Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00563/14.3BECBR |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 05/31/2019 |
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Tribunal: | TAF de Coimbra |
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Relator: | Frederico Macedo Branco |
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Descritores: | ACIDENTE EM SERVIÇO; AVC; NEXO DE CAUSALIDADE; ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO |
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Sumário: | 1 – Resultando insofismavelmente da prova fixada e disponível que o acidente vascular cerebral (AVC) que a Autora sofreu se deveu a fatores endógenos ao seu próprio organismo, não decorrendo de qualquer evento externo, está desde logo comprometida a sua qualificação como Acidente de Serviço. 2 – Assim, não há qualquer prova ou sequer indício que permita determinar que o AVC tenha resultado de causa estranha à constituição orgânica da recorrente ou que possa ter resultado de uma qualquer situação conexa com o desemprenho funcional da trabalhadora, nomeadamente stress. 3 - À Instância recursiva apenas caberá sindicar e modificar o decidido quanto à factualidade dada como provada e não provada, caso verifique a ocorrência de erro de apreciação, suscetível de determinar a viciação da decisão final, mormente enquanto erro de julgamento, patente, ostensivo palmar ou manifesto. Relativamente à apreciação da matéria de facto, o tribunal deverá socorreu-se, do princípio da livre apreciação da prova produzida, para dar como assente e não assente, a materialidade controvertida, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 362.º e seguintes do Código Civil e 607.º, n.ºs 4 e 5, do atual Código de Processo Civil. Em sede de apreciação de recurso jurisdicional, o tribunal, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida. * * Sumário elaborado pelo relator |
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Recorrente: | OMMF |
Recorrido 1: | MINISTÉRIO DA JUSTIÇA |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Negar provimento ao recurso |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório OMMF, com os demais sinais nos autos, veio propor ação administrativa especial, ao abrigo do art.º 48.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, e CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, na qual peticionou: a) que seja reconhecido o acidente ocorrido em 24/10/2012 como acidente de trabalho, condenando-se os RR. “à prática do ato administrativo devido, em substituição, revogando o despacho de indeferimento do pedido de qualificação como acidente de trabalho, e ainda que o Ministério da Justiça seja condenado à prática de um novo ato que qualifique o referido acidente sofrido pela Autora como acidente de trabalho nos termos do artigo 7.º n.º 1 do DL 503/99 de 20 de novembro e artigo 8.º n.º 1 e 2 da Lei 98/2009 de 04 de setembro, com as legais consequências”; b) que se proceda “à atribuição do subsídio de elevada incapacidade permanente, nos termos do artigo 37.º do DL 503/99 de 20 de novembro, desde 19/04/2013, a ser atribuído pela R. Caixa Geral de Aposentações acrescido de juros, à taxa legal até integral pagamento”; c) que se promovam os “respetivos abonos das diferenças de vencimentos, nomeadamente os subsídios de refeição e os suplementos de caráter permanente, desde 01/10/2012 até 01/01/2014 no valor de € 2.465,93 (dois mil quatrocentos sessenta cinco euros e noventa e três cêntimos) faltando contabilizar os restantes meses uma vez que a A. não tem os recibos de vencimento, nos termos do artigo 6.º e 15.º do DL 503/99 de 20 de novembro”; d) que se proceda “à atribuição do Subsídio por assistência de terceira pessoa, nos termos do artigo 16.º e 36.º do DL 503/99 de 20 de novembro, a ser atribuído pela R. Caixa Geral de Aposentações”; e) que se proceda “à atribuição do Subsídio para readaptação de habitação, no valor de € 2.872,26 (dois mil oitocentos setenta dois euros e vinte seis cêntimos), nos termos do artigo 36.º do DL 503/99 de 20 de novembro – Cfr. Doc. n.º 18”; f) que se proceda à “atribuição de pensão anual e vitalícia e atualizável no montante de € 15.399,17 (quinze mil trezentos noventa nove euros e dezassete cêntimos), a pagar adiantada e mensalmente até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada uma das prestações a 1/14 da pensão anual, sendo a prestação correspondente ao subsídio de Férias e de Natal paga, respetivamente, nos meses de maio e de novembro, acrescendo juros de mora à taxa legal desde o vencimento até integral pagamento, nos termos do artigo 34.º DL 503/99 de 20 de novembro, a ser atribuído pela R. Caixa Geral de Aposentações”. * A Autora, inconformada com a decisão proferida no TAF de Coimbra em 6 de março de 2019, através da qual a Ação foi julgada improcedente, veio em 25 de março de 2019, recorrer da decisão proferida, na qual se conclui:“1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença de fls. (…) do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou a ação administrativa especial improcedente, e em consequência decidiu absolver os RR. dos pedidos deste com base que: “… veio a concluir-se que o ato impugnado - decisão da Subdiretora-Geral da Administração da Justiça, proferida em 30/07/2013, nos termos da qual foi determinada a não qualificação da ocorrência de 24/10/2012 como acidente de trabalho - não padece de qualquer vício de ilegalidade, devendo ser mantido na ordem jurídica, o que determina não só a improcedência do pedido de impugnação e de condenação à prática do ato devido (de qualificação como acidente de trabalho), como também, forçosamente, a improcedência dos demais pedidos condenatórios relativos ao pagamento das prestações e subsídios no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, porque dependentes da prévia qualificação do evento como acidente de trabalho/em serviço, o que não se verifica.” 2. O Tribunal a quo deixou de considerar, inúmeras provas documentais, nomeadamente, o relatório do dano psíquico, onde foram prestadas as declarações da recorrente OF, entre outros documentos, onde demonstram a situação clínica da autora, antes do evento traumático, e documentos onde de uma forma concreta indiciavam que a autora sofreu um verdadeiro acidente de trabalho. 3. Pelo exposto, salvo o devido respeito deve-se considerar que a Sentença recorrida viola o disposto no artigo 615.º n.º1 al. b) do CPC. 4. Assim, os requisitos formais de admissibilidade da impugnação da decisão de facto, mormente os constantes do artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPC, têm em vista, no essencial, garantir uma adequada inteligibilidade do objeto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso. 5. A decisão judicial ora posta em crise, que teve por base uma incorreta valoração da prova e, até mesmo prova inexistente ou insuficiente. 6. Nesse sentido, na contestação apresentada, ao enunciar o objeto da sua defesa, o Recorrido, não juntou qualquer prova (documental ou testemunhal), nomeadamente, atas, ou outro documento que comprove que efetivamente iria um outro elemento ajudar a ora aqui recorrente, assim resultando incumprido o assinalado ónus. 7. Face ao exposto, a decisão judicial recorrida incorre em nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1 alínea c) do CPC, violou, por erro de interpretação de direito e de facto, os artigos 572.º do CPC, ex vi artigo 1.º CPTA, artigos 341.º e 342.º do Código Civil, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada. 8. Defende a recorrente, igualmente, que na decisão recorrida existe contradição entre a fundamentação de direito face à matéria de facto que foi dada como assente, pretendendo assacar à decisão do Tribunal a quo, o vício de nulidade devido a contradição entre os fundamentos de facto e de direito. 9. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al. c), do C.P.Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. 10. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artigo 154.º, nº.1, do CPC. 11. Entende a recorrente que face a estas dúvidas, a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. 12. Neste caso não se sabe o que o juiz quis dizer, no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz. 13. A decisão só é, assim, obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e ambíguo, quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes e/ou sentidos porventura opostos. 14. Ou seja, a nulidade só poderá ser atendida no caso de se tratar de vício que prejudique a compreensão da decisão judicial [despacho/sentença/acórdão] e de se apontar concretamente a obscuridade ou ambiguidade cuja nulidade se pretende ver declarada. 15. Ora, no presente caso, estamos perante uma sentença obscura e ininteligível, o que determina nos temos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, ex vi artigo 1 do CPTA, a sua nulidade. 16. Ora, a questão fulcral que importa apreciar é a de saber se o AVC sofrido pela recorrente (que lhe determinou a atribuição de uma incapacidade permanente global de 70%) se ficou a dever a um acidente de trabalho. 17. E julgamos que a resposta, in casu, só pode ser positiva, face á matéria dada como provada nos presentes autos, apenas podemos concluir que a recorrente logrou provar, como lhe competia, a ocorrência de um qualquer evento verificado por ocasião do trabalho ou com ele relacionado causador do AVC e das lesões e sequelas de que ficou portadora. Ou seja, a recorrente provou que o AVC e as lesões sofridas ocorreram por causa de intervenção exterior (evento súbito exterior ao lesado). 18. Entendeu o tribunal a quo por conseguinte, pela inexistência, no caso dos autos, de um acidente de trabalho ou em serviço, pelo que nada há a apontar à decisão aqui impugnada, que não qualificou o AVC sofrido pela A. como acidente de trabalho, sendo a mesma de manter, por se mostrar conforme às disposições legais aplicáveis. 19. A decisão não explica nem tinha de explicar a hipótese colocada, por se ignorar se a recorrente sofreu, ou não, outras situações e nem se saber se as condições externas foram, ou não, semelhantes às verificadas quando ocorreu o acidente, sendo que, em todo o caso, os acidentes não ocorrem em condicionalismos predefinidos. São, por natureza, inesperados. 20. Ora, conforme face à matéria de facto dada como provada, não restam qualquer dúvidas que de facto, a recorrente exerceu a sua atividade no ambiente de grande stress e pressão, bem como ficou demostrado que de facto face à diminuição dos funcionários judiciais, houve também aqui um aumento brutal de serviço. 21. Já Carlos Alegre, refere que a doutrina aponta como características do acidente naturalístico tratar-se dum evento exterior à constituição orgânica da vítima, em geral súbito e que causa uma ação lesiva sobre o corpo humano. 22. No entanto, continua este autor, esta caracterização está longe de ser completa, pois “nem o acontecimento exterior direto e visível, nem a violência são, hoje, critérios indispensáveis à caracterização do acidente. A sua verificação é extremamente variável e relativa, em muitas circunstâncias. Além disso, a causa exterior da lesão tende a confundir-se com a causa do acidente de trabalho, num salto lógico, nem sempre evidente”. 23. Por isso, sustenta este autor que a violência não constitui, a não ser como critério subsidiário, uma característica essencial do acidente de trabalho. E quanto à subitaneidade, que constitui uma característica importante que permite a possibilidade de localizar no tempo o evento lesivo, e por isso distinguir o acidente de trabalho da doença profissional, também este critério não resolve, sozinho, todas as situações da vida real (obra citada, 36 e 37). 24. A recorrente alegou factos que comprovam a existência de um evento súbito, de verificação inesperada e de origem externa, que tal veio a desencadear um acidente vascular cerebral por si sofrido. 25. A Recorrente, conforme se demonstrou conseguiu provar que foi de facto sujeita a uma pressão elevada, bem como aumento drástico de trabalho, exigindo de imediato um esforço físico mais intenso, uma vez que a mesma era a única escrivã no 4.º juízo criminal. 26. Note-se que em finais de Setembro, houve uma redução de efetivos no serviço da ora aqui Recorrente, ficando a mesma encarregue de todo o expediente e de todo o serviço alojado naquele 4.º juízo criminal. 27. Ora, em comparação aos outros juízos criminais, e contrariamente ao alegado pelo Recorrido, efetivamente o 4.º juízo e após uma análise cuidada das agendas ora junto aos autos (prova 13 da PI), entre, julgamentos, leituras de sentença, audições aos arguidos, videoconferências, nota-se claramente que o 4.º juízo criminal no período compreendido entre o dia 01/10/2012 a 24/10/2012, obteve um total de 61 julgamentos, sendo que o 3.º juízo criminal obteve 55 julgamentos, o 2.º juízo criminal obteve 48 julgamentos, e por fim o 1.º juízo criminal obteve 50 julgamentos. 28. Verifica-se, pois, um funesto acontecimento, que teve como causa externa um esforço físico desenvolvido em determinado condicionalismo, independentemente da maior ou menor visibilidade desse esforço e sem que tenha a menor relevância que a Autora em anteriores e semelhantes situações nada lhe tenha acontecido e que a outros colegas de profissão também nada tenha acontecido quando desenvolviam a mesma atividade. 29. Porém, hoje não é considerado como critério necessário à caracterização de acidente essa causa externa se consubstancie, quer em violência quer até num acontecimento exterior manifesto ou visível - Nesse sentido vide Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, processo 383/04.3TTGMR.L1.S1, de 30-06-2011, in dgsi. 30. A recorrente não tinha nenhum, repita-se, nenhum antecedente relevante além de se configurar um estado de ansiedade reativo a mudanças negativas no contexto de trabalho antecedendo o AVC. 31. Não tinha a autora nenhum hábito toxico, ou seja, não usa tabaco, nem outras substâncias psicoativas. 32. Ora, face ao exposto, e sendo a autora uma perfeccionista, tendo havido redução de pessoal nos serviços em finais de Setembro de 2012, houve claro está, acumulação de serviço. 33. Assim sendo, não restam dúvidas, a Autora sofreu um acidente, devido a picos de tensão relacionados com o esforço acrescido, vem como a pressão que estava sujeita para realizar todas as tarefas. 34. Certamente, que todos nós já sentimos esses picos de tensão, ou aumento vertiginoso de adrenalina, no local de trabalho, seja por causa do esforço físico, seja por existir pressão para finalizar alguma tarefa, ou pelo simples facto de existir prazos na qual teremos que cumprir, custe o que custar. 35. O serviço de “sala” prestado pela Autora no dia 24 de outubro de 2012, deve- se à falta de pessoal, podendo concluir-se que o seu dia de trabalho tenha sido por esse motivo mais intenso e exigente. 36. Ou seja, esforço físico devido ao excesso de trabalho, conjugado com as condições de trabalho, com a pressão exercida, e ao caracter perfeccionista da Autora, estão de facto criadas todas as condições para ocorrência de um acidente, na qual se veio a manifestar da pior maneira para a ora aqui autora. 37. Verifica-se, pois, um funesto acontecimento, que teve como causa externa um esforço físico desenvolvido em determinado condicionalismo, independentemente da maior ou menor visibilidade desse esforço e sem que tenha a menor relevância que a Autora em anteriores e semelhantes situações nada lhe tenha acontecido e que a outros colegas de profissão também nada tenha acontecido quando desenvolviam a mesma atividade. 38. Com relevância para o caso, importa ainda salientar o artigo n.º 10 da Lei 98/2009 de 04 Setembro, ao dispor que a lesão constatada no local e no tempo de trabalho presume-se, até prova em contrário, consequente do acidente. 39. Como se pode constatar, perante o disposto no artigo 12.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Setembro, incumbia ao R. entregar esse mesmo documento, ou, à Autora ou à entidade prestadora da assistência médica. 40. Ora, não tendo sido entregue o Boletim à Autora ou aos seus familiares (filho), não podiam entregar o mesmo nos serviços. 41. Face ao exposto, não restam dúvidas, que merece censura o despacho de não qualificação da factualidade vertida nestes autos como acidente de trabalho, devendo o mesmo ser anulado, e substituído por outro em que considere o acidente ocorrido, como acidente de trabalho. 42. Deve nesse sentido, o acidente que a Autora sofreu em 24/10/2012, pelas 16h30, que tendo ocorrido no tempo e no local de trabalho, deve ser considerado como acidente em serviço, uma vez que, preenchem os requisitos exigidos pelo artigo 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei 503/99 de 20 de Setembro, artigo 8.º, n.º 1 e 2, e artigo 10.º da Lei 98/2009 de 04 de Setembro. 43. Nesse sentido, deveria o Tribunal a quo decidido de forma diversa, considerando a ação interposta pelo recorrendo como provada e assim, condenando o recorrido à prática dos atos que considera legalmente devidos. 44. Salvo devido respeito, a douta Sentença recorrida, ao decidir de forma diversa, enferma de manifesto erro de julgamento, pelo que também aqui deverá ser revogada. 45. Assim e face ao exposto, a decisão judicial recorrida incorre em nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1 alínea d), c) e e) do CPC, violou, por erro de interpretação de direito e de facto, os artigos 572.º do CPC, ex vi artigo 1.º CPTA, artigos 341.º e 342.º do Código Civil, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada. 46. Face à prova produzida, só a aceitação de uma Jurisprudência de conceitos, oca, assente num mero artificialismo sem sentido, alheio à adequada valorarão dos interesses em causa, poderia acolher o entendimento expresso pelo R. a propósito da referência à ausência de uma “causa externa”. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências, fazendo-se assim Justiça” * O Recorrido/Ministério veio a apresentar Contra-alegações de recurso em 22 de abril de 2019, nas quais concluiu:“Entende o recorrido que não merece qualquer censura a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 06/03/2019, não lhe podendo ser assacadas quaisquer invalidades ou determinada a respetiva revogação, nos termos já referidos nas presentes alegações, porquanto: i. Do probatório assente na lide, resulta claro que o acidente vascular cerebral isquémico de que foi vítima a recorrente no dia 24/10/2012, teve como causa a dissecção carotídea direita, sendo essa uma causa endógena ao seu próprio organismo, não decorrendo de um qualquer evento externo, inesperado e violento que tenha ocorrido por causa do trabalho ou esteja com o mesmo relacionado; ii. A dissecção consiste na rutura do revestimento interno de uma artéria que desvia o regular fluxo do sangue dentro do vaso, levando à posterior acumulação de sangue na artéria e facilitando a formação de coágulos - que podem despoletar futuros acidentes vasculares cerebrais. iii. É patente a inexistência de uma qualquer razão externa, pelo que bem considerou o douto tribunal a quo que a recorrente não logrou provar qualquer facto nesse sentido; iv. O princípio da livre apreciação das provas, implica que o juiz decida com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjetiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência; v. A tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo, o que não ocorreu na douta sentença recorrida, pois: 1) Ficou provado pelo relatório do Secretário de Justiça junto aos autos que um oficial de justiça do 3.º juízo se deslocava e que o 4.º juízo onde trabalhava a recorrente, que este funcionava em igualdade de circunstâncias com os demais juízos criminais, e que o boletim de acompanhamento médico foi entregue por uma colega da recorrente aos seus familiares; matéria que não pode ser, agora, posta em causa com considerações genéricas da recorrente de que ficou provado que isso não é verdade, sem indicar onde é que se suporta para afirmar tal; 2) O conteúdo de um relatório clínico, na parte em que se limita a transcrever meras declarações da própria recorrente, não pode obrigar que o julgador, no seu exercício de valoração subjetiva, considere provado que havia níveis de stress exacerbados, ambiente de nervosismo no trabalho, palpitações, desgaste e noites sem dormir, nem que considere provado que o aqui recorrido tinha conhecimento do que estava a ocorrer e nada fez; 3) Não é razoável pretender que o julgador, no seu exercício de valoração subjetiva, considere provado que a recorrente preparava todos os processos do 4.º juízo onde trabalhava, até porque do relatório do Secretário de Justiça do tribunal resulta que, à data do ocorrido, no mesmo juízo trabalhavam ainda 1 escrivão de direito e 2 adjuntos, além do auxiliar que vinha do 3.º juízo prestar apoio; seria inverosímil retirar tal conclusão, face ao probatório produzido nos autos; vi. Ante a evidência de a causa do AVC ser endógena ao próprio organismo da recorrente – rutura da parede interna da carótida direita – não se apresenta ambíguo, obscuro, ininteligível ou em oposição com os fundamentos que o tribunal a quo tenha, por um lado, considerado que não se apresenta absolutamente claro o ambiente de stress e pressão e, por outro, considerado que mesmo que isso se admita, sempre seria a rutura da parede interna da carótida a causa do ocorrido, e não esse alegado ambiente sentido pela recorrente; vii. Desse exercício antes resulta que, numa clarividente decisão, o tribunal a quo procurou, responsavelmente, equacionar todas as possibilidades, deixando claro que sempre se chegaria à mesma conclusão; viii. Após um enquadramento doutrinal e jurisprudencial absolutamente correto, a douta sentença recorrida procedeu a um irrepreensível exercício de subsunção dos factos do caso concreto ao direito, o que não poderá ser posto em causa: nem pela tentativa incorreta subsumir os factos do caso ao conceito de acidente de trabalho realizada pela recorrente, nem pela invocação de jurisprudência proferida em casos cujo substrato fáctico nada tem que ver com o do caso vertente. Termos em que deve o presente recurso de apelação ser julgado improcedente e, em consequência, deve ser confirmada a douta decisão recorrida, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA.” * O Recurso Jurisdicional veio a ser admitido por despacho de 30 de abril de 2019.* O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal, notificado em 6 de maio de 2019, nada veio dizer, requerer ou Promover.* Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.* II - Questões a apreciarImporta apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, o que se consubstancia na necessidade de verificar, designadamente, se se mostrarão preenchidos os pressupostos tendentes à consideração do controvertido acidente, como ocorrido em serviço. III – Fundamentação de Facto O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto relevante para a apreciação da questão controvertida, cujo teor infra se reproduz. “Factos provados: Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa: 1) A A. exercia, em 24/10/2012, as funções inerentes à categoria profissional de Escrivã Auxiliar na então Vara Mista dos Juízos Criminais de C…, em concreto no 4.º Juízo, sob a autoridade, direção e fiscalização do R. Ministério da Justiça (acordo). 2) As funções exercidas pela A. implicavam a realização das seguintes tarefas, entre outras: prestar assistência aos magistrados em todas as diligências de julgamento, inquirições e outras, elaboração das respetivas atas e autos, movimentação de processos urgentes, cumprimento de despachos judiciais, atendimento ao público, preparação e expedição do correio diário, autuação de processos de execução, elaboração de boletins de registo criminal, certidões e notificações, depósito de sentenças, pedidos de entidades policiais, termos de penhoras ou arrestos solicitados ao tribunal (acordo e cfr. docs. de fls. 385 a 387, 389 e 390 do suporte físico do processo). 3) No dia 24/10/2012, pelas 16h40, quando se encontrava no seu local de trabalho, a A. dirigiu-se à casa de banho, tendo demorado mais tempo do que o habitual (cfr. doc. de fls. 158 e 159 do suporte físico do processo). 4) Face à demora da A., a colega FS, pelas 16h50, dirigiu-se à casa de banho, tendo ouvido gemidos ao aproximar-se da porta e perguntado à A. se se encontrava bem, ao que esta lhe respondeu que estava paralisada e que não se conseguia levantar (cfr. doc. de fls. 158 e 159 do suporte físico do processo). 5) Nessa sequência, e após ter sido arrombada a porta da casa de banho com a ajuda do motorista do Tribunal da Relação e de um agente da PSP, a A. foi encontrada no chão, paralisada do lado esquerdo e com a boca de lado (cfr. doc. de fls. 158 e 159 do suporte físico do processo). 6) Foi de imediato contactada a emergência médica, tendo a A. sido transportada para os então Hospitais da Universidade de Coimbra, nos quais lhe foi diagnosticado que sofrera um acidente vascular cerebral (AVC) isquémico direito por dissecção carotídea direita (cfr. docs. de fls. 30, 31, 158, 159, 431 a 433, 446 a 449 e 522 a 525 do suporte físico do processo). 7) À data do AVC, a A. tinha 49 anos de idade (cfr. doc. de fls. 30 e 31 do suporte físico do processo). 8) Consta da ficha clínica da A. do Serviço de Neurologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra a realização, entre outros, dos seguintes exames e respetivos resultados: “7. Exames Complementares TAC-CE (24/10): No estudo efetuado observa-se hiperdensidade espontânea do segmento M1 da artéria cerebral média direita, compatível no contexto clínico com oclusão endoluminal. Não são visíveis alterações da discriminação cortico-medular, dos núcleos da base ou do córtex insular. Sistema ventricular e sulcos corticais permeáveis e com dimensões normais. Foramen occipital permeável com amígdalas cerebelosas topografia normal. (…) TAC-CE (28/10): Observa-se área de hipodensidade que envolve a ínsula, a cápsula externa, o núcleo lenticular direito, a convexidade parietal direita e parcialmente o lobo temporal direito, compatível com AVC isquémico em fase subaguda, sem sinais de transformação hemorrágica, condicionando discreta moldagem da parede do ventrículo lateral direito” (cfr. doc. de fls. 522 do suporte físico do processo). 9) A A. esteve internada no Serviço de Neurologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra até ao dia 15/11/2012, tendo sido internada no Serviço de Reabilitação Geral de Adultos do Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro – Rovisco Pais em 19/11/2012, onde se manteve até 10/12/2012 (cfr. docs. de fls. 30, 31 e 469 do suporte físico do processo). 10) Na sequência de avaliação efetuada por Junta Médica do Ministério da Saúde em 19/04/2013, foi atribuída à A. uma incapacidade permanente global de 70% (cfr. doc. de fls. 78 do suporte físico do processo). 11) A A. teve a última consulta antes do AVC, para vigilância do seu estado de saúde, no dia 11/10/2012, na qual se constatou que a mesma se encontrava bem de saúde, sem apresentar qualquer tipo de morbilidade ou fatores de risco com relevância, e com dados biométricos adequados (cfr. docs. de fls. 61 e 79 do suporte físico do processo). 12) Por carta datada de 25/10/2012, o Secretário de Justiça da Vara Mista dos Juízos Criminais e do Tribunal de Instrução Criminal de C… apresentou, junto da Direção-Geral da Administração da Justiça, uma “participação e qualificação do acidente de trabalho” relativa à ocorrência verificada com a A. no dia 24/10/2012 (cfr. docs. de fls. 157 a 159 do suporte físico do processo). 13) Através de e-mail enviado pelo Secretário de Justiça no dia 06/05/2013 acerca da participação de acidente referida no ponto anterior, este informou os serviços do R. Ministério da Justiça de que “nem a Senhora OF, nem nenhum seu familiar, deram continuidade à referida participação de acidente”, bem como que a A. “não entregou ao Tribunal o Boletim de Acompanhamento Médico, por ainda se manter em acompanhamento, e tem justificado as faltas por atestado médico” (cfr. doc. de fls. 160 do suporte físico do processo). 14) Não foi entregue nos serviços do R. Ministério da Justiça qualquer “Boletim de Acompanhamento Médico” relativo à ocorrência de 24/10/2012 (acordo). 15) Em 06/05/2013 foi elaborada a informação n.º 99, sob o assunto “Não qualificação como acidente de trabalho – OMMF”, na qual se concluiu “não ser legalmente admissível qualificar como acidente de trabalho a ocorrência participada no dia 25 de outubro de 2012 pelo Sr. Secretário de Justiça”, sofrida pela A. (cfr. doc. de fls. 161 a 164 do suporte físico do processo). 16) A A. foi notificada para exercer o direito de audiência prévia relativamente à proposta de decisão constante da informação que antecede, direito que exerceu através de exposição na qual requereu, a final, que o acidente ocorrido em 24/10/2012 fosse considerado e reconhecido como acidente de trabalho, por preencher todos os requisitos previstos no art.º 7.º, n.os 1 e 4, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11 (cfr. docs. de fls. 165 a 171 do suporte físico do processo). 17) O Secretário de Justiça prestou, por escrito, aos serviços do R. Ministério da Justiça uma informação acerca do teor da exposição apresentada pela A. em sede de audiência prévia, da qual se extrai, além do mais, o seguinte: “(…) Quanto ao que é afirmado nos pontos 12 a 16, concordamos também que de facto, aliás, como é do conhecimento de todos, o efetivo dos Oficiais de Justiça tem diminuído, assim como também é do conhecimento de todos, que as condições de trabalho se têm deteriorado, e que todos estamos também, por via desses factos, e de outros, mais cansados, mais desanimados, e menos motivados, o que tudo somado, leva-nos a corroborar com a Senhora Escrivã Auxiliar OF que de facto os Oficiais de Justiça se encontram por vezes em situações de grande pressão e de stress. Mas esta situação é geral, ocorre com todos os Oficiais de Justiça, e em todos os Tribunais, não é específica deste Tribunal em particular, ou seja, apesar de concordarmos com o que é afirmado, já discordamos no sentido de que era uma situação específica da Senhora Escrivã Auxiliar. (…) Como se verifica, o 4.º Juízo, que é o Juízo onde se encontrava colocada a Senhora Escrivã Auxiliar OF, não é o Juízo com mais pendência a 01 de janeiro, nem o Juízo com menos pendência a 31 de outubro. (…) Verificamos também que o 4.º Juízo não é o juízo com o maior número de processos entrados. (…) Mais uma vez se verifica que o 4.º Juízo também se encontra dentro dos parâmetros dos restantes Juízos, aliás, excetuando o 1.º Juízo, todos os outros acabaram praticamente o mesmo número de processos. (…) Também ao nível de Oficiais de Justiça colocados em cada Juízo, concluímos que todos os Juízos até finais do mês de setembro de 2012 se encontravam precisamente nas mesmas circunstâncias quanto ao número de Oficiais de Justiça. No mês de outubro, mês em que ocorreu o episódio clínico, verificamos que o 4.º Juízo tinha menos um Senhor Escrivão Auxiliar. E porque em finais de setembro de 2012, um Senhor Escrivão Auxiliar do 4.º Juízo saiu para a 1.ª Secção da Vara Mista. Mas por sua vez por um período de 15 dias consecutivos, ‘ia’ um outro Senhor Oficial de Justiça do 3.º Juízo ajudar o 4.º Juízo. verificamos assim igualdade de circunstâncias em todos os Juízos Criminais à data da ocorrência. (…) Quanto ao ponto 28 em que é afirmado que não foi entregue o Boletim de Acompanhamento Médico, carece de explicação, pois o mesmo não corresponde totalmente ao alegado. De facto o Boletim de Acompanhamento Médico não acompanhou a Senhora Escrivã Auxiliar no dia em que os factos ocorreram. (…) No entanto, no dia imediatamente seguinte, o Boletim de Acompanhamento Médico foi entregue em mão à melhor amiga da Senhora Escrivã Auxiliar, a Senhora CB, que o fez chegar aos familiares dela” (cfr. doc. de fls. 355 a 359 do suporte físico do processo). 18) Em 19/07/2013 foi elaborada a informação n.º 182, na qual foi analisada a pronúncia da A. em sede de audiência prévia e da qual constam, além do mais, as seguintes conclusões: “Assim: Não tendo sido invocada a existência de qualquer evento súbito, de verificação inesperada e origem externa à própria funcionária, que tenha desencadeado ou que tenha sido determinante no desencadeamento do referido AVC; Não podendo pois ser invocada a presunção contida no n.º 1 do art.º 10.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro (porque a doença se manifestou no local e no tempo de trabalho seria consequência de um acidente de trabalho) pois que para que esta opere, é indispensável que esteja provada a existência de um acidente, já que aquela visa apenas libertar o sinistrado da prova do nexo de causalidade entre o acidente e a lesão diagnosticada; Não colhendo as invocadas condições de trabalho e elevado volume de serviço, uma vez que por um lado, nada aconteceu imediatamente antes da declaração da doença, que indicie que a oficial de justiça, no local e no tempo de trabalho, tenha sido sujeita a um qualquer incidente suscetível de desencadear um AVC, e por outro, pensamos ter ficado amplamente comprovada pela exposição do Sr. Secretário de Justiça que as condições, bem como o volume de trabalho, são rigorosamente as mesmas para todos os oficiais de justiça que prestam serviço nas Varas Mistas dos Juízos Criminais e Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra, não tendo sido a oficial de justiça (…) sujeita a uma situação profissional diferente, onde lhe tivesse sido exigido um especial esforço físico ou psicológico violento, sem possibilidade de repouso ou momentos de descontração, adequados a provocar um AVC; Não constando ainda do processo o Formulário ‘Boletim de Acompanhamento Médico’ entregue pelos serviços, contrariamente ao invocado na exposição da funcionária. Por todo o exposto, concluímos não ser juridicamente admissível a qualificação como acidente de trabalho do AVC sofrido no dia 24 de outubro de 2012 pela escrivã auxiliar (…)” (cfr. doc. de fls. 180 a 187 do suporte físico do processo). 19) Em 30/07/2013 a Subdiretora-Geral da Administração da Justiça, por delegação/subdelegação de competências do Diretor-Geral, proferiu despacho de concordância com a informação que antecede, determinando a não qualificação da ocorrência de 24/10/2012, envolvendo a A., como acidente de trabalho (cfr. doc. de fls. 180 do suporte físico do processo). 20) Através de ofício enviado à A. por carta registada em 27/08/2013, foi esta notificada da decisão referida no ponto anterior (cfr. docs. de fls. 189 e 190 do suporte físico do processo). 21) À data do acidente, a A. auferia retribuição mensal no valor ilíquido de € 1.156,85, acrescida de subsídio de refeição no valor mensal de € 93,94 e do suplemento de recuperação de processos no valor mensal de € 112,28 (cfr. docs. de fls. 28 e 29 do suporte físico do processo). 22) Da agenda do 4.º Juízo Criminal de Coimbra referente ao mês de outubro de 2012 consta a marcação diária de diversas diligências, incluindo no dia 24/10/2012, cuja realização foi, nesta última data, assegurada pela A. (acordo e cfr. docs. de fls. 288 a 319 do suporte físico do processo). 23) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 22/08/2014 (cfr. doc. de fls. 2 do suporte físico do processo). “ * IV - Do DireitoNo que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância: “Está em causa, nos presentes autos, saber se o acidente (AVC) sofrido pela A. reúne os pressupostos para que deva ser qualificado como acidente de trabalho ou em serviço. O regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, que estabelece, entre outros aspetos, os critérios para a qualificação de um acidente como sendo em serviço e o conteúdo do direito dos trabalhadores sinistrados à reparação, em espécie e em dinheiro, dos danos daí resultantes. Este regime substantivo de proteção obrigatória em caso de acidente concretiza o direito fundamental, de natureza económica, dos trabalhadores à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidentes de trabalho ou de doença profissional [cfr. art.º 59.º, n.º 1, alínea f), da CRP], conjugado com o direito, de natureza social, a um sistema de segurança social que os proteja na doença e invalidez e em todas as situações de falta ou diminuição de capacidade para o trabalho (cfr. art.º 63.º, n.º 3, da Lei Fundamental). Importa, também, notar que o regime previsto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, assenta na ideia basilar de que é o empregador público que assume a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes dos acidentes em serviço, com exceção dos encargos com as incapacidades permanentes, cuja responsabilidade recai sobre a Caixa Geral de Aposentações (cfr. art.º 34.º). Trata-se, com efeito, de um regime de responsabilidade objetiva que assenta, por um lado, no entendimento de que quem beneficia com a prestação laboral do trabalhador deve, igualmente, responder pelos riscos inerentes à atividade em causa e que são suscetíveis de causar danos na esfera de quem presta esse trabalho ou exerce tais funções (teoria do risco profissional). A esta ideia acresce, por outro lado, a consideração de que o empregador deve ser responsabilizado pelo risco genérico ligado ao exercício dos seus poderes de autoridade, noção que permite incluir, na responsabilidade pelos acidentes em serviço, “aspetos não diretamente ligados à prestação de trabalho, como é o caso dos acidentes de trajeto ou in itinere” (teoria do risco económico ou de autoridade) (cfr., neste sentido, Mariana Gonçalves de Lemos, Descaracterização dos Acidentes de Trabalho, Lisboa, 2011, p. 16, publicado em http://run.unl.pt/bitstream/10362/6903/1/Lemos_2011.PDF). Compreende-se, assim, a preocupação do legislador em circunscrever o âmbito indemnizatório da responsabilidade do empregador público através da limitação do conceito de acidente em serviço e de danos para este efeito ressarcíveis. A este respeito, dispõe o art.º 3.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, que o acidente em serviço consiste no “acidente de trabalho que se verifique no decurso da prestação de trabalho pelos trabalhadores da Administração Pública”. Por sua vez, o art.º 7.º esclarece que “acidente em serviço é todo o que ocorre nas circunstâncias em que se verifica o acidente de trabalho, nos termos do regime geral, incluindo o ocorrido no trajeto de ida e de regresso para e do local de trabalho” (n.º 1), sendo que, “se a lesão corporal, perturbação funcional ou doença for reconhecida a seguir a um acidente, presume-se consequência deste” (n.º 2). O regime geral para que remete o preceito acima citado consta atualmente da Lei n.º 98/2009, de 04/09, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais nos termos do art.º 284.º do Código do Trabalho (doravante designada por LAT2009) e que é aplicável aos eventos ocorridos após a sua entrada em vigor (01/01/2010), como é o caso do acidente dos autos (cfr. art.º 187.º). Ora, quanto à delimitação do conceito de acidente de trabalho, o art.º 8.º, n.º 1, da LAT2009 estipula que “é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”. O n.º 2 do mesmo preceito define, para este efeito, a expressão “local de trabalho” como sendo “todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador” [alínea a)], e a expressão “tempo de trabalho além do período normal de trabalho” como sendo “o que precede o seu início, em atos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em atos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho” [alínea b)]. Como vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência, para que se reconheça um acidente de trabalho/acidente em serviço exige-se a verificação dos seguintes requisitos: (i) um elemento espacial, em regra, o local de trabalho, (ii) um elemento temporal, em regra, correspondente ao tempo de trabalho, e (iii) um elemento causal, ou seja, o nexo de causa e efeito entre, por um lado, o evento e a lesão, perturbação funcional ou doença e, por outro lado, entre estas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte do trabalhador sinistrado. Note-se que, nos termos da definição legal acima transcrita, o nexo causal entre a prestação do trabalho e o acidente não constitui um requisito do conceito de acidente, pois o único nexo causal previsto é o nexo entre o acidente e a lesão corporal, perturbação funcional ou doença, esse sim que se deve verificar para que se possa qualificar o acidente como de trabalho ou em serviço. Ora, a questão fulcral que importa apreciar é a de saber se o AVC sofrido pela A. (que lhe determinou a atribuição de uma incapacidade permanente global de 70%) se ficou a dever a um acidente de trabalho. E julgamos que a resposta, in casu, não pode deixar de ser negativa. Com efeito, do teor do citado art.º 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, decorre que o trabalhador sinistrado se encontra dispensado da prova relativa ao nexo de causalidade entre o acidente e a lesão, no entanto, tem o mesmo de demonstrar (é seu ónus) a ocorrência do evento em si (acidente). Isto porque a simples constatação de uma lesão, perturbação funcional ou doença do trabalhador no local e tempo de trabalho (no caso dos autos, do AVC sofrido pela A.) não faz presumir a existência, sem mais, de um acidente de trabalho, não dispensando os interessados da prova efetiva da ocorrência do “acidente”. Como uniformemente tem sido defendido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores e pela generalidade da doutrina, a presunção de causalidade, estabelecida no art.º 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, tem apenas o alcance de libertar os sinistrados da prova do nexo de causalidade entre o acidente e o dano físico ou psíquico reconhecido na sequência do evento infortunístico, não os libertando, todavia, do ónus de provarem a verificação do próprio evento causador das lesões (cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/06/2017, proc. n.º 919/11.3TTCBR-A.C1.S1, e o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06/10/2016, proc. n.º 197/13.0TTSTS.G1, publicados em www.dgsi.pt). Ante a inexistência de uma definição legal de acidente, o certo é que, quando falamos em evento relevante para a qualificação de acidente de trabalho/em serviço, referimo-nos (em concordância, aliás, com o que vem alegado pelas partes) a um evento naturalístico ou a uma causa exterior – estranha à constituição orgânica da vítima –, súbito (que atua num espaço de tempo breve) e que produza uma ação lesiva do corpo humano (cfr. Carlos Alegre, Acidentes de trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª ed., pp. 34 e segs. e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05/04/2018, proc. n.º 145/14.0TTBCL.G1, publicado em www.dgsi.pt). Trata-se, assim, de uma ocorrência anormal, em geral súbita, pelo menos de curta duração ou limitada, que acarreta uma lesão à integridade ou à saúde do corpo humano. Por outras palavras, e reconhecendo a complexidade e diversidade das causas dos acidentes de trabalho, tratar-se-á sempre de “um acontecimento não intencionalmente provocado, de caráter anormal, súbito e inesperado, gerador de consequências danosas no corpo ou na saúde, imputável ao trabalho, no exercício de uma atividade profissional, ou por ocasião do trabalho, de que é vitima um trabalhador” (cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05/04/2018, acima citado). Volvendo ao caso concreto e considerando a matéria de facto provada, apenas podemos concluir que a A. não logrou provar, como lhe competia, a ocorrência de um qualquer evento verificado por ocasião do trabalho ou com ele relacionado causador do AVC e das lesões e sequelas de que ficou portadora. Ou seja, a A. não logrou provar que o AVC e as lesões sofridas ocorreram por causa de intervenção exterior (evento súbito exterior ao lesado). (...) Ora, do quadro factual acima descrito resulta, portanto, que a A. sofreu, no dia 24/10/2012, um acidente vascular cerebral isquémico que foi consequência da dissecção da artéria carótida interna, tendo sido este último facto que originou que a A. fosse encontrada no chão da casa de banho do seu local de trabalho, paralisada do lado esquerdo e com a boca de lado. Ou seja, foi a dissecção (rutura) do revestimento interno da artéria vertebral que terá estado na origem do AVC e das lesões sofridas. Um AVC resulta da lesão das células cerebrais, que morrem ou deixam de funcionar normalmente, pela ausência de oxigénio e de nutrientes na sequência de um bloqueio do fluxo de sangue (AVC isquémico) ou porque são inundadas pelo sangue a partir de uma artéria que se rompe (AVC hemorrágico) (cfr. https://www.saudecuf.pt/mais-saude/doencas-a-z/avc-acidente-vascular-cerebral). A dissecção da artéria carótida interna é pouco frequente, representando cerca de 2-2,5% dos AVC’s na população geral, sendo mais comum na população jovem. Pode ser traumática (isto é, resultante, por exemplo, de movimentos súbitos da cabeça, vómito, tosse, prática de desporto, entre outros fatores que podem causar estiramento arterial) ou espontânea (cuja causa não chega, na maioria dos casos, a ser conhecida), manifestando-se habitualmente por dor cervical e craniana, sintomas de isquémia cerebral, síndrome de Horner e em mais de 10% dos casos com parésia de pares cranianos (cfr. http://repositorio.chlc.min-saude.pt/bitstream/10400.17/181/1/AMP%202006%20503.pdf, bem como https://www.spmi.pt/revista/vol23/vol23_n3_2016_44_46.pdf). No entanto, o que é certo é que não resultou da matéria de facto provada qualquer evento súbito, violento, inesperado e de ordem exterior à própria A. que tenha desencadeado ou tenha sido determinante no desencadear do AVC e das lesões sofridas, por ocasião do trabalho ou com ele relacionadas. Não se ignora que a A. alega que o AVC ocorreu devido ao stress e à pressão a que estava sujeita no seu local de trabalho. Alegação essa que vem alicerçada, por um lado, em motivos genéricos relacionados com o acréscimo do volume de trabalho resultante da diminuição do número de funcionários judiciais nos tribunais e da deterioração das respetivas condições de trabalho e, por outro lado, em motivos mais concretos relacionados com o facto de, desde finais de setembro de 2012, ser a única escrivã do 4.º Juízo, que era o segundo com mais processos entrados entre 01/01/2012 e 31/10/2012 e aquele que mais processos findara nesse período, para além de ser a A. quem realizava os julgamentos, incluindo os que estavam marcados no dia em que sofreu o AVC, o que terá aumentado o seu cansaço, a fadiga, o stress e a pressão. Julgamos, porém, que o quadro ora traçado pela A. não configura, conforme já atrás deixámos exposto, a existência de um evento súbito, violento, inesperado e de ordem exterior à própria A. que tenha desencadeado ou tenha sido determinante no desencadear do AVC e das lesões sofridas, o que era indispensável para a verificação de um acidente de trabalho ou em serviço. De uma banda, temos dúvidas quanto à sujeição da A. a um efetivo ambiente de stress e de pressão no seu local de trabalho no período que antecedeu o AVC e, em particular, desde finais de setembro de 2012 – atendendo, desde logo, à informação prestada pelo Secretário de Justiça no sentido de que a situação do 4.º Juízo era muito semelhante, em termos de volume de trabalho, à dos restantes Juízos e de que terá sido assegurado auxílio ao 4.º Juízo, apenas com uma escrivã (a ora A.) desde finais de setembro de 2012, por parte de um oficial de justiça de um outro Juízo, conjugada com o facto de não se retirar da agenda do 4.º Juízo referente ao mês de outubro de 2012, da qual consta a marcação diária de diversas diligências, incluindo no dia 24/10/2012, cuja realização foi assegurada pela A., a conclusão de que houve uma situação anormal de volume de trabalho a que esta foi excecionalmente sujeita nesse período (cfr. pontos 17 e 22 dos factos provados). Nem decorre do probatório, por referência ao processo clínico da A., que esta tenha tido “picos de tensão” no próprio dia em que sofreu o AVC devido ao esforço acrescido no seu trabalho (isto é, antes da ocorrência do AVC propriamente dito). De outra banda, mesmo reconhecendo esse quadro de stress, pressão e ansiedade sentido pela A. no seu local de trabalho e que tal possa ser considerado, em termos gerais, uma causa potencial ou um possível fator de risco que contribua para a ocorrência de um AVC (conforme, aliás, se refere nos pareceres juntos pela A. aos autos), ainda assim entendemos que essa situação – tanto quanto se sabe, prolongada no tempo – não pode ser caracterizada como uma ocorrência anormal, em geral súbita, pelo menos de curta duração ou limitada, que acarretou uma lesão à integridade ou à saúde do corpo humano da A., ou seja, não é suscetível de ser configurada como o evento súbito, violento, inesperado e de ordem exterior à própria A., causador das lesões. Na verdade, os factos provados apenas permitem concluir que o AVC sofrido pela A. no dia 24/10/2012, quando ainda se encontrava no seu local de trabalho, resultou de uma patologia de origem endógena, sem qualquer relação com um particular evento ocorrido com a A. e por ocasião do trabalho por si desempenhado, pois tal AVC (isquémico) foi consequência, como vimos, da dissecção da artéria carótida interna. Por conseguinte, impõe-se concluir pela inexistência, no caso dos autos, de um acidente de trabalho ou em serviço, pelo que nada há a apontar à decisão aqui impugnada, que não qualificou o AVC sofrido pela A. como acidente de trabalho, sendo a mesma de manter, por se mostrar conforme às disposições legais aplicáveis. Ademais, e em face da não qualificação como acidente de trabalho, fica prejudicada a apreciação da questão relativa à não apresentação nos serviços do “Boletim de Acompanhamento Médico” e, em consequência, ao cumprimento ou incumprimento, pela A., do procedimento previsto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, no âmbito dos acidentes de trabalho.” Em síntese, entendeu o Tribunal a quo “que o ato impugnado – decisão da Subdiretora-Geral da Administração da Justiça, proferida em 30/07/2013, nos termos da qual foi determinada a não qualificação da ocorrência de 24/10/2012 (AVC) como acidente de trabalho – não padece de qualquer vício ou ilegalidade, devendo ser mantido na ordem jurídica, o que determina não só a improcedência do pedido de impugnação e de condenação à prática do ato devido (de qualificação como acidente de trabalho), como também, forçosamente, a improcedência dos demais pedidos condenatórios relativos ao pagamento das prestações e subsídios previstos no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, porque dependentes da prévia qualificação do evento como acidente de trabalho/em serviço, o que não se verifica.” Refira-se desde já que se não vislumbrem razões justificativas da anulação ou revogação do julgado em 1ª instância. Vejamos: Resulta insofismável da prova fixada e disponível que o acidente vascular cerebral (AVC) que a Autora sofreu no dia 24 de outubro de 2012 se deveu a fatores endógenos ao seu próprio organismo, não decorrendo de qualquer evento externo. Efetivamente o controvertido AVC terá resultado exclusivamente, de fatores fisiológicos internos ao seu organismo, sendo que a referida situação clinica terá resultado da rutura do revestimento interno de uma artéria que desvia o regular fluxo do sangue dentro do vaso, levando à posterior acumulação de sangue na artéria e facilitando a formação de coágulos. Como se afirmou na Sentença Recorrida, “foi a dissecção (rutura) do revestimento interno da artéria vertebral que terá estado na origem do AVC e das lesões sofridas […] A dissecção da artéria carótida interna é pouco frequente, representando cerca de 2-2,5% dos AVC’s na população geral, sendo mais comum na população jovem. Pode ser traumática (isto é, resultante, por exemplo, de movimentos súbitos da cabeça, vómito, tosse, prática de desporto, entre outros fatores que podem causar estiramento arterial) ou espontânea (cuja causa não chega, na maioria dos casos, a ser conhecida), manifestando-se habitualmente por dor cervical e craniana, sintomas de isquémia cerebral, síndrome de Horner e em mais de 10% dos casos com parésia de pares cranianos (...)” Em face do que precede, não há qualquer prova ou sequer indício que permita determinar que o AVC tenha resultado de causa estranha à constituição orgânica da recorrente ou que possa ter resultado de uma qualquer situação conexa com o desemprenho funcional da Recorrente, nomeadamente stress. Objetivando e analisando o Recorrido: Da nulidade por falta de fundamentação de facto Vem pela Recorrente suscitada a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, em decorrência da suposta ausência de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Afirma, nomeadamente a Recorrente que “o Tribunal a quo, apenas considerou essencialmente todos os documentos do recorrido, em prejuízo de outros que a ora recorrente, veio a juntar para prova dos factos”. Não se vislumbra que assim seja, sendo que foram considerados predominantemente meios clínicos tão insuspeitos como sejam os elementos documentais com origem no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Afirma a Recorrente conclusivamente que existiriam provas documentais bastantes de que “de uma forma concreta indiciavam que a autora sofreu um verdadeiro acidente de trabalho”, sem que se alcance, por não densificada, a que se referirá tal afirmação. Sempre se dirá, e como melhor se concretizará infra, que a alteração da matéria de facto fixada sempre teria de passar por uma objetivação esclarecedora e devidamente densificada, o que se não verificou. Em qualquer caso, desde já se poderá afirmar que se não vislumbra a verificação da suscitada nulidade por falta de fundamentação de facto, pois que a factualidade dada como provada se mostra adequada e suficiente, mormente atenta a circunstância da prova médica assentar predominantemente nos documentos clínicos elaborados no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Do erro na avaliação da matéria de facto Invoca ainda a recorrente, no mesmo sentido, a nulidade da sentença recorrida, por erro na avaliação da matéria de facto, alegando que alguns factos dados como provados assentaram inadvertidamente em apenas parte das provas documentais, desconsiderando outras, que na sua opinião deveriam ter sido tidas em consideração. Em termos gerais e abstratos, no que concerne à alteração da matéria de facto, refira-se o seguinte: Como se sumariou, entre muitos outros, no acórdão deste TCAN nº 01507/13.5BEPRT, de 24-02-2017, “(…) À Instância recursiva apenas caberá sindicar e modificar o decidido quanto à factualidade dada como provada e não provada, caso verifique a ocorrência de erro de apreciação, suscetível de determinar a viciação da decisão final, mormente enquanto erro de julgamento, patente, ostensivo palmar ou manifesto. Relativamente à apreciação da matéria de facto, o tribunal deverá socorreu-se, do princípio da livre apreciação da prova produzida, para dar como assente e não assente, a materialidade controvertida, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 362.º e seguintes do Código Civil e 607.º, n.ºs 4 e 5, do atual Código de Processo Civil. Em sede de apreciação de recurso jurisdicional, o tribunal, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.” Já no acórdão, igualmente deste TCAN, de 12/10/2011, no Processo n.º 01559/05.1BEPRT, se havia referido que “(…) pese embora a maior amplitude conferida pela reforma de processo civil a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto a verdade é que, todavia, não se está perante um segundo julgamento de facto. O tribunal “ad quem” aprecia apenas os aspetos sob controvérsia e nem o tribunal de recurso naquele julgamento está colocado perante circunstâncias inteiramente idênticas àquelas em que esteve o tribunal “a quo” (…) É que, como aludimos supra, o tribunal “ad quem” não vai à procura duma nova convicção, não lhe sendo pedido que formule novo juízo fáctico e sua respetiva fundamentação. (…)” Efetivamente, “(…) o julgador deve proceder ao julgamento de facto selecionando da alegação feita pelas partes aquela realidade factual concreta tida por provada e necessária à apreciação da pretensão formulada à luz das várias e/ou possíveis soluções jurídicas da causa, não sendo de exigir a fixação ou a consideração de factualidade que se repute ou se afigure despicienda para e na economia do julgamento da causa, na certeza de que daquele juízo estarão sempre arredadas todas as alegações de direito e ou conclusões insertas nos articulados” (cfr. o Acórdão TCAN, de 25/11/2011, no Processo n.º 02389/10.4BELSB). Como se sumariou igualmente no Acórdão deste TCAN nº 692/09.5BEPNF, de 15-10-2015 “O princípio da livre apreciação das provas, contido no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjetiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência. Por força do princípio da imediação, a tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo. Da decisão da matéria de facto devem constar factos simples e não matéria conclusiva (somente sobre os primeiros, quando controvertidos, deve recair a produção de prova, já que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos). As conclusões de facto e de direito são efetuadas em julgamento pelo tribunal.” É pois patente que o tribunal a quo, em função de tudo quanto vem de se referir, se limitou a utilizar as ferramentas postas à sua disposição, para fixar a materialidade controvertida, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova aí produzida, nos termos dos artigos 366.º do Código Civil e 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, não se reconhecendo a existência de qualquer erro de julgamento, pelo menos, que seja patente, ostensivo ou manifesto, que impusesse a pretendida alteração da factualidade dada como provada ou que pudesse inverter o sentido do decidido. Vejamos mais em pormenor o invocado: - É questionado o facto de se ter considerado provado na sentença do tribunal a quo que, no então 4.º juízo criminal onde trabalhava a recorrente, se deslocava um oficial de justiça do 3.º juízo e que o 4.º juízo funcionava em igualdade de circunstâncias com os demais juízos criminais. Diverge a Recorrente do teor do referido facto, em virtude de considerar que haveria declarações suas em sentido divergente que não terão sido consideradas. Mais uma vez estamos perante afirmações meramente conclusivas, sem que seja demonstrado o invocado, ao que acresce que tal, em qualquer caso, não terá sido suficiente para inverter a convicção obtida pelo Tribunal. Surpreendentemente contesta ainda a Recorrente o facto de ter sido dado como provado que no dia 24/10/2012 a recorrente se tenha dirigido à casa de banho, tendo demorado mais tempo que o habitual, ignorando-se o facto de alegadamente aquela ter sentido fortes dores de cabeça. Em qualquer caso, a reserva invocada pela Recorrente face à matéria de prova fixada, mostra-se inócua para o desfecho da decisão. De facto, não seria pelo facto de a Recorrente ter tido dores de cabeça e de poder ter ido à casa de banho tomar um comprimido, que essa circunstancia teria determinado que se tivesse verificado um acidente em serviço. No que concerne à pretendida inclusão nos factos dados como provados da circunstância da Recorrente ser a única escrivã do 4.º juízo e que, desde setembro até ao dia 24/10/2012, era ela que realizava todos os julgamentos e fazia a preparação de todos os processos do referido juízo, nada de substancial traria ao desfecho da Ação, pois que sempre estaria por demonstrar o nexo de causalidade entre o referido facto e o AVC ocorrido, tanto mais que sendo ela supostamente a única escrivã na secção, não era, no entanto, a única funcionária que ali prestaria funções. Efetivamente, refira-se ainda que, de acordo com o relatório do Secretário de Justiça junto aos autos, aquele juízo era ainda composto, à data da ocorrência, por 1 escrivão de direito e 2 adjuntos, além do auxiliar que vinha do 3.º juízo para prestar apoio. Contesta ainda a Recorrente a circunstância de ter sido dado como provado que as condições a que esteve funcionalmente submetida seriam similares às existentes em outros juízos do tribunal, sem que tenha logrado demonstrar que a situação do seu juízo fosse significativa e relevantemente mais sobrecarregada do que a das restantes unidades orgânicas. É patente que a Recorrente pretende descontextualizar e evidenciar passagens do Relatório do Secretário de Justiça, que lhe pudessem aparentemente ser favoráveis, sendo que o referido Relatório em momento algum exceciona a sua situação relativamente à da generalidade do tribunal. Em face de tudo quanto supra se expendeu, não merece censura a prova dada como provada. Da oposição entre os fundamentos e a decisão e a ambiguidade, obscuridade e ininteligibilidade da sentença Invoca o Recorrente a verificação da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CCP, por alegadamente ocorrer contradição entre o decidido e os seus fundamentos, sendo ainda a decisão ambígua, obscura e ininteligível. Entre outros argumentos dispersos, afirma ainda a Recorrente conclusivamente que “o tribunal a quo tem sérias dúvidas […] relativamente à […] classificação como acidente de serviço”. Da leitura da decisão recorrida, em momento algum se descortina qualquer indecisão ou hesitação da decisão recorrida quanto à não classificação da situação clinica da Recorrente enquanto acidente de Serviço. Independentemente da situação de stress em que a Recorrente alegadamente poderia estar, em momento algum logrou a Recorrente estabelecer o nexo de causalidade dessa suposta situação e o AVC ocorrido. Em qualquer caso, o tribunal a quo, como lhe competia, em função da prova disponível, concluiu que a situação funcional da Recorrente não se mostrava significativamente divergente da de outros funcionários do mesmo tribunal, mormente com idêntica categoria, como resulta até do relatório do Secretário de Justiça. Aliás, o próprio tribunal a quo caracteriza com clareza que a causa do ocorrido terá sido a rutura no revestimento interior da carótida da recorrente, em conformidade com o relatório clínico do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, descartando que o AVC tenha sido consequente de uma qualquer situação funcional, não se descortinando a verificação de qualquer contradição entre fundamentos da decisão e o decidido, do mesmo modo que se não reconhece qualquer situação de ambiguidade, obscuridade ou ininteligibilidade. Do erro na aplicação do direito Invoca ainda o Recorrente que se verificará a nulidade da Sentença em decorrência de errada aplicação do direito. Com relevância para o que se dirá, importa transcrever algumas passagens do discorrido em 1ª instância: “Ante a inexistência de uma definição legal de acidente, o certo é que, quando falamos em evento relevante para a qualificação de acidente de trabalho/em serviço, referimo-nos (em concordância, aliás, com o que vem alegado pelas partes) a um evento naturalístico ou a uma causa exterior – estranha à constituição orgânica da vítima –, súbito (que atua num espaço de tempo breve) e que produza uma ação lesiva do corpo humano (cfr. Carlos Alegre, Acidentes de trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª ed., pp. 34 e segs. e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05/04/2018, proc. n.º 145/14.0TTBCL.G1, publicado em www.dgsi.pt). Trata-se, assim, de uma ocorrência anormal, em geral súbita, pelo menos de curta duração ou limitada, que acarreta uma lesão à integridade ou à saúde do corpo humano. Por outras palavras, e reconhecendo a complexidade e diversidade das causas dos acidentes de trabalho, tratar-se-á sempre de “um acontecimento não intencionalmente provocado, de caráter anormal, súbito e inesperado, gerador de consequências danosas no corpo ou na saúde, imputável ao trabalho, no exercício de uma atividade profissional, ou por ocasião do trabalho, de que é vitima um trabalhador” (cfr. acórdão do TR Guimarães de 05/04/2018” Mais se discorreu em 1ª instância que o “art.º 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, tem apenas o alcance de libertar os sinistrados da prova do nexo de causalidade entre o acidente e o dano físico ou psíquico reconhecido na sequência do evento infortunístico, não os libertando, todavia, do ónus de provarem a verificação do próprio evento causador das lesões”. Correspondentemente, afirmou finalmente o tribunal a quo que a recorrente “não logrou provar, como lhe competia, a ocorrência de um qualquer evento verificado por ocasião do trabalho ou com ele relacionado causador do AVC e das lesões e sequelas de que ficou portadora. Ou seja, a A. não logrou provar que o AVC e as lesões sofridas ocorreram por causa de intervenção exterior (evento súbito exterior ao lesado)”. Ao invés, afirmou a Recorrente, mais uma vez conclusivamente, que “provou que o AVC e as lesões sofridas ocorreram por causa de intervenção exterior (evento súbito exterior ao lesado)”. É incontornável e mostra-se atestado pela documentação clinica do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra constante dos Autos que o AVC em questão resultou de anomalia do revestimento interno de uma artéria, que se é certo que ocorreu durante o período laboral, não significa que tenha tido qualquer relação direta com o desempenho funcional da mesma. Em face de tudo quanto aqui se foi discorrendo, mais se ratificando todo o discurso fundamentador da decisão de 1ª instância, não se vislumbra que mereça censura a decisão recorrida. *** V - DECISÃODeste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida. Custas pela Recorrente Porto, 31 de maio de 2019 Ass. Frederico de Frias Macedo Branco Ass. Nuno Coutinho Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa |