Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03486/11.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/09/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:SEGREDO DE JUSTIÇA; ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO; JUSTIFICAÇÃO ACEITÁVEL
Sumário:1 – Tendo o tribunal a quo entendido expressamente não estar na posse de toda a informação factual relevante, não poderia avançar para a ulterior fase processual, notificando as partes para a apresentação de alegações, mais decidindo a Ação.
Como foi feito noutros processos idênticos a correr então paralelemente, ter-se-ia mostrado mais prudente ter optado, porventura, pela suspensão da instância até à cessação do segredo de justiça relativamente a alguma prova documental.
A referida suspensão teria permitido que o processo viesse a prosseguir a sua ulterior tramitação já com a integração de toda a necessária informação processual.
Tendo a tramitação processual prosseguido, é manifesto que a insuficiente e incompleta documentação constante do PA não pode ser imputada à Administração, daí não se poderem ser tiradas ilações desfavoráveis à mesma, em decorrência da não junção de documentos submetidos a segredo de justiça.
2 – O erro nos pressupostos de facto é o vício do ato administrativo que consiste na representação errónea de elementos materiais relevantes para a decisão, ou seja, o que resulta da consideração pela Administração de factos materialmente inexistentes ou erroneamente apreciados. A sua procedência exige a demonstração de desconformidade entre a realidade e a ideia que sobre ela a Administração formou para decidir o que decidiu.
Em concreto, não tendo o Tribunal tido acesso à versão integral do processo administrativo e, por conseguinte à totalidade dos atos de instrução e a todo o procedimento de formação dos atos, por razões que conhecia, relacionadas com o segredo de justiça, não estava em condições de conhecer da procedência ou improcedência do referido vício de erro nos pressupostos de facto.
3 - Verificando-se que determinados factos estão sujeitos ao segredo de justiça, os mesmos só podem ser fornecidos pelas autoridades judiciárias e sempre no respeito e cumprimento estrito da lei. No caso dos autos, mantendo-se reconhecidamente o segredo de justiça, se é certo que as próprias autoridades judiciais não podiam facultar estes elementos, por ainda se encontrar a decorrer a averiguação de determinados factos, e com vista a não fazê-los perigar, por maioria de razão, não poderia a administração violar o referido segredo de justiça, fornecendo o relatório de fiscalização, como solicitado nestes autos, mostrando-se assim satisfeita a “justificação aceitável” prevista no nº 4 do artº 84º do CPTA, para o incumprimento da sua junção.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Instituto da Segurança Social IP
Recorrido 1:MFRF
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
O Instituto da Segurança Social IP, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra si por MFRF, tendente, em síntese, a serem anulados “(…) os despachos proferidos ... Referentes às declarações de remunerações e enquadramento da A como trabalhadora por conta de outrem … e em consequência, serem anulados os atos que desse mesmo despacho decorreram e devendo a R ser condenada, igualmente a liquidar à A o montante de 26.814,76€”, inconformado com o Acórdão proferido que julgou parcialmente procedente a ação, veio interpor recurso jurisdicional do mesmo, proferido em primeira instância e em coletivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Formula o aqui Recorrente/ISS nas suas alegações de recurso, apresentadas em 23 de junho de 2014, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 269 a 274 Procº físico):

“1.ª – Em primeiro lugar, o Recorrente não se conforma com a decisão proferida por despacho interlocutório de 11 de Dezembro de 2013, razão pela qual procede à sua impugnação no presente recurso, ao abrigo do disposto no art.º 142º, nº 5, do CPTA.

2.ª – Com efeito, nesse douto despacho, o Mm.º Juiz a quo considerou desnecessário ao apuramento da verdade ordenar quaisquer diligências de prova, pelo que deu por encerrada tal fase processual, determinando a notificação das partes para apresentação de alegações escritas.

3.ª – Sucede que, mediante requerimentos de fls. 98 a 100, e de 21-03-2013, o Recorrente trouxe ao conhecimento dos autos que os atos impugnados, tendo sido praticados na sequência das conclusões da inspeção levada a cabo pelo seu Serviço de Fiscalização do Norte, originaram a instauração do Inquérito Criminal aí identificado.

4.ª – Mais informou o Recorrente, no ponto 4. do requerimento de fls. 98 a 100, que aquele Serviço havia sido notificado de que o referido Inquérito foi submetido ao segredo de justiça, concluindo pela ocorrência de um impedimento legal à junção dos documentos elaborados no âmbito da referida inspeção.

5.ª – Tal despacho não constitui decisão acertada, por resultar dos autos, à data da sua prolação, que o Tribunal não estava em condições de conhecer do mérito da ação e apurar a verdade material, como, aliás, veio depois a reconhecer em sede de apreciação do vício de erro nos pressupostos de facto, na fundamentação do douto Acórdão recorrido, a fls. 238.

6.ª – Ao decidir como decidiu, não aguardando, pelo menos, a junção aos autos do processo administrativo completo, por forma a conhecer da existência ou não do alegado vício de fundo, o Tribunal a quo fez recair sobre a entidade recorrente o risco da falta ou insuficiência de prova, quando é certo que aquela, por imposição legal, não estava em condições de cumprir o inerente ónus.

7.ª – O douto despacho impugnado violou, pois, o disposto no art.º 90º do CPTA, bem como o preceituado no art.º 272º, nºs. 1 e 3, do CPC.

8.ª – O desacerto do douto despacho impugnado refletiu-se em sede de julgamento, visto que o Tribunal a quo não só não fundamentou suficientemente a dispensa de apreciação do alegado vício de erro nos pressupostos de facto, como, sobretudo, podia dispor dos “elementos indispensáveis” a uma pronúncia sobre todas as causas de invalidade invocadas, contanto que não desvalorizasse a sujeição do aludido Inquérito Criminal ao segredo de justiça.

9.ª – Ao não apreciar, nos termos expostos, a questão fundamental do presente litígio, o Tribunal a quo violou o disposto na primeira parte dos nºs. 1 e 2 do art.º 95º do CPTA, razão pela qual enferma o douto Acórdão recorrido, nesta parte, de nulidade por omissão de pronúncia (cfr. art.º 615º, nº 1, alínea d), do CPC).

10.ª – Acresce que, em parte alguma do probatório fixado no douto Acórdão recorrido, se descortinam os factos que permitem sustentar a condenação do Recorrente no pagamento das prestações de desemprego em falta, desde o momento da prática dos atos impugnados.

11.ª – Aliás, em douto Acórdão também proferido pelo Tribunal a quo, no Proc. nº 3512/11.7BEPRT, versando o mesmo “thema decidendum”, entendeu-se que a condenação da entidade recorrente não podia estender-se ao pagamento das prestações peticionadas, por isso se restringindo a mesma à prática de “(…) novo ato, no cumprimento de todos os formalismos legais, ou seja, notificando a Autora da proposta de decisão e fundamentando a decisão final nos termos preconizados pelos artigos 124.º e 125.º do CPA.”

12.ª - Se o Tribunal a quo entendeu não tomar conhecimento do vício de fundo imputado aos atos impugnados, então, a condenação à prática do ato devido não podia deixar de ser delimitada em função das concretas ilegalidades que julgou provadas, nos exatos termos em que se decidiu no douto Acórdão citado.

13.ª – Daí que, ao não especificar os fundamentos de facto que justificam a condenação fixada em ii) da sua parte decisória, o douto Acórdão recorrido esteja ferido da nulidade prevista no art.º 615º, nº 1, alínea b), do CPC.

14.ª – No respeitante ao vício de forma por violação dos deveres de informação e de audiência prévia, o Tribunal a quo incorreu em erro de apreciação e julgamento. Com efeito,

15.ª – Em primeiro lugar, resulta do PA apenso que, uma vez concluída a instrução no procedimento administrativo, o Recorrente procedeu à audiência da interessada, antes de tomar a decisão final consubstanciada nos atos impugnados, não constituindo o despacho do Diretor do Centro Distrital do Porto, de 30/07/2010, decisão final daquele procedimento.

16.ª – Mostrando igualmente o PA, que o Serviço de Fiscalização do Recorrente, ainda no decurso das averiguações, efetuou diligências no sentido de tomar declarações à Recorrida, sem contudo lograr obter a sua colaboração para o efeito – cfr. fls. 2, 24 e 61.

17.ª – Conquanto se reconheça que o acesso da Recorrida à informação sobre a matéria das averiguações em causa foi fortemente restringido, tal facto não pode ser dissociado do próprio objeto da inspeção desencadeada, que identificou os contornos de uma atividade criminosa organizada, direcionada à apropriação indevida de verbas respeitantes a prestações de segurança social.

18.ª – Não constituindo o direito de acesso aos documentos administrativos, designadamente para o efeito de audiência prévia, um direito ilimitado, tal restrição mostrasse fundada, in casu, ao abrigo do disposto no art.º 268º, nº 2, in fine, da Constituição da República.

19.ª – Mas ainda que se entendesse, sem conceder, que ocorreu tal vício, sempre deveria o Tribunal a quo, no caso sub judice, ter recusado efeitos invalidantes à preterição da audiência da interessada, com fundamento no princípio do aproveitamento dos atos administrativos ou da relevância limitada dos vícios de forma.

20.ª – Por outro lado, por força do disposto no art.º 54º, nº 1, alínea d), e nº 2, do D.L. nº 220/2006, de 03/11, face ao apurado nas averiguações realizadas, a entidade recorrente não só estava obrigada a tomar posição no momento da prática dos atos impugnados, como também estava obrigada a emitir tais atos com o sentido revogatório que lhes imprimiu, dada a sua natureza vinculada à lei aplicável.

21.ª – No que concerne a apreciação do segundo vício de forma invocado pela Recorrida, o Tribunal a quo não teve em consideração jurisprudência pacífica do STA, segundo a qual, a exigência de fundamentação diz respeito ao modo de exteriorização formal do ato administrativo e não à validade substancial do respetivo conteúdo ou pressupostos.

22.ª - No contexto específico do caso sub judice, o motivo das decisões impugnadas – a inexistência de “qualquer prestação efetiva de trabalho subordinado” - está determinado, pelo que a questão de saber se a Recorrida, na realidade, foi, ou não, trabalhadora das supostas entidades empregadoras, releva já no âmbito da validade substancial dos atos em causa e não no plano da sua fundamentação.

23.ª – O teor dos relatórios finais do Serviço de Fiscalização do Norte, cuja junção ora se requer, ao abrigo do disposto no art.º 651º, nº 1, do CPC, ex vi art.º 1º do CPTA, demonstra que a fundamentação dos atos impugnados existe e é deles contemporânea, não estando em causa a invocação de motivos ou fundamentos destinados a sustentar a sua validade “a posteriori”.

24.ª – De acordo com a jurisprudência deste mesmo TCA, a restrição ao livre acesso a documentos administrativos é suscetível de ocorrer, não apenas no âmbito da investigação criminal, mas também em sede de processo de averiguações, instaurado por serviço de entidade administrativa com competência legal em matéria de inspeção ou fiscalização, como sucedeu no caso dos autos (vide douto Acórdão de 12-11-2011, Proc. nº 1671/11.8BEPRT).

25.ª – Pelo exposto, ao julgar verificado o vício de falta de fundamentação, o Tribunal a quo fez errada aplicação do disposto no art.º 123º, nº 1, alínea d), do CPA, e no art.º 268º, nº 2, in fine, da Constituição da República.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, revogando-se o despacho interlocutório e o Acórdão recorridos, de modo a substituir-se este último por outro que julgue a ação administrativa especial improcedente, na sua totalidade, ou, Se assim não se entender, deve revogar-se a decisão de condenação do Recorrente no pagamento das prestações de desemprego em falta desde o momento da prática dos atos impugnados, substituindo-a por outra que determine a prática de novos atos, a notificar à Recorrida, com observância das formalidades previstas no art.º 100º e segs., 124º e 125º, todos do CPA.”

Após vicissitudes de ordem processual diversas, veio a ser proferido Despacho de admissão de recurso em 8 de abril de 2016 (Cfr. fls. 428 a 430v Procº físico).

Mais se referiu no identificado Despacho em termos de sustentação do decidido:

“A Recorrentes veio, nas suas alegações de recurso jurisdicional, arguir a nulidade consistente em violação do disposto nas alíneas b) e d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, ou seja, que a decisão não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e que incorre em omissão de pronúncia. Vejamos cada uma delas.

Começando pela alegada omissão de pronúncia, invoca o Réu que o Tribunal, em violação do disposto no artigo 95º do CPTA, se absteve de conhecer uma das causas de invalidade do ato impugnado, o alegado vício de erro sobre os pressupostos de facto, sem que tenha fundamentado suficientemente a dispensa de apreciação do mesmo e que poderia, querendo, ter tomado em consideração todos os elementos indispensáveis ao conhecimento do mesmo, ou seja, que terá incorrido a decisão em défice instrutório.

Ora, atento o aduzido pelo Réu, conclui o Tribunal que faz o mesmo, uma leitura “parcelar” da decisão proferida para tentar imputar a referida nulidade.

De facto, e não ignorando o Tribunal que não foi junto pelo Réu o acervo documental relativo aos relatórios de inspeção lavrados pelo Serviço de Fiscalização, por estarem os mesmos sob segredo de justiça no âmbito do Processo de Inquérito nº 5544/11.6TAVNG, que corria termos na 4ª Secção dos Serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia, não deixou tal facto de ser devidamente sindicado e sopesado no juízo de cognoscibilidade efetuado pelo Tribunal.

Na verdade, e conforme se pode ler na decisão recorrida, “(…) Num Estado de Direito exige-se que a Administração apure a realidade existente e só depois de deter o necessário conhecimento sobre a mesma atue em conformidade com os comandos legais a que se encontra vinculada. Não foi isso o que se passou na situação que temos sob apreciação. In casu, a Administração, perante a existência de alegados fortes indícios de fraude entendeu cessar imediatamente o pagamento do subsídio de desemprego que A. vinha auferindo fazendo recair na Autora as consequências da sorte a que a investigação que encetou, conduzisse, privando-a, entretanto, do direito a receber uma prestação que lhe tinha sido atribuída pela mesma Administração, para depois, logo se ver o que fazer. Tal comportamento é, quanto a nós, fortemente violador do Estado de Direito em que vivemos, onde não se permite que a Administração pratique atos administrativos com base em meros indícios. (…)”

Mais adiante sublinha o Tribunal que “(…) É claro que na situação dos autos a Administração se escusa no segredo de justiça para não revelar a fundamentação completa dos atos impugnados, afirmando até que a fundamentação que deu a conhecer «é mínima». A Entidade Demandada refere que tendo em conta a consciência de que o processo ia ficar em segredo de justiça, a informação a prestar à A. tinha de ser mínima, sempre de forma a não comprometer as diligências em curso. (…) A este respeito importa notar que a participação criminal apresentada pela Entidade Demanda junto dos competentes serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia surgiu posteriormente à prática dos atos impugnados e a sujeição do processo remetido ao Ministério Público apenas foi classificado como abrangido pelo segredo de justiça em 02/09/2011, pelo que, à data em que aquela proferiu as decisões questionadas não existia esse alegado impedimento a que uma completa fundamentação dos atos fosse disponibilizada. Porém, independentemente da necessidade dos elementos apurados na sequência do processo de averiguações aberto pela Entidade Demandada não serem revelados, atenta a existência de outros interesses, como os da responsabilização criminal de alguns agentes, a verdade é que a Administração, in casu, a Entidade Demandada não pode ignorar que a prática de atos administrativos, designadamente, ablativos, está sujeita ao cumprimento de requisitos formais e substanciais cuja preterição afeta a sua validade, pelo que, se em função de outros interesses não estava em condições de praticar os atos impugnados em condições de garantir a sua validade, então devia aguardar a sua atuação para o momento adequado, ou seja, para quando estivessem concluídas todas diligências investigatórias, designadamente, no âmbito da investigação criminal. (…)”.

Conformemente ao que se acaba de transcrever, não subsistem dúvidas que o iter lógico percorrido pelo Tribunal se funda na questão da necessidade de apreciação da validade do ato com base nos elementos existentes à data da sua prática, que não em momento posterior, particularmente tratando-se de um ato ablativo de um direito da Autora.

Daqui decorre, sem necessidade de maior fundamentação legal, que não careceria, nem carece o Tribunal, para apreciação da questão de elementos que apenas em momento ulterior foram conhecidos.

Nestes termos, não pode ater-se o Réu à leitura exclusiva da decisão que considera que não dispunha o Tribunal dos elementos necessários ao conhecimento do vício de erro nos pressupostos de facto.

Como bem decorre a fls. 238 dos autos, abundantemente citado pelo Réu, “o presente processo não pode servir de oportunidade para que a Entidade Demandada demonstre, a posteriori, os pressupostos de facto de uma decisão que proferiu em momento anterior e que nesse momento não logrou demonstrar”, cujo ónus lhe competia.

Em consequência, da própria decisão decorre o preenchimento do previsto do nº 2 do artigo 95º do CPTA, não se verificando a referida nulidade de omissão de pronúncia, e mantendo o Tribunal a decisão proferida.

O mesmo se diga quanto à alegada nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão condenatória.

Além de, como expressamente referido pelo Tribunal, consubstanciar a pretensão condenatória uma atuação consequente da eliminação dos atos impugnados, conter a decisão todo o acervo fáctico, repita-se, existente à data da prática daqueles atos, para fundamentar tal condenação.

Assim, e face a tudo o exposto, considera o Tribunal não se verificar a aduzida nulidade, mantendo a decisão recorrida.

Ora, atentas as alegações de recurso, baseiam-se as Autoras numa alegada inimpugnabilidade do ato recorrido antes da verificação da condição suspensiva determinante da sua eficácia.

Todavia, não foi tal matéria indicada como causa de pedir nos presentes autos, tendo-se as Autoras limitado a expender argumentos acerca da forma da contagem dos prazos para apresentação de recurso hierárquico e para interposição de impugnação judicial, quer em sede de articulado inicial quer em sede de resposta à matéria excetiva invocada pelo Réu.

Consequentemente, não tinha o Tribunal que se pronunciar sobre algo que não constitui objeto do processo, encontrando-se plenamente especificados os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão, e assim inexistindo qualquer violação do previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC.

Nestes termos, e ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 641º do CPC, indefiro as arguidas nulidades.”

A aqui Recorrida não veio apresentar contra-alegações de Recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 8 de junho de 2016 (Cfr, fls. 437 Procº físico), nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, a suscitada nulidade resultante da invocada não especificação dos fundamentos de facto da decisão proferida e erro de julgamento da apreciação dos vícios de forma invocados.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade:
“i) Em 01.07.2009, a Autora requereu junto do Réu a concessão da prestação de subsídio de desemprego.
ii) Por despacho de 01.07.2009 foi deferido o requerimento de prestações de desemprego apresentado pela A., tendo-lhe sido atribuído o Subsídio de Desemprego no montante diário de € 41, 92, por um período de 720 dias.
iii) A partir do mês de Novembro de 2010 a A. deixou de receber qualquer quantia monetária relativa ao subsídio de desemprego que fora atribuído nos termos referidos em ii).
iv) A A. não foi notificada pelo ISS, IP da existência de nenhum procedimento aberto, nem de nenhum ato administrativo do qual resultasse a cessação do pagamento o subsídio de desemprego que vinha a auferir,
v) A A. remeteu para os competentes serviços do ISS, IP, o pedido de informação escrita de fls.27 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
vi) Em 14.01.2011, a A. remeteu para os competentes serviços do ISS, IP o pedido de informação sobre a cessação do pagamento de benefícios e pedido de reposição de fls. 29 a 31 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
vii) Em 14/04/2011, a A. remeteu para os competentes serviços do ISS, IP o pedido de informação de fls. 29 a 31 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
viii) O ISS, IP não respondeu a nenhum dos pedidos de informação referidos nos pontos v), vi) e vii).
ix) A A. apresentou Pedido de Intimação Para a Prestação de Informações e Passagem de Certidões, ao abrigo do art.° 104.° do CPTA, que correu termos pelo TAF do Porto, sob o processo n.° 1682/11.3BEPRT.
x) No âmbito da referida intimação foi apresentada a resposta de fls. 39 e seguintes dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
xi) Nessa resposta, foi a A. informada do teor do despacho de 30.07.2010, emanado pelo Diretor do Centro Distrital do Porto, de fls. 45/46, do qual consta designadamente o seguinte: Vista a informação remetida pela UIQ, relativa às entidades empregadoras: -(....) ARS (...) CMPBF (...) JFOS (...) JAMP (...); Considerando que existem fortes indícios da inexistência de atividade daquelas Entidades Empregadoras e/ou inexistência de trabalho pelos trabalhadores mencionados nas respetivas Declarações de Remunerações e que foram levantados Processos de Averiguação de Legalidade pelos Serviços de Fiscalização. Considerando ainda que o direito às prestações, quer de doença, quer de desemprego impõe a existência de uma relação laboral e de um prazo de garantia; Determino, face à ocorrência de fortes indícios da inexistência da relação laboral dos trabalhadores identificados pelas Entidades Empregadoras acima referidas, determinará a anulação das Declarações de Remunerações apresentadas por aquelas e a correspondente inutilização do período de garantia necessário à atribuição das prestações de desemprego àqueles trabalhadores, a imediata cessação do direito às prestações até à conclusão do processo de averiguação, uma vez que a existência de fortes indícios de fraude é suficiente para que a Segurança Social obste ao enquadramento e/ou registo de remunerações. Concluído o processo de averiguações, proceder-se-á de acordo com o que for apurado. Notifique-se o meu Despacho à Unidade de Prestações para cumprimento.".
xii) Por ofício datado de 31.05.2011, junto a fls. 55/56 dos autos, a A. foi notificada para exercer o seu direito de audiência prévia relativamente à proposta de nulidade do ato administrativo de enquadramento no Regime Geral dos Trabalhadores por Conta de Outrem da beneficiária na PS/EE MSS 11092554480- Alberto Rocha da Silva, nos termos do disposto no Art.° 78.° da Lei 4/2007, de 16 de Janeiro, em conjugação com o disposto nos artigos 133.° e seguintes do Código de Procedimento Administrativo, com fundamento na prestação de informações falsas, prestadas dolosamente e com má-fé, consubstanciadas na comunicação de admissão das trabalhadoras bem como na entrega das respetivas declarações de remunerações, atendendo a que, conforme resulta do citado Relatório dos Serviços de Fiscalização, não existiu qualquer prestação efetiva de trabalho subordinado bem como nos termos do disposto nos artigos 1.° e 2.° do Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12/02, artigos 1.°, 4.° e 5.° do DL 103/80, de 09/05 e artigo 3.° do DL 199/99, de 08/06, à contrário, e face ao preceituado nos Art. 9.°, 24.°, n.°1, 37.°, n.°1 do Art.° 40.° do Código Contributivo e Art.° 14.° do Decreto Regulamentar n.° 1-A/2011, de 03 de Janeiro, à contrário, a consequente anulação do registo de remunerações que derivou de tal enquadramento.
xiii) Por ofício datado de 01.06.2011, junto a fls. 47 a 50 dos autos, A. foi notificada para exercer o seu direito de audiência prévia relativamente à proposta de nulidade do ato administrativo de deferimento do Subsidio de Desemprego com a consequente obrigação de restituição dos montantes indevidamente recebidos desde 01.07.2009.
xiv) A Autora apresentou a defesa que consta de fls. 51 a 53 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida.
xv) Por ofício datado de 03.06.2011, junto a fls. 57/58 dos autos, a A. foi notificada para exercer o seu direito de audiência prévia relativamente à proposta de nulidade do ato administrativo de enquadramento no Regime Geral dos Trabalhadores por Conta de Outrem da beneficiária na PS/EE NISS 11320296166-Joaquim Francisco Oliveira Santos, nos termos do disposto no Art.° 78.° da Lei 4/2007, de 16 de Janeiro, em conjugação com o disposto nos artigos 133.° e seguintes do Código de Procedimento Administrativo, com fundamento na prestação de informações falsas, prestadas dolosamente e com má-fé, consubstanciadas na comunicação de admissão das trabalhadoras bem como na entrega das respetivas declarações de remunerações, atendendo a que, conforme resulta do citado Relatório dos Serviços de Fiscalização, não existiu qualquer prestação efetiva de trabalho subordinado bem como nos termos do disposto nos artigos 1.° e 2.° do Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12/02, artigos 1.°, 4.° e 5.° do DL 103/80, de 09/05 e artigo 3.° do DL 199/99, de 08/06, à contrário, e face ao preceituado nos Art. 9.°, 24.°, n.°1, 37.°, n.°1 do Art.° 40.° do Código Contributivo e Art.° 14.° do Decreto Regulamentar n.° 1-A/2011, de 03 de Janeiro, à contrario, a consequente anulação do registo de remunerações que derivou de tal enquadramento.
xvi) Por ofício datado de 22.06.2011, junto a fls. 59/60 dos autos, a A. foi notificada para exercer o seu direito de audiência prévia relativamente à proposta de nulidade do ato administrativo de enquadramento no Regime Geral dos Trabalhadores por Conta de Outrem da beneficiária na PS/EE NISS 111322757575-CMPBF, nos termos do disposto no Art.° 78.° da Lei 4/2007, de 16 de Janeiro, em conjugação com o disposto nos artigos 133.° e seguintes do Código de Procedimento Administrativo, com fundamento na prestação de informações falsas, prestadas dolosamente e com má-fé, consubstanciadas na comunicação de admissão das trabalhadoras bem como na entrega das respetivas declarações de remunerações, atendendo a que, conforme resulta do citado Relatório dos Serviços de Fiscalização, não existiu qualquer prestação efetiva de trabalho subordinado bem como nos termos do disposto nos artigos 1.° e 2.° do Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12/02, artigos 1.°, 4.° e 5.° do DL 103/80, de 09/05 e artigo 3.° do DL 199/99, de 08/06, à contrário, e face ao preceituado nos Art. 9.°, 24.°, n.°1, 37.°, n.°1 do Art.° 40.° do Código Contributivo e Art.° 14.° do Decreto Regulamentar n.° 1-A/2011, de 03 de Janeiro, a contrario, a consequente anulação do registo de remunerações que derivou de tal enquadramento.
xvii) Por ofício datado de 05.08.2011, junto a fls.61162 dos autos, a A. foi notificada para exercer o seu direito de audiência prévia relativamente à proposta de nulidade do ato administrativo de enquadramento no Regime Geral dos Trabalhadores por Conta de Outrem da beneficiária na PS/EE NISS 11321535769-JAMP, nos termos do disposto no Art.° 78.° da Lei 4/2007, de 16 de Janeiro, em conjugação com o disposto nos artigos 133.° e seguintes do Código de Procedimento Administrativo, com fundamento na prestação de informações falsas, prestadas dolosamente e com má-fé, consubstanciadas na comunicação de admissão das trabalhadoras bem como na entrega das respetivas declarações de remunerações, atendendo a que, conforme resulta do citado Relatório dos Serviços de Fiscalização, não existiu qualquer prestação efetiva de trabalho subordinado bem como nos termos do disposto nos artigos 1.° e 2.° do Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12/02, artigos 1.°, 4.° e 5.° do DL 103/80, de 09/05 e artigo 3.° do DL 199/99, de 08/06, à contrário, e face ao preceituado nos Art. 9.°, 24.°, n.°1, 37.°, n.°1 do Art.° 40.° do Código Contributivo e Art.° 14.° do Decreto Regulamentar n.° 1-A/2011, de 03 de Janeiro, a contrario, a consequente anulação do registo de remunerações que derivou de tal enquadramento.
xviii) A Autora apresentou a defesa que consta de fls. 61 a 77 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida; na qual expressou designadamente o seguinte: "(...) foram violadas as mais elementares normas de direito, nomeadamente as de procedimento administrativo. (...) Tendo sido violado o dever de notificação e comunicação aos interessados previsto no art. 55.° do CPA, na medida em que a m/Cliente verificou ter-lhe sido suspenso o pagamento do subsídio de desemprego, há vários meses, sem qualquer justificação prévia ou comunicação fundamentada, nem suporte legal, o certo é que a presente informação, seguida de despacho, faz referência à existência "de um Relatório Final" elaborado "pelos serviços de Fiscalização do Note do ISS, IP". Ora, o mínimo exigido legalmente era que a m/Constituinte fosse notificada do teor do referido "Relatório Final", o que ora se requer, bem como da cópia do mencionado despacho de 28.03.2011 do Exmo. Diretor do Centro Distrital. (...) tem a esclarecer, dizer, refutar e realçar a m/Cliente que é falso que a mesma não tenha exercido "atividade como trabalhadora por conta de outrem" para a entidade empregadora "ARS" (...) para prova clara do mencionado, apresenta em anexo declaração emitida pela referida entidade empregadora e reconhecida por Notário, em que consta o reconhecimento e afirmação da efetiva e real prestação de trabalho por parte da beneficiária em causa. Da mesma forma, e para que nenhuma dúvida reste, a m/Cliente, no exercício do direito ao contraditório e no exercício do dever/direito de prestar as informações necessárias ao esclarecimento dos factos e apuramento da verdade, uma vez que não foi nunca sequer ouvida quanto ao assunto em causa, pretende ser ouvida por esses Serviços. Sabe a m/Cliente que, inexplicavelmente, ao arrepio de todas as normas legais e no uso da boa-fé, esses Serviços da Segurança Social nem sequer ouviram ou tomaram declarações à referida entidade empregadora, que através de contacto telefónico tentou que os referidos serviços lhe marcassem uma data para ser ouvida, pelo que, em bom rigor, não existe a mínima prova para a sustentação da decisão que pretendem tomar. No mínimo, requer a m/Cliente que a entidade empregadora identificada seja notificada para prestar declarações e esclarecer todas as dúvidas (!!) que possam existir. (...) Por essa via, deverá ser reposta a legalidade no procedimento por esses Serviços da Segurança Social, retomando-se o pagamento do subsídio de desemprego, com os respetivos retroativos, a que a m/Cliente tem direito. (...)".
xix) Por ofício datado de 10.08.2011 foi a A. notificada do despacho de 29/07/2011 emanado pelo Senhor Diretor do Centro Distrital do Porto, do ISS, IP do seguinte teor: Em referência ao alegado por V. Ex.ª na resposta ao projeto de decisão de declaração de nulidade do ato administrativo de enquadramento no Regime Geral dos Trabalhadores por Conta de Outrem na PS/EE JFOS (...) bem como da consequente anulação do registo de remunerações que derivou de tal enquadramento, oportunamente, comunicado, entende-se não haver sido carreado para o processo qualquer elemento novo passível de alterar a decisão. Note-se que o Relatório dos Serviços de Fiscalização, efetuado no âmbito da ação inspetiva que a esse Serviço está cometida, servindo de investigação a processo de natureza criminal em curso, está abrangido pela referida investigação judicial, não sendo, por isso, documento administrativo que deva ser facultado ao interessado, tendo sido transmitidas as informações relevantes à sua pronúncia sobre o projeto de decisão. Porquanto, por despacho datado de 2011/07/29 do Exmo. Sr. Diretor do Centro Distrital do Porto, do ISS, IP, (...) decide-se declarar nulo o referido ato de enquadramento no Regime Geral dos Trabalhadores Por Conta de Outrem, nos termos do disposto no art.° 78.° da Lei n.° 4/2007, de 16.01, em conjugação com o disposto nos Art. 133.° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, com fundamento na prestação de informações falsas prestadas dolosamente e com má-fé, consubstanciadas na comunicação de admissão das trabalhadoras bem como na entrega das respetivas declarações de remunerações, atendendo a que, conforme resulta do citado Relatório dos Serviços de Fiscalização, não existiu qualquer prestação efetiva de trabalho subordinado bem como nos termos do disposto nos artigos 1.° e 2.° do Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12/02, artigos 1.°, 4.° e 5.0 do DL 103/80, de 09/05 e artigo 3.° do DL 199/99, de 08/06, à contrário, e face ao preceituado nos Art. 9.°, 24.°, n.°1, 37.°, n.°1 do Art.° 40.° do Código Contributivo e Art.° 14.° do Decreto Regulamentar n.° 1-A/2011, de 03 de Janeiro, à contrário, a consequente anulação do registo de remunerações que derivou de tal enquadramento. (...).".
xx) Por ofício datado de 30.08.2011 foi a A. notificada do despacho de 29/07/2011 emanado pelo Senhor Diretor do Centro Distrital do Porto, do ISS, IP do seguinte teor: Em referência ao alegado por V. Ex.ª na resposta ao projeto de decisão de declaração de nulidade do ato administrativo de enquadramento no Regime Geral dos Trabalhadores por Conta de Outrem na PS/EE Carlos Manuel Pereira Borges (...) bem como da consequente anulação do registo de remunerações que derivou de tal enquadramento, oportunamente, comunicado, entende-se não haver sido carreado para o processo qualquer elemento novo passível de alterar a decisão. Note-se que o Relatório dos Serviços de Fiscalização, efetuado no âmbito da ação inspetiva que a esse Serviço está cometida, servindo de investigação a processo de natureza criminal em curso, está abrangido pela referida investigação judicial, não sendo, por isso, documento administrativo que deva ser facultado ao interessado, tendo sido transmitidas as informações relevantes à sua pronúncia sobre o projeto de decisão. Porquanto, por despacho datado de 2011/07/29 do Exmo. Sr. Diretor do Centro Distrital do Porto, do ISS, IP, (...) decide-se declarar nulo o referido ato de enquadramento no Regime Geral dos Trabalhadores Por Conta de Outrem, nos termos do disposto no art.° 78.° da Lei n.° 4/2007, de 16.01, em conjugação com o disposto nos Art. 133.° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, com fundamento na prestação de informações falsas prestadas dolosamente e com má-fé, consubstanciadas na comunicação de admissão das trabalhadoras bem como na entrega das respetivas declarações de remunerações, atendendo a que, conforme resulta do citado Relatório dos Serviços de Fiscalização, não existiu qualquer prestação efetiva de trabalho subordinado bem como nos termos do disposto nos artigos 1.° e 2.° do Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12/02, artigos 1.0, 4.° e 5.° do DL 103/80, de 09/05 e artigo 3.° do DL 199/99, de 08/06, à contrário, e face ao preceituado nos Art. 9.°, 24.°, n.°1, 37.°, n.°1 do Art.° 40.° do Código Contributivo e Art.° 14.° do Decreto Regulamentar n.° 1-A/2011, de 03 de Janeiro, à contrário, a consequente anulação do registo de remunerações que derivou de tal enquadramento. (...).".
xxi) Por ofício datado de 12.09.2011, foi a Autora notificada que foi proferido despacho de nulidade do ato administrativo de deferimento do subsídio de desemprego.
xxii) O referido despacho de nulidade do ato administrativo de deferimento do subsídio de desemprego fundamentou-se na nulidade do enquadramento e anulação das remunerações dos beneficiários identificados no regime geral dos trabalhadores por conta de outrem.
xxiii) Dá-se por reproduzido o teor dos documentos que integram os autos [inclusive o PA apenso].”
IV – Do Direito
Analisemos então o suscitado.
Vem desde logo interposto Recurso do “Despacho interlocutório de 11 de Dezembro de 2013” (Cfr. Fls. 190 Procº físico), o qual, no que aqui releva, decide que “Atenta a prova documental produzida nos autos e examinada constelação fática exposta e o acervo argumentativo da A. considera-se inútil ordenar quaisquer diligências de prova, por desnecessidade destas ao apuramento da verdade”

Nas correspondentes conclusões de Recurso, invoca o Recorrente/ISS o seguinte:
“1.ª – Em primeiro lugar, o Recorrente não se conforma com a decisão proferida por despacho interlocutório de 11 de Dezembro de 2013, razão pela qual procede à sua impugnação no presente recurso, ao abrigo do disposto no art.º 142º, nº 5, do CPTA.
2.ª – Com efeito, nesse douto despacho, o Mm.º Juiz a quo considerou desnecessário ao apuramento da verdade ordenar quaisquer diligências de prova, pelo que deu por encerrada tal fase processual, determinando a notificação das partes para apresentação de alegações escritas.
3.ª – Sucede que, mediante requerimentos de fls. 98 a 100, e de 21-03-2013, o Recorrente trouxe ao conhecimento dos autos que os atos impugnados, tendo sido praticados na sequência das conclusões da inspeção levada a cabo pelo seu Serviço de Fiscalização do Norte, originaram a instauração do Inquérito Criminal aí identificado.
4.ª – Mais informou o Recorrente, no ponto 4. do requerimento de fls. 98 a 100, que aquele Serviço havia sido notificado de que o referido Inquérito foi submetido ao segredo de justiça, concluindo pela ocorrência de um impedimento legal à junção dos documentos elaborados no âmbito da referida inspeção.
5.ª – Tal despacho não constitui decisão acertada, por resultar dos autos, à data da sua prolação, que o Tribunal não estava em condições de conhecer do mérito da ação e apurar a verdade material, como, aliás, veio depois a reconhecer em sede de apreciação do vício de erro nos pressupostos de facto, na fundamentação do douto Acórdão recorrido, a fls. 238.
6.ª – Ao decidir como decidiu, não aguardando, pelo menos, a junção aos autos do processo administrativo completo, por forma a conhecer da existência ou não do alegado vício de fundo, o Tribunal a quo fez recair sobre a entidade recorrente o risco da falta ou insuficiência de prova, quando é certo que aquela, por imposição legal, não estava em condições de cumprir o inerente ónus.
7.ª – O douto despacho impugnado violou, pois, o disposto no art.º 90º do CPTA, bem como o preceituado no art.º 272º, nºs. 1 e 3, do CPC.”

Vejamos desde já:
Importa sublinhar que em resultado do Despacho Recorrido, as partes foram notificadas para a apresentação de Alegações Escritas, sem que estivesse já disponível toda a matéria factual relevante.

Aliás, não é despiciente a afirmação feita no Acórdão, igualmente Recorrido, no qual, a propósito do suscitado vicio de erro nos pressupostos de facto, se afirma que “(…) não tendo este Tribunal tido acesso ao processo administrativo e, por conseguinte, aos atos de instrução e a todo o procedimento de formação dos atos impugnados e não se encontrando os atos impugnados, como supra deixamos afirmado, fundamentados de forma cabal, ou seja, clara e suficiente, desconhecendo o Tribunal, em consequência, a completa e real motivação dos atos em crise, torna-se impossível conhecer da procedência ou improcedência do presente vício.”

Tal facto resultava já manifesto, em decorrência do Requerimento do ISS IP, de 9 de março de 2012 (Cfr. Fls. 98 Procº físico), no qual se invoca para a impossibilidade da junção integral do PA, a circunstância de parte do mesmo se encontrar “submetido ao segredo de justiça”, consequente do Inquérito Criminal então a correr termos na 4.ª Secção dos Serviços do MP de Vila Nova de Gaia, sob o nº 5544/11.6TAVNG.

Não obstante o referido, o tribunal a quo, entendeu, pelo recorrido despacho de 11 de Dezembro de 2013, considerar desnecessário ao apuramento da verdade ordenar quaisquer diligências de prova, dando por encerrada essa fase processual, mais tendo determinado a notificação das partes para apresentação de alegações escritas, para os efeitos do nº 4 do art.º 91º do CPTA.
Refira-se desde já, que se o tribunal entendia não estar na posse de toda a informação factual relevante, mal se compreende como pôde avançar para a ulterior fase processual, ao notificar as partes para a apresentação de alegações, tendo imediatamente após, decidido a Ação.

Como foi feito noutros processos idênticos a correr então paralelemente, mostrar-se-ia mais prudente ter optado porventura pela suspensão da instância até à cessação do segredo de justiça, no âmbito do identificado Inquérito, ao abrigo dos artigos 279º, nºs. 1 e 3 (atual Artº 272º), do CPC, e 1º do CPTA (vg. Procº nºs. 3532/11BEPRT, 3554/11BEPRT, 3321/11BEPRT, 3510/11BEPRT, 3535/11BEPRT, 3465/11BEPRT, 3551/11BEPRT, 3531/11BEPRT, 3538/11BEPRT e 3549/11BEPRT).

A referida suspensão teria permitido que o processo viesse a prosseguir a sua ulterior tramitação já com a integração de toda a necessária informação processual, o que se mostrava condicionado a coberto do referido segredo dependente do termo do referenciado inquérito criminal.

Como referem Mário Aroso e Carlos Cadilha, “A realização de instrução por iniciativa do juiz tem lugar quando o estado do processo não permita conhecer do mérito da causa no saneador e, por outro lado, os elementos de informação que se tornem ainda necessários possam ser obtidos por via documental, independentemente da elaboração da base instrutória.”
“(…) sempre que não disponha de suficientes elementos instrutórios para decidir de fundo, compete-lhe abrir uma fase de realização de diligências, mesmo que as partes entendam que ela é desnecessária.” (in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, nota 1 ao art.º 90º).

A imputada insuficiência processual e procedimental veio assim a condicionar igualmente a verificação do suscitado vício de erro nos pressupostos de facto.

Aqui chegados, é manifesto que a insuficiente e incompleta documentação constante do PA não pode ser imputada à Administração, nem daí poderem ser tiradas ilações desfavoráveis à mesma.

Em face do que precede, procederá o Recurso relativamente ao despacho de 11 de Dezembro de 2013, pois que aquando da sua prolação, era conhecida a impossibilidade de junção de documentos essenciais à decisão da causa, em decorrência do aludido segredo de justiça, em face do que as alegações escritas cuja faculdade de apresentação foi dada às partes, necessariamente que se mostraria factualmente limitada e condicionada, incumprindo o estatuído no Artº 90º do CPTA.

* * *
Do erro nos pressupostos de facto dos atos impugnados.
Em decorrência do referido, importa analisar a suscitada omissão de pronuncia relativamente ao invocado erro nos pressupostos de facto, face ao qual referiu o Recorrente, designadamente, que “Ao dar por finda a produção de prova e encaminhando o processo para o conhecimento do mérito da ação … o Tribunal a quo fundamentou na falta de acesso ao processo administrativo e, bem assim, no desconhecimento da completa e real motivação dos atos em crise, a não apreciação do alegado vício de erro nos pressupostos.
(…) a verdade é que, se o Tribunal recorrido não dispunha dos elementos indispensáveis ao conhecimento do vício em causa, foi porque não teve em consideração o teor dos já mencionados requerimentos de fls. 98 a 100 dos autos, e de 21-03-2013, nos quais o Recorrente expôs o motivo pelo qual não lhe era possível juntar a totalidade dos documentos integrantes daquele processo, nomeadamente, os relatórios elaborados pelo Serviço de Fiscalização do Norte.”

No que concerne ao invocado vício decidiu-se singelamente e a este propósito em 1ª instância que “(…) não tendo este Tribunal tido acesso ao processo administrativo e, por conseguinte, aos atos de instrução e a todo o procedimento de formação dos atos impugnados e não se encontrando os atos impugnados, como supra deixamos afirmado, fundamentados de forma cabal, ou seja, clara e suficiente, desconhecendo o Tribunal, em consequência, a completa e real motivação dos atos em crise, torna-se impossível conhecer da procedência ou improcedência do presente vício.”

Em abstrato, o erro nos pressupostos de facto constitui uma das causas de invalidade do ato administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material, pois "neste caso, é a própria substância do ato administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei. A ofensa não se verifica aqui nem na competência do órgão, nem nas formalidades ou na forma que o ato reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objeto do ato" — Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo", 4ª Reimpressão, Vol. II, pag. 390.

Tal vício consiste, por conseguinte, na divergência entre os pressupostos de que o autor do ato partiu para emanar a decisão administrativa final e a sua efetiva verificação na situação em concreto, resultando do facto de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade, isto é os fundamentos da motivação do ato em causa não existiam ou não tinham a dimensão que foi por ele suposta — cfr. acórdãos do STA de 10-05-2000, Proc.° n.° 44191, de 18-01-2001, Proc.° n.° 45271 .

No referido Acórdão refere-se que: "Em termos gerais, sem preocupações de integração categorial na teoria dos vícios, o erro nos pressupostos de facto é o vício do ato administrativo que consiste na (ou resulta da) representação errónea de elementos materiais relevantes para a decisão, ou seja, o que resulta da consideração pela Administração de factos materialmente inexistentes ou erroneamente apreciados. A sua procedência exige a demonstração de desconformidade entre a realidade e a ideia que sobre ela a Administração formou para decidir o que decidiu".

Em concreto e face à situação em apreciação, não tendo o Tribunal tido acesso à versão integral do processo administrativo e, por conseguinte à totalidade dos atos de instrução e a todo o procedimento de formação dos atos, por razões que conhecia, relacionadas com o segredo de justiça, não estava em condições de conhecer da procedência ou improcedência do referido vício de erro nos pressupostos de facto.
No caso dos autos está em causa a prática de atos administrativos de conteúdo positivo, através dos quais o ISS declarou a nulidade da inscrição da então Autora no regime geral dos trabalhadores por conta de outrem, com os quais pretendeu também validar a sua decisão anterior pela qual cessou o pagamento das prestações de subsídio de desemprego que aquela vinha a auferir, ou seja, atos ablativos.

Como decidido já por este TCAN, em Acórdão de 25-10-2013, proferido no Recurso nº 3523/11BEPRT-A, “(…) verificando-se que determinados factos estão sujeitos ao segredo de justiça, os mesmos só podem ser fornecidos pelas autoridades judiciárias e sempre no respeito e cumprimento estrito da lei; ora, no caso dos autos, como se verifica da informação prestada pelos serviços do Ministério Público em questão, tal segredo de justiça ainda se mantém.
E se assim é, ou seja, se as próprias autoridades judiciais não podem facultar estes elementos, por ainda se encontrar a decorrer a averiguação de determinados factos, e com vista a não fazê-la(o)s perigar, por maioria de razão, não pode o ora recorrente violar este segredo de justiça, fornecendo o relatório de fiscalização, como solicitado nestes autos, mostrando-se por isso, satisfeita a “justificação aceitável” prevista no nº 4 do artº 84º do CPTA, para o incumprimento da sua junção.”

Com relevância para a apreciação da referida questão, refere-se no art.º 95º do CPTA que:
“1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
2 – Nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado, exceto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório.”

Se é certo que no caso dos autos, o Tribunal a quo fundamentou, ainda que de forma singela e sintética a dispensa de apreciação do vício em questão, o que é facto é que não dispunha dos “elementos indispensáveis” para uma pronúncia sobre todas as causas de invalidade invocadas, em consequência da ausência dos elementos dependentes do segredo de justiça, conexos com o Processo de Inquérito identificado.

Constitui jurisprudência pacífica o entendimento segundo o qual, não haverá omissão de pronúncia, mesmo que não se tome conhecimento de todos os argumentos apresentados, desde que se apreciem os problemas fundamentais e necessários à justa decisão da lide (vg. por todos, o Acórdão do STJ, de 05-11-1980, BMJ; 301º - 395).

Independentemente da justificação dada pelo tribunal a quo, o que é facto é que, perante a prova disponível, não estava em condições de apreciar a questão fundamental do presente litígio, qual seja, a de saber se o ISS deu, ou não, como verificados factos que, na realidade, não ocorreram.

Assim sendo, e em qualquer caso, não se acompanha a decisão recorrida ao ter concluído não poder aferir do vício do erro nos pressupostos de facto em virtude do tribunal não ter tido “(…) acesso ao processo administrativo e, por conseguinte, aos atos de instrução e a todo o procedimento de formação dos atos impugnados”, mais se referindo que se torna “impossível conhecer da procedência ou improcedência do presente vício.”

Em concreto, verifica-se que o ISS juntou os correspondentes processos administrativos em 9 de Março de 2012 (Cfr. Fls. 98 Procº físico) e 21 de Março de 2013 (Cfr. Fls. 152 Procº físico), desde logo referindo na primeira das referidas datas que os segmentos conexos com o inquérito Judicial a correr nos serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia (Procº nº 5544/11.6TAVNG) não seriam remetidos por estarem “submetidos ao segredo de justiça”.

Ulterior e consequentemente veio a ser proferido o aqui igualmente recorrido despacho de 11 de dezembro de 2013, que entendeu como “inútil ordenar quaisquer diligências de prova, por desnecessidade destas ao apuramento da verdade”, mais tendo sido determinada a notificação das partes para apresentação de alegações escritas.

Efetivamente, tendo o ISS efetuado a junção dos correspondentes processos administrativos e tendo ainda identificado o inquérito judicial em curso, não se mostra adequada a imputação àquela entidade da inexistência da versão integral do PA nos Autos.

Efetivamente, estando então em curso diligências processuais e procedimentais em sede de Processo de Inquérito, a sua divulgação mostrar-se-ia perniciosa, ilegal e violadora do invocado segredo de justiça.

Existia assim uma causa legítima para o ISS não juntar os autos o relatório elaborado pelo Serviço de Fiscalização, tanto mais que a sua apresentação o poderia fazer incorrer em violação do segredo de justiça.

Para o apuramento do vício de erro nos pressupostos de facto, o tribunal a quo, se fosse caso disso, sempre poderia desenvolver mais diligências de prova necessárias ao apuramento da verdade, porventura mediante a abertura da fase instrutória da ação, com a inerente inquirição das testemunhas arroladas, ou, como foi feito em processos análogos, suspender a instância, até que o inquérito criminal se mostrasse concluído.

Como resultou já da precedente análise feita ao despacho aqui igualmente recorrido, mostra-se que o tribunal a quo, independentemente das razões invocadas, ao não ter conhecido do vicio de erro sobre os pressupostos de facto, e tal como decidido no idêntico acórdão deste TCAN nº 3572/11.0BEPRT de 15 de Julho de 2014, violou o disposto no Artº 95° do CPTA.

Em face do exposto, procederá parcialmente o Recurso apresentado relativamente ao acórdão recorrido.

Pelas conclusões a que se chegou mostra-se inútil e prejudicada a análise dos restantes vícios invocados no Recurso Jurisdicional apresentado, nos termos do nº 1 do Artº 95º do CPTA.

Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento aos recursos apresentados, e em consequência:
a) Revoga-se o Despacho Recorrido, de 11 de dezembro de 2013;
b) Revoga-se o Acórdão Recorrido;
c) Determina-se a baixa dos autos ao TAF do Porto, devendo este retomar a subsequente instrução com vista ao conhecimento da matéria atinente ao invocado erro nos pressupostos de facto e demais vícios invocados, por forma a cumprir os deveres decorrentes, designadamente, do disposto no artigo 95º do CPTA.
Sem custas nesta instância, atenta a ausência de contra-alegações.

Porto, 9 de setembro de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão