Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01566/24.5BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/21/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:LUÍS MIGUEIS GARCIA
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
FUMUS; ACTO ADMINISTRATIVO;
FORMA ESCRITA;
Sumário:
I) - «O n.º 1 do art.° 120.° do CPTA, obriga para o decretamento da providência que exista um juízo positivo relativamente à probabilidade de procedência da pretensão, que em concreto aqui inexiste, pois que se mostraria necessário que fosse “provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”» (Ac. do STA, de 23-01-2025, proc. n.º 047/24.1BALSB-A).*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

«AA» (Rua ..., Entrada ...7, ......, ... ...) recorre do decidido pelo TAF de Braga, que julgou improcedente providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo, bem como de ratificação de embargo extrajudicial, contra Agência Portuguesa do Ambiente (Rua ..., ..., ..., ... ...), e Município ... (Praça ..., ... ...).

Conclui:


A sentença enferma em erro de julgamento de facto e em matéria de aplicação e interpretação do direito.

Essencialmente o que estava em causa era comprovar e demonstrar a existência do acto adminstrativo, proferido nos termos do artigo 150º e segs. do CPA, que determinasse a demolição do Bar do Fojo.

0 Mmº Juiz, entendeu que a decisão final foi proferida em 2/9/2024.

Ao invés da parte - a APA - que considera que tal ocorreu em 21/3/2024,

E que, o documento de 2/9/2024, é apenas a resposta do Secretariado da Administração da Região Hidrográfica do Norte ao mandatário da Recorrente, face ao requerimento que este apresentou, em 16/8/2024.

O julgador foi mais além que a parte (a APA), nomeadamente, ao justificar e concluir que o acto foi praticado por escrito, e que, " efetivamente, não se encontra no processo administrativo a ata da deliberação do Conselho Diretivo da 1ª Requerida que ordenou a demolição do Bar do Fojo, como alega a Requerente."

Bem como, as ilações e conclusões que efetuou nesses parágrafos de fls. 30 da sentença, transcritos nas alegações e aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.

Sem base factual que lhe permita tal.

Em clara violação do princípio dispositivo, plasmado no artigo 3º nº1 do CPC.
10ª
E da livre apreciação da prova e da análise crítica da mesma, contidos no artigo 607º nº4 e 5 do CPC.
11ª
Quanto à questão a dirimir - a referida na 2ª conclusão – o Mmº Juiz não dá como provado a existência da deliberação, pois não a consegue transcrever, o seu teor, a data e quem foi o seu autor.
12ª
Não a sindicando.
13ª
E o Tribunal Superior também não a pode sindicar, por que não se encontra no processo.
14ª
O julgador a fim de convencer e ser convincente, deveria ao abrigo dos poderes inquisitórios, ter notificado a APA para juntar aos autos certidão do acto administrativo proferido no procedimento e após, decidir em conformidade.
15ª
Não pode e não deve é tirar ilações e conclusões sem base factual que lhas permita e sem a comprovação da existência da deliberação, nos termos do artigo 150º e segs. do CPA.
16ª
A sentença deve ser revogada e ordenar-se a baixa dos autos à 1ª instância, para efectuar a diligência mencionada na conclusão 14ª e proferir a decisão, conforme o que vier a dela resultar.
17ª
Ou, caso o Tribunal Superior entenda que não existe, in casu, acto administrativo, deve revogar a sentença, julgando procedente a providência cautelar.
18ª
Foram violados os artigos 3º nº1 e 605º nºs 3, 4 e 5, ambos do CPC e os artigos 150º,151º,152º,153º,155º nº2, 161º e 162º, todos do CPA.

O Município contra-alegou, rematando que “deverá ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirmada a douta sentença recorrida.”.
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O Exm.º Procurador-Geral Adjunto foi notificado nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, não emitindo parecer.
*
Com legal dispensa de vistos, cumprindo decidir.
*
Os factos, que o tribunal “a quo” julgou sumariamente provados:
1. Em cumprimento de deliberação da Câmara Municipal ... de 03.09.1974, foi emitido a favor de «BB», em 09.09.1974, alvará de licença sanitária para explorar um estabelecimento de café, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., compreendido no prédio que confronta do norte, sul, nascente e poente com domínio marítimo, registado na íntegra no livro próprio, a folhas 16 verso, sob o nº 317, do qual foi enviado cópia à Delegação de Saúde de ... (cfr. fls. 24-25 do suporte eletrónico do processo).
2. O edifício onde foi instalado o referido estabelecimento de café foi construído em data indeterminada do ano de 1974, em área do domínio público marítimo (cfr. acordo das partes).
3. Em 14-03-1978, o Sr. «BB» veio, junto dos serviços de obras da Câmara Municipal ..., requerer “a substituição de um pavilhão na margem esquerda do rio Cávado, na Vila de ..., e a poente da Ponte sobre o mesmo rio. (…) O existente que é de madeira e que necessita de ser reparado, por isso o requerente pretende a colocação de um outro no mesmo lugar e de conformidade com o projeto junto” (cfr. PA nº 128/78 – fls. 4 a 14).
4. O pedido foi submetido a apreciação a 04-04-1978, tendo sido proferido o seguinte despacho:
O licenciamento também depende da D.G. de Portos. No entanto, a Câmara indefere o requerido, por se situar num local interdito à construção” (cfr. PA nº 128/78 – fls. 2).
5. Pelo ofício nº 1445, Proc. DGT/DP/SET, datado de 06-04-1979, a Delegação do Porto da Direcção-Geral do Turismo, informou «BB», entre outros, do seguinte:
“(..) Em referência ao requerimento acima indicado, cumpre-me comunicar que o estabelecimento mencionado em epígrafe foi declarado, por esta Delegação de interesse para o turismo (…)” (cfr. fls. 26 do suporte eletrónico do processo).
6. Com data de 11-04-1979, a Delegação Marítima ... (Ministério da Marinha), pelo seu ofício nº 128, Processo B.16.03, informou «BB», que:
(...) Sobre o pedido de substituição das atuais paredes do pavilhão pré-fabricado na margem esquerda do ..., informo V. Exª, de que esta delegação Marítima não vê inconveniente na sua pretensão.
Mais informo V. Exª de que o requerimento deverá ser enviado à Direção-Geral de Portos, única entidade competente para o seu deferimento” (cfr. fls. 35 do suporte eletrónico do processo).
7. Com data de 17-04-1979, mas com data de entrada nos serviços camarários de 23- 04-1979, «BB», requereu à Câmara Municipal ..., o seguinte:
Pedia a V. Exª se digne aprovar a substituição das paredes exteriores de um pavilhão pré-fabricado existente em ... no lugar do Estaleiro por paredes de tijolo
(…).
Pedia ainda a V. Exª, que se digne dar parecer urbanístico, paisagístico e turístico. A respetiva remodelação não altera o projeto já existente, convicto que a apreciação de V. Exª, me dará parecer favorável” (cfr. fls. 36-41 do suporte eletrónico do processo).
8. Em 02-05-1979, «BB» entregou, endereçado ao Chefe da Delegação do Porto da Direcção-Geral do Turismo, o seguinte requerimento:
(...) pretendendo instalar um estabelecimento similar num edifício já existente, sito na margem esquerda do Rio Cávado, em ..., do concelho ..., distrito ..., pertencente ao grupo 2 conforme o indicado no Artº 18º do Decreto-Lei nº 49 399 de 24 de novembro de 1969, e com a categoria de 3ª, tem a honra de submeter à apreciação de V. Exª a localização e o projeto do referido empreendimento, para o que junta os elementos citados nos artigos 15º e 18º do Decreto nº 61/70 de 24 de fevereiro de 1970 (...)” (cfr. fls. 27-28 do suporte eletrónico do processo).
9. Para efeitos de apreciação da localização e do projeto do estabelecimento acima aludido, a Direção Geral do Turismo consultou as seguintes entidades: Junta Autónoma das Estradas; Direção-Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos – Direção dos Serviços de Controlo da Poluição; Direção Geral de Saúde, e Direção Geral de Portos (cfr. fls. 29-34 do suporte eletrónico do processo).
10. A Câmara Municipal ..., em reunião de 08-05-1979, deliberou, por unanimidade dos presentes, autorizar as obras requeridas e dar parecer favorável sobre os aspetos urbanísticos, paisagísticos e turísticos (cfr. fls. 42 do suporte eletrónico do processo).
11. Pelo ofício nº 680, Proc. 48/79 de 23-07-1979, relativamente à “LOCALIZAÇÃO E PROJETO DE UM ESTABELECIMENTO SIMILAR DE HOTELEIRO; SITO NA MARGEM ESQUERDA DO RIO CÁVADO – ..., ... – «BB»”, a Câmara Municipal ... informou o Chefe de Repartição de Projetos – Direção dos Serviços do Equipamento e Património – Direcção-Geral de Turismo (Lisboa), do seguinte:
Relativamente ao ofício nº 17565, Proc. ES-10405/2, de 12 do corrente, cumpre-me informar V. Exª que esta Câmara, de harmonia com a deliberação de 17 também deste mês, não vê qualquer inconveniente na localização do estabelecimento em causa, nomeadamente quanto aos condicionamentos a indicar ou quaisquer servidões e interferência do presente empreendimento com alguma zona de proteção de imóvel classificado como monumento nacional ou de interesse público” (cfr. fls. 43 do suporte eletrónico do processo).
12. A localização e o projeto foram objeto de apreciação pela Direção Geral do Turismo em 27-02-1980, a qual decidiu não aprovar a localização e o projeto apresentado (cfr. fls. 27-28 do suporte eletrónico do processo, bem como PA nº 164/79 – fls. 4).
13. O proprietário do “Bar do Fojo”, «BB», possuía a Licença com o nº 283/76, de 4 de Maio de 1976, emitida pela Direcção-Geral de Portos (Divisão de Licenças), com validade de um ano, para armação/manutenção de um pavilhão pré-fabricado em madeira em terreno do Domínio Público Marítimo, situado no sítio do Estaleiro, freguesia ..., do concelho ..., distrito ... (cfr. fls. 44-46 e 410-414 do suporte eletrónico do processo, que aqui se dão por reproduzidas).
14. Essa licença veio a ser sucessivamente renovada até 30.04.1989 (cfr. fls. 47-50, 415-419 e 420-421 do suporte eletrónico do processo).
15. Em 19-03-1997, o Sr. «BB» apresentou, nos serviços da Câmara Municipal ..., pedido de licenciamento para obras de reparação da construção sita em Estaleiro, ..., acima identificada (cfr. PA nº 867/97 – fls. 1 a 19).
16. No âmbito do pedido de licenciamento foi colhido o parecer da Direção Regional do Ambiente e Recursos Naturais do Norte e do Instituto da Conservação da Natureza - Área de Paisagem Protegida do Litoral de ... (cfr. PA nº 867/97 – fls. 19 e 20).
17. No dia 19 de outubro de 1999, o Serviço de Fiscalização do 2º Requerido detetou que o Sr. «BB» estava a “levar a efeito obras de construção de um anexo, com cerca de 40 m2 (…) sem licença (…)” (cfr. PA nº 867/97 – fls. 30 a 32).
18. Subsequentemente, o 2º Requerido determinou o embargo das obras em causa, a instauração do competente auto de contraordenação e a notificação do Sr. «BB» para proceder à demolição da construção em causa (cfr. PA nº 867/97 – fls. 33).
19. No dia 12-11-1999, os trabalhos em causa foram objeto de embargo administrativo (cfr. PA nº 867/97 – fls. 36 a 42).
20. A 04-04-2000, o Serviço de Fiscalização do 2º Requerido detetou que o embargo não estava a ser respeitado, o que foi comunicado ao Ministério Público (PA nº 867/97 – fls. 45-49).
21. A 07-01-2015, o 2º Requerido rececionou um ofício subscrito pelo 1.º requerido com o seguinte teor:
A Polícia Marítima trouxe ao nosso conhecimento a existência de umas construções muito degradadas nas margens do Rio Cávado ambas ligeiramente a jusante da Ponte de ... (EN13). Na margem esquerda será, alegadamente, um local de recolha de bens do Sr. «BB», mas contém anúncio indiciador do funcionamento de um bar nessa construção.
Gostaríamos de saber se será possível a essa Câmara Municipal tomar alguma ação com vista à retirada desta construção ilegal e a funcionar como habitação em condições de insalubridade” (cfr. PA nº 867/97 – fls. 55).
22. Após ter sido constatado que a construção em causa nos presentes autos, que se encontrava na margem do Rio Cávado, aí se mantinha, foi proposta a demolição da mesma, tendo a mesma sido reiterada após a pronúncia do Sr. «BB» em sede de audiência prévia (cfr. PA nº 867/97 – fls. 57-119).
23. Nessa altura, a intenção de demolição do Bar do Fojo manifestada pelo 2º Requerido motivou a subscrição de uma carta aberta subscrita por 103 arquitetos e doutorandos em arquitetura a defender o interesse urbanístico do edifício, como parte do património arquitetónico da Vila de ... (cfr. fls. 84-87 do suporte eletrónico do processo).
24. A Secretaria de Estado da Cultura, por comunicação datada de 16-10-2015, dirigida ao arquiteto «CC», primeiro subscritor da referida carta aberta, notificou-o de que o edifício do Bar do Fojo não assumia valor patrimonial de interesse nacional, bem como de que iria enviar de cópia do processo à Câmara Municipal ... para ponderação de eventual classificação como monumento de interesse municipal (MIM) – (cfr. fls. 88-90 do suporte eletrónico do processo).
25. A Requerente e os seus irmãos, «DD», «EE» e «FF», são os únicos e universais herdeiros de «BB», falecido a 14.03.2019, na qualidade de seus descendentes (cfr. fls. 487-489 do suporte eletrónico do processo).
26. Do acervo hereditário declarado pela Requerente para efeitos de imposto de selo, consta o direito de superfície perpétuo relativo ao estabelecimento designado “Fojo”, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4373, da União de Freguesias ... e ..., concelho ... (cfr. 490-492 do suporte eletrónico do processo).
27. Em 12.06.2024, as Entidades Requeridas celebraram entre si um Protocolo de Cooperação Técnica para Realização da “Intervenção de Demolição do Bar do Fojo” (cfr. fls. 91-98 do suporte eletrónico do processo).
28. Em 11.07.2024, a 1ª Requerida, através do seu Vice-Presidente, elaborou e mandou afixar o Edital nº S041784-202407 - Edital nº-000065-ARHN.DRHL, relativo ao Processo nº ARHN.DRHL.00109.2024, com o seguinte teor:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

29. Esse edital veio a ser afixado em 18.07.2024 (cfr. fls. 437-446 do suporte eletrónico do processo).
30. Em 16.08.2024, a Requerente veio a pronunciar-se sobre a intenção de demolição do Bar do Fojo, opondo-se à mesma (cfr. fls. 63-72 do suporte eletrónico do processo, que aqui se dão por reproduzidas).
31. Em 02.09.2024, o mandatário da Requerente recebeu por correio eletrónico a seguinte comunicação da 1ª Requerida (cfr. fls. 73-83 do suporte eletrónico do processo):
Em resposta ao vosso requerimento infra, comunica-se a V. Exª dará continuidade ao procedimento de demolição, tendo em conta que se está perante uma reposição da legalidade, conforme a seguir se evidencia.
1. Efetivamente, a construção que se pretende que venha a ser demolida encontra-se implantada na margem do rio Cávado, em troço que se considera navegável e em área sob jurisdição da Autoridade Marítima.
2. Ora, nos termos da lei nº 54/2005, de 15 de novembro, na sua atual redação, as margens dos cursos de água navegáveis sob jurisdição da Autoridade Marítima possuem uma largura de 50 m e presumem-se integrar o Domínio Público Hídrico (DPH) pertencente ao Estado;
3. Os terrenos que integram o domínio público do Estado estão submetidos a um regime especial de proteção em ordem a garantir que desempenhem o fim de utilidade pública a que se destinam, regime que os subtrai à disciplina jurídica dos bens do domínio privado tornando-os inalienáveis, impenhoráveis e imprescritíveis.
4. O terreno onde se implanta o edifício que se pretende demolir não se encontra reconhecido como privado nos termos da Lei nº 54/2005, de 15 de novembro, na sua atual redação, pelo que integra o DPH como vem reconhecido no requerimento infra, quando, na descrição do historial daquela construção, se refere ter o mesmo sido, em tempo, objeto de licenciamento pela ocupação desse espaço dominial pertencente ao Estado.
5. É um facto que, presentemente, não existe qualquer título válido para ocupar o espaço do DPH com a construção em causa, pelo que, e tendo em conta o anteriormente referido, a mesma encontra-se em situação ilegal.
6. Acresce ainda que, se por mera hipótese académica, fosse proposto a esta entidade, com competências na gestão da área pertencente ao DPH no local em causa, o licenciamento da ocupação do DPH para a referida construção, esse pedido não poderia ser deferido, tendo em conta que não se encontra justificação para se ocupar o espaço dominial pertencente ao Estado para manter/reabilitar construção destinada a equipamento similar a restauração em área de risco de inundação do rio Cávado e constituindo obstáculo significativo ao exercício de Servidão marginal a que se refere o artº 21º da citada Lei nº 54/2005, na sua atual redação”.
32. Na mesma data, foram iniciados os trabalhos de demolição do edifício do “Bar do Fojo” por empresa contratada pelo 2º Requerido, tendo-se a Requerente oposto aos mesmos, procedendo ao seu embargo extrajudicial (cfr. fls. 99-101 do suporte eletrónico do processo).
33. O embargo extrajudicial efetuado pela Requerente não foi acatado pelo 2º Requerido, tendo o seu representante «GG» referido claramente e por várias vezes que os trabalhos não paravam e que era para se proceder à demolição do Bar do Fojo (cfr. fls. 99-101 do suporte eletrónico do processo).
34. A demolição do edifício obsta à possibilidade de exploração do Bar do Fojo por parte dos herdeiros de «BB» (presunção judicial).
Mais se provou sumariamente que:
35. Em 16.01.2024, foi realizada uma inspeção ao local, estando presentes diversas entidades, concretamente, um representante da ARHNorte, da APA.I.P., da Câmara Municipal ..., da Proteção Civil Municipal, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, da Autoridade Marítima Nacional e da Polícia Marítima, na sequência da qual foi elaborada a Informação n.º I004412-202403-ARHN.DRHL, pela Divisão de Recursos Hídricos do Litoral da APA, datada de 19.03.2024, com a seguinte conclusão:
«O “Bar do Fojo” constitui uma ocupação não legitimada do domínio público hídrico - leito e margem do Rio Cávado – que no local se considera navegável e flutuável e sobre jurisdição da Autoridade Marítima.
Conforme se pôde verificar na visita efetuada ao local, as edificações encontram-se em elevado estado de degradação, com a presença de resíduos perigosos (materiais contendo amianto – telhas de fibrocimento) constituindo assim um foco de insalubridade no local e sendo lesivo para a saúde e segurança pública.
Assim, proponho que se dê início a um procedimento tendente à demolição total da área edificada, remoção da vegetação (essencialmente espécies infestantes) e à limpeza e requalificação do local.
Para tal, deverá proceder-se à afixação de editais nos locais de estilo, a tornar pública a intenção de se proceder à demolição do “Bar do Fojo” e a convidar todos os interessados para, querendo, se pronunciarem, por escrito, sobre todas as questões que constituem objeto do presente procedimento, apresentar objeções à referida demolição, requerer diligências ou juntar novos documentos, durante o prazo de 20 dias úteis».
36. Seguidamente, em 29.04.2024 foi afixado o edital a notificar todos os interessados da intenção de demolição do Bar do Fojo para efeitos do exercício do direito de audiência prévia, subscrito pela Administradora Regional da ARH do Norte (cfr. fls. 429-432 do suporte eletrónico do processo).
37. Por correio eletrónico remetido em 28.05.2024, a Requerente veio, através do seu mandatário, alegar a nulidade da notificação por edital (cfr. fls. 433-434 do suporte eletrónico do processo).
38. Tendo sido verificada a existência de vícios formais, foi declarada a nulidade do referido Edital e ordenada a repetição da notificação, mediante a afixação de novo edital, tendo essa decisão sido comunicada ao mandatário da Requerente, em 12.07.2024, através de correio eletrónico (cfr. fls. 435-436 do suporte eletrónico do processo).
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A apelação:
A requerente/recorrente peticionou nos autos que fosse “decretada a suspensão da eficácia do ato pelo qual foi ordenada, verbalmente, certamente, à Câmara Municipal ..., a demolição do denominado “Bar do Fojo”, acima identificado, ratificando-se também o embargo extrajudicial efetuado em 2 de Setembro de 2024, pela ora Requerente”.
O tribunal “a quo” conclui pela improcedência.
Contra o que a recorrente entende, viu existir um acto administrativo.
E assim identificou quando, depois de acolher um “periculum in mora”, afastou cumulativo “fumus boni iuris”, observando:
«Com efeito, as partes convergem em que o Bar do Fojo está instalado em domínio público hídrico, mais concretamente o domínio público marítimo.
À data da construção e início da exploração do Bar do Fojo, em 1974, regia esta matéria o Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de novembro, que reviu, atualizou e unificou o regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico, no qual se incluem os leitos e as margens das águas do mar, correntes de água, lagos e lagoas, de modo a facilitar o seu aproveitamento para os diversos usos de que são economicamente suscetíveis, como resulta do respetivo sumário.
Ora, nos termos do artigo 2º, nº 1 do citado diploma legal (doravante implícito na falta de indicação da fonte), “entende-se por leito o terreno coberto pelas águas, quando não influenciadas por cheias extraordinárias, inundações ou tempestades. No leito compreendem-se os mouchões, lodeiros e areais nele formados por deposição aluvial”.
Por sua vez, o nº 3 do mesmo preceito legal dispõe que, para além do leito das águas do mar ou outras influenciadas pelas marés, “o leito das restantes águas é limitado pela linha que corresponder à estrema dos terrenos que as águas cobrem em condições de cheias médias, sem transbordar para o solo natural, habitualmente enxuto. Essa linha é definida, conforme os casos, pela aresta ou crista superior do taludo marginal ou pelo alinhamento da aresta ou crista do taludo molhado das motas, cômoros, valados, tapadas ou muros marginais”.
Quanto às margens, o artigo 3º fornece a sua noção e define a sua largura, fixando em 50m a largura da margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição das autoridades marítimas ou portuárias, em 30m a margem das restantes águas navegáveis ou flutuáveis.
Isto posto, “consideram-se do domínio público do Estado os leitos e margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, sempre que tais leitos e margens lhe pertençam, e bem assim os leitos e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis que atravessem terrenos públicos do Estado” (cfr. artigo 5º, nº 1).
Deste modo, considerando a localização do Bar do Fojo, não há dúvida de que o mesmo se encontra em domínio público do Estado.
De resto, muito embora a lei contemple a possibilidade do reconhecimento de propriedade privada de parcelas de tais leitos e margens, nos termos do artigo 8º, essa questão não se coloca, uma vez que a Requerente não a suscitou.
Ainda assim, o artigo 17º previa que “com o consentimento das entidades competentes, podem parcelas determinadas dos terrenos públicos referidos neste diploma ser destinadas a usos privativos”.
Nesses casos, o direito de uso privativo de qualquer parcela dominial só podia ser atribuído mediante licença ou concessão, sendo certo que todos os usos privativos que não exigissem a realização de investimentos em instalações fixas e indesmontáveis nem fossem consideradas de utilidade pública, eram objeto de licença, outorgada a título precário (cfr. artigo 18º, n.os 1 e 2). Nesse sentido, o artigo 20º fixava em cinco anos o prazo máximo de duração das licenças.
Por outro lado, se a utilização permitida envolvesse a realização de obras ou alterações, o direito do uso privativo abrangia poderes de construção, transformação ou extração, conforme os casos, entendendo-se que tanto as construções efetuadas como as instalações desmontáveis se mantêm na propriedade do titular da licença ou da concessão até expirar o respetivo prazo. Mas uma vez expirado o prazo, as instalações desmontáveis deveriam ser removidas do local pelo respetivo proprietário, no prazo que lhe for marcado, enquanto as obras executadas e as instalações fixas deviam ser demolidas pelo respetivo titular, salvo se o Estado optasse pela reversão ou prorrogasse a licença (cfr. artigos 21º, nº 2 e 26º, n.os 1 e 2).
Em qualquer caso, sempre que o uso privativo implicasse a realização de obras pelo interessado, cabia a este submeter o respetivo projeto à aprovação da entidade competente, devendo executar as obras dentro dos prazos que lhe fossem fixados e de harmonia com o projeto aprovado e com as leis e regulamentos em vigor (cfr. artigo 22º, nº 1).
Note-se que, nos termos do artigo 24º, nº 1, pelo uso privativo de terrenos dominiais era devida uma taxa, a pagar anualmente, salvo estipulação em contrário, calculada de harmonia com as tarifas aprovadas ou, na falta delas, conforme o que em cada caso for fixado pela entidade competente.
Finalmente, a transmissão para outrem das licenças concedidas dependia de autorização da entidade licenciadora, mas, nos casos de sucessão legítima ou legitimária, as licenças transmitiam-se aos herdeiros, só que a entidade competente podia revogá-las ou rescindi-las se isso lhe conviesse (cfr. artigo 25º, n.os 1 e 3).
Acresce que a entidade competente podia extinguir em qualquer momento, por ato fundamentado, os direitos de uso privativo constituídos mediante licença ou concessão, se os terrenos dominiais fossem necessários à utilização pelo público sob a forma de uso comum ou se outro motivo de interesse público assim o exigir, sem que a revogação das licenças conferisse ao interessado direito a qualquer indemnização (cfr. artigo 28º, n.os 1 e 2).
Em conformidade com este quadro legal, a licença atribuída ao pai da Requerente foi concedida pelo prazo de um ano e renovada por iguais e sucessivos períodos até meados do ano de 1989, não havendo qualquer evidência de que a mesma tenha sido renovada para além desse período de tempo, como decorre da factualidade provada.
De resto, a própria licença incluía no seu clausulado disposições similares às do diploma legal ao abrigo da qual foi concedida, nomeadamente quanto à sua precariedade e à possibilidade da sua anulação ou alteração sem que o seu titular tivesse direito a qualquer indemnização (cfr. cláusula 4ª da Licença nº 283/76, de 4 de maio, emitida pela Direção Geral de Portos).
Além disso, a cláusula 12ª da mesma licença previa que “desde que a prorrogação não seja requerida, ou a licença tenha de ser considerada caduca, as instalações desmontáveis deverão ser removidas do local e as obras executadas deverão ser demolidas pelo titular da licença, salvo se o Estado optar pela reversão, não derivando, daí, para o interessado direito a qualquer indemnização”.
Posteriormente, o referido Decreto-Lei n.º 468/71, viria a ser parcialmente revogado (capítulos I e II) pela Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, que aprovou a titularidade dos recursos hídricos e, posteriormente, pela Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro (quanto aos capítulos III e IV), que aprovou a Lei da Água.
Em 1974, a parcela da margem onde se situa(va) o Bar do Fojo integrava a jurisdição da Direcção-Geral de Portos, mas com a publicação do Decreto-Lei n.º 201/92, de 29 de setembro, essa jurisdição viria a ser transferida para a Direcção-Geral dos Recursos Naturais, depois Instituto da Água, sendo que atualmente está integrada na jurisdição da APA, I.P.
De facto, atualmente, no domínio dos recursos hídricos, a APA, I.P. exerce as funções de Autoridade Nacional da Água, como resulta do artigo 2º, nº 3 da respetiva Lei Orgânica, aprovada pelo Decreto-Lei nº 56/2012, de 12 de março, com a missão e atribuições previstas no artigo 3º do mesmo diploma legal.
Como resulta do artigo 59º, nº 2 da Lei da Água, “o direito de utilização privativa de domínio público só pode ser atribuído por licença ou por concessão qualquer que seja a natureza e a forma jurídica do seu titular, não podendo ser adquirido por usucapião ou por qualquer outro título”.
Ora, a utilização do domínio público para os efeitos pretendidos pelo pai da Requerente continuou a carecer de licença, nos termos do artigo 60º, nº 1 da Lei da Água, sendo certo que a mesma continua a ter caráter precário, podendo ser concedida pelo prazo máximo de dez anos (cfr. artigos 67º, n.os 1 e 2 e 69º, nº 1 do mesmo diploma legal).
Nesse sentido, o artigo 69º, nº 2, al. b) da Lei da Água estipula que, findo o prazo fixado na licença, as instalações desmontáveis são removidas e as instalações fixas são demolidas, salvo se a administração optar pela reversão a título gratuito, mantendo o regime anterior acima citado.
Por outro lado, como o 2º Requerido frisou e resulta da factualidade provada, nem o pai da Requerente obteve aprovação da Direção Geral do Turismo para o efeito em vista nem a construção do Bar do Fojo foi devidamente licenciada, nos termos do artigo 22º, nº 1 do Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de novembro, tendo aquela autarquia local emitido apenas o alvará de licença sanitária e autorizado obras de conservação.
Porém, esse alvará de licença sanitária caducou, por força da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 370/99, de 18 de setembro, que revogou a Portaria 6065, de 30 de março de 1929, ao abrigo da qual aquela havia sido concedida, atendendo a que o pai da Requerente procedeu a obras de ampliação, reconstrução ou alteração do edifício do Bar do Fojo após a emissão daquela (cfr. artigo 33º do citado diploma legal).
Apreciemos agora os vícios imputados ao ato suspendendo pela Requerente.
Por um lado, a Requerente alega que o mesmo não tem uma fundamentação válida.
Ora, face ao disposto nos artigos 152º, nº 1, al. a) e 153º, n.os 1 e 2 do CPA, não há dúvida que o ato suspendendo carecia de uma fundamentação clara, congruente e suficiente, mediante a qual o destinatário pudesse compreender não apenas o sentido da decisão, mas também o processo mental do decisor para chegar à mesma.
Neste caso, o ato suspendendo, pelo menos em conjugação com o edital de 11.07.2024, satisfazia as exigências de fundamentação previstas na lei, tanto assim que a Requerente não manifesta dúvidas quanto ao seu sentido e alcance, embora discorde do mesmo, apontando-lhe causas de invalidade.
Donde, quando refere que o ato suspendendo não tem uma fundamentação válida, a Requerente não pretendeu pôr em causa a sua fundamentação formal, mas sim a validade das razões de factos e de direito que lhe servem de base, ou seja, a sua fundamentação substancial.
Todavia, como flui do enquadramento legal acima enunciado, o ato suspendendo não incorre em qualquer vício substancial, uma vez que se verificam os pressupostos de facto e de direito em que o mesmo assenta.
Por outro lado, a Requerente invoca a nulidade do ato suspendendo, por violação do disposto no artigo 161º, nº 2, al. g) do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Segundo este preceito legal, são nulos os atos que careçam em absoluto de forma legal. Quanto à forma legal, o artigo 150º, nº 1 do CPA estabelece que “os atos administrativos devem ser praticados por escrito, desde que outra forma não seja prevista por lei ou imposta pela natureza e circunstância do ato”.
Já o nº 2 do mesmo preceito legal especifica que “a forma escrita só é obrigatória para os atos dos órgãos colegiais quando a lei expressamente a determinar, mas esses atos devem ser sempre consignados em ata, sem o que não produzem efeitos”.
Além disso, o artigo 151º, nº 1 do CPA indica quais as menções obrigatórias que devem constar do ato administrativo.
E o artigo 155º, nº 2 do CPA acrescenta que “o ato considera-se praticado quando seja emitida uma decisão que identifique o autor e indique o destinatário, se for o caso, e o objeto a que se refere o seu conteúdo”.
Neste caso, sendo certo que sobre a Informação n.º I004412-202403-ARHN.DRHL, elaborada pela Divisão de Recursos Hídricos do Litoral da 1ª Requerida, datada de 19.03.2024, não veio a recair nenhuma decisão expressa, tanto quanto resulta do processo administrativo, não há dúvida que os editais que vieram a ser elaborados posteriormente, mormente o segundo, corporizam a emissão de um projeto de ato administrativo, contendo as menções obrigatórias acima aludidas.
Por outro lado, a decisão final do procedimento administrativo, tomada em 02.09.2024, após a pronúncia da Requerente sobre a intenção de demolição do Bar do Fojo e que manteve o projeto de decisão anterior, permite determinar de forma inequívoca o seu sentido e alcance, bem como os seus efeitos jurídicos.
É certo que o correio eletrónico enviado nessa data ao mandatário da Requerente não permite determinar quem foi o autor do ato, uma vez que foi remetido pelo Secretariado da Administração da Região Hidrográfica do Norte. Além disso, essa comunicação toma posição expressa sobre a pronúncia da Requerente, mas omite as referências quanto ao objeto do ato administrativo que estavam contidas no edital acima aludido, sem que faça uma remissão expressa para o mesmo, fazendo dele sua parte integrante. Compreende-se que essas referências estão implícitas nessa comunicação, nomeadamente para quem consulta o processo administrativo, mas é hoje pacífico que o ato administrativo deve conter as menções obrigatórias, sem que o seu destinatário tenha de andar à procura dos seus elementos noutras peças procedimentais.
Por seu turno, efetivamente, não se encontra no processo administrativo a ata da deliberação do Conselho Diretivo da 1ª Requerida que ordenou a demolição do Bar do Fojo, como alega a Requerente.
Contudo, se bem interpretamos o disposto no artigo 150º, nº 2 do CPA, a cominação de ineficácia das deliberações dos órgãos colegiais não consignadas em ata só opera se as mesmas não forem praticadas por escrito, como forma de salvaguardar a existência de suporte material do ato administrativo.
No caso em apreço, porém, o ato suspendendo foi praticado por escrito, pelo que produziu os seus efeitos normais.
Isto posto, muito embora não vingue a tese da Requerente quanto à causa de nulidade do ato suspendendo, por carência em absoluto de forma legal, uma vez que o mesmo foi praticado por escrito, é certo que o mesmo incorre em vício formal pela falta de todas as menções obrigatórias. Ora, esse vício de forma seria cominado com a anulabilidade, nos termos do artigo 163º, nº 1 do CPA.
No entanto, atento o disposto no artigo 163º, nº 5, al. a) e c) do CPA, não se deve produzir o efeito anulatório quando o conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por ser o seu conteúdo vinculado ou porque a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, e ainda quando se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.
Ora, perfunctoriamente, é esse o entendimento que deve prevalecer neste caso, atendendo ao enquadramento legal em que se inscreveu a atribuição de licença ao pai da Requerente, já acima enunciado.
Com efeito, a Requerente, na qualidade em que litiga, não se pode arrogar como proprietária nem titular de qualquer direito real de gozo sobre o edifício em que funcionava o Bar do Fojo, na exata medida em que o mesmo se situa em domínio público hídrico e que a licença que foi concedida ao seu pai era precária, tendo entretanto caducado, devendo as respetivas instalações ser removidas ou demolidas, sem direito a qualquer indemnização.
De resto, a mera declaração perante a Administração Fiscal da titularidade do direito de superfície, para efeitos de liquidação/isenção de imposto de selo, não é fundamento bastante para que o mesmo lhe seja reconhecido, uma vez que não constitui título aquisitivo.
Além disso, o imóvel não foi classificado como monumento de interesse nacional nem municipal, pelo que essa questão se desloca para o plano político-administrativo, dado tratar-se de uma competência técnica da Administração Pública central e local, respetivamente, não havendo fundamento jurídico para obstar à sua demolição por razões culturais.
Nesse quadro, não se considera provável a procedência da ação principal, sem prejuízo de melhor apreciação nessa sede.
Face ao exposto, a providência cautelar requerida deve necessariamente improceder, sem necessidade de se fazer a ponderação dos interesses públicos e privados em presença na situação em apreço.».
A censura da recorrente dirige-se contra o pressuposto acto identificado neste julgamento, em que o tribunal, ao seu ver, limitado pelo princípio do dispositivo, teria ultrapassado poderes de cognição.
Mas nisso certamente que o tribunal não incorreu em erro quando outro acto também a própria requerente não delimitou.
Não podendo também agora sob invocação de inquisitório reverter de falta ao julgamento o que de seu próprio ónus não lhe importou.
Sem que o tribunal tivesse tirado “ilações e conclusões sem base factual”; bem ao invés; o tribunal identificou o acto perante o que provado se encontra; não advindo ofensa de “livre apreciação da prova e da análise crítica da mesma”; um erro, a extrair, não decorre do julgamento de facto, situar-se-á na valoração jurídica.
O tribunal viu existir um acto, revestido de forma legal (mais acolhendo encontrar-se fundamentado, formal e substancialmente; bem assim ter caducado licença; e que apesar da falta de todas as menções obrigatórias, não se deve produzir o efeito anulatório – razões não sindicadas no inconformismo da recorrente).
Os juízos proferidos nesta matéria pelos Tribunais que apreciam a providência cautelar são juízos meramente perfunctórios, como se impõe em sede de apreciação cautelar; o juízo tido pelo tribunal “a quo” vem sustentado e é sustentável; possa entender-se oferecer margem à discussão, a argumentação agora empregue pela recorrente fica pela discordância, sem exercício de uma censura crítica que faça descobrir erro de julgamento.
«O n.º 1 do art.° 120.° do CPTA, obriga para o decretamento da providência que exista um juízo positivo relativamente à probabilidade de procedência da pretensão, que em concreto aqui inexiste, pois que se mostraria necessário que fosse “provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”» (Ac. do STA, de 23-01-2025, proc. n.º 047/24.1BALSB-A).
Falha, no ponto, essa probabilidade.
Aparentemente pode divisar-se o acto, tanto que a requerente pediu de providência judiciária uma suspensão de eficácia de acto.
Num mero juízo de probabilidade.
Cujo relevo jurídico quanto ao ponto acaba por ser diminuto.
Pois incontroverso que a licença se encontra caduca; despojada de título, claudica pretensão material coincidente com intentos de preservação.
De qualquer forma, duas evidências repugnam ao decretar de suspensão de eficácia.
Por um lado, mesmo segundo a linha fundamentadora seguida pelo tribunal “a quo”, sempre é de questionar se o acto, embora escrito [a proximidade entre o seu elemento volitivo e a forma escrita é tal que o TJUE já afirmou que estes dois elementos são “um todo indissociável” (cfr. Ac. do TJUE, de 15/06/1992, proferido no processo n.º C-137/92P (Caso Comissão contra BASF) ], será/seria passível de ver eficácia suspensa, quando desprovido de eficácia.
Cfr. Ac. deste TCAN, de 18-11-2010, proc. n.º 01154/03:
I. A forma do acto administrativo é o modo pelo qual a vontade do órgão administrativo se manifesta, exprimindo-se esta, normalmente, pela linguagem oral ou escrita.
II. A forma escrita é, geralmente, obrigatória para os actos administrativos, constituindo uma excepção relativamente aos actos dos órgãos colegiais que revestem a forma oral.

III. A forma oral justifica-se plenamente relativamente aos órgãos colegiais pois que eles deliberam através da conjunção (numa maioria) dos votos dos membros, sendo a vontade do órgão colegial apurada e declarada verbalmente pelo respectivo presidente, levando-se, depois, a deliberação tomada à acta da respectiva reunião.
IV. Por razões de certeza dos efeitos jurídicos decorrentes de um acto oral exige-se que este seja registado, pelo que as decisões verbais carecem de ser consignadas em acta, sem o que não produzirão quaisquer efeitos (arts. 27.º, n.º 1 e 122.º, n.º 2 do CPA e 92.º, n.º 4 da Lei n.º 169/99).
V. A diferença entre acta e acto escrito está em que aquela é narrativa, é uma descrição ou narração do que se passou, enquanto este é a manifestação da vontade do órgão administrativo.

VI. A função típica da acta, na ausência de norma em contrário, é apenas a de informar da existência da deliberação (documento «ad probationem actus») não se assumindo como elemento constitutivo da mesma (documento «ad substantiam»).
VII. A acta constitui, assim, um requisito de eficácia dos actos administrativos praticados de forma oral pelos órgãos colegiais, pelo que a sua falta não contende com a existência ou validade de actos administrativos emanados daqueles órgãos.
Por outro, logo por aqui também desperta que de todo em todo à recorrente não advém benefício do seu adverso esgrimir quanto à existência do acto.
O tribunal “a quo” conclui pela improcedência, tendo de permeio decidido, sem recair qualquer laivo de censura, que “o processo deve prosseguir somente para apreciação do pedido de suspensão de eficácia de ato administrativo”.
Assim, logo se depara inviável a conclusão de que “caso o Tribunal Superior entenda que não existe, in casu, acto administrativo, deve revogar a sentença, julgando procedente a providência cautelar”; não tem/não pode ser julgada procedente a providência quando/se destituída de um objecto sobre que possa recair uma suspensão de eficácia.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente.

Porto, 21 de Fevereiro de 2025.

Luís Migueis Garcia
Ana Paula Martins
Alexandra Alendouro