores, estabelecendo o seguinte:

“1- Será eliminado o subscritor que, a título definitivo, cesse o exercício do seu cargo, salvo se for investido noutro a que corresponda igualmente direito de inscrição”.

9. Por sua vez, o nº 2 do mesmo preceito permite, em qualquer caso, nova inscrição se o antigo subscritor vier a ser readmitido em quaisquer funções públicas contempladas no artigo 1º do mesmo Estatuto.

10. Da leitura conjugada das referidas normas retira-se que, para o legislador, só haverá cancelamento da inscrição do subscritor que cesse definitivamente o exercício do seu cargo, assistindo-lhe, porém, o direito a ser de novo inscrito, se voltar a ingressar em funções públicas.

11. Na situação em apreço, a Autora iniciou a sua prestação de trabalho como trabalhadora em funções púbicas em momento anterior ao dia 1 de janeiro de 2006 e, por esse motivo, foi inscrita por iniciativa do seu empregador Ministério da Educação, Ciência e Inovação, no regime de proteção social da CGA.

12. Após essa data voltou a exercer funções (e ainda hoje exerce) às quais correspondia o direito de inscrição antes da entrada em vigor da Lei nº 60/2005, de 29 de janeiro.

13. Os hiatos entre contratos não lhes são imputáveis, pois a Autora foi opositora aos sucessivos concursos de recrutamento de docentes abertos em cada um daqueles anos letivos pelo Ministério da Educação.

14. Infelizmente, como é de conhecimento público, fruto do regime aplicável aqueles concursos e do desequilíbrio entre o número de vagas e o número de candidatos, não obteve colocação logo no primeiro dia de cada um daqueles anos letivos ou viu os seus contratos cessar antes do seu termo, tal como muitos milhares de outros candidatos.

15. Os referidos hiatos temporais de que milhares de docentes foram vítimas decorreram de vínculos precários de emprego público, que são da exclusiva responsabilidade da Administração Escolar.

16. Por outro lado, a jurisprudência das três instâncias judiciais administrativas tem sido unânime em considerar que a norma do nº 2 do Artigo 2º da Lei nº 60/2005, de 29 de dezembro apenas proíbe a inscrição de novos subscritores que efetivamente iniciem ex novo funções públicas, independentemente de terem ocorrido, ou não, hiatos temporais entre os vínculos de emprego público (contratos de trabalho em funções públicas a termo resolutivo).

17. A sua interpretação é a de que a norma em causa visou impedir novas entradas no sistema e não eliminar os subscritores que permanecem no mesmo.

18. O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2014/03/06, proferido no Processo nº 0889/13, referenciado pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, sumaria o seguinte:
“I - Considerando a letra do art. 2º da Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro, que se refere apenas ao pessoal que “inicie funções” e a sua razão de ser (proibir a entrada de novos subscritores), afigura-se claro poder retirar-se que o mesmo deve ser interpretado no sentido de a Caixa Geral de Aposentações estar impedida de inscrever como subscritor aquele funcionário/agente que pela primeira vez venha a ser titular de relação jurídica pública.”

19. Na sua fundamentação, e quando em abstrato se dedica a discorrer acerca do sentido e do alcance da norma, conclui: “Assim sendo, considerando a letra do preceito e a sua razão de ser, afigura-se claro poder retirar-se do preceito que o mesmo deve ser interpretado no sentido de a CGA estar impedida de inscrever como subscritor aquele funcionário/agente que pela primeira vez venha a ser titular de relação jurídica pública”.

20. E continua: “(...) O inciso direito de inscrição deve ser objeto de interpretação adequada de modo a harmonizar-se com a letra e a teleologia intrínseca do artigo 29 da Lei n.º 60/2005, preceito que, como vimos, apenas visa abranger o pessoal que inicie absolutamente funções. Logo, esta norma deve ser tomada no sentido restrito de que só há eliminação do subscritor se ele não for investido noutro cargo a que - antes de 1/1/2006 - correspondesse direito de inscrição”.

21. A referência que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo em causa faz à questão da (des)continuidade temporal entre vínculos de emprego público surge, apenas, no contexto da aplicação dessa norma ao caso concreto, tendo em conta a sua factualidade própria, quando o julgador refere: “Para além do mais, considerando que, no caso, não tendo havido sequer qualquer hiato temporal nem sequer descontinuidade na prestação do trabalho, a prevalecer a interpretação sufragada no Acórdão recorrido a mesma conduziria a um resultado desproporcionado e a ruturas fraturantes não desejadas pelo legislador, atenta a razão de ser das normas em causa.”

22. O Supremo Tribunal Administrativo (STA) também apreciou a questão nos acórdãos STA/Formação de Admissão Preliminar (STA/FAP) proferidos em 2022/06/09 no Proc. nº 099/21.6BEBRG; em 2022/09/22 nos Procs. nºs 877/21.6BEBRG e 1974/20.0BEBR; e em 2022/10/06 no Proc. 307/19.3BEBRG, sempre no mesmo sentido. Em todos eles, o STA não admitiu os recursos de revista interpostos pela CGA e pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação em processos de docentes que tiveram interrupção temporal entre os seus vínculos de emprego público e confirmou o mérito das decisões judiciais que reconheceram o direito daqueles docentes manterem a sua inscrição na CGA, com efeitos retroativos.

23. Todos os referidos Acórdãos consideraram que relativamente “ao mérito da decisão, há que não descurar a unanimidade das instâncias na interpretação e aplicação do artigo 2º, n°2, da Lei n°60/2005, de 29.12, sendo que a interpretação adotada, para além de observar os parâmetros consagrados no artigo 9° do Código Civil, mostra-se baseada na jurisprudência - nomeadamente - deste Supremo Tribunal. Além disso, a sua aplicação ao caso concreto é efetuada através de discurso lógico e juridicamente razoável”.

24. Os acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo do Norte, em 2022/01/28, no Processo nº 01100/20.6BEBRG, e em 2022/04/08, no Processo nº 00307/19.3VBEBRG concretizam que: “Verificando-se que antes de 01/01/06, a Autora estava inscrita na CGA e que posteriormente a essa data foi investida, através da celebração de sucessivos contratos com o Ministério da Educação, em cargo a que antes de 01.01.2006 correspondia o direito de inscrição na CGA, a mesma tem o direito à sua reinscrição, de acordo com o disposto no artigo 2º da Lei nº 60/2005.”

25. Neste sentido é irrelevante a existência de interrupções temporais entre contratos, quer se trate de uma interrupção de 2 dias, 5 meses ou de anos do exercício de funções públicas docentes.

26. O limite subjacente na norma prende-se unicamente com a entrada de novos subscritores para o regime social convergente, no sentido de que sejam aqueles que, primeira vez, exercem funções às quais corresponda o direito de inscrição.

27. O legislador pretendeu manter abrangidos pelo regime de proteção social convergente todos os docentes contratados que efetuaram descontos para a CGA em data anterior ao dia 1 de janeiro de 2006 e que, independentemente das vicissitudes da sua carreira, voltaram a exercer funções às quais correspondia o direito de inscrição.

28. Nestes termos, bem andou a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que condenou as Entidades Demandadas a reconhecerem o direito da Autora/Recorrida como subscritora da CGA, e a praticarem todos os atos materiais necessários a repor a sua inscrição com efeitos à data em que foi ilegalmente inscrita no regime geral da segurança social, em conformidade com a posição da jurisprudência e da doutrina maioritária.

29. E prefigura-se ser, assim, de concluir que só poderão improceder as alegações e o que foi por si peticionado em sede de recurso e ser dados como conformes e legais os fundamentos e a decisão proferida na douta sentença recorrida.

Nestes termos e nos demais de direito, que suprirão, deverá ser julgado improcedente o recurso interposto pela Recorrente Caixa Geral de Aposentações e, em consequência, ser confirmada a sentença recorrida, como é de JUSTIÇA!

A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) Em 01.09.1999, a Autora iniciou funções docentes, na Escola E.B. 2/3 ... - cfr. fls. 2 do PA, junto aos autos a fls. 72 a 84 do SITAF;

2) Nos anos lectivos de 1999/2000, 2001/2002 e 2003/2004 a 2022/2023, a Autora exerceu funções docentes em diversas escolas e agrupamentos de escolas do ensino público, ao abrigo de sucessivos contratos - cfr. fls. 2 do PA, junto aos autos a fls. 72 a 84 do SITAF;

3) Entre 01.09.1999 e Agosto de 2006, a Autora esteve inscrita na Caixa Geral de Aposentações (subscritor n.º ...34) - cfr. fls. 3 do PA, junto aos autos a fls. 72 a 84 do SITAF, e documentos n.os 2 e 3, juntos com a petição inicial, a fls. 15 a 34 do SITAF;

4) Em 20.09.2006, a Autora foi contratada pela Escola ... - cfr. fls. 2 do PA, junto aos autos a fls. 72 a 84 do SITAF;

5) Nessa sequência, a Escola ... comunicou ao Instituto da Segurança Social, I.P. a contratação da Autora para efeitos da sua inscrição no regime da Segurança Social - admitido por acordo.
DE DIREITO
É objecto de recurso a sentença que julgou procedente a ação.
É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, com consagração nos artigos 635.º, n.º(s) 4 e 5, 639.º, n.º(s) 1 e 2 e artigos 1.º, 140.º, n.º 3 e 146.º, n.º 4 do CPTA que o objeto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo respetivo recorrente, o que se traduz no impedimento do tribunal ad quem de conhecer de matéria que aí não tiver sido invocada, exceto as situações de conhecimento oficioso, seja de mérito ou de natureza adjetiva.
Assim, vejamos,
Na óptica da Recorrente a sentença do Tribunal a quo não interpreta corretamente o disposto no artigo 2º, n.º 2 da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, e o artigo 22º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro.
Contudo, não lhe assiste razão.
A decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou, e bem, procedente a ação relativa à Autora.
Não se verifica qualquer dos vícios apontados à sentença, muito menos, a errada interpretação das disposições normativas invocadas pela Ré/Recorrente.
Como é sabido, a Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro estabelece os mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social, no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões.
Prevê este diploma, quanto à inscrição de subscritores na Caixa Geral de Aposentações que:
1 - A Caixa Geral de Aposentações deixa, a partir de 1 de janeiro de 2006, de proceder à inscrição de subscritores.
2 - O pessoal que inicie funções a partir de 1 de janeiro de 2006 ao qual, nos termos da legislação vigente, fosse aplicável o regime de protecção social da função pública em matéria de aposentação, em razão da natureza da instituição a que venha a estar vinculado, do tipo de relação jurídica de emprego de que venha a ser titular ou de norma especial que lhe conferisse esse direito, é obrigatoriamente inscrito no regime geral da segurança social.
Este dispositivo normativo impõe, portanto, um limite na inscrição de novos subscritores, a partir de 1 de janeiro de 2006, vedando o acesso ao regime social convergente de trabalhadores ou agentes que exerçam funções públicas e se inscrevam após esta data, e, consequentemente, a obrigatoriedade da inscrição destes trabalhadores no regime geral da segurança social.
Neste sentido, a Caixa Geral de Aposentações está impedida de inscrever trabalhadores que, pela primeira vez, estejam a exercer funções públicas após o limite temporal estabelecido por aquela norma. Ou seja, o que o legislador pretendeu foi não aumentar o número de inscrições através do cancelamento da entrada de novos subscritores e, nessa medida, caminhar para a convergência ao mesmo tempo que se limita o crescimento da despesa pública nesta área.
Aliás, na exposição de motivos constante da Proposta de Lei nº 38/X pode ler-se, entre o mais, que “A concretização da convergência não deve, porém, fazer-se nem à custa do sacrifício das expectativas daqueles que, no quadro do regime actualmente em vigor, já reúnem condições para se aposentarem. Nem de rupturas fracturantes, optando-se antes por um modelo de transição gradual que aplica aos funcionários, agentes da Administração Pública e demais servidores do Estado o regime de pensões do Estatuto da Aposentação, o regime de segurança social ou ambos simultaneamente.”
Assim, a jurisprudência tem sido unânime em considerar que a norma do n.º 2 do artº 2º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, apenas proíbe a inscrição de novos subscritores que, efetivamente, iniciem ex novo funções públicas, independentemente, de terem ocorrido ou não hiatos temporais entre contratos celebrados com o Ministério da Educação para o exercício de funções docentes.
A interpretação seguida é a de que a norma em causa visa impedir a entrada de novos subscritores no sistema e não eliminar os subscritores que permanecem no mesmo.
O Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de 06/03/2014, no Proc. n.º 0889/13, sumaria que:
“I - Considerando a letra do art. 2º da Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro, que se refere apenas ao pessoal que “inicie funções” e a sua razão de ser (proibir a entrada de novos subscritores), afigura-se claro poder retirar-se que o mesmo deve ser interpretado no sentido de a Caixa Geral de Aposentações estar impedida de inscrever como subscritor aquele funcionário/agente que pela primeira vez venha a ser titular de relação jurídica pública.”
Na sua fundamentação, e quando em abstrato, este Acórdão se dedica a discorrer acerca do sentido e do alcance da norma, conclui: “assim sendo, considerando a letra do preceito e a sua razão de ser, afigura-se claro poder retirar-se do preceito que o mesmo deve ser interpretado no sentido de a CGA estar impedida de inscrever como subscritor aquele funcionário/agente que pela primeira vez venha a ser titular de relação jurídica pública”.
A referência que este Acórdão faz em relação à (des)continuidade temporal entre vínculos de emprego público surge, apenas, no contexto de aplicação dessa norma ao caso concreto e tendo em conta a sua factualidade própria. Veja que o julgador refere: “para além do mais, considerando que, no caso, não tendo havido sequer hiato temporal nem sequer descontinuidade na prestação do trabalho, a prevalecer a interpretação sufragada no Acórdão recorrido a mesma conduziria a um resultado desproporcionado e a ruturas fraturantes não desejadas pelo legislador, atenta a razão de ser das normas em causa”.
Efetivamente, à situação profissional da Autora não é de aplicar o disposto no artº 2º, n.º 2 da Lei n.º 60/2005, uma vez que o início das suas funções docentes ocorreu em data anterior a 1 de janeiro de 2006.
A descontinuidade temporal verificada nos seus vínculos de emprego público a termo não pode ser imputada à Autora.
Como é do conhecimento público, fruto do regime de recrutamento e contratação de docentes que vigorou nos últimos anos, no período em questão milhares de docentes, tal como a Autora, foram sempre opositores ao concurso nacional mas não obtiveram colocação anual (com início a 1 de setembro e término a 31 de agosto de cada um daqueles anos letivos).
As interrupções entre alguns desses contratos não impediram que a Autora voltasse a exercer funções e às quais correspondia o direito de manter a sua inscrição no regime social convergente.
O Supremo Tribunal Administrativo assim julgou nos Acórdãos proferidos em 09/06/2022, no Proc. n.º 099/21.6BEBRGe e em 22/09/2022, nos Procs. n.ºs 877/21.6BEBRG e 1974/20.0BEBRG, ao não admitir os recursos interpostos pela CGA e pelo Ministério da Educação em processos de docentes que tiveram hiatos temporais entre contratos, tendo confirmado as decisões judicias que reconheceram o direito daqueles docentes em manter o direito de inscrição na CGA, com efeitos retroativos.
Idêntica interpretação tem sido feita por este Tribunal Central Administrativo do Norte, sempre que tem sido chamado a interpretar o sentido e o alcance do artigo 2º da Lei nº 60/2005, de 29 de dezembro e aplicar esta norma a situações de facto idênticas à da Autora.
Com efeito, os nºs 1 e 2 do artigo 2º da Lei nº. 60/2005, de 29 de dezembro, preconizam a inadmissibilidade de novas inscrições na Caixa Geral de Aposentações, e, bem assim, a obrigatoriedade de inscrição no regime geral de segurança social de todo o pessoal que “inicie funções” a partir 1 de janeiro de 2006, ao qual, nos termos da legislação vigente, fosse aplicável o regime de proteção social da função pública em matéria de aposentação, em razão da natureza da instituição a que venha a estar vinculado, do tipo de relação jurídica de emprego de que venha a ser titular ou de norma especial que lhe conferisse esse direito.
Na determinação do que se deve entender relativamente à previsão “iniciem funções” contida nos nºs 2 do artigo 2º da Lei nº. 60/2005, dever-se-á atender ao teor da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, espraiada, entre muitos outros, no aresto de 06/03/2014, no âmbito do processo nº. 0889/13, que, quanto a esta temática, considerou que o disposto no nºs.1 e 2 do artigo da Lei nº. 60/2005 visa apenas abranger o pessoal que inicie absolutamente funções.
Como aí se sinalizou, por razões atinentes a uma interpretação harmoniosa com a letra e a teleologia intrínseca do artº 2º da Lei nº 60/2005, a eliminação da subscrição do trabalhador em funções públicas decorrente da cessação do exercício do seu cargo prevista no nº. 1 do artigo 22º do EA só ocorrerá se este não for investido noutro cargo a que antes de 01.01.2006 correspondesse direito de inscrição.
Os Acórdãos proferidos por este Tribunal Central Administrativo Norte, em 2022/01/28, no Processo nº 01100/20.6BEBRG, e em 2022/04/08, no Processo nº 00307/19.3VBEBRG concretizam que: “Verificando-se que antes de 01/01/06, a Autora estava inscrita na CGA e que posteriormente a essa data foi investida, através da celebração de sucessivos contratos com o Ministério da Educação, em cargo a que antes de 01.01.2006 correspondia o direito de inscrição na CGA, a mesma tem o direito à sua reinscrição, de acordo com o disposto no artigo 2º da Lei nº 60/2005.”.
Sistematicamente também assim temos decidido.
Em suma,
Considerar, tal como a Ré/Recorrente o faz, que a Autora está a iniciar funções nos termos desta disposição legal apresenta-se uma interpretação que não cabe na letra do artigo 2º, n.º 2, da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro;
A Autora não estava pela primeira vez a exercer funções públicas na data em que foi erradamente inscrita no regime geral da segurança social;
O artigo 22º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 09 de dezembro prevê as situações em que se verifica a “eliminação do subscritor”, com o respetivo cancelamento da inscrição:
“1. Será eliminado o subscritor que, a título definitivo, cesse o exercício do seu cargo, salvo se for investido noutro a que corresponda igualmente direito de inscrição.
2. O antigo subscritor será de novo inscrito se for readmitido em quaisquer funções públicas previstas nos artigos 1.º e 2.º e satisfizer o disposto no artigo 4.º.”;
Determina-se neste preceito que assiste ao ex subscritor o direito de ser de novo inscrito, caso pretenda voltar a ingressar em funções públicas, resultando que, o cancelamento da inscrição do subscritor ocorre caso exista cessação definitiva do exercício do cargo, assistindo-lhe, porém, o direito de ser de novo inscrito, se voltar a ingressar no exercício de funções públicas;
In casu, não se pode dizer que a Autora/Recorrida por ter celebrado, na Administração Pública e em anos sucessivos contratos com o mesmo empregador - o Ministério da Educação -, estivesse a iniciar funções nos termos e para os efeitos do artigo 2º, n.º 2 da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro;
Tal norma visa a proibição de entrada de novos subscritores e não a eliminação daqueles que já integravam a CGA;
Como tal, não assiste razão à Ré/Recorrente ao afirmar que a Autora cessou funções públicas passando à situação de ex-subscritora;
Bem andou, pois, a decisão recorrida, que condenou as Entidades Demandadas a reconhecerem o direito da Autora como subscritora da CGA e a praticarem todos os atos materiais necessários a repor a sua inscrição com efeitos à data em que foi erradamente inscrita no regime geral da segurança social, em conformidade, repete-se, com a posição da jurisprudência que defende que a proibição constante do nº 2 do artº 2º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, se aplica a novos subscritores que iniciem ex novo funções públicas, a partir de 1 de janeiro de 2006;
Nessa medida, a Autora não é ex subscritora da CGA, ao abrigo do disposto no artº 22º do Estatuto de Aposentação.
Improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 07/02/2025

Fernanda Brandão
Paulo Ferreira de Magalhães
Isabel Jovita