Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00057/11.9BEPNF-A
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO, JUROS INDEMNIZATÓRIOS;
JUROS MORATÓRIOS, TRÂNSITO EM JULGADO;
RESTITUIÇÃO DE COIMA, CUSTAS;
Sumário:
I - Não podem ser outorgados juros indemnizatórios fora das situações previstas no artigo 43.º da LGT, sendo insuficiente o artigo 100.º do mesmo diploma para tal efeito, por não configurar uma cláusula geral de reconhecimento de tais juros.

II - A génese em que assenta o núcleo de enquadramento de juros indemnizatórios e os juros de moratórios no direito fiscal português não tem a mesma natureza.

III - Por isso, face ao preceituado no artigo 43.º, n.º 5, da LGT, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, é admissível a atribuição cumulativa de juros indemnizatórios e de juros moratórios, calculados nos termos deste preceito legal.

IV - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas – cfr. artigo 43.º, n.º 5 da LGT.

V - Este normativo não é aplicável se a decisão judicial transitada em julgado não determinar a restituição de um imposto, mas antes, como in casu, a restituição de uma quantia relativa a coima e custos administrativos com processo contra-ordenacional.

VI - A obrigação da Administração Tributária de executar os julgados surge imediatamente com o trânsito em julgado da decisão judicial e não com a remessa, a requerimento do contribuinte, do processo para o serviço competente para a execução.

VII - Na falta da execução do julgado pela AT, no prazo previsto para a execução espontânea do mesmo, após o respectivo trânsito, apesar de não estar em causa um tributo, haverá lugar à sua condenação à restituição do valor relativo a coima paga indevidamente, acrescido de juros moratórios, à taxa legal de 4%, desde o termo do prazo para a execução espontânea do julgado até efectivo e integral pagamento da quantia a restituir, com fundamento no previsto no artigo 176.º, n.º 3 do CPTA ex vi artigo 146.º, n.º 1 do CPPT e artigo 3.º, alínea d) do RGIT, bem como no artigo 559.º, n.º 1 do Código Civil e na Portaria n.º 291/2003, de 08 de Abril.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 29/02/2016, que julgou parcialmente procedente a execução de julgado intentada por «AA», contribuinte n.º ...23, residente na Rua ..., ..., ..., tendo em vista a execução da sentença proferida no processo de oposição n.º 57/11.9BEPNF, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.
A sentença recorrida julgou a parcial procedência da acção do seguinte modo (sendo objecto do presente recurso apenas a parte desfavorável à Autoridade Tributária e Aduaneira):
A) Absolve-se a executada do pedido de pagamento da quantia de €974,40, respeitante a custas de parte;
B) Absolve-se a executada do pedido de pagamento de juros indemnizatórios na parte em que excede a taxa de juros legais de mora de 4%;
C) Determina-se o pagamento ao exequente, por conta da dotação orçamental inscrita à ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos termos do art. 170.º, n.º 2, alínea b), do CPTA, da quantia de €5.444,73, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal de 4% desde 19/02/2015, inclusive, até à data da emissão da nota de crédito.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“A) A Sentença de 11-12-2014, proferida no processo n.º 57/11BEPNF, do TAF de Penafiel, condena a AT na restituição ao ora Exequente do valor de €5 444,73, a título de coimas julgadas indevidamente pagas.
B) A mesma decisão, absolve a AT do pedido de juros indemnizatórios formulado pelo E., com o de restituição das coimas indevidamente pagas.
C) A situação em apreço não se subsume a nenhuma das situações previstas no art.º 43.º da Lei Geral Tributária. Porquanto
D) não houve reclamação graciosa ou impugnação judicial que determinasse que houve erro imputável aos serviços de que resultasse o pagamento de dívida tributária, em montante superior ao legalmente devido; e
E) não está em causa qualquer liquidação com base na declaração do oponente;
F) nem a situação em apreço não se subsume a nenhuma das previstas no n.º 3, desta norma, que se aplica apenas quando está em causa a restituição de um tributo, o que manifestamente não é aqui o caso. Ainda
G) o direito a juros indemnizatórios que resulta do artigo 43 n.º 1 da LGT, está sujeito à verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, designadamente, o facto, a ilicitude, a imputabilidade do facto ao agente, o dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
H) Só verificados estes pressupostos é que se constitui a obrigação de indemnizar nos termos legais, conforme dispõe o art.º 562.º do Código Civil aplicável “ex vi” art.º 2.º/d) da LGT.
I) E o reembolso do indevido ainda só não se verificou por, como se encontra reconhecido na sentença, o processo de oposição, elemento de extrema necessidade para se poderem operar as acções necessárias, estar apenso ao processo principal e só agora ter sido mandado desapensar e enviar aos serviços, o que ainda mais retira fundamento à obrigação de indemnizar por parte da AT.
J) Indemnização que é manifestamente indevida.
K) Também o artigo 43.º/ 1 da LGT não implica que a Autora tenha automaticamente direito ao ressarcimento de juros indemnizatórios nos termos legais.
L) a E. não preenche nenhum dos pressupostos contidos no referido art.º 43º da LGT, que legitimem tal ressarcimento.
M) As sentenças condenatórias constituem título executivo nos termos do disposto no art.º 703.º/1,a), do Código de Processo Civil.
N) E devem ser executadas, mas unicamente nos limites do que condenam.
O) A concretizar-se a sentença “a quo”, sempre estaria a condenar em execução com base em título inexistente, o que se deixa consignado para todos os devidos e legais efeitos, designadamente a nulidade da sentença.
P) Por a decisão indicar que incidem sobre esta dívida (coima) juros de mora com uma taxa reduzida a 4%, nos termos dos art.ºs 43.º,/4, 35.º/10, da LGT., e 559.º do Código Civil (CC), e Portaria n.º 291/2003, de 08 de Abril, e considerar que não pode incidir a taxa pedida pelo exequente, também aqui comete erro na determinação das normas aplicáveis à situação concreta.
Q) O artigo 3.º do D.L. n.º 73/99, de 16 de Março, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 165.º da Lei 3-B/2010, de 28/04, OE/2011, consagra que a taxa de juro de mora tem vigência anual com início em 01 de Janeiro de cada ano, sendo apurada a publicitada pelo Instituto de Gestão do Crédito Público IP (IGCP, IP), através de aviso publicado no Diário da República até ao dia 31, de Dezembro do ano anterior.
R) De acordo com o Aviso n.º 130/2015, publicado no Diário da República n.º 4/2015, 07/012015, da Agência da Gestão de Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP. EPE., a taxa de juro de mora aplicável às dívidas ao Estado e a outras entidades públicas passou a ser de €5,476%.
S) Portanto, ainda que pudessem ser liquidados juros de mora, que não podem, por violação do disposto no art.º 43.º/5, da LGT., e 88.º/1, do DL: n.º 433/82, de 27 de Outubro, nunca o seriam à taxa prevista na Sentença.
T) Também não são liquidáveis juros indemnizatórios, por não se encontrem cumpridos os pressupostos do art.º 43.º/3, da Lei Geral Tributária, visto não se tratar de tributo, e por ofensa frontal ao disposto no art.º 88.º/1, do RGCO, que não admite a incidência de quaisquer acréscimos sobre a coima. Ou seja,
U) A Sentença “a quo” procura fundamentar a aplicação de juros moratórios e, depois, condena em juros indemnizatórios remetendo para a taxa que a eles se aplica, com o que não especifica os fundamentos que justificam a decisão, incorrendo, portanto na causa de nulidade consagrada no art.º 615.º/1, a), do Código de Processo Civil.
V) Considera erradamente aplicável aos juros moratórios uma taxa de 4%, que não tem qualquer correspondência com a taxa legal aplicável a esta espécie de juros, sendo por isso ilegal.
W) É, portanto, ambígua a decisão no que respeita à fundamentação que invoca e obscura no seu segmento decisório, gerando um grau de dúvida e incerteza incompatíveis com o seu carácter axiológico, estando, por isso, eivada de nulidade, nos termos previstos no art.º 615.º/1, c), do CPC.
X) Atinge ainda o disposto no art.º 88.º/1, do D.L. 433/82, de 27 de Outubro, que contém o Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), e que se opõe a que sobre as coimas incidam quaisquer adicionais.
Y) A petição inicial é o articulado em que o autor propõe a acção e formula a sua pretensão de tutela jurisdicional que visa alcançar.
Z) De modo que a acção não pode proceder do juiz, da sua iniciativa, sem comprometer a posição de imparcialidade que se deve observar e manter no julgamento.
AA) Viola a Sentença lei substantiva nos termos que se deixaram demonstrados e, ainda, a lei processual (art.º 150.º/2 CPTA), ao não se conter nos limites do pedido, incorre na causa de nulidade constante do art.º 615.º/1, e), do Código do processo Civil.
BB) Devendo a sentença ser declarada nula e substituída por outra que julgue improcedente o pedido deduzido pelo exequente no respeitante aos juros moratórios e que declare a inaplicabilidade de juros indemnizatórios no caso vertente.
CC) Jamais poderia o Tribunal “a quo” ter decidido como decidiu, até porque a Executada só não cumpriu o julgado, pelas razões sobejamente apontadas nos autos que se prendem com o facto de os documentos dos processos de execução se encontrarem entranhados no processo judicial, e só agora ter sido ordenada a sua baixa aos serviços da AT, e que são necessários para se proceder ao processamento do reembolso.
DD) Não é legalmente possível a condenação da AT em juros indemnizatórios, quer por inaplicabilidade do correspondente regime legal, e que só se aplicam a dívidas tributárias, quer porque não resultam da sentença exequenda, e nem sequer foram requeridos pelo exequente.
EE) Também não colhe a condenação em juros moratórios, já que os mesmos só se aplicam a dívidas tributárias.
FF) E também não pode a AT ser condenada nas custas deste processo por falta de restituição da importância em dívida, restituição que não colocou em causa, e cujo atraso não lhe pode ser imputado, pois que os elementos documentais que foram solicitados e necessários para poder proceder à efectivação do reembolso, só agora terem sido mandados desentranhar do processo e ordenada a sua baixa aos serviços da AT.
GG) A Recorrente só poderá ser obter indemnização se procurar fazer valer os seus eventuais direitos por responsabilidade civil extra-contratual no foro próprio.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs., deve o presente recurso jurisdicional ser julgado totalmente procedente, indispensável a uma adequada e melhor aplicação do direito e ser revogada a Sentença recorrida, com o que se fará a Sã, Serena e Costumada Justiça.”
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O Recorrido contra-alegou, tendo concluindo da seguinte forma:
A) “A Douta Sentença não padece de qualquer nulidade, uma vez que aplicou a lei correta ao caso concreto.
B) O cumprimento das decisões judicias transitadas em julgado é um princípio constitucional (artigo 22.º e 205.º da CRP), aplicado a qualquer obrigação pecuniária independentemente de ser tributo ou coima.
C) Transitada em julgado uma decisão judicial que condenou a AT a restituir uma quantia pecuniária e não procedendo esta ao seu pagamento no prazo fixado para a sua execução espontânea, são devidos juros moratórios.
D) Nem se compreenderia que fosse de forma diferente, pois, seria intolerável que a AT pudesse cumprir conforme entendesse, sem qualquer consequência a nível patrimonial.
E) A taxa de juro de mora aplicável aos casos em que estes são devidos pelo Estado aos particulares é a taxa de juro legal supletiva a que se refere o artigo 559.º do Código Civil (subsidiariamente aplicável às obrigações tributárias ex vi do artigo 2.º da LGT), fixada em 4% ao ano pela Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
F) Acórdão do Pleno CT do STA de 02/12/2009, processo n.º 0570-A/08: “A obrigação da Administração Tributária de executar os julgados surge imediatamente com o trânsito em julgado da decisão judicial e não com a remessa, a requerimento do contribuinte, do processo para o serviço competente para a execução.”
G) A falta de remessa do processo de oposição ao Serviço de Finanças ... e as limitações do sistema informático não são, assim, fundamento legítimo para a inexecução da sentença por parte da AT.
H) Desde logo, porque o artigo 100.º da LGT impõe o seu pagamento e nem está legalmente previsto este impedimento.
Justiça!!”
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O Ministério Público junto deste Tribunal remeteu para o teor do parecer emitido pelo digníssimo Magistrado do Ministério Público junto do STA, no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a decisão recorrida enferma de nulidade e se incorreu em erro de julgamento, ao considerar serem devidos juros, à taxa legal de 4%, desde o termo do prazo previsto para execução espontânea da sentença proferida no processo n.º 57/11.9BEPNF até efectivo e integral pagamento da quantia a restituir e ao condenar a AT nas custas do processo, por serem irrelevantes os problemas informáticos e não ter sido remetido o processo ao Serviço de Finanças competente, por somente relevar a data do trânsito em julgado da sentença exequenda.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julga provado:
A) No processo principal, processo de oposição n.º 57/11.9 BEPNF foi proferida a sentença que consta de fls. 260 a 266, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que entre mais e no que releva para estes autos, condenou a “Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir ao oponente o valor de €5.444,73”, que foi notificada às partes por carta registada em 12/12/2014 e não foi impugnada (processo principal).
B) O processo de oposição n.º 57/11.9 BEPNF tem por objeto o PEF n.º ......................501 e apensos do Serviço de Finanças ... que respeitam a dívidas de coimas e custas do processo de contraordenação (processo principal).
C) Entre a data da notificação da sentença e 23/06/2015, o processo de oposição esteve pendente neste Tribunal para instrução e decisão da reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte apresentada pela Fazenda Pública (processo principal).
D) Por carta registada em 20/02/2015, o exequente foi notificado do requerimento da reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte que consignava o depósito do valor constante da referida nota (f ls. 285 a 291 dos autos principais).
E) A decisão da reclamação foi notificada às partes por carta registada em 07/07/2015 (processo principal).
F) Em 07/09/2015 o processo de oposição foi apensado a estes autos.
G) O processo de oposição seguiu a sua tramitação com a elaboração da conta de custas e desde 16/12/2015 está a aguardar a tramitação destes autos para ser arquivado (processo principal).
H) O referido processo de oposição ainda não foi remetido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel ao Serviço de Finanças ... (processo principal e estes autos).
I) A exequente intentou a execução em 03/09/2015 (f ls. 2 a 9).
Com relevância para a decisão da causa, inexiste matéria de facto não provada.
3.1.1 – Motivação.
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise conjugada e crítica dos documentos juntos aos autos e ao processo principal entretanto apensado a estes autos que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos. A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa.”

2. O Direito

Comecemos por delimitar a presente acção, para melhor compreensão do objecto do recurso.
A petição inicial que deu origem aos presentes autos teve em vista intentar um processo de execução para pagamento de quantia certa, nos termos do disposto no artigo 102.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 170.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
A sentença exequenda subjacente aos presentes autos foi proferida no âmbito de uma oposição (processo n.º 57/11.9BEPNF), tendo sido julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi anulado o despacho de reversão em relação ao oponente, aqui exequente/Recorrido, por vício de violação de lei, condenando-se a AT a restituir ao oponente o valor de €5.444,73 (referente a dívida de coima e custas com o respectivo processo contra-ordenacional) e absolvendo-se a AT do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, por falta de fundamento legal (por não estarem em causa nenhuma das situações previstas no artigo 43.º da LGT).
Nos presentes autos de execução de julgado pretende-se o cumprimento desta sentença proferida no âmbito do processo n.º 57/11.9BEPNF, já que, segundo alega o exequente, transitou em julgado em 13/01/2015, condenando a AT a restituir ao oponente a quantia de €5.444,73, a título de coimas, invocando o acórdão do Pleno do CT do STA, de 02/12/2009, proferido no âmbito do processo n.º 0570-A/08. Porque a AT não pagou até 13/02/2015 (termo do prazo para pagamento em execução espontânea), está obrigada a pagar juros de mora até efectivo pagamento. Para tanto, o exequente sustenta o seu pedido de juros de mora no disposto no artigo 43.º, n.º 5 da LGT, referindo, no artigo 14.º do seu articulado, que os juros deverão ser calculados à “taxa equivalente ao dobro da taxa de juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”, ou seja, 5,476% (para além do pedido referente a custas de parte, que deu origem ao julgamento de absolvição da AT do mesmo, pelo que não é objecto do presente recurso).
A sentença recorrida apreciou as diversas questões colocadas no processo de execução, sendo que, no que tange à matéria que será relevante nesta sede recursiva, analisou em concreto o pedido de juros de mora, fundamentando não se enquadrar tal pedido no artigo 43.º, n.º 5 da LGT, por não estar em causa a restituição de um imposto/tributo (recordamos tratar-se de restituição de coima e custos administrativos), decidindo que “sobre o montante a restituir, a executada só terá de pagar taxa de juros legais de mora, ou seja, 4%, nos termos do artigo 43.º, n.º 4, 35.º, n.º 10 da LGT, 559.º, n.º 1 do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril”. Portanto, improcedendo o pedido na parte que pede juros superiores a 4%. Porém, no segmento decisório, o tribunal recorrido condenou no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal de 4%.
Neste circunstancialismo, a Recorrente, desde logo, invoca que a sentença recorrida incorreu em vício de nulidade.
Sendo a primeira questão colocada, se, ao ter fundamentado quanto ao pagamento dos ditos juros como sendo moratórios e ao ter decidido pela sua atribuição como indemnizatórios, foi praticada a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC).
Apesar de a Recorrente indicar o artigo 615.º, n.º 1, alínea a) do CPC (referente à falta de assinatura do juiz), julgamos que quis escrever “alínea b)”, por não ter especificado os fundamentos que justificam a decisão. Contudo, não perderemos de vista na nossa apreciação a norma especial prevista no artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aqui aplicável.
Porém, é nossa firme convicção que o problema detectado na sentença recorrida se prenderá com a qualificação jurídica dos juros peticionados e com as suas funções, dado não residirem dúvidas que foram peticionados juros moratórios, mas ao abrigo de um artigo da LGT (43.º) que trata as situações em que são devidos juros indemnizatórios, pelo que o Meritíssimo Juiz “a quo” poderá simplesmente ter falhado no rigor técnico-jurídico enquadrado no âmbito fiscal (pois que, correntemente, os juros de mora destinam-se a indemnizar por um atraso no cumprimento de uma obrigação).
Nesta conformidade, o tribunal “a quo”, vista a sentença recorrida como um todo, esteve sempre a referir-se à mesma situação: ao incumprimento da AT na restituição da quantia de €5.444,73 desde o termo do prazo para a execução espontânea da sentença proferida na referida oposição. Sendo que o segmento decisório espelha serem devidos juros, à taxa de 4%, desde esse momento (que indicou como sendo 19/02/2015) até efectivo pagamento, tendo sido chamados à colação os normativos para tanto (artigos 43.º, n.º 4, 35.º, n.º 10 da LGT, 559.º, n.º 1 do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril) e afastado o disposto no artigo 43.º, n.º 5 da LGT, pelo que não vislumbramos uma falta absoluta de fundamentos que justifiquem a decisão, admitindo-se, contudo, que a mesma possa estar incorrecta ou a qualificação jurídica realizada possa mostrar-se deficiente, mas tais vícios somente poderão contender com eventual erro de julgamento, o que se apreciará infra.
Por outro lado, a Recorrente alerta para o facto de a sentença recorrida não se ter contido nos limites do pedido e de a condenação em juros indemnizatórios exceder o julgamento condenatório na sentença exequenda.
Assim, a segunda questão colocada, também relativa a vício inerente à elaboração da própria sentença recorrida, é a de saber se, ao ter decidido pelo pagamento de juros indemnizatórios, quando tinham sido pedidos juros moratórios, foi cometida a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea e) do CPC.
Como vimos, a sentença exequenda absolveu a AT do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, por falta de fundamento legal (por não estarem em causa nenhuma das situações previstas no artigo 43.º da LGT).
Na mesma linha se direciona a motivação da sentença recorrida, salientando não ser aplicável o disposto no artigo 43.º, n.º 5 da LGT, por a quantia a restituir não se relacionar com um tributo, sendo referente a coima e custos num processo de contra-ordenação. Ainda assim, condena em juros desde a data limite para a execução da sentença pelo atraso na restituição da quantia paga indevidamente (como veremos, integra o conceito de “juros moratórios”), determinando uma taxa de 4%; portanto, tudo dentro dos limites do pedido, dado que a taxa fixada é inferior à pedida. Além do mais, os juros indemnizatórios que a sentença exequenda julgou não serem devidos in casu seriam, eventualmente, contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito [cfr. o disposto no artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)], não sendo, por isso, o período de condenação indicado na sentença recorrida totalmente sobreponível com a situação de eventual pagamento de juros indemnizatórios, pelo que não só não se verifica condenação ultra petita como não excede a condenação da sentença exequenda, improcedendo também este vício de nulidade imputado à sentença recorrida.
A Recorrente defende, ainda, ser a sentença ambígua e obscura, incorrendo em vício de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC.
Reconhecemos que a sentença recorrida se refere indistintamente a juros moratórios e a juros indemnizatórios, querendo, claramente, no caso, referir-se à mesma situação de facto, provavelmente por uma menos escorreita concepção desta terminologia no domínio tributário (apontando para uma indevida alusão a juros indemnizatórios quando se deveria ter dito “juros moratórios”). Porém, tal obscuridade não se apresenta de molde a tornar a sentença ininteligível, dado que resulta inequívoco do julgamento “a quo” a ideia de condenação da AT a restituir a quantia paga indevidamente, que tal devolução deveria ter ocorrido após o trânsito em julgado da sentença proferida na oposição, no período de 30 dias destinado à execução espontânea do julgado. Decorre ainda da decisão recorrida que, como não foi executado o julgado nesse período destinado à execução espontânea, a tal quantia a restituir acrescerão juros à taxa de 4% desde essa data em que a AT se mostra em mora no cumprimento do julgado.
Tudo para concluir que, apesar da falta de rigor nos conceitos de “juros indemnizatórios” e “juros moratórios” espelhada na sentença recorrida, é possível compreender a decisão e os seus fundamentos, bem como dar-lhe cumprimento, pelo que não se verifica, também por este motivo, a nulidade da sentença, na medida em que se apresenta inteligível – cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC.
Vejamos, agora, se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao condenar na restituição da quantia, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a data em que terminou o prazo de 30 dias para executar espontaneamente a sentença proferida no âmbito do processo n.º 57/11.9BEPNF.
Com o trânsito em julgado, as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades, conforme resulta do disposto no n.º 2 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Tal princípio encontra-se concretizado no artigo 100.º da LGT.
Assim, dispõe o artigo 100.º da LGT que «[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei
A obrigação de proceder à execução dos julgados, com a plena reconstituição da situação anterior à prática do acto ilegal, surge imediatamente com o trânsito em julgado da decisão judicial, independentemente de requerimento do interessado, conforme resulta do disposto no artigo 146.º, n.º 2 do CPPT (após alteração introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17/09) e da jurisprudência reiterada e uniforme dos tribunais superiores, desde a prolação do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 02/12/2009, proferido no âmbito do processo n.º 0570-A/08.
Relativamente à questão do prazo aplicável à execução espontânea do julgado anulatório, nos termos do artigo 175.º, n.ºs 1 e 3, do CPTA, aplicável por remissão efectuada pelo artigo 146.º, n.º 1 do CPPT, na redacção vigente à data dos factos, para a execução de sentenças de anulação de actos administrativos, um prazo de execução espontânea de trinta dias, no caso de o julgado se bastar com o pagamento de quantia certa, e de três meses nos restantes casos.
Uma vez que, in casu, a sentença exequenda, no processo de oposição, determinou a anulação do despacho de reversão (acto materialmente administrativo), quando o oponente já havia procedido ao pagamento da dívida de coima e custos, entende-se que a execução espontânea do julgado deveria ter lugar no prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado, por envolver apenas a restituição do montante de €5.444,73, pago indevidamente.
Salientamos, portanto, que a sentença consistia no pagamento de uma quantia pecuniária, não sendo, portanto, invocável a existência de causa legítima de inexecução e o pagamento deveria ter sido realizado no prazo de 30 dias, sendo computado nos termos do artigo 72.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), na redacção aplicável à data – cfr. artigo 175.º, n.º 3 do CPTA.
Desde logo, pensamos que a redacção do artigo 100.º da LGT, quanto à reconstituição da situação que existiria, ao remeter para o pagamento de juros indemnizatórios - compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios – poderá ter contribuído para a falta de rigor, na qualificação dos juros, constante da sentença recorrida.
A verdade é que não podem ser outorgados juros indemnizatórios fora das situações previstas no artigo 43.º da LGT, sendo insuficiente o artigo 100.º do mesmo diploma para tal efeito, por não configurar uma cláusula geral de reconhecimento de tais juros.
Quer dizer, o artigo 100.º não configura uma cláusula geral de outorga de juros indemnizatórios, sobreponível às situações tipificadas no artigo 43.º da LGT. Antes pelo contrário: o que resulta do artigo 100.º é o reconhecimento da natureza oficiosa do direito a juros indemnizatórios, conquanto verificados os condicionalismos legais especificados no artigo 43.º da LGT e nos montantes aí previstos.
Com efeito, os vários números e alíneas deste normativo logo deixam transparecer que o legislador pretendeu, deliberadamente, delimitar com rigor as condições e termos em que tais juros são reconhecidos. Assim, por um lado, só em certos circunstancialismos tais juros são de outorgar; por outro, nem sempre esses juros são devidos a partir do momento do pagamento da dívida, havendo regras de contagem específicas, consoante cada um daqueles referidos circunstancialismos – cfr. Acórdão do STA, de 01/03/2023, proferido no âmbito do processo n.º 0939/10.5BESNT 0982/10.
Ora, a sentença exequenda analisou todos os números e alíneas do artigo 43.º da LGT, tendo absolvido a AT do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, como vimos, por falta de fundamento legal.
Logo, não está em análise nos presentes autos executivos se estão ou não reunidos os pressupostos para pagamento de juros indemnizatórios.
Como deixámos já levantado o véu, a sentença recorrida ao falar indistintamente de juros moratórios ou de juros indemnizatórios parece apontar para uma mesma natureza ou função de ambos.
Não olvidando que a doutrina e jurisprudência iam maioritariamente no sentido de que os juros indemnizatórios e moratórios se destinam a compensar o contribuinte pela mesma privação da disponibilidade da prestação tributária indevidamente paga, e, por conseguinte, não são cumuláveis relativamente ao mesmo período de tempo, porém, em nosso entender, a génese em que assenta o núcleo de enquadramento de juros indemnizatórios e os juros de moratórios no direito fiscal português não tem a mesma natureza – cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 22/05/2013, proferido no processo n.º 1008/12 e os Acórdãos do TCA Sul, de 21/05/2015, de 10/09/2015 ou de 14/01/2020, proferidos no âmbito dos processos n.ºs 8379/15, n.º 8862/15 e n.º 1060/08.1BELRS, respetivamente.
Consideramos que aos juros indemnizatórios foi dado carácter ressarcitório ou indemnizatório, enquanto que aos juros de mora a lei fiscal visou a atribuição de carácter sancionatório.
Entendemos que isso ressalta, desde logo, da lei que institui os respectivos regimes, nomeadamente do artigo 43.º da LGT.
Atentemos, assim, e antes de mais, no teor do referido preceito legal, que tem sob epigrafe “Pagamento indevido da prestação tributária”:
“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. (Aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro)
4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.” (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro. De acordo com o n.º 3 do art. 151.º do mesmo diploma a nova redação deste n.º 5, tem aplicação imediata às decisões judiciais transitadas em julgado, cuja execução se encontre pendente à data de 2012-01-01.)
Salienta, desde logo, a norma citada, nomeadamente do seu n.º 1 e 3, que o legislador tributário enumera diferentes situações suscetíveis de integração no direito ao ressarcimento através de juros indemnizatórios, já no que se refere a juros de mora, a obrigação legal cinge-se apenas às situações em que as decisões judiciais não foram cumpridas no período de execução espontânea.
Com intuito de clarificar a apreciação que vimos fazendo, convocamos o Acórdão do TCA Sul, de 16/11/2017, proferido no âmbito do processo n.º 1388.15/4BELRS, que acompanhamos:
“(…) Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
A norma constitucional remete para o instituto da responsabilidade civil, pelo que serão aplicáveis as respectivas regras.
A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/09/2015, proc. 8862/15).”
Ou seja, a obrigação de proceder ao pagamento de juros indemnizatórios visa a compensação pela privação da disponibilidade do valor da prestação tributária indevidamente liquidada, e neste contexto tem carácter geral, ou seja, não depende, necessariamente do pedido, é de conhecimento oficioso nos casos em que a lei expressamente o refere, logo que sejam verificados os respetivos pressupostos legais.
É o que, prosseguindo, nos diz o aresto citado:
“(…) Os pressupostos para a constituição do direito aos juros indemnizatórios são distintos consoante o seu enquadramento legal, o que resulta, aliás, da parte final do artº.100, da L.G.T., norma que contém implícita uma remissão para o disposto no artº.43, do mesmo diploma, bem como para o artº.61, do C.P.P.T.
Nos termos do artº.43, nº.1, da L.G.T., o direito a juros indemnizatórios depende do reconhecimento, em sede de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, de que houve erro imputável à A. Fiscal. (…)
Já nos casos descritos nas várias alíneas do artº.43, nº.3, do mesmo diploma, o direito a estes juros parece exclusivamente dependente da verificação dos respectivos pressupostos de facto, ou seja, incumprimento do prazo legal de restituição oficiosa do tributo [al.a)], atraso no processamento da nota de crédito, em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da Fazenda Pública [al.b)], ou concretização da revisão do acto tributário mais de um ano após o pedido do contribuinte [al.c)]. Estamos perante situações em que se verifica o atraso da A. Fiscal na restituição de tributos (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos llegais, Áreas Editora, 2010, pág.64 e seg.). (…)”
Por seu lado, o direito à liquidação de juros de mora depende do pedido do contribuinte e implica que haja sido reconhecido judicialmente a restituição do tributo, indevidamente pago (artigos 43.º, n.º 5 e 102.º, n.º 2, ambos da LGT).
É o que nos diz mais adiante o aresto que vimos citando, vejamos então:
“(…) Nos termos da lei os juros moratórios são devidos, a pedido do sujeito passivo, a partir do termo final do prazo da execução espontânea da sentença anulatória, prazo este cujo termo inicial ocorre com o trânsito em julgado da decisão judicial cuja execução se pede e não com a data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da A. Fiscal competente para a execução, pelo que deve considerar-se que o artº.146, nº.2, do C.P.P.Tributário, ao prever coisa diferente, assim afrontando o artº.100, da L.G.Tributária, e o artº.205, nº.2, da Constituição da República, é material e organicamente inconstitucional (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/3/2009, rec.983/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/09/2013, proc.6718/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2015, proc.8379/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2015, proc.8862/15; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.528; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.887). (…)”
Entretanto, para que tudo ficasse pacificado, surgiu um acórdão, no âmbito de recurso para uniformização de jurisprudência, proferido em 26/05/2022, pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, no âmbito do processo n.º 01611/11.4BELRS-A, revelando a diferente natureza dos juros indemnizatórios e moratórios, a que nos vimos referindo, cujo sumário se transcreve:
“I - Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendende o pagamento de juros indemnizatórios ou moratórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução espontânea da decisão.
II - Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. O artº.43, da L.G.T., estabelece o regime geral do direito a juros indemnizatórios.
III - No que se refere aos juros de mora, estipula o artº.102, nº.2, da L.G.T., que em caso de a sentença implicar a restituição do tributo já pago, serão estes devidos, a pedido do contribuinte, a partir do termo do prazo da sua execução espontânea. A previsão de juros moratórios a favor do contribuinte é uma inovação da Lei Geral Tributária que até então não existia.
IV - Face ao preceituado no artº.43, nº.5, da L.G.T., na redacção da Lei 64-B/2011, de 30/12, é admissível a atribuição cumulativa de juros indemnizatórios e de juros moratórios, calculados nos termos deste preceito legal, sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo, sendo essa a posição já expendida por este Tribunal.”
Atento tudo o ficou exposto, é notório que a situação em análise não se enquadra no conceito de “juros indemnizatórios”, dado que a própria sentença exequenda afasta a sua aplicabilidade (artigo 43.º da LGT), estando somente em apreciação o pedido de juros moratórios formulado na petição de execução, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 5 da LGT.
Apesar de a sentença recorrida ter arredado a aplicabilidade deste normativo, ainda assim, considerou serem devidos juros à taxa de 4%, pelo atraso na execução da sentença proferida na oposição.
É inequívoco o pedido de juros moratórios, na petição de execução, e não lhe falta o mote sancionatório, pressuposto do respectivo regime, já que estará em causa sancionar pela mora na execução espontânea da sentença, como invocou o exequente, aqui Recorrido.
A Recorrente sustenta que os ditos juros não estão abrangidos no artigo 43.º da LGT, nem no artigo 88.º, n.º 1 do RGCO, e que a sentença recorrida errou nas normas para condenar em juros à taxa de 4% (artigos 43.º, n.º 4, 35.º, n.º 10 da LGT e 559.º do Código Civil).
Com efeito, a dificuldade que está inerente aos presentes autos reside na circunstância de o montante pago indevidamente, e que a AT devia ter restituído por força da anulação do despacho de reversão, se reportar a dívida de coima e custos administrativos com o respectivo processo de contra-ordenação. Não se trata de um qualquer imposto ou tributo.
Efectivamente, ainda que a sentença exequenda tenha condenado à restituição em singelo, não é de obstar a que se possa atribuir tais juros como forma de compensar pela mora e de sancionar a AT pelo atraso na execução espontânea do julgado.
Recordamos, contudo, que o seu pagamento depende de pedido, a efectuar pelo exequente na referida petição dirigida ao tribunal, o que, como referimos, ocorreu.
«A solução da não liquidação oficiosa dos juros de mora, contrastante com a da liquidação dos juros indemnizatórios, percebe-se à luz do entendimento de que não se está, em tal caso, já perante um efeito directo da anulação do acto que quando é decretada envolve já a consideração do tempo decorrido até então e em cujo pagamento a Administração sai já condenada, mas perante um puro rendimento de uma obrigação de capital.» - cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª ed., 2012, anotação 6 ao art. 102º, p. 887.
Quanto à execução das coimas, são aplicáveis subsidiariamente as disposições do Código de Procedimento e de Processo Tributário – cfr. artigo 3.º, alínea d) do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).
Por sua vez, o artigo 146.º, n.º 1 do CPPT, como vimos, determina que a execução dos julgados é regulada pelo disposto nas normas sobre o processo nos tribunais administrativos (CPTA).
Chamando, então, à colação o artigo 176.º, n.º 3 do CPTA, verificamos que na petição de execução, o exequente deve especificar os actos e operações em que considera que a execução deve consistir, podendo, para o efeito, além do mais, pedir a condenação da Administração ao pagamento de quantias pecuniárias.
Ora, foi precisamente o que o Recorrido realizou nos presentes autos, pedindo o pagamento de juros pelo atraso na execução da sentença.
Fê-lo com base no artigo 43.º, n.º 5 da LGT, que transcrevemos supra; todavia, como bem o afasta a sentença recorrida, tal normativo foi equacionado para impostos: “(…) imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado (…)”, pelo que a sanção aqui prevista não é aplicável à restituição da coima em apreço.
Assim sendo, também não se aplica o diploma indicado pela Recorrente – Decreto-Lei n.º 73/99, de 16/03 – dado reportar-se às dívidas ao Estado. Não faria sentido afastar o disposto no artigo 43.º, n.º 5 da LGT e aplicar a taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. Não é de mais lembrar que aqui está em causa uma quantia devida pelo Estado.
Por outro lado, a Recorrente defende que os juros moratórios só se aplicam a dívidas tributárias e que o artigo 88.º, n.º 1 do RGCO impede que possam incidir adicionais à coima.
É verdade que as normas previstas na LGT e no CPPT têm subjacente tributos, mas tal não significa que as regras gerais não possam operar na salvaguarda da mora na restituição da coima e custos administrativos.
O citado artigo 88.º, n.º 1 rege o pagamento da coima à autoridade administrativa ou ao tribunal (pelo sancionado com a mesma), que não pode ser acrescida de quaisquer adicionais, o que bem se compreende, pois essa sanção contraordenacional vale por si só com os elementos que a sustentam (e não pode ser aumentada sem que se cumpram todas as regras de defesa do arguido). Tal impossibilidade prevista neste artigo 88.º nada tem que ver com o incumprimento do prazo pela AT da execução do julgado e que, por via de tal atraso, o Recorrido ficou desapossado de uma quantia (relativa a coima) que havia pago indevidamente.
Pelo exposto, embora o disposto no artigo 102.º, n.º 2 da LGT se referir a “tributo”: “Em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, são devidos juros de mora a partir do termo do prazo da sua execução espontânea” e, por isso, aparentemente, também não ser aplicável ao caso, nenhum óbice vislumbramos, até por razões de uniformidade de tratamento, a que aqui incidam juros de mora, à taxa dos juros legais civis, que é a regra geral para o incumprimento de quaisquer obrigações (cfr. artigos 805.º e 806.º do Código Civil), que, desde 01/05/2003 até à presente data se tem mantido em 4%, por força do disposto na Portaria n.º 291/2003, de 08 de Abril.
De facto, seria inadmissível que, perante o princípio constitucional de que, com o trânsito em julgado, as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades (artigo 205.º da CRP), a AT, só porque está em causa a restituição de uma quantia relativa a uma coima e a custos administrativos, pudesse cumprir o julgado tardiamente ou quando lhe “desse mais jeito”, sem quaisquer consequências pelo seu atraso.
Portanto, entendemos não haver necessidade de aplicar o regime da responsabilidade civil extracontratual e “foro próprio”, dado ser possível, como o efectuou o tribunal recorrido, nesta sede executiva, condenar à restituição do valor de €5.444,73, acrescido de juros moratórios, à taxa legal de 4%, desde o termo do prazo para a execução espontânea do julgado no processo n.º 57/11.9BEPNF até efectivo e integral pagamento da quantia a restituir, com fundamento no previsto no artigo 176.º, n.º 3 do CPTA ex vi artigo 146.º, n.º 1 do CPPT e artigo 3.º, alínea d) do RGIT, bem como no artigo 559.º, n.º 1 do Código Civil e na Portaria n.º 291/2003, de 08 de Abril (dado que nada indica, uma vez que não foi alegado, que pudesse estar em causa responsabilidade civil, criminal ou disciplinar – cfr. artigos 158.º e 159.º do CPTA).
Por fim, resta a última questão de saber se a AT não devia ter sido condenada em custas, considerando que não colocou em causa a restituição da dita quantia e esta não ocorreu por o processo não lhe ter sido devolvido.
O que já fomos deixando dito a propósito da obrigatoriedade das decisões dos tribunais com o trânsito em julgado é suficiente para revelar que a AT devia ter cumprido o julgado no prazo previsto para a sua execução espontânea, sendo irrelevante o processo não ter sido remetido/devolvido ao serviço de finanças competente, pelo que confirmamos o julgamento realizado em primeira instância quanto à condenação da AT em custas:
“(…) Independentemente da sua redação, de acordo com o art. 100.º da LGT e a interpretação dada pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Colendo Supremo Tribunal Administrativo no seu acórdão de 02/12/2009, proferido no processo n.º 0570A/08, em que deliberou que “A obrigação da Administração Tributária de executar os julgados surge imediatamente com o trânsito em julgado da decisão judicial e não com a remessa, a requerimento do contribuinte, do processo para o serviço competente para a execução.”, a administração tributária fica obrigada a executar os julgados a partir do trânsito em julgado da respetiva decisão judicial e não da remessa do processo ao serviço competente para a sua execução, como prevê o art. 146.º, n.º 2, do CPPT, porquanto aquela disposição legal sobrepõe-se a esta. Assim sendo e atendendo que na sentença do processo principal a administração tributária foi condenada a restituir ao oponente a quantia de €5.444,73, a contar da data do trânsito em julgado a administração tributária tinha 30 dias para restituir ao oponente a referida quantia, nos termos dos arts. 100.º da LGT e 170.º, n.º 1, do CPTA. (…)
«A melhor doutrina (Jorge Lopes de Sousa in CPPT anotado e comentado 6ª edição vol. II pag.530 é a que defende que “O requerimento de execução deverá ser considerado tempestivo desde que seja apresentado no prazo de seis meses a contar do termo do prazo de execução espontânea, contado a partir da remessa do processo à administração tributária”, independentemente da obrigação que assiste à mesma administração de executar imediatamente os julgados logo após o trânsito em julgado da decisão judicial (artº 100º da LGT) e mesmo que não seja apresentado o aludido requerimento pelo contribuinte de remessa do processo. (…)
Acresce que a invocada falta de remessa do processo de oposição ao Serviço de Finanças ... e as limitações do sistema informático não são fundamento legítimo para a inexecução da sentença. Desde logo, pelos motivos supra invocados relativos ao art. 100.º da LGT. Por outro lado, porque as limitações do sistema informático que dependem da devolução do processo de oposição para proceder à restituição da quantia exequenda também não é motivo legal para a inexecução da sentença. (…)”
A verdade, como também já acentuámos, é que, quando a execução da sentença consista no pagamento de uma quantia pecuniária, não é invocável a existência de causa legítima de inexecução, devendo o pagamento ser realizado no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado – cfr. artigo 175.º, n.º 3 do CPTA ex vi artigo 146.º, n.º 1 do CPPT e artigo 3.º, alínea d) do RGIT – pelo que a AT deu causa à presente acção ao não ter cumprido tempestivamente o julgado, devendo ser condenada nas custas respectivas – cfr. artigo 527.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC.
Nesta conformidade, urge negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida com a presente fundamentação.

Conclusões/Sumário

I - Não podem ser outorgados juros indemnizatórios fora das situações previstas no artigo 43.º da LGT, sendo insuficiente o artigo 100.º do mesmo diploma para tal efeito, por não configurar uma cláusula geral de reconhecimento de tais juros.
II - A génese em que assenta o núcleo de enquadramento de juros indemnizatórios e os juros de moratórios no direito fiscal português não tem a mesma natureza.
III - Por isso, face ao preceituado no artigo 43.º, n.º 5, da LGT, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, é admissível a atribuição cumulativa de juros indemnizatórios e de juros moratórios, calculados nos termos deste preceito legal.
IV - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas – cfr. artigo 43.º, n.º 5 da LGT.
V - Este normativo não é aplicável se a decisão judicial transitada em julgado não determinar a restituição de um imposto, mas antes, como in casu, a restituição de uma quantia relativa a coima e custos administrativos com processo contra-ordenacional.
VI - A obrigação da Administração Tributária de executar os julgados surge imediatamente com o trânsito em julgado da decisão judicial e não com a remessa, a requerimento do contribuinte, do processo para o serviço competente para a execução.
VII - Na falta da execução do julgado pela AT, no prazo previsto para a execução espontânea do mesmo, após o respectivo trânsito, apesar de não estar em causa um tributo, haverá lugar à sua condenação à restituição do valor relativo a coima paga indevidamente, acrescido de juros moratórios, à taxa legal de 4%, desde o termo do prazo para a execução espontânea do julgado até efectivo e integral pagamento da quantia a restituir, com fundamento no previsto no artigo 176.º, n.º 3 do CPTA ex vi artigo 146.º, n.º 1 do CPPT e artigo 3.º, alínea d) do RGIT, bem como no artigo 559.º, n.º 1 do Código Civil e na Portaria n.º 291/2003, de 08 de Abril.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida na ordem jurídica, com a presente fundamentação.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 21 de Março de 2024

Ana Patrocínio
Maria do Rosário Pais
Cláudia Almeida