Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02043/15.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/27/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:INEXISTÊNCIA DE CITAÇÃO DA DEVEDORA ORIGINÁRIA PRÉVIA À REVERSÃO;
CONHECIMENTO INCIDENTAL; (I)LEGALIDADE DE ACTO DE REVERSÃO;
DÉFICE INSTRUTÓRIO;
Sumário:
I – O instituto da reversão produz no processo de execução fiscal uma modificação subjectiva da instância, que opera pelo chamamento do revertido (alguém que não é o devedor que figura no título) à execução, a fim de ocupar nela a posição passiva de executado.

II – In casu, o procedimento adoptado pelo órgão de execução fiscal poderá violar o disposto no n.º 2 do artigo 23.º da LGT e no artigo 153.º, n.º 2, alínea b) do CPPT, porquanto apenas se permite o início do procedimento de reversão depois de a executada originária ser chamada à execução fiscal, de lhe ser dada a possibilidade de pagamento da dívida exequenda e, na sua falta, realizar-se-á a penhora dos seus bens – cfr. artigo 215.º, n.º 1 do CPPT.

III – Não há notícia nos autos que, à data da decisão de reversão, algum destes actos haja ocorrido, pelo que poderá ser ilegal o acto de reversão.

IV - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», contribuinte n.º ...30, com domicílio fiscal na Rua ..., ..., ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 21/06/2019, que julgou a oposição improcedente, no âmbito do processo executivo n.º ...................707, originariamente instaurado, pelo Serviço de Finanças ..., contra a sociedade [SCom01...] Sociedade Unipessoal, Lda., contra si revertido, para cobrança coerciva de dívidas de IRC, referentes ao exercício de 2008, no montante de €11.073,66.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1) Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou totalmente improcedente a oposição deduzida pela Recorrente, por entender não se verificarem os vícios invocados pela Executada/Opoente naquela oposição.
2) Com a ressalva do devido respeito, não pode a Recorrente conformar-se com o assim decidido, por entender, desde logo, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito no que concerne à apreciação da invocada ilegalidade da reversão, por falta de citação da devedora originária e falta de fundamentação do despacho de reversão, por não ter sido levado ao seu conhecimento os elementos relativos ao cálculo de imposto.
3) No que concerne ao primeiro dos apontados vícios, dos documentos juntos aos autos e do elenco dos factos considerados provados não resulta demonstrado que a Administração Tributária tenha procedido à citação prévia da devedora originária para os termos da execução.
4) Pelo que, desde logo, falece um dos pressupostos formais para se efetivar a reversão a que fazem alusão o artigo 23º/1 da LGT e 153º/2 do CPTT, mormente a citação prévia do devedor originário e esgotamento do subsequente prazo para pagamento.
5) Pois, consabido que a citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu numa dada ação, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender, a notificação eletrónica, via ctt, da liquidação à devedora originária não pode ser confundida com a citação da mesma para os termos da execução, a que alude o artigo 191º do CPPT, na redação da Lei 64-b/2011, de 30.12., aplicável ao caso dos autos;
6) Ademais a invocada presunção legal do 25º dia posterior ao envio de tal notificação apenas opera os seus efeitos relativamente às notificações a que alude o artigo 39º do CPPT, que apenas poderá assumir relevância na questão atinente à falta de notificação da liquidação no prazo da liquidação.
7) Desta forma, não tendo a Autoridade Tributária procedido à citação da devedora originária, face ao artigo 153º/2 do CPPT, não subsiste fundamento para a reversão, uma vez que não pode concluir-se pela inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis, quando nem se deu oportunidade ao devedor originário de efetuar o pagamento voluntário.
8) Por conseguinte, deve a reversão ser anulada, face ao disposto no artigo 204º, 1, al. i) do CPPT, uma vez que a falta de citação prévia da devedora originária para os termos da execução constitui uma nulidade insanável que pode ser conhecida em sede de oposição à execução fiscal se tal conhecimento seja necessário para apreciar questões invocadas em sede de oposição, como é o caso dos autos no que concerne à apontado falta de verificação de pressupostos (formais) da reversão, não merecendo acolhimento o entendimento do Tribunal a quo, segundo o qual tal nulidade teria de ser arguida perante o órgão de execução fiscal.
9) Ao decidir como efetivamente decidiu, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, violando o disposto nos artigos 219º do CPC, 35º/2, 189º, 191º (na redação da Lei 64-B/2011, de 30.12), 165º e 204º, nº. 1, al. i) do CPPT.
10) Acresce que, como resulta dos autos, a Recorrente foi citada para os termos da execução em 09.06.2015, constatando-se dos documentos e informação anexos à nota de citação que a reversão foi instaurada contra a ora Recorrente, porquanto a mesma era gerente à data dos factos geradores de imposto (liquidação de IRS de 2008), tendo cessado a gerência em 30.05.2012 e que a reversão se baseia na insuficiência de bens do devedor originário.
11) Como demonstrado está, a AT não faz qualquer referência aos fundamentos da liquidação, coartando os direitos de defesa da Recorrente, mormente de impugnar a liquidação.
12) Tal omissão, inquina o ato tributário de anulabilidade por falta de fundamentação, face ao disposto no artigo 23º/4 e 77º da LGT e artigo 268º/3 da CRP.
13) Constituindo, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, a oposição o meio processual adequado para o revertido impugnar o despacho de reversão, cujos elementos relativos à liquidação deveriam ter sido notificados à responsável subsidiária.
14) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo fez errada interpretação do disposto nos artigos 23º/4 e 77º da LGT, artigo 268º/3 da CRP e 204º/1, al. i) do CPPT.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo revogada e substituída por douto Acórdão que julgue procedente a Oposição, tudo com as demais consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida errou no julgamento encetado, nomeadamente, quanto à impossibilidade de verificação, nesta sede de oposição judicial, da existência de citação da devedora originária prévia à reversão, tendo em vista questionar a legalidade do acto de reversão e os requisitos que permitem operar a mesma.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença recorrida foi proferida a decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Factos Provados:
1. A presente execução fiscal foi instaurada contra a sociedade [SCom01...] Sociedade Unipessoal, Lda, para cobrança de dívidas decorrentes de IRC de 2008, no valor de € 11.073,66, cujo prazo de pagamento terminou em 26.4.2012 (cfr. certidão de dívida constantes dos autos).
2. No 27.5.2014, pelo Chefe do Serviço de Finanças, foi proferido “despacho para audição (reversão)” contra a opoente (fls. 43 dos autos).
3. A opoente exerceu o direito de audição prévia (fls. 54 e ss).
4. No dia 22.10.2014, pelo Chefe do Serviço de Finanças, foi proferido despacho de reversão contra a opoente, conforme teor de fls 61 a 63, que aqui se dá por reproduzido.
5. Por apresentação de23.3.2005, foi registada a sociedade [SCom01...] Sociedade Unipessoal, Lda, constando, como gerente, a opoente e «BB» como forma de obrigar a assinatura de qualquer dos gerentes (cfr. certidão junta a fls. 56 e ss do proc. físico).
6. A opoente foi citada, por contacto pessoal para os termos da execução no dia 9.6.2015 (fls. 69 dos autos).
7. A liquidação de IRC de 2008, correspondente à obrigação exequenda foi comunicada à sociedade executada, por notificação electrónica, Via ctt, entregue na caixa postal em 21.3.2012 (fls. 163 a 165 dos autos).
8. A sociedade executada não acedeu à caixa postal (fls. 165 dos autos).
Factos não Provados:
Nada mais se provou com relevância para a decisão da causa.
Motivação:
A convicção do tribunal baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos, conforme se deixou indicado ao longo dos factos provados.”
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2. O Direito

A Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo TAF do Porto, que julgou improcedente a oposição por si dirigida, enquanto responsável subsidiária, ao processo de execução fiscal n.º ...................707.
Sustenta que a alegada falta de citação da devedora originária previamente à reversão pode ser conhecida em sede de oposição, na medida em que é susceptível de influir nos termos da execução. Com efeito, acrescenta, não tendo ocorrido essa citação a reversão é ilegal, pois não pode concluir-se pela inexistência ou insuficiência de bens quando se não deu oportunidade ao devedor originário de efectuar, voluntariamente, o pagamento.
Alega, ainda, que, contrariamente ao decidido, o despacho de reversão carece de fundamentação por não fazer qualquer referência aos fundamentos da liquidação, assim lhe coartando os direitos de defesa, mormente o de deduzir impugnação.
Conclui dizendo que a sentença fez errada interpretação do previsto nos artigos 23.º, n.º 1 da LGT e 153.º, n.º 2 do CPPT, violando ainda o disposto nos artigos 35.º, n.º 2, 189.º, 191.º, 165.º e 204.º, n.º 1, alínea i), todos do CPPT.
Vejamos.
Relativamente à suscitada questão da falta de citação da devedora originária consignou-se na sentença recorrida que "(...) a falta ou vício da citação é uma nulidade invocável perante o órgão da execução fiscal, suscetível de influir nos termos da execução, que tem de ser arguida no processo de execução; tal nulidade não constitui fundamento de oposição à execução, pelo que não pode ser conhecida nesta sede (…)".
Na verdade, enquanto a oposição, que tem a natureza de uma contestação, visa a extinção da execução fiscal, a nulidade da citação apenas pode acarretar a repetição do acto depois de supridas as irregularidades que a determinaram, conforme previsto no artigo 165.º, n.º 2 do CPPT.
No entanto, e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial, de que são exemplo os acórdãos identificados nas alegações da Recorrente, há situações em que se admite o conhecimento da nulidade ou da falta de citação em processo de oposição, designadamente, quando seja necessário para analisar qualquer questão que deva ser apreciada na oposição. Isto é, o conhecimento incidental da nulidade pressupõe que esta seja uma questão prévia relativamente a qualquer outra questão incluída no âmbito da oposição.
Não obstante a falta de citação só seja qualificada como nulidade insanável quando possa prejudicar a defesa do interessado, o tribunal pode conhecer oficiosamente dessa nulidade ou na sequência de arguição, até ao trânsito em julgado da decisão [cfr. artigo 165.º, n.º 4 do CPPT].
Por outro lado, e embora não constitua fundamento de oposição (artigo 204.º do CPPT), nada obsta a que se possa conhecer da falta ou da nulidade da citação no processo de oposição à execução fiscal se tal conhecimento for necessário para apreciar qualquer questão que deva ser apreciada na oposição, isto é, será possível o conhecimento incidental da nulidade quando a questão da sua existência seja uma questão prévia relativamente a qualquer questão incluída no âmbito da oposição - cfr. acórdãos do STA, de 07/12/2011, Processo n.º 0172/11 e do TCAN, de 22/10/2009, processo n.º 00574/07.
Por conseguinte, como se julgou no acórdão deste TCAN, de 29/01/2015, proferido no âmbito do processo n.º 307/13.7BECBR, é de concluir, por exemplo, não existir qualquer obstáculo ao conhecimento da falta da citação para saber se é (ou não) tempestiva oposição à execução.
In casu, ao contrário do que foi decidido pelo tribunal recorrido, constitui questão prévia, à apreciação da alegada ilegalidade do acto de reversão, saber que a devedora originária foi primeiro chamada à execução fiscal para pagar a dívida exequenda e se somente depois terá operado a reversão contra a Recorrente.
Conforme entendimento da doutrina e da jurisprudência consolidada, o meio processual adequado para a discussão da legalidade do acto de reversão é a oposição à execução fiscal, segundo o disposto nos artigos 151.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alíneas b) e i) CPPT – cfr. acórdãos do STA, da Secção de Contencioso Tributário, de 29.06.2005 processo n.º 501/05; de 8.03.2006 processo n.º 1249/05; de 4.06.2008 processo n.º 76/08; de 25.06.2008 processo n.º 123/08; de 19.11.2008 processo n.º 711/08; de 27.05.2009 processo n.º 448/09; de 29.03.2017 processo n.º 0453/16; de 09.10.2019 processo n.º 0261/14.8BEPNF 0614/17; na doutrina, Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 5ª edição Volume II p.355.
Nesta conformidade, é nossa firme convicção que a legalidade da reversão, além do mais, está condicionada à citação prévia do devedor originário; devendo aferir-se o que ressalta dos elementos ínsitos no processo de execução fiscal em apreço.
Efectivamente, a Recorrente, com razão, pretende distinguir a notificação que foi efectuada à sociedade da liquidação, que deu origem à dívida exequenda, da citação para o processo executivo, alertando para a ilegalidade do acto de reversão, que terá sido proferido antes mesmo da citação da primitiva executada para o mesmo, inviabilizando que a sociedade originária se opusesse à execução (artigos 203.º e 204.º do CPPT), que pudesse pagar a quantia exequenda no prazo de 30 dias contados da citação e, só se não procedesse ao pagamento, poderia a tramitação legal prosseguir para efeitos de penhora de bens e demais diligências prescritas no CPPT.
Relembramos que a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa – cfr. artigo 219.º do CPC e artigo 35.º do CPPT.
Consta da decisão da matéria de facto que, em 22/10/2014 foi proferido despacho de reversão [cfr. ponto 4.] e que a oponente foi citada por reversão a 09/06/2015 [cfr. ponto 6.].
No entanto, nada se mostra apurado relativamente à citação da sociedade devedora originária.
Compulsados os elementos ínsitos nos autos, aparentemente, não estaremos perante a completude do processo de execução fiscal.
Efectivamente, na informação prestada nos termos do artigo 208.º do CPPT, o serviço de finanças afirma juntar cópias dos documentos identificados nessa informação, que constituem elementos julgados necessários para a apreciação dos autos, o que inculca a ideia de terem sido selecionados apenas os pertinentes para alcançar tal desiderato.
Salientamos que, na contestação apresentada pela AT, no seu artigo 49.º, se declara constar dos autos que a executada originária foi devidamente citada para o seu domicílio fiscal electrónico, insistindo nessa ideia nos subsequentes artigos 50.º a 52.º.
Na verdade, o apuramento de tais factos é essencial, dado serem pressupostos da invocada ilegalidade do despacho de reversão.
Não olvidemos que o instituto da reversão produz no processo de execução fiscal uma modificação subjectiva da instância, que opera pelo chamamento do revertido (alguém que não é o devedor que figura no título) à execução, a fim de ocupar nela a posição passiva de executado – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 22/05/2019, proferido no âmbito do processo n.º 1393/11.0BELRS.
Assim sendo, tudo indica que o procedimento de reversão operado no processo executivo em apreço subverteu totalmente a essência do próprio instituto da reversão, dado que é impossível a alteração subjectiva da instância se esta ainda não se havia estabilizado, pois, aparentemente, a própria devedora originária ainda não tinha sido chamada à execução.
Por outro lado, o carácter subsidiário da responsabilidade tributária, previsto no artigo 22.º, n.º 3 da LGT, não parece ter sido respeitado, na medida em que o órgão de execução fiscal está obrigado a exigir a prestação tributária em primeiro lugar ao devedor originário ou aos eventuais responsáveis solidários, satisfazendo o crédito somente à custa dos seus bens, e só no caso de se provar a inexistência ou insuficiência fundada de bens daqueles é que pode exigi-la aos devedores subsidiários.
É, portanto, pressuposto da reversão, accionando validamente os gerentes ou administradores por dívidas fiscais da empresa que representam, que esta não tenha bens suficientes para através deles se obter o pagamento dos débitos (benefício da excussão).
Como é pacífico na jurisprudência, a inexistência/insuficiência de bens da sociedade devedora originária, enquanto pressuposto da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, deve reportar-se ao momento em que a reversão ocorre e não ao momento em que o administrador ou gerente/responsável subsidiário exerceu esse cargo societário (ou qualquer outro momento) – cfr. Acórdão do STA, de 16/03/2016, tirado no processo n.º 0647/15.
Ora, à data do despacho de reversão, em 22/10/2014 (cfr. ponto 4 da decisão da matéria de facto), não há notícia nos autos que a devedora originária tivesse sido citada para a execução. Logo, a decisão de reversão não pôde ter em conta a eventual disponibilidade da executada principal para pagar a dívida exequenda (nem que o pagamento fosse efectuado em prestações).
O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da inexistência ou da fundada insuficiência de bens da devedora principal, à data desse chamamento, o que implica que a AT realize algumas diligências tendentes a identificar esses bens e que as documente nos autos de execução fiscal.
Na verdade, se a executada originária não tiver sido citada, tal poderá evidenciar que essas diligências não foram cabalmente efectuadas.
Assim sendo, face ao vertido no artigo 23.º da Lei Geral Tributária, impunha-se que a AT tivesse procedido às averiguações necessárias, demonstrando a insuficiência de bens da devedora originária face ao montante em dívida, para poder concluir, na data do despacho de reversão, que se verificava esse pressuposto da mesma.
Porém, entendemos que o problema se colocará a montante, pois se, à data da decisão de reversão, a devedora principal ainda não tinha sido chamada à execução fiscal, desconhecemos se esta se predisporia a efectuar o pagamento da dívida exequenda, independentemente do seu património.
Acontece que as omissões, inexactidões ou insuficiência na instrução do procedimento de reversão, a existirem, são defeitos que atingem a própria reversão e como tal devem ser invocados em sede de oposição à execução, não podendo o Tribunal substituir-se ao órgão de execução fiscal na recolha dos elementos que legitimam a sua actuação – cfr. Acórdãos deste TCA Norte, de 09/06/2016, proferidos no âmbito dos processos n.º 882/15.1BEBRG e n.º 933/15.0BEBRG.
O procedimento adoptado pelo órgão de execução fiscal parece violar o disposto no n.º 2 do artigo 23.º da LGT e no artigo 153.º, n.º 2, alínea b) do CPPT, porquanto apenas se permite o início do procedimento de reversão depois de a executada originária ser chamada à execução fiscal, de lhe ser dada a possibilidade de pagamento da dívida exequenda e, na sua falta, realizar-se-á a penhora dos seus bens – cfr. artigo 215.º, n.º 1 do CPPT: “Findo o prazo posterior à citação sem ter sido efectuado o pagamento, procede-se à penhora”.
Não emerge dos autos que à data da decisão de reversão algum destes actos haja ocorrido, indiciando a ilegalidade do acto de reversão.
Aliás, na informação que sustenta a ponderação da audição prévia exercida é mencionado não ter aplicabilidade o disposto no artigo 48.º, n.º 3 da LGT, dado não se verificar qualquer facto interruptivo da prescrição relativamente à devedora originária; mais uma vez indiciando não ter sido levada a cabo a citação da devedora originária.
O tribunal recorrido solicitou expressamente à AT, por despacho judicial proferido em 06/11/2018, o documento comprovativo da notificação da liquidação em cobrança à sociedade executada, o que foi cumprido através dos elementos juntos aos autos em 15/11/2018, a fls. 162 a 165 do processo físico, dando origem à matéria vertida nos pontos 7 e 8 da decisão da matéria de facto.
Não foram pedidos outros elementos relevantes relativos à citação da devedora originária, cuja realização permanece em dúvida apesar dos indícios que referimos reveladores da sua falta. Note-se que a certidão de dívida terá sido emitida em 17/05/2012, pelo que jamais se poderá configurar a notificação mencionada no ponto 7 do probatório como a citação da devedora originária para a execução fiscal, pois tal notificação ocorreu anteriormente, em 21/03/2012.
Uma vez que não consta a autuação do processo de execução fiscal e a certidão de dívida acaba por ter aposta uma dada posterior à sua emissão (22/07/2015), relança a dúvida acerca da falta de elementos completos ínsitos nos autos que nos permita, com a segurança e certeza exigíveis, averiguar acerca da data efectiva da citação da devedora principal.
Assim, mostrando-se imperioso descobrir a data da citação da devedora originária para o processo executivo para cobrança coerciva da dívida referente a IRC, do ano de 2008; deparamo-nos, agora, com défice de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto disponibilizada à nossa apreciação.
Deste modo, não podendo sufragar-se, sem mais, o julgamento produzido em 1.ª instância, impõe-se anular, oficiosamente, segundo o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, a sentença, na parte recorrida, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, sejam efectivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, do aspecto apontado como deficitariamente instruído.

Conclusões/Sumário

I – O instituto da reversão produz no processo de execução fiscal uma modificação subjectiva da instância, que opera pelo chamamento do revertido (alguém que não é o devedor que figura no título) à execução, a fim de ocupar nela a posição passiva de executado.
II – In casu, o procedimento adoptado pelo órgão de execução fiscal poderá violar o disposto no n.º 2 do artigo 23.º da LGT e no artigo 153.º, n.º 2, alínea b) do CPPT, porquanto apenas se permite o início do procedimento de reversão depois de a executada originária ser chamada à execução fiscal, de lhe ser dada a possibilidade de pagamento da dívida exequenda e, na sua falta, realizar-se-á a penhora dos seus bens – cfr. artigo 215.º, n.º 1 do CPPT.
III – Não há notícia nos autos que, à data da decisão de reversão, algum destes actos haja ocorrido, pelo que poderá ser ilegal o acto de reversão.
IV - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença na parte recorrida e ordenar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí ser proferida nova decisão onde se supram os apontados vícios, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova conforme acima se indica.

Custas a cargo da Recorrida, que não inclui a taxa de justiça uma vez que não contra-alegou.

Porto, 27 de Março de 2025

Ana Patrocínio
Ana Paula Santos
Cláudia Almeida