Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00366/15.8BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:08/14/2015
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Alexandra Alendouro
Descritores:RACIONALIZAÇÃO, REQUALIFICAÇÃO EFECTIVOS; REDUÇÃO SALARIAL;
ARTIGOS 251.° SS LEI 35/2014 (LTFP); SUSPENSÃO EFICÁCIA - PERICULUM IN MORA
Sumário:I – O requisito do periculum in mora de concessão de tutela cautelar, previsto no artigo 120.º, alínea b), do n.º 1 do CPTA, ocorre quando as circunstâncias do caso concreto permitam ao julgador considerar que, com grande probabilidade, caso não defira a requerida providência e o processo principal proceda será difícil ou impossível restabelecer a situação factual que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar.
II – Mostra-se verificado o periculum in mora, quando se conclui, em juízo de previsibilidade, que a redução salarial imediata provocada pelo acto de passagem da representada da requerente para a situação de requalificação, de 40% no 1.º ano (artigos 251.º e ss Lei 35/2014 (LTFP)) implica uma diminuição drástica da sua qualidade de vida e do seu agregado familiar pondo em risco a satisfação dos encargos mensais básicos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. (ISS, IP)
Recorrido 1:SINDICATO DOS PROFESSORES DA RC
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. (ISS, IP), inconformado interpôs recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 28 de Maio de 2015, que julgou procedente a providência cautelar contra si intentada pelo SINDICATO DOS PROFESSORES DA RC em representação da sua associada MLJBA, e, em consequência, declarou suspensos os efeitos da deliberação de 03.02.2015 do conselho directivo do ISS, IP, que aprovou a lista nominativa dos trabalhadores da carreira/categoria de Educadores de Infância e professores do centro distrital de C.B em situação de requalificação, na parte concernente à representada; e ineficazes, relativamente à Requerente, quaisquer actos de execução dos mesmos despacho e deliberação, já praticados, intimando o ISS,IP a admitir a requerida a retomar as suas funções e a nelas permanecer, se nada mais entretanto a tal obstar, até à decisão final a proferir no processo principal.
*
O Recorrente instituto da segurança social, i.p., alegou e formulou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso jurisdicional interposto da douta sentença proferida nos autos que deferiu a providência cautelar requerida, decretando a suspensão de eficácia da deliberação de 03.02.2015, do Conselho Diretivo do ISS, IP, na parte concernente a MLJBA, associada do Requerente SPRC, que aprovou a lista nominativa dos trabalhadores a colocar em situação de requalificação.

2. No tocante ao periculum in mora, o Tribunal a quo considera que ocorrerá um abaixamento drástico no nível de vida da representada do Requerente após a passagem à segunda fase do processo de requalificação, com a consequente redução do seu vencimento em 60%; concluindo, num juízo de prognose, pela existência de fundado receio de produção de prejuízos de difícil reparação no caso sub iudice.

3. Não obstante, mal andou o Tribunal a quo ao decidir nos termos em que o fez, uma vez que não é manifesto, nem tampouco evidente, que a associada do Requerente venha a ser abrangida pela segunda fase da requalificação, uma vez que poderá, com elevada e séria probabilidade, atentas as qualificações superiores e competências que detém, obter uma rápida reafetação em outro organismo da Administração Pública, aliás como tem ocorrido com outros trabalhadores docentes colocados na mesma situação da trabalhadora.

4. Assim como não se pode considerar que é manifesto, nem sequer evidente que a representada do Requerente, na remota e eventual hipótese de vir a ser abrangida pela segunda fase da requalificação - decorridos os 12 meses iniciais do procedimento - seja confrontada com abaixamento drástico do seu nível de vida.

5. Em bom rigor, a trabalhadora sempre deterá a possibilidade de exercer uma atividade profissional privada remunerada (cfr. artigos 262.°, n.º 9 e 263.°, n.º 2 da LTFP), em acumulação, sem prejuízo do cumprimento dos deveres a que se encontre sujeita no âmbito do processo de requalificação, de modo a aumentar o rendimento disponível do seu agregado familiar.

6. Assim como terá tempo necessário (12 meses), com vista à demanda e auscultação do mercado de trabalho a fim de obter essa atividade remunerada.

7. Em todo caso, temos que apenas poderia haver periculum in mora no caso sub judice se a representada do Requerente tivesse conseguido provar, como era seu ónus, que não conseguirá uma rápida reafetação e que no período em que se encontra em requalificação, não conseguirá acumular funções, o que não logrou fazer.

8. Assim, no caso sub judice, não foram indicados pelo Requerente cautelar factos suficientes, e não impugnados, que suportem a provável verificação de prejuízos de difícil reparação para a sua representada.

9. Efetivamente, no que respeita a este requisito, a Lei não se basta com um mero juízo de probabilidade, antes reclama um juízo de certeza quanto à produção de prejuízos de difícil reparação, e este juízo de certeza, ninguém o pode dar, porque pode acontecer que a representada do requerente seja logo reafetada, como já aconteceu com algumas das suas colegas.

10. Ora, sendo a representada do Requerente uma pessoa com qualificações superiores, o único factor que obsta à sua rápida reafetação, é precisamente o decretamento da providência cautelar, porque, ao recolocar a associada do Requerente no mapa do ISS, IP., restringe-se-lhe a única possibilidade que ela tinha de ser reafeta;

11. Acresce a tudo o que vem referido. que a trabalhadora pode acumular funções, quer públicas, quer privadas (ou seja, acumular rendimentos) com o ordenado que recebe na requalificacão. com vista a aumentar o rendimento disponível do seu agregado familiar.

12. Não se devendo olvidar que "apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum as lesões graves que sejam simultaneamente irreparáveis ou de difícil reparação. Ficam afastadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem irreparáveis ou de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, assim como as lesões que, apesar de se revelarem graves, não sejam dificilmente reparáveis" (Ac. da RL de 14.07.2011, proc. 220/11.2TTALM.L 1-4).

13. Assim a sentença recorrida ao considerar verificado o "perículum in mora" enferma de erro de julgamento com violação do art. 120.0 n.º 1 b) do CPTA não podendo ser mantida.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências.”.

*
O Recorrido notificado para o efeito, apresentou contra-alegações pedindo, com os fundamentos nelas constantes, a manutenção da decisão recorrida por, em suma, ter identificado, integral e assertivamente, a real situação económico-social carente de protecção cautelar.
*
O Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA.
*
Com dispensa de vistos face à natureza urgente do presente processo, nos termos do disposto no artigo 36.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, foram os autos submetidos a julgamento.
**
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

QUESTÕES DECIDENDAS

O objecto do presente recurso jurisdicional encontra-se delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente a partir da respectiva motivação em sintonia com o disposto nos artigos 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 3, 4 e 5 e 639.º do Código do Processo Civil (CPC) ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, caso existam, e do disposto no artigo 149.º do CPTA.

Neste pressuposto, a única questão suscitada, a decidir nesta instância recursiva, é a de saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento dado ter concedido a providência requerida com fundamento na demonstração do pressuposto do periculum in mora previsto no artigo 120.º, n.º 1/b) do CPTA. Com efeito, nas conclusões alegatórias, o Recorrente apenas se debate contra o julgamento do referido pressuposto.

***
III – FUNDAMENTAÇÃO:

A/DE FACTO

O Tribunal a quo deu como indiciariamente provados os seguintes factos tidos como “relevantes e suficientes para a decisão”:
1
A requerente era trabalhadora do Requerido, integrada na carreira docente, na categoria de Educadora de Infância, desde 1.10.1981: fs. 90 do PA.
2
Já antes o era, mas como monitora, desde 1 de Setembro de 1989. Idem.
3
Até Julho de 2014 exercia funções no infantário B...a de neve III, sito na C..., gerido pelo Requerido. Cf. fs 89 do Processo administrativo
4
Ultimamente prestava serviço na Equipa de Prestações de Doença, Parentalidade e Verificação de Incapacidade do centro Distrital de Segurança Social de C.B.
5
Em 4/8/2014 o Conselho Directivo do ISS deliberou submeter à aprovação do membro do Governo detentor da sua tutela, nos termos do artigo 251º nº 5 da LGTFP e do membro do Governo responsável pela área das finanças e da administração pública, nos termos do artigo 255º nº 6 do mesmo diploma, o Estudo de avaliação organizacional em processo de racionalização de efectivos cujo teor no P.A. aqui se dá como reproduzido, e o mapa de pessoal para 2015 a que alude o artigo 29º da LTFP, cuja cópia integrante do mesmo PA aqui se dá como reproduzida.
5
Por despachos de 28/9/2014 e 24/10/2014 o Sr Ministro da Solidariedade Social Emprego e Segurança Social e o Sr. Secretário de Estado da Administração Pública (do Ministério das Finanças), respectivamente, aprovaram os sobreditos estudo e mapa.
6
No dia 4/11/2014 o ISS remeteu à Federação Nacional dos Sindicatos dos Professores, de que é membro o Autor, uma cópia dos sobreditos estudo e mapa convidando esta organização sindical a pronunciar-se nos termos do artigo 338º da LTFP até às 16h de 17 seguinte. Cf. PA (docs. 3 e 4 e consenso das partes.
7
Em carta datada de 7/11/2014 a FENPROF emitiu a pronúncia cuja cópia é doc. 4 do PA (fs. 55 e sgs) e aqui se dá como reproduzida.
8
Em 11/11/2014 o Conselho Directivo do Requerido aprovou a deliberação nº 206/2014, que intitulou “Deliberação fundamentada sobre o início do processo de requalificação”, cujo teor no P.A. aqui se dá como reproduzido, bem como os seus anexos, entre eles o anexo XV contendo a descrição do processo de selecção, do método de avaliação de competências, entrevista e grelha classificativa, cujo teor a fs. 79 e sgs do PA aqui se dá por reproduzidos.
9
No dia 13.11.2014 a Requerente foi pessoalmente notificada de que no âmbito do procedimento de requalificação em curso iria ser sujeita ao método de selecção, tendo-lhe sido entregues os seguintes documentos:
1 Descrição do método de avaliação e respectiva fórmula de classificação final
2 Perfil de competências
3 Modelo de curriculum profissional.
10
Foi ainda notificada de que para efeitos da aplicação do sobredito método deveria entregar em cinco dias curriculum profissional, utilizando o modelo entregue. Doc. nº 1 da PI.
11
Na sequência da apreciação do Curriculum Vitae apresentado foi a associada do Autor convocada para a realização da entrevista, conforme doc. n.º 3 da contestação.
12
As decisões sobre as pontuações atribuídas em sede de apreciação curricular e avaliação da entrevista constam do documento n.º 4 da PI.
13
Por fim foi publicada a lista provisória de graduação das educadoras que iriam ser reafectas aos serviços do ISS e das que iriam passar à situação de requalificação: doc.n.º 5 da PI, que aqui se dá como reproduzido.
14
A referida lista foi publicada a 30 de Dezembro de 2014, encontrando-se a associada do Autor posicionada em 10° lugar da lista, sendo que só as 6 primeiras posicionadas seriam reafectadas a outros serviços da segurança social.
15
A representada do Autor apresentou reclamação conforme documento n.º 6 da PI.
16
Em 3 de Fevereiro de 2015 o Conselho Directivo do Requerido deliberou aprovar a lista nominativa definitiva dos trabalhadores das carreira e categorias de Educadores de Infância e Professores do centro distrital de C.B submetidos a processo de selecção, na qual a associada do Autor figurava com o mesmo posicionamento da lista provisória, colocando-a assim em situação de reclassificação profissional. Doc. 7 da PI.
17
Na entrevista foram avaliadas 8 competências:
• Planeamento
• Criatividade e Inovação
• Gestão do Tempo
• Produtividade e Iniciativa
• Orientação para a satisfação das crianças e das famílias
• Adaptação à mudança
• Trabalho de equipa
• Relacionamento interpessoal
18
A educadora foi avaliada positivamente a todas as competências, à excepção da “Criatividade e Inovação”, onde foi classificada com “Não” com a seguinte observação:
10
"Encontra-se abaixo do modelo de comportamento definido para a competência, necessitando de algum desenvolvimento. Com efeito, nota-se alguma dificuldade em conseguir improvisar soluções de carácter temporário para a resolução do problema de imediato. Durante a entrevista demonstrou que privilegia uma actuação mais comum e habitual de cumprimento de tarefas e orientações em vez de reformular soluções em função de maior eficácia. Nota-se alguma rigidez na resolução de problemas, não privilegiando a flexibilidade que por vezes se torna mais adequada. Não demonstrou na entrevista conseguir gerir eficazmente propostas inovadoras e incentivar de forma vincada, o aparecimento de novas ideias.
19
Da fundamentação da avaliação da associada do Autor quanto à competência “Proactividade e Iniciativa” constava o seguinte:
"Enquadra-se no modelo de comportamentos definido para a competência. Evidenciou que consegue prever o impacto das suas decisões e questionada sobre o assunto, afirmou que sempre apresentou propostas e sugestões para melhorar o desempenho do seu trabalho. Procura respostas nas situações difíceis com que se debate no dia-a-dia e antecipa soluções para resolver os problemas.”.
20
A associada do Autor é casada com Elísio Fonseca Azevedo. Doc. junto com o requerimento de 20/5/2015.
21
O seu rendimento líquido mensal é de cerca de 1 822,65 €, auferidos no sobredito trabalho dependente, sendo o vencimento ilíquido de 3 091 € - cf. doc. n.º 8 juntos com a I e modelo 3 do IRS de 2014, junto com o requerimento de 18/5 p.p..
22
O marido da associada do Autor está desempregado, auferindo de subsídio de desemprego 564,30 € mensais, cujo pagamento cessará em 3/8p.f. – Cf. documento junto com o requerimento da associada da Autora, em 18/5 p.p..
23
Com estes rendimentos o casal suporta o pagamento das prestações mensais de pelo menos três empréstimos, nos valores seguintes:
- Empréstimo à habitação - € 479,45 + € 27,69 – docs, juntos com o requerimento de 25/5 p.p.
- Seguro de vida do crédito habitação € 151,69, cf. idem.
- Prestação de um credito pessoal- € 151 - idem
- Prestação de um outro Crédito ao consumo - € 427,60 – idem
24
De electricidade pagam 60 00 mensais (doc. 11 da PI) de água ao domicílio e taxas conexas pagam 26,29 € mensais, de condomínio mensal, 20 € (doc. nº 13 da pi, num total de 1343 €.
25
A estas despesas mensais fixas acresce o seguro automóvel como despesa fixa anual: 188,40 € (cf. doc. nº 14 da PI).

**

B/DE DIREITO

1. Na instância a quo a Recorrida pediu a suspensão de eficácia da deliberação de 3.02.2015 do conselho directivo do ISS, IP, na parte respeitante à sua representada, que aprovou a lista nominativa definitiva dos trabalhadores que passam à situação de requalificação, da carreira/categoria de Educadores de Infância e professores do Centro Distrital de C.B no âmbito do procedimento de racionalização de efectivos do Instituto, ao abrigo dos artigos 251.° e ss da Lei Geral do Trabalho em funções públicas (LTFP) aprovada pela Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho; bem como a intimação do Requerido a readmiti-la no seu posto de trabalho, na mesma carreira, com as mesmas funções e vencimento, com efeitos desde 9 de Fevereiro de 2015.

O TAF de Coimbra julgou procedente a providência cautelar por considerar demonstrados os requisitos cumulativos da aparência do bom direito e do periculum in mora consagrados no artigo 120.º n.º 1/b do CPTA e o da superioridade (ponderada) dos interesses a assegurar com a adopção da providência cautelar sobre os demais interesses, públicos privados ou outros, em presença, previsto no artigo 120.º n.º 2 do CPTA.

2. Constitui assim objecto do presente recurso jurisdicional a decisão proferida pelo TAF de Coimbra que julgou procedente a requerida providência cautelar contra o Instituto da Segurança Social, IP.

O Recorrente insurge-se contra esta decisão, assacando-lhe erro de julgamento de direito circunscrito à verificação de periculum in mora, o qual, na sua perspectiva, não ocorre.
Importa então apreciar e decidir se a sentença recorrida, face à factualidade assente, interpretação uniforme e aplicação da normação convocável padece do alegado erro de julgamento.

3. Do erro de julgamento imputado à decisão recorrida.

3.1. Do periculum in mora – fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que se visam assegurar (artigo 120.º, n.º 1, alínea b) do CPTA).
O “fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação” devido à demora do processo principal apela à alegação de factos concretos que permitam perspectivar, o fundado receio do requerente cautelar de que se a providência for recusada e o processo principal vier a ser julgado procedente será difícil o restabelecimento da situação, no plano dos factos, que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar – concepção que substituiu a concepção pecuniária dos prejuízos que se pretendem acautelar com a tutela cautelar. – cfr. M. Aroso de Almeida, ob. cit. pp. 291 e 292, 258 e ss (261).
Neste contexto, o Tribunal tem de convencer-se mediante um juízo de prognose póstuma “de realidade ou próximo da certeza” e não de “mera probabilidade” que existe um fundado e actual receio da produção de prejuízos dificilmente reparáveis (ou irreparáveis) para o Requerente se não decretar a providência. Só assim se considerando “justificada” a cautela que é solicitada – cfr. Vieira de Andrade, in Justiça Administrativa (Lições), 5.º ed, p. 298 e, em sentido semelhante, os Acórdãos do STA de 26.09.02, Proc. n.º 01368/02, de 01.02.2007, Proc. n.º 027/07, de 14.07.2008, Proc. n.º 0381/08 disponíveis em www.dgsi.pt/jtcn.
A prova, ainda que sumária, de que tais consequências são quase certas e não meramente prováveis constitui um ónus do Requerente da providência cautelar, não podendo o Tribunal substituir-se-lhe nesse encargo. Para o efeito, não basta que alegue de forma meramente conclusiva, adoptando expressões vagas e genéricas ou de direito (v.g. que “ocorre fundado receio da constituição de facto consumado” ou da produção de “prejuízos de difícil reparação”), cabendo-lhe enunciar e densificar factos concretos donde se infira, em termos de causalidade adequada, a verificação na sua esfera jurídica de danos difíceis de reparar ou irreparáveis (danos reais, directos e imediatos e não abstractos, eventuais ou hipotéticos) e prová-los, ainda que indiciariamente, oferecendo prova sumária dos fundamentos em que sustenta a existência desse requisito – cfr. artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil, 114.º, n.º 3, al. g) e 118.º do CPTA, 5.º, n.º 1, 365.º, n.º 1 do CPC; e entre, outros, Acórdãos do STA de 14.07.2008, Processo n.º 0381/08 e de 22.01.2009, Processo n.º 06/09 e Acs. do TCAN, de 25.01.2013, Processo n.º 01056/12.9BEPRT-A; de 08.02.2013, Processo n.º 02104/11.5BEBRG de 17.05.2013, Processo n.º 01724/12.5BEPRT, e de 14.03.2014, Processo n.º 1334/12.7BEPRT disponíveis em www.dgsi.pt/jtcn.
Só dessa forma podendo o julgador ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstractos (simples conjecturas ou receios subjectivos do Requerente), apreciando especialmente as dificuldades que envolvem o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ou acto ilegal não tivesse tido lugar – cfr. Acs. do STA de 09.06.2005 - Proc. n.º 0412/05, de 10.11.2005 - Proc. n.º 0862/05, de 01.02.2007 - Proc. n.º 027/07, de 14.07.2008 - Proc. n.º 0381/08, de 12.02.2012 - Proc. n.º 0857/11 e Ac. do TCAN de 14.09.2012 - Proc. n.º 03712/11.0BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt/jtcn.
Ou seja, todas as circunstâncias factuais (alegadas e provadas e/ou notórias) que revelem o receio fundado e objectivo de lesão iminente de interesses do Requerente inserido no respectivo agregado familiar e a necessidade imperiosa de serem tomadas providências que obstem à produção, médio tempore, de tal lesão ou prejuízos evitando-se que o “estado de coisas que a acção quer influenciar [ganhe] entretanto a irreversível estabilidade inerente ao que já está terminado ou acabado – ficando tal acção inutilizada «ex ante» – in Acórdão do STA de 31.10.2007, Proc. 0471/07.
Ficando de fora as simples conjecturas ou receios subjectivos, eventuais ou hipotéticos posto que não configuram “receios dignos de tutela” ou “fundados receios”. Sublimando que “o receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável deve ser fundado, ou seja, apoiado em factos que permitam afirmar com objectividade e distanciamento a seriedade e a actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo” não bastando, pois, “simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, (…).” Vide Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. III, 3.ª ed., p. 108.

3.2.1.Vejamos então se a sentença recorrida errou ao ter considerado demonstrada a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a representada da Recorrida visa assegurar com a eventual procedência da respectiva acção principal (artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do CPTA).
Analisada a decisão no que concerne a este requisito, o tribunal a quo consignou a seguinte fundamentação:

“(…)
Do Periculum in mora
Face aos factos indiciariamente provados podemos dizer que a Requerente auferia, antes do acto suspendendo, com o marido, rendimentos líquidos que rondavam os 2 300 € por mês – dos quais deixará de auferir 567 € a partir de Agosto p.f. provenientes do subsídio de desemprego do mesmo marido e que, por via de empréstimos contraídos quando não podia prever a emissão do acto suspendendo – um deles para aquisição de habitação - se, “empenhou” significativamente, atento aquele rendimento líquido, o que, somado às despesas com água energia e condomínio resulta em que tenha uma “factura” de despesas fixas mensais não inferior a 1343 €.
A estas despesas fixas mensais acrescem outras que também o são, mas não exactamente quantificadas ou quantificáveis como: telecomunicações, vestuário e calçado alimentação e higiene, combustíveis e manutenção de veículo automóvel; e despesas anuais fixas tais como impostos, seguros etc.
Decorre directamente da Lei, designadamente dos artigos 261º e 258º nº 1 a) e b) da LGTFP, que a execução do acto suspendendo lhe terá já causado, abruptamente, uma descida de tais rendimentos em 40 €, nos primeiros doze meses, e em 60%, depois, do valor do seu vencimento sobredito, ao que acresce o fim do subsídio de desemprego do marido em Agosto p.f.
Manifestamente, os danos susceptíveis de serem causados por uma tal redução de rendimentos aos dois elementos do agregado familiar da Requerente, designadamente no que toca a necessidades relacionadas com a sustentabilidade das dívidas legitimamente contraídas – uma delas para aquisição de casa própria - não são simplesmente revertíveis no futuro com uma reposição de salários acrescida de mais algum montante estritamente indemnizatório.
Há verdadeiramente o perigo de com a execução do acto suspendendo se criar uma situação de incumprimento para com credores e até de insolvência civil que, uma vez ocorrida na História, facto ou quantia alguma lograrão verdadeiramente indemnizar.
Está portanto preenchido o requisito do periculum in mora em concreto descrito na alínea c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.”.
No caso vertente, a representada da requerente cautelar foi colocada em situação de reclassificação, invocando e provando prejuízos ligados à perda de parte do vencimento, já que a passagem à situação de reclassificação importa a redução do vencimento base para 60 % no primeiro ano e para 40 % no segundo, bem como a iminência de o seu marido deixar de receber subsídio de desemprego, o que sucedeu no passado dia 3 de Agosto.
Por outro lado, comprovou que o seu agregado despende com empréstimos contraídos, um deles respeitante a aquisição de habitação, com água, energia e condomínio, um montante fixo mensais não inferior a 1343, 00 €. Ao que acresce outras despesas, não quantificadas ou quantificáveis tais como: saúde, alimentação e higiene, vestuário e calçado telecomunicações, combustíveis e manutenção de veículo automóvel; impostos, seguros, etc. Para além, naturalmente, das “demais despesas” como o “simples acto de tomar um café” de “fazer esporadicamente uma refeição fora com a família e os amigos”, de comprar pequenas utilidades que são necessárias em casa”, “etc”.

Conforme jurisprudência do STA, a privação de vencimento «causa prejuízos irreparáveis ou, pelo menos, de difícil reparação ao visado com esse acto, se tal privação diminuir drasticamente o seu nível de vida ou do seu agregado familiar, pondo em risco a satisfação das necessidades normais, correspondentes ao padrão de vida médio das famílias de idêntica condição social» – in Acórdão do STA de 28.01.2009, Proc. 01030/08.

Ora, as circunstâncias do caso concreto supra expostas e desenvolvidas na sentença recorrida (com destaque para a falta de rendimento de um dos elementos do agregado familiar) permitem ao julgador considerar, que com grande probabilidade (mediante um juízo de quase-certeza) a redução do rendimento da representada da Recorrida por força do acto suspendendo acarretará de imediato uma drástica e intolerável redução da sua qualidade de vida (e do respectivo agregado familiar) comprometendo mesmo a satisfação das necessidades mais básicas ou de sobrevivência, e das relacionadas com o cumprimento e sustentabilidade das dívidas contraídas para aquisição de casa própria com as inerentes e naturais consequências de produção de factos consumados (v.g. não ter dinheiro para sobreviver, perder a sua habitação, não honrar os compromissos financeiros com os credores, a “insolvência civil”, etc.)

Há pois, um perigo (receio) real e fundado de com a execução do acto suspendendo o agregado familiar da representada do Recorrido não ter o suporte financeiro necessário para se manter vendo-se na impossibilidade de sustentar o seu nível de vida e, sobretudo, de ser capaz de fazer face às suas normais e mais elementares necessidades financeiras.

Concludentemente, os factos alegados e provados bem como os notórios são aptos e suficientemente relevantes para integrarem prejuízos de difícil reparação e mesmo irreparáveis e irreversíveis porquanto as consequências/danos acima indiciariamente enunciados não são revertíveis com a reposição de salários acrescida de algum montante indemnizatório, na hipótese de procedência da acção principal instrumental da presente providencia cautelar.

Acrescendo que a possibilidade da representada da Recorrida ser entretanto reafecta bem como de acumular funções remuneradas, mesmo a concretizar-se – sem prejuízo de constituir isso mesmo “uma mera possibilidade” – não teria a virtualidade de apagar os danos entretanto ocorridos no seu agregado familiar.

Em síntese, verifica-se periculum in mora: a diminuição salarial provocada pela passagem da representada da Recorrida para a situação de requalificação gera prejuízos de difícil reparação merecedores de tutela cautelar uma vez que implicam uma alteração drástica ou intolerável no seu padrão de vida e do agregado familiar pondo em risco a satisfação das suas necessidades de sobrevivência e acarretando sofrimentos e restrições relevantes e fundadas.

Pelo que bem andou a sentença recorrida ao concluir pela verificação de periculum in mora, não padecendo assim do imputado erro de julgamento.

Em face de todo o exposto improcede o presente recurso.


****
IV – DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal em negar provimento ao presente recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Notifique.
DN.

Porto, 14 de Agosto de 2015
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: Vital Lopes
Ass.: Ana Paula Santos