Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
Nos presentes autos em que é Autor «AA» e Réu o Ministério da Educação, ambos neles melhor identificados, foi proferido pelo TAF de Coimbra o seguinte Despacho:
O Tribunal, considerando estar reunidos os elementos necessários à decisão, deu contraditório para que as partes se pronunciassem quanto à necessidade da prova testemunhal.
O Autor indicou o conteúdo de artigos da sua petição como necessitando de prova.
Os artigos 75.º, 81.º, 82.º, 95.º, 97.º contêm juízos conclusivo com factos passíveis de demonstração por prova documental. Os artigos 76.º, 86.º, 87.º, 89.º, 92.º, 93.º, 102.º, 103.º, 105.º são considerações argumentativas, e os 77.º, 80.º, 90.º, 98.º, 104.º são conseguidos através de prova documental.
As provas são instrumentais à apreensão da realidade dos factos (art. 341º CC), a cuja comprovação estão restritas, não servido para corroborar apreciações conclusivas ou sobre matéria de direito (art. 5.º/3 CPC). É ao serviço deste objectivo que está vinculada a prova testemunhal, sendo admitida sempre que não for afastada (art. 392.º CC), abarcando apenas a matéria sobre a qual tenha razão de ciência pessoal e directa (art. 516.º/1 CPC).
Resulta que a inquirição das testemunhas ao conteúdo dos artigos indicados pelas partes se revelaria ou redundante face aos elementos já constantes, ou inadmissível, por sair do escopo legalmente permitido (os factos negativos devem ser demonstrados pela parte contra quem são alegados).
Nestes termos, o Tribunal considera que o processo se encontra pronto para decisão, dispensando a realização de audiência prévia. Não havendo produção subsequente de prova, são igualmente afastadas as alegações escritas (arts. 87º-B/2, 91º-A CPTA e 130º CPC, Ac. TCAN de 02/07/2021, Proc. nº 00263/19.8BEPNF).
Ficarão os presentes autos a aguardar decisão no gabinete do subscritor, a serem tramitados dentro de um quadro de gestão processual equitativa e proporcional que respeite, tanto quanto possível, as antiguidades dos processos.
Notifique.
DN.
X
Deste vem interposto recurso pelo Autor.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:
1) Ao contrário do que julga o Digno Tribunal a quo no Despacho recorrido, os arts. 75.º, 81.º, 82.º, 95.º e 97.º, todos da pi., nos segmentos que se passam a enunciar de forma destacada e, assim, no que resulta à evidência da respetiva leitura, contêm factos concretos que podem e devem ser adequada e pertinentemente atestados pela prova testemunhal arrolada na pi., não sendo passíveis de ser cabalmente apreendidos pelo Tribunal apenas pela prova documental junta aos autos, impondo-se a produção da prova testemunhal para aquilatar da existência do erro grosseiro de apreciação assacado aos atos impugnados:
a) Art. 75.º: “O A. foi pontuado com 3 pontos a este passo; não obstante, a pontuação ostensivamente devida é de 4 pontos, pois o A., que conta com quase três décadas de atividade docente, sempre foi e é uma referência para toda a comunidade educativa, sendo isto mesmo ostensivo no seio da comunidade e que pode ser absolutamente atestado pela prova testemunhal que se requererá.”;
b) Art. 81.º: “O A. desenvolveu e desenvolve um trabalho constante e contínuo no sentido de obviar às situações em apreço, em parceria com outros docentes, designadamente da Educação Especial e do Apoio Educativo, promove a interdisciplinaridade com os Colegas de outros grupos disciplinares, a este propósito e em projetos desenvolvidos no AE, em todas as turmas que lecionou e como diretor de turma;”;
c) Art. 82.º: “Tendo contribuído para o desenvolvimento de uma profícua interação e um verdadeiro trabalho em equipa em estreita parceria com outros técnicos, como terapeutas, assistentes sociais, interlocutora da CPCJ, tribunais e psicólogas, isto como pode constatar-se dos documentos constantes da pasta de evidências entregue pelo A., na pasta “Colaboração TSSS CPCJ TRIBUNAL PSICÓLOGA OUTROS DTs”, e pode ser cabalmente atestado testemunhas cuja inquirição se requererá.”;
d) Art. 95.º: “Mas há mais: aquando do 1.º confinamento devido à pandemia da COVID-19, o A. aplicou e desenvolveu no AE e em toda a comunidade educativa o projeto designado “Vamos todos ficar bem”, no qual todas as turmas de todos os anos do AE participaram com trabalhos, os quais tiveram um grande sucesso e impacto na comunidade e a nível local, tendo recebido elogios a diversos níveis – vejam-se, em relação a ambos os projetos que vimos de expor, as evidências apresentadas pelo A. em pastas designadas de “Estufa Pedagogica em Fermentelos” e “Desafio”, podendo tudo o que dizemos ser atestado, também, pelas testemunhas infra indicadas.”;
e) Art. 97.º: “Para além do que vimos de expor e que não pode deixar de ser, também, relevado nesta sede, por ir de encontro ao respetivo descritor, temos aqui que o A. propôs e coordenou (e coordena), nas suas horas de componente não letivas, um clube denominado “Clube ...”, no qual todos os alunos (os seus e de outras turmas e anos) podem participar e que é, nomeadamente, dirigido às, cada vez mais importantes, práticas de reciclagem artesanal de papel e promoção da proteção e preservação da natureza.”.
2) Ao contrário do que julga o Digno Tribunal a quo no Despacho recorrido, o art. 76.º da pi., nos segmentos que se passam a enunciar de forma destacada e, assim, no que resulta à evidência da respetiva leitura, contém factos concretos, não considerações argumentativas, os quais são passíveis de serem atestados por prova testemunhal e que não decorrem, nem têm que decorrer, do acervo documental junto aos autos:
a) Art. 76.º: “Se assim não fosse não se compreenderia o apreço e elogios que recebe por todos os membros da sobredita comunidade educativa, quer no que diz respeito ao rigor com que desenvolve o seu trabalho docente, quer quanto ao modo como exerce as funções de diretor de turma, entre outras, quer ainda quanto às suas qualidades humanas e de caráter.”.
3) Ao contrário do que julga o Digno Tribunal a quo no Despacho recorrido, os arts. 86.º, 87.º, 89.º, 92.º, 93.º, 102.º, 103.º e 105.º, todos da pi., nos segmentos que se passam a enunciar de forma destacada e, assim, no que resulta à evidência da respetiva leitura, contêm factos concretos, não considerações argumentativas, os quais podem e devem ser adequada e pertinentemente atestados pela prova testemunhal arrolada na pi., não sendo passíveis de ser cabalmente apreendidos pelo Tribunal apenas pela prova documental junta aos autos, impondo-se a produção da prova testemunhal para aquilatar da existência do erro grosseiro de apreciação assacado aos atos impugnados:
a) Art. 86.º: “Podendo ademais ser perfeitamente atestado pela prova testemunhal que será requerida que o A. sempre apostou e aposta na diversificação dos recursos educativos em conformidade com os diversos ritmos de aprendizagem dos discentes, utilizando nas suas aulas materiais e técnicas de ensino variadas e adaptadas a alguns alunos ou a grupos de alunos dentro de cada turma;”;
b) Art. 87.º: “Promovendo e praticando também, de forma intensa, a interdisciplinaridade e o envolvimento dos ... no processo de ensino/aprendizagem – aliás, estes foram convidados a assiduamente participar em atividades promovidas pelas turmas que lecionou, mormente pela turma da qual foi diretor de turma, ou pela escola, tendo os mesmos aderido de forma excelente.”;
c) Art. 89.º: “O cumprimento deste descritor pelo A. é pleno e só pode ser pontuado com 4 pontos, pois o Avaliado colaborou e colabora com as Bibliotecas Escolares do AE, promovendo e realizando exposições de trabalhos dos alunos, redimensionando espaços, cedendo materiais, participando em atividades diversas, concursos, etc..”;
d) Art. 92.º: “A este passo, diga-se que o A. foi Autor de um projeto que se consubstancia numa Estufa Pedagógica, por si inteiramente projetada e construída na Escola ..., em ..., pertencente ao AEAS, a qual tem tido enorme sucesso e impacto dentro e fora da comunidade escolar, encontrando-se ainda hoje em plena atividade, envolvendo alunos, mormente alunos com dificuldade de aprendizagem, alunos que mesmo não sendo do A. mas que aderem voluntariamente às atividades desenvolvidas nesse âmbito...”;
e) Art. 93.º: “Todos na comunidade educativa e mesmo fora dela bem sabem e conhecem o projeto, sendo neste momento um polo de referência no AE e do AE, tendo inclusive e entre o mais merecido já a visita de membros da Câmara Municipal ...!”;
f) Art. 102.º: “Primeiro, quanto ao descritor “O conhecimento profissional adquirido pelo docente tem impacto no desenvolvimento organizacional da escola e do agrupamento”, assim sucede de forma ostensiva e plena, como qualquer membro da comunidade educativa sabe e constata, pois foi do conhecimento profissional adquirido pelo A., que resultaram as ideias e projetos impulsionados pelo mesmo e que marcaram verdadeiramente a vida e a dinâmica do AEAS, que não seria o mesmo sem as atuações promovidas pelo A..”;
g) Art. 103.º: “Segundo e da mesma forma, em relação ao descritor “O docente partilha o conhecimento profissional adquirido, contribuindo para a melhoria do desenvolvimento profissional dos restantes docentes”, este tipo de interação e atuação são o timbre do trabalho do A., que sempre se preocupa em partilhar e partilha, nomeadamente no seio do seu grupo disciplinar e do departamento a que pertence, os conhecimentos adquiridos.”;
h) Art. 105.º: “Terceiro e por fim, quanto ao descritor “A qualidade do trabalho colaborativo no seio do grupo disciplinar melhorou em consequência do conhecimento profissional adquirido pelo docente”, isto é para o A. certo e evidente, e também o é para qualquer Colega do seu Grupo Disciplinar, do seu Departamento e mesmo do AE, pois foi do conhecimento profissional adquirido pelo A. que o mesmo trouxe as competências para coordenar o seu grupo disciplinar, tornando possíveis, profícuas, bem sucedidas e mesmo consensuais todas as atividades e atuações do grupo, tais a promoção, coordenação e participação em exposições no AEAS, nos eventos e atividades do Projeto Educativo do AEAS, nas comemorações e convívios no final dos períodos e de final do ano letivo, mormente com a dinamização de espaços, etc., sempre promovendo o trabalho colaborativo e a articulação entre todos no seio do seu grupo disciplinar e com os outros grupos disciplinares, daqui saindo um trabalho colaborativo relevante e profundamente proveitoso – ouçam-se as testemunhas arroladas pelo A., neste exato sentido.”.
4) Ao contrário do que julga o Digno Tribunal a quo no Despacho recorrido, o art. 77.º da pi., nos segmentos que se passam a enunciar de forma destacada e, assim, no que resulta à evidência da respetiva leitura, contém facto que não é comprovável através de prova documental, pois o que se alega não é que o Recorrente foi (e é) delegado do seu grupo disciplinar, mas qual a motivação subjacente ao convite para exercer esse cargo, facto diverso daquele, que não resulta do pa. e que se alicerça nos antecedentes (o facto de ser uma referência para a comunidade educativa e o facto de receber apreço e elogios por todos os seus membros, a vários níveis):
a) Art. 77.º: “Tendo sido por força de tudo isto que foi convidado pelo seu Coordenador de Departamento para ser delegado do seu grupo disciplinar...”.
5) O mesmo sucede em relação ao art. 104.º da pi., pois, ao contrário do que julga o Digno Tribunal a quo no Despacho recorrido, o mesmo, nos segmentos que se passam a enunciar de forma destacada e, assim, no que resulta à evidência da respetiva leitura, contém facto que não é comprovável através de prova documental, pois o que se alega não é que o Recorrente foi (e é) delegado do seu grupo disciplinar, mas qual a motivação subjacente ao convite para exercer esse cargo, facto diverso daquele, que não resulta do pa. e que se alicerça no antecedente (o facto de o Recorrente partilhar o conhecimento profissional adquirido):
a) Art. 104.º: “Também por isso foi escolhido para coordenar e coordena o seu grupo disciplinar, cooperando de forma profunda com o respetivo coordenador de departamento, e coordena ademais as atividades do seu grupo disciplinar com as atividades dos outros grupos disciplinares – para além da sempre referida prova testemunhal, vejam-se as evidências juntas pelo A., Projeto Curricular de Turma (PCT), Domínios de Articulação Curricular (DAC), etc..”.
6) Ao contrário do que julga o Digno Tribunal a quo no Despacho recorrido, os arts. 98.º e 104.º, ambos da pi., nos segmentos que se passam a enunciar de forma destacada e, assim, no que resulta à evidência da respetiva leitura, contêm factos concretos que podem e devem ser adequada e pertinentemente atestados pela prova testemunhal arrolada na pi., não sendo passíveis de ser cabalmente apreendidos pelo Tribunal apenas pela prova documental junta aos autos, impondo-se a produção da prova testemunhal para aquilatar da existência do erro grosseiro de apreciação assacado aos atos impugnados:
a) Art. 98.º: “Além disso, envolveu-se e colaborou em todas as atividades do AE em que a participação do seu grupo disciplinar era pertinente, destacando-se diversas exposições que coordenou nas Escolas do AE onde leciona e na sede do próprio AE, as caminhadas com a comunidade educativa em que participou, os projetos com o Município ... em que participou, por exemplo por ocasião do Natal, no projeto “...”, o Dia Aberto do AEAS em que colaborou das mais diversas formas, propondo, organizando, participando, orientando os alunos, nomeadamente a sua direção de turma, etc... – tudo evidenciado nos documentos apresentados pelo A., já referidos, e que pode ser cabalmente atestado pelas testemunhas que se indicarão.”;
b) Art. 104.º: “Também por isso foi escolhido para coordenar e coordena o seu grupo disciplinar, cooperando de forma profunda com o respetivo coordenador de departamento, e coordena ademais as atividades do seu grupo disciplinar com as atividades dos outros grupos disciplinares – para além da sempre referida prova testemunhal, vejam-se as evidências juntas pelo A., Projeto Curricular de Turma (PCT), Domínios de Articulação Curricular (DAC), etc..”.
7) De encontro ao que vimos de concluir, no que diz respeito à avaliação interna que se contesta, impõe-se relevar que os documentos que compõem o pa. junto aos autos e, sobretudo, o acervo documental que contém as chamadas “evidências” da avaliação, não esgotam e não podem esgotar a atividade do Recorrente que foi objeto de avaliação, na medida em que é ostensivamente impossível aí traduzir todas as competências e atuações que corporizam a atividade docente;
8) Tratam-se de meros indícios da performance do Avaliado, a par da observação direta e circunstanciada que é feita pelo Avaliador Interno, relativamente à atuação docente do Recorrente, sendo que é desse acompanhamento que tem que resultar a avaliação interna do Docente – neste sentido, o Avaliador Interno refere, no “Parecer do Avaliador Interno” datado de 17/02/2021, na sequência da reclamação apresentada pelo A., ter tido em conta “o conhecimento concreto que tem da atividade desenvolvida pelo docente enquanto coordenador de departamento” (embora, depois e contraditoriamente, se detenha no que vem escrito no relatório de autoavaliação...) – cfr. pa. a fls...., juntando-se o documento nesta sede como doc. 1, para maior comodidade de quem nos lê e por o presente recurso subir em separado, sendo ostensivamente desnecessário instrui-lo conjuntamente com todo o pa., assim em prol da economia, eficiência e eficácia processuais.
9) Ora, a apreensão da atividade do Docente que é feita ou que deve ser feita pelo Avaliador Interno e que releva para a avaliação do desempenho não deixa de ser também feita, obviamente, pelos demais pares do Avaliado e membros da comunidade educativa;
10) Razão pela qual, como consignámos supra a vários passos, existem factos alegados na pi. e relevantes para a avaliação (os enunciados supra) que podem e dever ser objeto da prova testemunhal, por não serem passíveis de ser cabalmente apreendidos pelo Tribunal apenas pela prova documental junta aos autos, impondo-se a produção da prova testemunhal para aquilatar da existência do erro grosseiro de apreciação assacado aos atos impugnados.
11) Por outras palavras, a avaliação do desempenho docente não se reduz nem se pode reduzir aos documentos que compõem o procedimento, na medida em que os comportamentos e atuações que traduzem o mérito do Docente não são redutíveis àquele acervo documental e ultrapassam-no, sendo apreensíveis não só pelo Avaliador Interno como pelos demais membros da comunidade educativa e pares do Avaliado, que sobre os mesmos podem depor no sentido de se aferir da ocorrência de erro grosseiro de apreciação na avaliação atribuída.
12) Negar isto é negar a plena sindicabilidade do ato avaliativo pelo Tribunal, o que hoje não é admissível, e é afrontar o direito à tutela jurisdicional efetiva dos Administrados, plasmado nos arts. 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP e art. 2.º, n.º 1 do CPTA, e que compreende o direito fundamental à prova – a propósito, mutatis mutandis, cfr. Acs. deste Digníssimo TCAN de 30/09/2022, proc. 00747/17.2BEAVR, de 05/02/2021, proc. 00182/10.3BEVIS, e de 13/09/2019, proc. 01126/19.2BEPRT; cfr., ainda, Ac. do TCAS de 06/06/2019, proc. 76/19.7BEBJA.
13) Em suma, decorre de tudo quanto vimos de concluir que o Despacho recorrido, ao decidir pela desnecessidade e/ou inadmissibilidade da prova testemunhal, incorre em erro de julgamento por violação do direito à prova do Recorrente e, bem assim, por afronta aos arts. 392.º e 393.º do CC e art. 90.º do CPTA, não podendo manter-se na ordem jurídica, antes devendo ser revogado por este Digníssimo Tribunal ad quem.
Não foram juntas contra-alegações.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, com consagração nos artigos 635.º, n.º(s) 4 e 5, 639.º, n.º(s) 1 e 2 e artigos 1.º, 140.º, n.º 3 e 146.º, n.º 4 do CPTA que o objeto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo respetivo recorrente, o que se traduz no impedimento do tribunal ad quem de conhecer de matéria que aí não tiver sido invocada, exceto as situações de conhecimento oficioso, seja de mérito ou de natureza adjetiva.
Assim,
O presente recurso tem por objeto o Despacho proferido pelo TAF-Coimbra, no(s) segmento(s) em que julga desnecessária e/ou inadmissível a produção de prova testemunhal sobre os factos da pi. indicados pelo Recorrente, portanto, quando julga nos seguintes termos:
“O Tribunal, considerando estar reunidos os elementos necessários à decisão, deu contraditório para que as partes se pronunciassem quanto à desnecessidade da prova testemunhal.
O Autor indicou o conteúdo de artigos da sua petição como necessitando de prova.
Os artigos 75.º, 81.º, 82.º, 95.º, 97.º contêm juízos conclusivos com factos passíveis de demonstração por prova documental. Os artigos 76.º, 86.º, 87.º, 89.º, 92.º, 93.º, 102.º, 103.º, 105.º são considerações argumentativas, e os 77.º, 80.º, 90.º, 98.º, 104.º são conseguidos através de prova documental.
As provas são instrumentais à apreensão da realidade dos factos (art. 341.º CC), a cuja comprovação estão restritas, não servindo para corroborar apreciações conclusivas ou sobre matéria de direito (art. 5.º/3 CPC). É ao serviço deste objectivo que está vinculada a prova testemunhal, sendo admitida sempre que não for afastada (art. 392.º CC), abarcando apenas a matéria sobre a qual tenha razão de ciência pessoal e directa (art. 516.º/1 CPC).
Resulta que a inquirição das testemunhas ao conteúdo dos artigos indicados pelas partes se revelaria ou redundante face aos elementos já constantes, ou inadmissível, por sair do escopo legalmente permitido (os factos negativos devem ser demonstrados pela parte contra quem são alegados).
Nestes termos, o Tribunal considera que o processo se encontra pronto para decisão (...)”.
Na óptica do Recorrente o Despacho recorrido incorre em erro de julgamento e viola o seu direito à prova.
Cremos que lhe assiste razão.
Vejamos,
Entendeu o Tribunal a quo que a prova era desnecessária e/ou inadmissível, porque:
“Os artigos 75.º, 81.º, 82.º, 95.º, 97.º contêm juízos conclusivos com factos passíveis de demonstração por prova documental. Os artigos 76.º, 86.º, 87.º, 89.º, 92.º, 93.º, 102.º, 103.º, 105.º são considerações argumentativas, e os 77.º, 80.º, 90.º, 98.º, 104.º são conseguidos através de prova documental.”.
Cumpre então percorrer os artigos da pi. em causa para aquilatar se os mesmos contêm ou não factos concretos e passíveis de produção de prova testmunhal.
Art. 75.º da pi.: “O A. foi pontuado com 3 pontos a este passo; não obstante, a pontuação ostensivamente devida é de 4 pontos, pois o A., que conta com quase três décadas de atividade docente, sempre foi e é uma referência para toda a comunidade educativa, sendo isto mesmo ostensivo no seio da comunidade e que pode ser absolutamente atestado pela prova testemunhal que se requererá.”;
Art. 76.º da pi.: “Se assim não fosse não se compreenderia o apreço e elogios que recebe por todos os membros da sobredita comunidade educativa, quer no que diz respeito ao rigor com que desenvolve o seu trabalho docente, quer quanto ao modo como exerce as funções de diretor de turma, entre outras, quer ainda quanto às suas qualidades humanas e de caráter.”;
Art. 77.º da pi.: “Tendo sido por força de tudo isto que foi convidado pelo seu Coordenador de Departamento para ser delegado do seu grupo disciplinar...”;
Art. 81.º da pi.: “O A. desenvolveu e desenvolve um trabalho constante e contínuo no sentido de obviar às situações em apreço, em parceria com outros docentes, designadamente da Educação Especial e do Apoio Educativo, promove a interdisciplinaridade com os Colegas de outros grupos disciplinares, a este propósito e em projetos desenvolvidos no AE, em todas as turmas que lecionou e como diretor de turma;”;
Art. 82.º da pi.: “Tendo contribuído para o desenvolvimento de uma profícua interação e um verdadeiro trabalho em equipa em estreita parceria com outros técnicos, como terapeutas, assistentes sociais, interlocutora da CPCJ, tribunais e psicólogas, isto como pode constatar-se dos documentos constantes da pasta de evidências entregue pelo A., na pasta “Colaboração TSSS CPCJ TRIBUNAL PSICÓLOGA OUTROS DTs”, e pode ser cabalmente atestado testemunhas cuja inquirição se requererá.”;
Art. 86.º da pi.: “Podendo ademais ser perfeitamente atestado pela prova testemunhal que será requerida que o A. sempre apostou e aposta na diversificação dos recursos educativos em conformidade com os diversos ritmos de aprendizagem dos discentes, utilizando nas suas aulas materiais e técnicas de ensino variadas e adaptadas a alguns alunos ou a grupos de alunos dentro de cada turma;”;
Art. 87.º da pi.: “Promovendo e praticando também, de forma intensa, a interdisciplinaridade e o envolvimento dos ... no processo de ensino/aprendizagem - aliás, estes foram convidados a assiduamente participar em atividades promovidas pelas turmas que lecionou, mormente pela turma da qual foi diretor de turma, ou pela escola, tendo os mesmos aderido de forma excelente.”;
Art. 89.º da pi.: “O cumprimento deste descritor pelo A. é pleno e só pode ser pontuado com 4 pontos, pois o Avaliado colaborou e colabora com as Bibliotecas Escolares do AE, promovendo e realizando exposições de trabalhos dos alunos, redimensionando espaços, cedendo materiais, participando em atividades diversas, concursos, etc..”;
Art. 92.º da pi.: “A este passo, diga-se que o A. foi Autor de um projeto que se consubstancia numa Estufa Pedagógica, por si inteiramente projetada e construída na Escola ..., em ..., pertencente ao AEAS, a qual tem tido enorme sucesso e impacto dentro e fora da comunidade escolar, encontrando-se ainda hoje em plena atividade, envolvendo alunos, mormente alunos com dificuldade de aprendizagem, alunos que mesmo não sendo do A. mas que aderem voluntariamente às atividades desenvolvidas nesse âmbito...”;
Art. 93.º da pi.: “Todos na comunidade educativa e mesmo fora dela bem sabem e conhecem o projeto, sendo neste momento um polo de referência no AE e do AE, tendo inclusive e entre o mais merecido já a visita de membros da Câmara Municipal ...!”;
Art. 95.º da pi.: “Mas há mais: aquando do 1.º confinamento devido à pandemia da COVID-19, o A. aplicou e desenvolveu no AE e em toda a comunidade educativa o projeto designado “Vamos todos ficar bem”, no qual todas as turmas de todos os anos do AE participaram com trabalhos, os quais tiveram um grande sucesso e impacto na comunidade e a nível local, tendo recebido elogios a diversos níveis - vejam-se, em relação a ambos os projetos que vimos de expor, as evidências apresentadas pelo A. em pastas designadas de “Estufa Pedagógica em Fermentelos” e “Desafio”, podendo tudo o que dizemos ser atestado, também, pelas testemunhas infra indicadas.”;
Art. 97.º da pi.: “Para além do que vimos de expor e que não pode deixar de ser, também, relevado nesta sede, por ir de encontro ao respetivo descritor, temos aqui que o A. propôs e coordenou (e coordena), nas suas horas de componente não letivas, um clube denominado “Clube ...”, no qual todos os alunos (os seus e de outras turmas e anos) podem participar e que é, nomeadamente, dirigido às, cada vez mais importantes, práticas de reciclagem artesanal de papel e promoção da proteção e preservação da natureza.”;
Art. 98.º da pi.: “Além disso, envolveu-se e colaborou em todas as atividades do AE em que a participação do seu grupo disciplinar era pertinente, destacando-se diversas exposições que coordenou nas Escolas do AE onde leciona e na sede do próprio AE, as caminhadas com a comunidade educativa em que participou, os projetos com o Município ... em que participou, por exemplo por ocasião do Natal, no projeto “...”, o Dia Aberto do AEAS em que colaborou das mais diversas formas, propondo, organizando, participando, orientando os alunos, nomeadamente a sua direção de turma, etc... - tudo evidenciado nos documentos apresentados pelo A., já referidos, e que pode ser cabalmente atestado pelas testemunhas que se indicarão.”;
Art. 102.º da pi.: “Primeiro, quanto ao descritor “O conhecimento profissional adquirido pelo docente tem impacto no desenvolvimento organizacional da escola e do agrupamento”, assim sucede de forma ostensiva e plena, como qualquer membro da comunidade educativa sabe e constata, pois foi do conhecimento profissional adquirido pelo A., que resultaram as ideias e projetos impulsionados pelo mesmo e que marcaram verdadeiramente a vida e a dinâmica do AEAS, que não seria o mesmo sem as atuações promovidas pelo A..”;
Art. 103.º da pi.: “Segundo e da mesma forma, em relação ao descritor “O docente partilha o conhecimento profissional adquirido, contribuindo para a melhoria do desenvolvimento profissional dos restantes docentes”, este tipo de interação e atuação são o timbre do trabalho do A., que sempre se preocupa em partilhar e partilha, nomeadamente no seio do seu grupo disciplinar e do departamento a que pertence, os conhecimentos adquiridos.”;
Art. 104.º da pi.: “Também por isso foi escolhido para coordenar e coordena o seu grupo disciplinar, cooperando de forma profunda com o respetivo coordenador de departamento, e coordena ademais as atividades do seu grupo disciplinar com as atividades dos outros grupos disciplinares - para além da sempre referida prova testemunhal, vejam-se as evidências juntas pelo A., Projeto Curricular de Turma (PCT), Domínios de Articulação Curricular (DAC), etc..”;
Art. 105.º da pi.: “Terceiro e por fim, quanto ao descritor “A qualidade do trabalho colaborativo no seio do grupo disciplinar melhorou em consequência do conhecimento profissional adquirido pelo docente”, isto é para o A. certo e evidente, e também o é para qualquer Colega do seu Grupo Disciplinar, do seu Departamento e mesmo do AE, pois foi do conhecimento profissional adquirido pelo A. que o mesmo trouxe as competências para coordenar o seu grupo disciplinar, tornando possíveis, profícuas, bem sucedidas e mesmo consensuais todas as atividades e atuações do grupo, tais a promoção, coordenação e participação em exposições no AEAS, nos eventos e atividades do Projeto Educativo do AEAS, nas comemorações e convívios no final dos períodos e de final do ano letivo, mormente com a dinamização de espaços, etc., sempre promovendo o trabalho colaborativo e a articulação entre todos no seio do seu grupo disciplinar e com os outros grupos disciplinares, daqui saindo um trabalho colaborativo relevante e profundamente proveitoso - ouçam-se as testemunhas arroladas pelo A., neste exato sentido.”.
X
De elenco acabado de expor impõe-se relevar o seguinte, no que diz respeito à avaliação interna:
Os documentos que compõem o p.a. junto aos autos e, sobretudo, o acervo documental que contém as chamadas “evidências” da avaliação, não esgotam e não podem esgotar a atividade do Recorrente que foi objeto de avaliação, na medida em que é ostensivamente impossível aí traduzir todas as competências e atuações que corporizam a atividade docente.
Tratam-se de meros indícios da performance do Avaliado, a par da observação direta e circunstanciada que é feita pelo Avaliador Interno, relativamente à atuação docente do Recorrente, sendo que é desse acompanhamento que tem que resultar a avaliação interna do Docente - neste sentido, no caso vertente, o Avaliador Interno do Recorrente refere, no “Parecer do Avaliador Interno” datado de 17/02/2021, na sequência da reclamação apresentada pelo A., ter tido em conta “o conhecimento concreto que tem da atividade desenvolvida pelo docente enquanto coordenador de departamento” (embora, depois e contraditoriamente, se detenha no que vem escrito no relatório de autoavaliação...) - cfr. o documento junto nesta sede como doc. 1.
Ora, a apreensão da atividade do Docente que é feita ou que deve ser feita pelo Avaliador Interno e que releva para a avaliação do desempenho não deixa de ser também feita, obviamente, pelos demais pares do Avaliado e membros da comunidade educativa; razão pela qual, como alegado, existem factos invocados na pi. e relevantes para a avaliação (os enunciados supra) que podem e dever ser objeto da prova testemunhal, por não serem passíveis de ser cabalmente apreendidos pelo Tribunal apenas pela prova documental junta aos autos, impondo-se a produção da prova testemunhal para aquilatar da existência do erro grosseiro de apreciação assacado aos atos impugnados.
Por outras palavras, a avaliação do desempenho docente não se reduz nem se pode reduzir aos documentos que compõem o procedimento, na medida em que os comportamentos e atuações que traduzem o mérito do Docente não são redutíveis àquele acervo documental e ultrapassam-no, sendo apreensíveis não só pelo Avaliador Interno como pelos demais membros da comunidade educativa e pares do Avaliado, que sobre os mesmos podem depor no sentido de se aferir da ocorrência de erro grosseiro de apreciação na avaliação atribuída.
Negar isto é negar a plena sindicabilidade do ato avaliativo pelo Tribunal, o que não é admissível, e é afrontar o direito à tutela jurisdicional efetiva dos Administrados, plasmado nos arts. 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP e art. 2.º, n.º 1 do CPTA, e que compreende o direito fundamental à prova.
Em suma,
O direito à prova é um direito fundamental assegurado constitucionalmente;
As partes têm liberdade para demonstrar quaisquer factos, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais;
O direito à prova é uma dimensão essencial da tutela jurisdicional efetiva e do direito a um processo justo e equitativo;
O CPTA e o nosso sistema processual é enformado por uma ideia não restritiva no que concerne à matéria da actividade probatória, sendo nesta linha que aponta o artigo 413° do CPC quando refere que o Tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas;
O direito à prova surge no nosso ordenamento jurídico processual constitucional como uma motivação natural, por um lado, da garantia da acção e da defesa e, por outro, como uma emanação dos direitos, liberdades e garantias que merecem tutela constitucional e que se materializam, no domínio jurisdicional, pela garantia de, por via da acção e da defesa as partes terem o direito de, querendo, utilizarem os direitos de prova que a lei coloca à sua disposição;
A produção de prova testemunhal era e é essencial para a descoberta da verdade material e a realização da Justiça, sob pena de os factos alegados pelo Recorrente e as várias soluções plausíveis para as várias questões de direito que se levantam, ficarem prejudicadas, o que é uma violação do direito constitucional à tutela jurisdicional efectiva;
O artigo 90º, nºs 1 e 3 do CPTA não diverge, na essência, da norma contida nos artigos 410º e 411º do Código de Processo Civil (CPC), ou seja, a recusa da produção de prova pelo Juiz só pode ocorrer quando seja manifestamente impertinente ou dilatória, o que não é o caso;
A previsão da tutela jurisdicional efectiva e de um processo equitativo impõe que as partes possam ter a possibilidade de realizar todas as diligências instrutórias que considerem necessário para provar os factos que alegam e que considerem fundamentais para o apuramento da verdade material e convenientes para a obtenção de uma pronúncia de mérito sobre o pedido (e a causa de pedir) requerido;
In casu, existem factos alegados na pi. e relevantes para a avaliação que podem e devem ser objeto da prova testemunhal, por não serem passíveis de ser cabalmente apreendidos pelo Tribunal apenas pela prova documental junta aos autos, impondo-se a produção da prova testemunhal para aquilatar da existência do erro grosseiro de apreciação assacado aos atos impugnados;
Dito de outro modo, a avaliação do desempenho docente não se reduz nem se pode reduzir aos documentos que compõem o procedimento, na medida em que os comportamentos e atuações que traduzem o mérito do Docente não são redutíveis àquele acervo documental e ultrapassam-no, sendo apreensíveis não só pelo Avaliador Interno como pelos demais membros da comunidade educativa e pares do Avaliado, que sobre os mesmos podem depor no sentido de se aferir da ocorrência de erro grosseiro de apreciação na avaliação atribuída;
Logo, o Despacho recorrido, ao decidir nos termos enunciados, incorreu em erro de julgamento por violação do direito à prova do Recorrente, não podendo manter-se na ordem jurídica.
Procedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se o despacho recorrido e determina-se a remessa dos autos ao TAF a quo a fim de proceder em conformidade.
Sem custas.
Notifique e DN.
Porto, 21/6/2024
Fernanda Brandão
Paulo Ferreira de Magalhães
Isabel Jovita
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