Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00314/14.2BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/08/2022
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL, CONCURSO LVCR,
RI (REGULAMENTO DE INCENTIVOS À PRESTAÇÃO DE SERVIÇO MILITAR), INTERPRETAÇÃO DA LEI
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
GM... propôs acção administrativa especial contra a ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE, I.P., ambos melhor identificados nos autos.
Em face da decisão proferida sobre o articulado superveniente apresentado pelo Autor, o objecto do processo consiste em aferir da legalidade da decisão proferida em sede de recurso hierárquico que anulou parcialmente o acto de homologação por considerar ilegal a admissão do Autor ao concurso, no sentido último de, então, este ser abatido da lista final de ordenação homologada. Consiste, ainda, em aferir da (im)procedência do pedido condenatório primitivamente formulado pelo Autor no sentido de a Ré ser condenada “a repor a legalidade, praticando-se o acto administrativo devido, isto é, declarando-se em sede própria (as Listas unitárias de ordenação final) e para os devidos efeitos que o A. é detentor de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, tudo com inerentes consequências legais”.

Por sentença proferida pelo TAF de Mirandela foi julgada a acção
parcialmente procedente e, em consequência:
A) Anulada a decisão proferida pela Secretária-Geral do Ministério da Saúde [cf. item 11) do probatório];
B) Absolvida a Ré do pedido formulado pelo Autor no sentido de “repor a legalidade, praticando-se o acto administrativo devido, isto é, declarando-se em sede própria (as Listas unitárias de ordenação final) e para os devidos efeitos que o A. é detentor de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, tudo com inerentes consequências legais”.
Desta vem interposto recurso pelo Autor.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:
Vem o presente recurso interposto da d. Sentença que julgou “a presente

acção parcialmente procedente e, em consequência “decidiu o seguinte:
A) Anula-se a decisão proferida pela Secretária-Geral do Ministério da Saúde [cf. item 11) do probatório];

B) Absolve-se a Ré do pedido formulado pelo Autor no sentido de “repor a legalidade,

praticando-se o acto administrativo devido, isto é, declarando-se em sede própria (as Listas unitárias de ordenação final) e para os devidos efeitos que o A. é detentor de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, tudo com inerentes consequências legais”; e
C) Condena-se o Autor e a Ré, respectivamente, no pagamento de metade das custas processuais “ – sic.

Analisado o teor da d. Sentença recorrida, o recorrente entende que o Tribunal a quo ao decidir nesses termos, proferiu decisão que viola a Lei e consequentemente os seus direitos e os preceitos legais que os consagram.

Na d. Sentença recorrida o Tribunal a quo declarou como factos provados os acima transcritos, os quais, por questão de economia processual, se dão aqui por reproduzidos para os devidos efeitos legais.

O concurso aqui em causa foi aberto pelo Aviso 23038/2010, publicado na 2ª série do DR, nº 219, de 11 de Novembro de 2010, e dele consta o seguinte:
Procedimento concursal comum para recrutamento de trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, para o preenchimento de 90 postos de trabalho de assistente técnico, no âmbito regional do Mapa de Pessoal da Administração Regional de Saúde do Norte, I. P.
Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 6.º e no artigo 50.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, torna-se público que, por Deliberação do Conselho Directivo deste Instituto, de 22 de Julho de 2010, se encontra aberto procedimento concursal comum, pelo prazo de 15 dias úteis a contar da data da publicitação no Diário da República, tendo em vista o preenchimento de 90 postos de trabalho para a carreira de assistente técnico, na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, do Mapa de Pessoal da Administração Regional de Saúde do Norte, I. P., para os Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) referenciados no ponto 2 deste Aviso.
Para os efeitos do estipulado no n.º 1 do artigo 4.º e artigo 54.º da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de Janeiro, declara-se não estarem constituídas reservas de recrutamento próprias, presumindo-se igualmente a inexistência de reservas de recrutamento constituídas pela ECCRC, porquanto não foram ainda publicitados quer procedimentos nos termos dos artigos 41.º e seguintes daquela Portaria “ – sic, in https://dre.pt/home/-/dre/quaisq3024920/details/maximized

Independentemente da bondade da “fundamentação de direito” constante da d. Sentença recorrida, nomeadamente a quando da distinção entre as várias modalidades que um procedimento concursal comum para recrutamento de trabalhadores pode revestir, a verdade é que o recorrente não concorda com a tese que in casu, a final, acabou por vingar, ancorada na argumentação de que “ numa leitura actualista e conjugada com o espírito da LVCR, deve entender-se que no artigo 30º, nºs 1 e 2, do RI, se estabelece um direito de candidatura nos concursos externos limitados, mas sem que se possa considerar que são detentores de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, ao contrário do que defende o Autor, porquanto os militares em RC não se enquadram no espírito de controlo de encargos duradouros para o erário público “ – sic, a qual, pese embora ter sido repetida vezes em conta, não convence o recorrente de que in casu é a interpretação acertada e justa.

Tal como se diz na d. Sentença recorrida, e que se aceita, “quanto ao âmbito do

recrutamento, o ponto 5 do Aviso nº 23038/2010 dispõe o seguinte:Nos termos do nº 6, do artigo 6º, da Lei nº 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, do Despacho nº 1335/2009/SEAP, de 12 de Outubro de 2009, do Senhor Secretário de Estado da Administração Pública e do Despacho de concordância nº 748/09/MEF, de 14 de Outubro de 2009, do Senhor Ministro de Estado e das Finanças, só podem ser admitidos ao presente concurso os trabalhadores que tenham previamente constituída relação jurídica de emprego público, titulada por contrato de trabalho por tempo indeterminado ou por tempo determinado ou determinável, sendo que o recrutamento deve iniciar-se pelos candidatos detentores de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado e só em caso de impossibilidade de ocupação de todos ou alguns postos de trabalho poderá ser efectuado com recurso a trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo determinado ou determinável previamente estabelecida”. Mais se estipula, no ponto 5.2., alínea b), que constitui requisito especial de admissão a “detenção de relação jurídica de emprego público previamente constituída, por tempo indeterminado, determinado ou determinável”.

Ante o até aqui exposto, do quadro legal aplicável, bem como do regulamento concursal, resulta que, seja qual for o âmbito do recrutamento ou a modalidade concursal, existe sempre a obrigação de observar a regra da prioridade absoluta no recrutamento, isto é, de iniciar sempre o recrutamento pelos candidatos com vínculo prévio por tempo indeterminado, com especial primazia para aqueles que se encontram situação de mobilidade especial, em conformidade com os artigos 6º, nºs 4, 6 e 7, e 54º, nº 1, alínea d) da LVCR, conjugados com o artigo 37º, nº 1 da Portaria nº 83-A/2009. Independentemente do âmbito do recrutamento, essa prioridade absoluta no recrutamento reconhece o privilegiamento dos trabalhadores com vínculo prévio por tempo indeterminado que se apresentem a concurso, com especial prioridade para aqueles que se encontram em situação de mobilidade especial “ – sic.
Concorda-se com o Tribunal a quo quando pelo Mesmo é dito que, in casu, “importa, então, apreciar do sentido e alcance do artigo 30º do RI no caso em apreço, perante o que dispõe a LVCR. O artigo 30º do RI dispõe, no que mais releva, o seguinte:

1 - O militar em RC que tenha prestado serviço efectivo pelo período mínimo de cinco anos tem direito a candidatar-se aos concursos internos de ingresso nos serviços e organismos da administração central, regional e local, incluindo institutos públicos, nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos.
2 - Os cidadãos que preencham as condições do número anterior têm ainda direito a

candidatar-se, no prazo referido no nº 5 do presente artigo, aos concursos internos gerais de acesso para preenchimento da primeira categoria intermédia das carreiras, desde que tenham exercido funções na área funcional para a qual o concurso é aberto e possuam o tempo de serviço necessário para a promoção na respectiva categoria.
3 - Os cidadãos nas condições referidas no nº 1 têm direito de preferência, em caso de igualdade de classificação final, nos concursos externos abertos em qualquer dos serviços ou organismos da administração central, regional e local, incluindo os institutos públicos, nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos […] ” – sic.

Concorda-se também com o que é dito na d. Sentença recorrida, na sua

pág. 30, que “não houve qualquer revogação expressa ou tácita do artigo 30º do RI “, facto do qual é preciso tirar as devidas ilações, o que, com o respeito devido, não foi feito pelo Tribunal a quo. Daí que se estranhe o que depois se acabou por dizer na d. Sentença recorrida, numa clara inflexão do pensamento que até ali vinha sendo exposto pelo Tribunal a quo.

Na verdade, inexistindo revogação expressa ou tácita do preceito aqui em apreço – artº 30 do RI – o mesmo, à data do concurso, estava em vigor nos seus precisos, pelo que não se concebe e muito menos se aceita a alegação de que “ esta norma, após a entrada em vigor da LVCR, deve ser objecto de uma interpretação actualista, tendo em conta o espírito da nova regulação da disciplina do recrutamento de pessoal na Administração Pública “.

10ª Com o respeito devido, nada de mais errado, pois que a falta de revogação de uma Lei faz com que a mesma continue a vigorar e a produzir os seus efeitos.

Vejamos:

11ª Desde o dia 1 de Janeiro de 2009, por força da entrada em vigor da Lei 12A/2008, de 27 de Fevereiro, que veio estabelecer o novo regime de vínculos, carreiras e remunerações dos trabalhadores no exercício de funções públicas (LVCR), as normas que regulavam o recrutamento para os serviços e organismos da Administração Pública, bem como a tramitação dos procedimentos concursais necessários à sua efectivação, sofreram profundas alterações.

12ª Assim, as figuras dos concursos públicos externos ou internos e, dentro destes, de ingresso ou gerais de acesso, por força da LVCR, cessaram a sua existência no ordenamento jurídico português por via da sua revogação expressa, nos termos da alínea ap) do artº 116, com a revogação do DL 204/98, de 11 de Julho, dando lugar à figura do procedimento concursal comum para ocupação de postos de trabalho previstos, e não ocupados, dos serviços e organismos da Administração
Pública, cuja tramitação consta da Portaria nº 83-A/2009, de 22 de Janeiro.

13ª Tal não significa porém, antes pelo contrário, que se possa considerar o nº 1 do artº 30 do RI derrogado, ainda que tacitamente.

14ª É que, a Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro (LVCR), não revogou o artº 30 do DL 320-A/2000, de 15 de Dezembro, tal qual o fez com diversas normas e diplomas legais. A este propósito veja-se o artº 116 da LVCR do qual consta que se revogaram quarenta ( 40 !! ) diplomas, mas não o aqui em pareço e que in casu tem aplicação.

15ª É que, perante tanta “abundância” revogatória, dúvidas não subsistem de que se o legislador quisesse revogar o RI, ou apenas o seu artº 30, tê-lo-ia feito e de forma clara.

16ª A ser assim, como de facto é, dizer-se como se diz na d. Sentença

recorrida que “ numa leitura actualista e conjugada com o espírito da LVCR, deve entender-se que no artigo 30º, nºs 1 e 2, do RI, se estabelece um direito de candidatura nos concursos externos limitados, mas sem que se possa considerar que são detentores de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, ao contrário do que defende o Autor, porquanto os militares em RC não se enquadram no espírito de controlo de encargos duradouros para o erário público “ é algo que não tem qualquer
fundamento legal, sendo por isso uma interpretação que viola a própria Lei que o Tribunal a quo invoca, violação que aqui se alega para todos os efeitos legais.

17ª Reiterando-se aqui que a Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro (LVCR), não revogou o artº 30 do DL 320-A/2000, de 15 de Dezembro, dizemos que a alegada e concretizada interpretação restritiva que deste fez o Tribunal a quo é ilegal e sem qualquer fundamento que a sustente, dado que, a única interpretação coerente do sistema jurídico em vigor é aplicar a norma que se encontrava à data em vigor.

18ª Isto é, o intérprete estava / está obrigado a concretizar uma interpretação conforme à letra e ao espírito da norma em causa, aplicando-a. Ao não o fazer, o Tribunal a quo incorreu em violação de Lei, o que aqui se invoca para todos os efeitos legais.

19ª É sabido e pacificamente aceite que, no direito presume-se que o legislador soube expressar correctamente a sua vontade, sendo que, onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir, tal qual consagra o artº 9, nº 3, do Código Civil, preceito que tem ínsito princípio basilar do direito que a d. Sentença recorrida violou, o que aqui se invoca para todos os efeitos legais.

20ª Assim sendo, a prerrogativa dos militares se candidatarem aos concursos públicos internos de ingresso mantém-se, valendo à data do concurso aqui em causa para os procedimentos concursais comuns para constituição de relação jurídica por tempo indeterminado em que, nos termos do nº 4 do artº 6 da LVCR, seja exigida uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida.

21ª Haverá pois que considerar que a ficção jurídica prevista legalmente e que permitia aos militares serem opositores a concursos públicos internos de ingresso, existia à data do concurso aqui em causa e permite que os militares em RC, como o ora recorrente, desde que cumpridas as condições legais, previstas no artº 30, possam continuar a ser opositores aos procedimentos concursais comuns apontados, considerando-se que, apenas para efeitos de candidatura, possuam a qualidade de titulares de relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado. E, quando se fala para efeitos de candidatura, obviamente que se inclui o eventual ingresso numa carreira da Administração Pública. Trata-se, evidentemente, do direito de concorrer e ser admitido ou colocado caso tenha sido seleccionado e ficado em lugar a preencher.

22ª E, não se diga que existe contradição no que se acabou de referir com a LVCR, nomeadamente com o disposto no nº 11 do artº 117 da LVCR e até com o que estipula o artº 86 da LVCR.

23ª É que, o incentivo previsto no artº 30 do RI consta, em primeira linha, da alínea f) do artº 54 da Lei do Serviço Militar (aprovada pela Lei 174/1999, de 21 de Setembro, e alterada pela Lei Orgânica 1/2008, de 6 de Maio ) e não poderia nunca considerar-se como revogado até que seja alterado o regime contratual dos militares em regime de voluntariado ( RV ) e RC. Sem descurar, obviamente, o já supra referido, isto é, o disposto no artº 116 da LVCR onde, expressamente, consta a lista de diplomas expressamente revogados.

24ª Daí que, o recorrente mantenha aqui que se impõe rectificar as listas unitárias de ordenação final, com inerentes consequências legais, sob pena de violação do princípio da igualdade e da não discriminação consagrados na Constituição da República Portuguesa, o que aqui se alega e por esta via se requer seja feito para todos os efeitos legais.

25ª Face à legislação aplicável ao presente concurso – cf. Aviso 23038/2010, de 11 de Novembro, ponto 3, ao não se atender à situação concreta do recorrente, isto é, ao facto deste ser detentor de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, estamos perante notória violação de Lei, o que aqui se invoca para todos os efeitos legais.

26ª Ao arredar a aplicação do artº 30 do RI ao caso em apreço, o Tribunal a quo violou a Lei, os preceitos acima referidos e o princípio supra invocado, o que urge e pode ser reparado por este Venerando Tribunal, o que por esta via se requer.

27ª Pelo que, inexistindo qualquer fundamento válido e muito menos fundamento legal para o Tribunal a quo ter decidido (apenas) a procedência parcial da acção, impõe-se a revogação da d. Sentença recorrida, por outra que julgue aquela totalmente procedente, como é de

JUSTIÇA!

Não foram juntas contra-alegações.

O Senhor Procurador Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1) Em 22-07-2010, o Conselho Directivo da Ré deliberou proceder à abertura de um procedimento concursal comum para recrutamento de trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, para o preenchimento de 90 postos de trabalho de assistente técnico, no âmbito regional do Mapa de Pessoal da Administração Regional de Saúde do Norte, I. P. [cf. Diário da República, 2.ª série — Nº 219 — 11 de Novembro de 2010].

2) Em 11-11-2010, através do Aviso nº 23038/2010, foi publicitada a abertura do procedimento concursal comum referido no item anterior, o qual tinha em vista o recrutamento para o exercício de funções nas instalações que integram os ACES da ARS Norte, I.P., de acordo com as referências identificadas no mapa constante do ponto 2 do referido Aviso [cf. Diário da República, 2.ª série — Nº 219 — 11 de Novembro de 2010].

3) O Autor apresentou a sua candidatura aos locais de trabalho referidos no item anterior com as referências A, C, D, E, F e G [cf. fls. 30 e anteriores do PA].

4) O Autor prestou serviço militar efectivo em regime de contrato no Exército, tendo sido incorporado em 03-04-2000, iniciado o vínculo contratual em 0308-2001 e passado à situação de disponibilidade em 03-02-2010 [cf. fls. 25 do PA].

5) O Autor desempenhou funções que integram o conteúdo funcional da carreira de Assistente Técnico de 04-11-2008 até 02-02-2010 [cf. fls. 25 do PA].

6) Em 11-06-2013, o júri do concurso elaborou o projecto de listas unitárias de ordenação final, nas quais o Autor constava como admitido e graduado nas referências A, C, D, E, F e G, no entanto, sem que lhe tenha sido reconhecido o estatuto de detentor de prévia relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado [cf. fls. 117 e anteriores do PA].

7) Em 19-02-2014, o júri do concurso elaborou as listas unitárias de ordenação final, nas quais o Autor constava como admitido e graduado nas referências A, C, D, E, F e G, no entanto, sem que lhe tenha sido reconhecido o estatuto de detentor de prévia relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado [cf. fls. 141 e anteriores do PA].

8) Em 11-04-2014, as listas unitárias de ordenação final foram publicitadas em Diário da República, nos seguintes termos:


[imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]”

[cf. Diário da República, 2.ª série — Nº 72].

9) Em 24-03-2014, o Conselho Directivo da Ré deliberou homologar as listas unitárias de ordenação final referidas no item anterior [cf. fls. 141 do PA].

10) Em 06-05-2014, o Autor apresentou requerimento de interposição de recurso hierárquico, peticionando, a final, a revogação da deliberação referida no item anterior e a substituição por outra que contemplasse a pretensão de que fosse determinado que o Autor era detentor de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado [cf. fls. 156 e anteriores do PA].

11) Em 02-12-2014, a Secretária-Geral do Ministério da Saúde proferiu decisão de concordância com o parecer nº 187/2014, do qual consta, entre o mais, o seguinte:



[imagem que aqui se dá por reproduzida]

[cf. fls. 73 e ss. do processo físico]

12) Em 05-12-2014, o Autor recepcionou o ofício de notificação da decisão referida no item anterior [cf. fls. 72 e ss. do processo físico].

DE DIREITO

Atente-se no discurso fundamentador da sentença:
Considerando o quadro factual antecedente, cumpre, de seguida, repousar sobre as questões a solucionar, em conformidade com o thema decidendum, o qual consiste em aferir, primeiramente, da legalidade da decisão proferida em sede de recurso hierárquico que anulou parcialmente o acto de homologação por considerar ilegal a admissão do Autor ao concurso, no sentido último de, então, este ser abatido da lista final de ordenação homologada. Consiste, ainda, em aferir da (im)procedência do pedido condenatório primitivamente formulado pelo Autor no sentido de a Ré ser condenada “a repor a legalidade, praticando-se o acto administrativo devido, isto é, declarando-se em sede própria (as Listas unitárias de ordenação final) e para os devidos efeitos que o A. é detentor de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, tudo com inerentes consequências legais”.

Ressuma do quadro fáctico aplicável que, em 11-11-2010, através do Aviso nº 23038/2010, foi publicitada a abertura do procedimento concursal comum que tinha em vista o recrutamento para o exercício de funções nas instalações que integram os ACES da ARS Norte, I.P., de acordo com as referências identificadas no mapa constante do ponto 2 do referido Aviso [cf. itens 1) e 2) do probatório]. Nesse contexto, o Autor apresentou a sua candidatura aos locais de trabalho referidos no ponto 2 do referido
Aviso com as referências A, C, D, E, F e G [cf. item 3) do probatório]. Também resulta provado que o Autor prestou serviço militar efectivo em regime de contrato no Exército, tendo sido incorporado em 03-04-2000, iniciado o vínculo contratual em 03-08-2001 e passado à situação de disponibilidade em 03-02-2010, como também que o Autor desempenhou funções que integram o conteúdo funcional da carreira de Assistente Técnico de 04-11-2008 até 02-02-2010 [cf. itens 4) e 5) do probatório].

Nas listas unitárias de ordenação final o Autor constava como admitido e graduado nas referências A, C, D, E, F e G, no entanto, sem que lhe tenha sido reconhecido o estatuto de detentor de prévia relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado [cf. itens 6) a 8) do probatório].

Mais do que isso, atento também o actual objecto do processo, o Autor discorda da decisão proferida em sede de recurso hierárquico que anulou parcialmente o acto de homologação por considerar ilegal a admissão do Autor ao concurso, no sentido último de, então, este ser abatido da lista final de ordenação homologada [cf. itens 9) a 12) do probatório].

O Autor, em suma, entende que deve ser considerado, no âmbito do procedimento concursal comum em causa nos autos, detentor de relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado e ordenado, a final, nessa qualidade. Em síntese, o Autor invoca, para o efeito, mormente, a alínea f) do artigo 54º da Lei do Serviço Militar (LSM) e o artigo 30º do Decreto-Lei nº 320-A/2000, de 15 de Dezembro (RI). Invoca ainda o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP, bem como o artigo 47º da CRP, bem como “os mais elementares princípios com consagração constitucional, nomeadamente os princípios da legalidade, da igualdade, da transparência, da oportunidade, ..., entre outros princípios e preceitos legais aplicáveis”.

Vejamos se lhe assiste razão.

Considerando a deliberação de abertura do procedimento concursal [cf. item 1) do probatório], é aplicável, no geral, a Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que aprovou a Lei dos Vínculos, Carreiras e Remunerações na função pública (LVCR) e a Portaria nº 83-A/2009, de 22 de Janeiro, na sua redacção originária (cf. artigo 2º da Portaria nº 145A/2011, de 6 de Abril). Em especial, cumpre atender, ainda, ao disposto no artigo 23º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril (LOE 2010), o qual se encontra intimamente relacionado com o artigo 6º da LVCR, de capital importância para o caso concreto.

Em particular, é também aplicável, na decorrência da alínea f) do artigo 54º da LSM, o artigo 30º do RI, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 320/2007, de 27 de Setembro.

Pois bem, o recrutamento tem início na decisão relativa à verificação dos pressupostos legais de que depende a decisão de abertura do procedimento, culminando na constituição da relação jurídica de emprego público, materializada na celebração de contrato ou na prática de acto de nomeação ou designação em comissão de serviço. No caso em apreço, por se tratar de um recrutamento para a celebração de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado (cf. ponto 1 do Aviso nº 23038/2010), o enfoque da nossa análise estará neste tipo de vínculo.

No que pertence ao âmbito do recrutamento, se em causa estiver a constituição de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, o recrutamento é, por princípio, interno (cf. nºs 3 a 7 do artigo 6º da LVCR e artigo 5º da Portaria nº 83A/2009). Na lógica da LVCR, em regra, o recrutamento é efectuado in house, dado que podem apenas apresentar-se a concurso aqueles que já forem trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, com particular primazia para os trabalhadores em situação de mobilidade especial, de harmonia com os artigos 6º, nº 4, 50º, nº 2, e 54º, nº 1, alínea d), da LVCR (cf. Paulo Veiga e Moura/Cátia Arrimar, Os novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores da Administração Pública, Coimbra Editora: Coimbra, 2010, p. 31). Assim, por regra, o concurso é um concurso interno.

Porém, conforme dispõe o artigo 6º, nºs 6 e 7, da LVCR, em caso de impossibilidade de ocupação de todos ou de alguns postos de trabalho de entre os trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida, o órgão ou serviço, obtido parecer favorável dos membros do Governo responsáveis pelas finanças e pela Administração Pública, pode proceder ao recrutamento de trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo determinado ou determinável ou sem relação jurídica de emprego público previamente estabelecida. Assim, nesse condicionalismo, supletivamente, pode abrir-se esse concurso externo.

Sem embargo, note-se que, desde que também precedido de parecer favorável, nada obsta a que o procedimento seja ab initio simultaneamente aberto a trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida e a trabalhadores públicos com vínculo a termo ou mesmo até a qualquer cidadão (cf., em sentido semelhante, Paulo Veiga e Moura/Cátia Arrimar, op. cit., pp. 2829). Assim é porque “a celeridade, a economia e a eficiência das suas decisões são parâmetros em função dos quais a Administração deve pautar o seu poder de conformação do procedimento administrativo” (Mário Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo – comentado, Almedina: Coimbra, 1997, p. 132) Veja-se, ainda, mormente, que o princípio da eficiência se encontra vazado no artigo 54º, nº 1, da LVCR, que estabelece que o procedimento concursal é simplificado e urgente, a que acrescem muitas outras manifestações na Portaria nº 83-A/2009 do ímpeto dos princípios da celeridade, economia e eficiência (v.g., a celeridade na realização dos métodos de selecção ou a prevalência do exercício das funções de jurado, observada no artigo 24º, nº 1, da Portaria nº 83-A/2009). . Assim, desde que haja autorização fundamentada em razões de eficiência, o concurso pode ser, desde o início, um concurso externo amplo e plenamente aberto, embora, como veremos melhor adiante, sempre sem prejuízo da prioridade absoluta dos sujeitos com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida que se candidatem.

Por seu turno, de acordo com o artigo 6º, nº 6, da LVCR, “[e]m caso de impossibilidade de ocupação de todos ou de alguns postos de trabalho por aplicação do disposto nos números anteriores, o órgão ou serviço, precedendo parecer favorável dos membros do Governo responsáveis pelas finanças e pela Administração Pública, pode proceder ao recrutamento de trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo determinado ou determinável ou sem relação jurídica de emprego público previamente estabelecida”. Assim, da antecedente conjunção disjuntiva “ou” depreende-se que o concurso externo pode ser feito apenas de entre os trabalhadores com vínculo prévio, independentemente da sua
determinabilidade, o que é corroborado pelo artigo 19º, nº 3, alínea f), da Portaria nº 83A/2009, que obriga à indicação da determinabilidade da relação jurídica de emprego público quando ao concurso apenas de possam candidatar sujeitos com vínculo previamente estabelecido.

Assim, o concurso pode ser também um concurso externo limitado a trabalhadores com vínculo prévio, seja este indeterminado, determinado ou determinável (a que chamaremos apenas de concurso externo limitado). Em todo o caso, importa ter bem por perto que tudo isso acontece sempre sem prejuízo da prioridade absoluta dos candidatos com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida que se candidatem.

Foi o que sucedeu no caso sub judice. Quanto ao âmbito do recrutamento, o ponto

5 do Aviso nº 23038/2010 dispõe o seguinte: “Nos termos do nº 6, do artigo 6º, da Lei nº 12 A/2008, de 27 de Fevereiro, do Despacho nº 1335/2009/SEAP, de 12 de Outubro de 2009, do Senhor Secretário de Estado da Administração Pública e do Despacho de concordância nº 748/09/MEF, de 14 de Outubro de 2009, do Senhor Ministro de Estado e das Finanças, só podem ser admitidos ao presente concurso os trabalhadores que tenham previamente constituída relação jurídica de emprego público, titulada por contrato de trabalho por tempo indeterminado ou por tempo determinado ou determinável, sendo que o recrutamento deve iniciar-se pelos candidatos detentores de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado e só em caso de impossibilidade de ocupação de todos ou alguns postos de trabalho poderá ser efectuado com recurso a trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo determinado ou determinável previamente estabelecida”. Mais se estipula, no ponto 5.2., alínea b), que constitui requisito especial de admissão a “[d]etenção de relação jurídica de emprego público previamente constituída, por tempo indeterminado, determinado ou determinável”.

Ante o até aqui exposto, do quadro legal aplicável, bem como do regulamento concursal, resulta que, seja qual for o âmbito do recrutamento ou a modalidade concursal, existe sempre a obrigação de observar a regra da prioridade absoluta no recrutamento, isto é, de iniciar sempre o recrutamento pelos candidatos com vínculo prévio por tempo indeterminado, com especial primazia para aqueles que se encontram situação de mobilidade especial, em conformidade com os artigos 6º, nºs 4, 6 e 7, e 54º, nº 1, alínea d) da LVCR, conjugados com o artigo 37º, nº 1 da Portaria nº 83-A/2009. Independentemente do âmbito do recrutamento, essa prioridade absoluta no recrutamento reconhece o privilegiamento dos trabalhadores com vínculo prévio por tempo indeterminado que se apresentem a concurso, com especial prioridade para aqueles que se encontram em situação de mobilidade especial (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 23-10-2014, proc. nº 10642/13; e Miguel Lucas Pires, Os regimes de vinculação e a extinção das relações jurídicas dos trabalhadores da Administração Pública – Como e em que termos são lícitos os denominados «despedimentos na função pública», Almedina: Coimbra, 2013, pp. 30 e ss.).

Sublinhe-se, desde já, que a ratio dessa prioridade absoluta no recrutamento é a contenção de despesa pública duradoura por via do controlo dos recursos humanos da Administração Pública. A prioridade no recrutamento tem por fundamento a redução da despesa duradoura, pontificada como predicado das políticas públicas (cf. Paulo Veiga e Moura/Cátia Arrimar, op. cit., p. 32; Miguel Lucas Pires, op. cit., p. 33; Ana Neves, O Recrutamento do Trabalhador Público, Provedor de Justiça – Divisão de Documentação, 2013, p. 24).

Aqui chegados, importa, então, apreciar do sentido e alcance do artigo 30º do RI no caso em apreço, perante o que dispõe a LVCR.

O artigo 30º do RI dispõe, no que mais releva, o seguinte:

1 - O militar em RC que tenha prestado serviço efectivo pelo período mínimo de cinco anos tem direito a candidatar-se aos concursos internos de ingresso nos serviços e organismos da administração central, regional e local, incluindo institutos públicos, nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos.
2 - Os cidadãos que preencham as condições do número anterior têm ainda direito a candidatar-se, no prazo referido no nº 5 do presente artigo, aos concursos internos gerais de acesso para preenchimento da primeira categoria intermédia das carreiras, desde que tenham exercido funções na área funcional para a qual o concurso é aberto e possuam o tempo de serviço necessário para a promoção na respectiva categoria.

3 - Os cidadãos nas condições referidas no nº 1 têm direito de preferência, em caso de igualdade de classificação final, nos concursos externos abertos em qualquer dos serviços ou organismos da administração central, regional e local, incluindo os institutos públicos, nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos […]”.

Porém, argumenta a Ré, em contraposição ao Autor, que o artigo 116º da LVCR revogou todas as disposições contrárias à LVCR, designadamente, as normas invocadas pelo Autor, pelo que resulta do antedito preceito legal que ocorreu, com a LVCR, uma ruptura com o direito anterior e as “especificidades” deste ou daquele grupo profissional.

Contudo, em bom rigor, não houve qualquer revogação expressa ou tácita do artigo 30º do RI. O que acontece é que esta norma, após a entrada em vigor da LVCR, deve ser objecto de uma interpretação actualista, tendo em conta o espírito da nova regulação da disciplina do recrutamento de pessoal na Administração Pública. E esse espírito é o da priorização absoluta dos trabalhadores com prévia relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, visando o objectivo de redução da despesa duradoura, que marcou singularmente a época coeva aos factos do presente caso, conforme resulta do artigo 6º da LVCR, bem como da legislação de contenção orçamental (v.g. a já citada LOE2010, bem como o espírito das que se seguiram nos anos seguintes e também, designadamente, o espírito das medidas de redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento, aprovados, nomeadamente, pela Lei nº 12-A/2010, de 30 de Junho).

Essa interpretação actualista impõe-se também porque as expressões normativas contidas no artigo 30º do RI reportam-se à legislação anterior à LVCR. Com efeito, os concursos internos de ingresso, concursos internos gerais de acesso e concursos externos, presentes na letra do artigo 30º do RI, são figuras que recuam ao Decreto-Lei nº 204/98, de 11 de Julho, e que não têm total correspondência na lógica da LVCR. Na terminologia da legislação anterior, basicamente, o concurso era interno quando podiam participar os trabalhadores previamente vinculados à Administração Pública, independentemente da modalidade do vínculo, e era externo quando podiam candidatar-se todos os indivíduos que reunissem as condições legalmente exigidas para o efeito (cf. artigo 6º do Decreto Lei nº 204/98).

Desse modo, não pode o artigo 30º do RI continuar a ter exactamente a mesma significação e alcance que tinha, impondo-se que, face à aprovação da LVCR, seja objecto de uma interpretação actualizada em função do já aludido espírito que presidiu à LVCR e também a toda a legislação orçamental que se seguiu.

Desse passo, relembrando o enquadramento jurídico inicialmente gizado por referência à LVCR, o concurso interno passou a significar um concurso limitado aos trabalhadores com prévia relação jurídica de emprego por tempo indeterminado [cf. artigos 6º, nº 4, 50º, nº 2, e 54º, nº 1, alínea d), da LVCR], ao passo que o concurso externo passou a constituir um concurso aberto também a outros candidatos que não possuíssem esse prévio vínculo de emprego público por tempo indeterminado [cf. artigos 6º, nºs 6 e 7, 50º, nº 2, e 54º, nº 1, alínea d), da LVCR] – cf., adoptando uma terminologia similar, Ana Neves, op. cit., pp. 24-25.

Não obstante, dentro dos concursos externos, estes podem ser concursos externos limitados, isto é, limitados aos trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida e aos trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo determinado ou determinável previamente estabelecida, sem prejuízo da prioridade absoluta dos primeiros [cf. artigos 6º, nºs 4, 6 e 7, 50º, nº 2, e 54º, nº 1, alínea d), da LVCR]. Havendo parecer favorável das autoridades competentes, o âmbito de recrutamento pode ser alargado por forma a admitir a todos e quaisquer candidatos ou, em alternativa, por forma a admitir apenas a candidatura dos trabalhadores possuidores de prévia relação jurídica de emprego público, seja por tempo indeterminado, determinado ou determinável (cf. artigo 6º, nº 6, da LVCR).

Ou seja, na lógica da LVCR, os concursos que, por regra, devem ser internos

(circunscritos aos trabalhadores com prévia relação jurídica de emprego por tempo indeterminado), podem, no entanto, mediante parecer favorável das autoridades competentes, passar a tramitar como concursos externos limitados ou amplos. Repita-se: sem prejuízo da regra da prioridade absoluta no recrutamento, isto é, de se iniciar sempre o recrutamento pelos candidatos com vínculo prévio por tempo indeterminado, com especial primazia para aqueles que se encontram situação de mobilidade especial, em conformidade com os artigos 6º, nº 4, 50º, nº 2, e 54º, nº 1, alínea d), da LVCR.

Isto posto, seja qual for o âmbito ou modalidade do recrutamento, não se pode prejudicar as normas que seriam aplicáveis aos concursos internos, caso tivesse estritamente lugar. O procedimento concursal deve tramitar sempre com observância da prioridade absoluta dos trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida que se candidatem, nos termos dos artigos 6º, nº 4, 50º, nº 2, e 54º, nº 1, alínea d), da LVCR. Seja qual for o âmbito ou modalidade do recrutamento, os trabalhadores com prévia relação jurídica de emprego por tempo indeterminado, atenta a prioridade absoluta no recrutamento, formam sempre um bloco competitivo à parte, pelo que, desde que não sejam reprovados (cf. artigo 18º, nº 13, da Portaria nº 83-A/2009), são ordenados em vantagem face aos demais candidatos sem prioridade, isto é, aos candidatos sem relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado.

Perante o exposto, após a aprovação da LVCR, o significado de concurso interno e de concurso externo passou a ser diferente e com diversas variantes. Pelo que é à luz deste novo significado que o artigo 30º do RI tem de ser interpretado.

Como já dissemos, com a LVCR aflorou significativamente o princípio do controlo do número de trabalhadores e da inerente despesa pública com vista à gestão racional dos recursos humanos da Administração Pública. Nessa sequência, o instituto do concurso interno passou a ter um significado mais restrito do que tinha no Decreto Lei nº 204/98, tendo em conta a precedência legal consagrada na LVCR do concurso interno, com fundamento na prioridade absoluta do recrutamento dos trabalhadores com prévia relação jurídica por tempo indeterminado. Se, sem que antes seja confirmada a efectiva impossibilidade ocupação dos postos de trabalho por trabalhadores com prévia relação jurídica por tempo indeterminado, for imediatamente aberto um concurso externo, neste caso, nunca pode sair prejudicada a prioridade absoluta e exclusiva dos trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida que se candidatem, nos termos dos artigos 6º, nº 4, 50º, nº 2, e 54º, nº 1, alínea d), da LVCR.

Nessa sequência, quando a lei estabelece uma precedência absoluta do concurso interno, ao qual se podem candidatar apenas os trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida, tudo isto por razões de controlo da despesa pública duradoura, não se pode defender que os militares em RC estejam enquadrados nesse espírito da LVCR, devendo os nºs 1 e 2 do artigo 30º do RI ser interpretados restritivamente no sentido de os militares em RC que preencham os demais requisitos previstos nesse último normativo não podem candidatar-se aos concursos internos.

O artigo 30º do RI, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 320/2007, foi desenhado à luz da terminologia do Decreto-Lei nº 204/98, no qual o concurso interno não tinha o sentido restritivo que passou a ter com a entrada em vigor da LVCR, pois o concurso interno previsto naquele Decreto-Lei nº 204/98 abrangia todos os trabalhadores públicos independentemente da modalidade do vínculo. Com a LVCR, o concurso interno, assente na prioridade absoluta do recrutamento de trabalhador com prévia relação jurídica por tempo indeterminado, por razões de controlo da despesa pública duradoura, passou a restringir-se ao recrutamento desses trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida.

Assim sendo, uma vez que a prioridade absoluta trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida se funda no controlo de encargos duradouros para o erário público, a LVCR obriga a uma interpretação restritiva no sentido de que os militares em RC não podem candidatar-se a concursos internos e, por outro lado, não gozam daquela prioridade absoluta no recrutamento quando, sem que antes seja confirmada a efectiva impossibilidade ocupação dos postos de trabalho por trabalhadores com prévia relação jurídica por tempo indeterminado, for imediatamente aberto um concurso externo.

Essa interpretação restritiva, que se impõe, deixa os militares em RC de fora do âmago da razão de ser dos artigos 6º, nº 4, 50º, nº 2, e 54º, nº 1, alínea d), da LVCR, sobrevivendo apenas à entrada em vigor da LVCR a possibilidade de se candidatarem aos concursos externos limitados, mesmo assim, sem lhes assistir a prioridade absoluta no recrutamento que a lei confere apenas para os trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida que se apresentem a concurso. Interpretando, então, restritivamente o artigo 30º do RI à luz do artigo 6º da LVCR, conclui-se que os militares em RC que tenham prestado serviço efectivo pelo período mínimo de cinco anos, embora na qualidade de candidatos sem vínculo prévio à Administração Pública, mantiveram apenas a especial prerrogativa legal de se candidatarem aos concursos externos limitados, pois são os únicos que podem ter manter a correspondência no artigo 30º do RI, sem ferirem a prioridade absoluta do recrutamento de trabalhador com prévia relação jurídica por tempo indeterminado, fundada na ratio do controlo de encargos duradouros para o erário público, que se encontra prevista nos artigos 6º, nº 4, 50º, nº 2, e 54º, nº 1, alínea d), da LVCR.

No mais, nos concursos externos, sejam eles limitados ou amplos, os militares em RC que tenham prestado serviço efectivo pelo período mínimo de cinco anos, mantêm os direitos de preferência legalmente prescritos, nomeadamente, em caso de igualdade na classificação final, nos trâmites do artigo 30º, nº 3, do RI.

Enfim, o artigo 30º, nºs 1 e 2, do RI, não estabelece qualquer prioridade no recrutamento para os militares que reúnam as condições subjectivas ali previstas. E o nº 3 do artigo 30º do RI estipula apenas um direito de preferência accionável quando haja alargamento do âmbito do recrutamento para além da regra do concurso interno previsto no artigo 6º, nº 4, da LVCR, e apenas nos casos de e igualdade de classificação final.

Ou seja, numa leitura actualista e conjugada com o espírito da LVCR, deve entender-se que no artigo 30º, nºs 1 e 2, do RI, se estabelece um direito de candidatura nos concursos externos limitados, mas sem que se possa considerar que são detentores de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, ao contrário do que defende o Autor, porquanto os militares em RC não se enquadram no espírito de controlo de encargos duradouros para o erário público.

Em suma, se antes da LVCR os militares em RC que tivessem prestado serviço efectivo pelo período mínimo de cinco anos podiam candidatar-se aos concursos circunscritos aos trabalhadores públicos independentemente da natureza do vínculo, a partir da LVCR, considerando o imperativo absoluto do controlo de encargos duradouros para o erário público, deve entender-se que aqueles militares em RC só podem considerar-se habilitados a concorrer aos concursos que não sejam internos, por força de uma interpretação restritiva imposta pelos artigos 6º, nº 4, 50º, nº 2, e 54º, nº 1, alínea d), da LVCR. Como tal, quando o concurso seja externo (limitado ou amplo), os militares em RC, embora se possam candidatar, não gozam das prerrogativas de prioridade no recrutamento que a lei só estabelece em favor dos candidatos com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida.

Portanto, no caso concreto, os únicos candidatos que se deviam considerar priorizados eram os que detinham uma efectiva relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado. O Autor devia ter sido admitido ao concurso e graduado em função do mérito demonstrado nos métodos de selecção realizados – como foi inicialmente – e apenas lhe seria lídimo invocar a preferência prevista no artigo 30º, nº 3, do RI, se fosse o caso de se encontrar em situação de igualdade na classificação com os detentores de vínculo a termo certo ou incerto – mas nem sequer aconteceu. Nunca poderia era ser colocado em pé de igualdade com os detentores de relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, porquanto os militares em RC não se enquadram no espírito de controlo de encargos duradouros para o erário público, previsto, mormente, nos artigos 6º, nº 4, 50º, nº 2, e 54º, nº 1, alínea d), da LVCR.

Perante tudo o que antecede, a conclusão a retirar quando ao pedido de declaração de invalidade da decisão proferida em sede de recurso hierárquico tem de ser julgado procedente. No entanto, o pedido condenatório formulado pelo Autor tem de ser julgado improcedente.

Com efeito, a decisão proferida em sede de recurso hierárquico determinou ilegalmente a exclusão do Autor do concurso, violando o artigo 30º, nºs 1 e 2, do RI, dado que, numa leitura actualista e conjugada com o espírito da LVCR, deve entender-se que o artigo 30º, nºs 1 e 2, do RI, estabelece um direito de candidatura nos concursos externos limitados, como era o caso.

No entanto, o pedido condenatório há-de soçobrar, uma vez que a situação do Autor não se enquadrava no artigo 30º, nºs 1 e 2, do RI, lido à luz dos artigos 6º, nº 4, 50º, nº 2, e 54º, nº 1, alínea d), da LVCR, atento o espírito de controlo de encargos duradouros para o erário público, que era apenas aplicável aos candidatos com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado que se apresentaram a concurso.

E não existe qualquer violação do princípio da igualdade na conclusão que se acaba de firmar.

O princípio da igualdade estabelece que, no âmbito do exercício da função administrativa, se devem produzir efeitos iguais quando as situações sejam iguais (cf. artigos 13º e 266º, nº 2, da CRP, e artigo 5º do CPA). Isto é, quando o caso concreto tiver um caso comparável, susceptível de gerar um juízo de analogia entre eles, daí decorre que a imposição de criar direito igual (efeito da norma) afasta as alternativas que conduzam à consequência contrária (cf. David Duarte, “A discricionariedade administrativa e a competência (sobre a função administrativa) do Provedor de Justiça”, in O Provedor de Justiça – Novos Estudos, 2008, p. 61).

É a lei, que, nos artigos 6º, nº 4, 50º, nº 2, e 54º, nº 1, alínea d), da LVCR, obriga a uma interpretação actualista e restritiva do artigo 30º, nºs 1 e 2, do RI, à luz do princípio da contenção de despesa pública duradoura por via do controlo dos recursos humanos da Administração Pública. Como tal, não existia, tendo em conta o princípio da legalidade, alternativa juridicamente aceitável. Ademais, também pelas razões antecedentes, não se pode considerar que exista uma situação de analogia entre o Autor e os candidatos com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado que se apresentaram a concurso, precisamente porque o Autor não detinha um vínculo desta natureza.

Quanto à invocada violação do artigo 47º da CRP, na mesma linha do que se discorreu até aqui, sublinhe-se que há valores que podem tornar aceitável a contracção do direito de acesso à função pública em condições de igualdade, materializado no artigo 47º, nº 2, da CRP. Nas palavras Gomes Canotilho/Vital Moreira, “o princípio da igualdade proíbe qualquer discriminação constitucionalmente ilegítima, bem como qualquer privilégio ou preferência arbitrária”, o que não significa que proíba, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento no acesso à função pública, mas esta tem que ser “razoavelmente fundada e destinada a proteger um valor ou interesse constitucional” (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra Editora: Coimbra, 2007, pp. 660 e 661, citando um vasto conjunto de acórdãos do Tribunal Constitucional que corroboram esta ideia). Na situação vertente, é a gestão pública parcimoniosa, ancorada no princípio da economicidade, com vista à racionalização do capital humano da Administração, que torna aceitável a contracção do direito de acesso à função pública em condições de absoluta igualdade.

De resto, considera-se que é manifestamente insuficiente a alegação genérica de que a conduta da Ré, no dizer do Autor, viola “os mais elementares princípios com consagração constitucional, nomeadamente os princípios da legalidade, da igualdade, da transparência, da oportunidade, ..., entre outros princípios e preceitos legais aplicáveis”, dada a omissão de substanciação fáctico-jurídica subjacente a esses putativos vícios. Com efeito, o Autor não aduz quaisquer razões de facto e de direito em que se concretizam as referidas causas de invalidade. Nessa parte, por isso, a pretensão do Autor afigura-se votada ao insucesso, por falta da exigível substanciação essencial da causa de pedir (cf., a propósito, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29-04-2003, proc. nº 00211/03, e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 01-03-2019, proc. nº 02570/14.7BEBRG).

À guisa de conclusão, tendo em conta o actual objecto do processo, concluir-se-á, em sede de dispositivo, pela procedência do pedido de declaração de invalidade da decisão proferida em sede de recurso hierárquico, embora com o desvalor decorrente da mera anulabilidade, nos termos do artigo 135º do CPA (cf. artigo 5º, nº 3, do CPC), porquanto não existe uma violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, que só se verifica nos casos de aniquilamento do sentido fundamental do direito subjectivo protegido (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 08-012016, proc. nº 01665/10.0BEBRG-A).

No entanto, o pedido condenatório do Autor, tal como foi formulado, tem de ser julgado improcedente, considerando tudo o que se afirmou, essencialmente, quanto ao disposto nos artigos 6º, nº 4, 50º, nº 2, e 54º, nº 1, alínea d), da LVCR. Na prática, até para efeitos de execução da sentença, o que relevará, a final, é a manutenção da situação que resultava para o Autor antes da decisão proferida em sede de recurso hierárquico.

X

Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim, vejamos:
Na óptica do Recorrente a sentença padece de erro de julgamento de Direito; é que, ao decidir nos termos acima transcritos, violou os seus direitos e os preceitos legais que os consagram e que enuncia na sua peça processual.
Cremos que lhe assiste razão.

Como assente, o concurso aqui em causa foi aberto pelo Aviso 23038/2010, publicado na 2ª série do DR, nº 219, de 11 de novembro de 2010, e dele consta o seguinte:

“Procedimento concursal comum para recrutamento de trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, para o preenchimento de 90 postos de trabalho de assistente técnico, no âmbito regional do Mapa de Pessoal da Administração Regional de Saúde do Norte, I. P.

Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 6.º e no artigo 50.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, torna-se público que, por Deliberação do Conselho Directivo deste Instituto, de 22 de julho de 2010, se encontra aberto procedimento concursal comum, pelo prazo de 15 dias úteis a contar da data da publicitação no Diário da República, tendo em vista o preenchimento de 90 postos de trabalho para a carreira de assistente técnico, na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, do Mapa de Pessoal da Administração Regional de Saúde do Norte, I. P., para os Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) referenciados no ponto 2 deste Aviso.

Para os efeitos do estipulado no n.º 1 do artigo 4.º e artigo 54.º da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de janeiro, declara-se não estarem constituídas reservas de recrutamento próprias, presumindo-se igualmente a inexistência de reservas de recrutamento constituídas pela ECCRC, porquanto não foram ainda publicitados quaisquer procedimentos nos termos dos artigos 41.º e seguintes daquela Portaria “ - sic, in https://dre.pt/home/-/dre/3024920/details/maximized

Ora, independentemente da bondade da “fundamentação de direito” constante da sentença recorrida, nomeadamente aquando da distinção entre as várias modalidades que um procedimento concursal comum para recrutamento de trabalhadores pode revestir, a verdade é que o Recorrente não concorda com a tese que in casu, a final, acabou por vingar, ancorada na argumentação de que “ numa leitura actualista e conjugada com o espírito da LVCR, deve entender-se que no artigo 30º, nºs 1 e 2, do RI, se estabelece um direito de candidatura nos concursos externos limitados, mas sem que se possa considerar que são detentores de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, ao contrário do que defende o Autor, porquanto os militares em RC não se enquadram no espírito de controlo de encargos duradouros para o erário público“.

Ora, tal como se diz na sentença recorrida, e que o Recorrente aceita, “quanto ao âmbito do recrutamento, o ponto 5 Existe um mero lapso de escrita, dado que é o ponto 4. do Aviso nº 23038/2010 dispõe o seguinte: “Nos termos do nº 6, do artigo 6º, da Lei nº 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, do Despacho nº 1335/2009/SEAP, de 12 de Outubro de 2009, do Senhor Secretário de Estado da Administração Pública e do Despacho de concordância nº 748/09/MEF, de 14 de Outubro de 2009, do Senhor Ministro de Estado e das Finanças, só podem ser admitidos ao presente concurso os trabalhadores que tenham previamente constituída relação jurídica de emprego público, titulada por contrato de trabalho por tempo indeterminado ou por tempo determinado ou determinável, sendo que o recrutamento deve iniciar-se pelos candidatos detentores de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado e só em caso de impossibilidade de ocupação de todos ou alguns postos de trabalho poderá ser efectuado com recurso a trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo determinado ou determinável previamente estabelecida”. Mais se estipula, no ponto 5.2., alínea b), que constitui requisito especial de admissão a “detenção de relação jurídica de emprego público previamente constituída, por tempo indeterminado, determinado ou determinável”.

Ante o até aqui exposto, do quadro legal aplicável, bem como do regulamento concursal, resulta que, seja qual for o âmbito do recrutamento ou a modalidade concursal, existe sempre a obrigação de observar a regra da prioridade absoluta no recrutamento, isto é, de iniciar sempre o recrutamento pelos candidatos com vínculo prévio por tempo indeterminado, com especial primazia para aqueles que se encontram em situação de mobilidade especial, em conformidade com os artigos 6º, nºs 4, 6 e 7, e 54º, nº 1, alínea d) da LVCR, conjugados com o artigo 37º, nº 1 da Portaria nº 83-A/2009. Independentemente do âmbito do recrutamento, essa prioridade absoluta no recrutamento reconhece o privilegiamento dos trabalhadores com vínculo prévio por tempo indeterminado que se apresentem a concurso, com especial prioridade para aqueles que se encontram em situação de mobilidade especial “.

O Apelante também concorda com o Tribunal a quo quando pelo mesmo é dito que, in casu, “importa, então, apreciar do sentido e alcance do artigo 30º do RI Regulamento de Incentivos, aprovado pelo DL 320-A/2000, de 15/12, com as alterações introduzidas pelo DL 118/2004, de 21/05 e pelo DL 320/2007, de 27/09, que veio consagrar o direito dos militares em Regime de Contrato (doravante RC) se candidatarem aos concursos internos de ingresso na função pública, desde que tenham prestado serviço militar por um período mínimo de 5 anos. no caso em apreço, perante o que dispõe a LVCR.

O artigo 30º do RI preceitua, no que mais releva, o seguinte:

“ 1 - O militar em RC que tenha prestado serviço efectivo pelo período mínimo de cinco anos tem direito a candidatar-se aos concursos internos de ingresso nos serviços e organismos da administração central, regional e local, incluindo institutos públicos, nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos.

- Os cidadãos que preencham as condições do número anterior têm ainda direito a candidatar-se, no prazo referido no nº 5 do presente artigo, aos concursos internos gerais de acesso para preenchimento da primeira categoria intermédia das carreiras, desde que tenham exercido funções na área funcional para a qual o concurso é aberto e possuam o tempo de serviço necessário para a promoção na respectiva categoria.

- Os cidadãos nas condições referidas no nº 1 têm direito de preferência, em caso de igualdade de classificação final, nos concursos externos abertos em qualquer dos serviços ou organismos da administração central, regional e local, incluindo os institutos públicos, nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos […] ”.

Concorda ainda o Recorrente com o que é dito na sentença, na pág. 30, que “não houve qualquer revogação expressa ou tácita do artigo 30º do RI “.

Ora, deste facto, como advogado, é preciso tirar as devidas ilações, o que não foi feito no aresto recorrido.

Daí que não se acolha o que depois se acaba por afirmar, numa clara inflexão do pensamento que até ali vinha sendo exposto pelo Tribunal a quo.

Com efeito, inexistindo revogação expressa ou tácita do preceito aqui em apreço - artº 30 do RI - o mesmo, à data do concurso, estava em vigor nos seus precisos termos, tal qual vinha vigorando, num claríssimo “nem mais nem menos”, pelo que não se aceita a invocação de que “esta norma, após a entrada em vigor da LVCR, deve ser objecto de uma interpretação actualista, tendo em conta o espírito da nova regulação da disciplina do recrutamento de pessoal na Administração Pública”.

É que, a falta de revogação de uma Lei faz com que a mesma continue a vigorar e a produzir os seus efeitos.

Ora, a Lei 12-A/2008 de 27 de fevereiro (LVCR), não revogou o artº 30º do DL 320-A/2000, de 15 de dezembro, tal qual o fez com diversas normas e diplomas legais.

A este propósito veja-se o artº 116º da LVCR do qual consta que se revogaram quarenta (40) diplomas legais, mas não o aqui em apreço e que in casu tem aplicação.

Daí que, perante tanta “abundância” revogatória, dúvidas não subsistam de que se o legislador quisesse revogar o RI, ou apenas o seu artº 30º, tê-lo-ia feito de fora clara - alega o Apelante e aqui corrobora-se.

A ser assim, como nos parece ser, dizer-se como se diz na sentença que “numa leitura actualista e conjugada com o espírito da LVCR, deve entender-se que no artigo 30º, nºs 1 e 2, do RI, se estabelece um direito de candidatura nos concursos externos limitados, mas sem que se possa considerar que são detentores de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, ao contrário do que defende o Autor, porquanto os militares em RC não se enquadram no espírito de controlo de encargos duradouros para o erário público “ é algo que não tem qualquer fundamento legal, sendo por isso uma interpretação que afronta e viola a própria Lei que o Tribunal a quo invoca.

Reiterando-se aqui que a Lei 12-A/2008 de 27 de fevereiro (LVCR), não revogou o artº 30º do DL 320-A/2000, de 15 de dezembro, então a alegada e concretizada interpretação restritiva que deste fez o Tribunal a quo é ilegal e sem qualquer fundamento que a sustente, dado que, a única interpretação coerente do sistema jurídico em vigor é aplicar a norma que se encontrava à data em vigor. Isto é, o intérprete estava / está obrigado a concretizar uma interpretação conforme à letra e ao espírito da norma em causa, aplicando-a.

Ao não o fazer, o Tribunal incorreu em violação de Lei.

O facto é que, no caso vertente, estamos perante uma questão de interpretação, razão pela qual há que atender às regras previstas no artigo 9.º do Código Civil que, por uma questão de facilidade de exposição, aqui transcrevemos:

“Artigo 9º

Interpretação da lei

1 - A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2 - Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3 - Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

Com efeito, funcionando a letra da lei como ponto de partida e como limite da interpretação - na expressão de José Oliveira Ascensão, “[a] letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação” - Introdução e Teoria Geral, 13.ª ed., Almedina, 2005, pág. 396. -, o entendimento adotado pelo Tribunal não é consentâneo, nem se coaduna, com tal regra interpretativa basilar, prevista nos termos do artigo 9.º do CC.

Onde o legislador não legisla, não deve o intérprete legislar, não podendo ser tomado em conta o pensamento legislativo que não recolha na letra da lei um mínimo de correspondência textual (artº 9º/2 do Código Civil).

Segundo este preceito, relativo à interpretação da lei, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso; assim, mesmo quando o intérprete “...se socorre de elementos externos, o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar”- cfr. João Baptista Machado, em Introdução ao Direito Legitimador, 1983-189.

E refere José Lebre de Freitas, in BMJ 333º-18 “A “mens legislatoris” só deverá ser tida em conta como elemento determinante da interpretação da lei quando tenha o mínimo de correspondência no seu texto e no seu espírito”.

É que, como é sabido, na interpretação de uma norma jurídica, isto é, na tarefa de fixar o sentido e o alcance com que ela deve valer, intervêm, para além do elemento gramatical (o texto, a letra da lei), elementos lógicos, que a doutrina subdivide em elementos de ordem histórica, racional ou teleológica e sistemática.
O elemento teleológico consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma, “o conhecimento deste fim sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura político-económico-social que motivou a “decisão” legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma. Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a “valoração” ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime. Sem esquecer ainda que, pela descoberta daquela “racionalidade” que (por vezes inconscientemente) inspirou o legislador na fixação de certo regime jurídico particular, o intérprete se apodera de um ponto de referência que ao mesmo tempo o habilita a definir o exato alcance da norma e a discriminar outras situações típicas com o mesmo ou com diferente recorte”, como escreveu o Prof. Baptista Machado, ob. cit. págs. 182/183. A ratio legis revela, portanto, a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina.
É, pois, sabido e pacificamente aceite que, no direito presume-se que o legislador soube expressar correctamente a sua vontade, sendo que, repete-se, onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir, tal qual consagra o artº 9, nº 3, do Código Civil, preceito que tem ínsito princípio basilar do direito que o aresto recorrido não observou.

É ainda sabido que, desde o dia 1 de janeiro de 2009, por força da entrada em vigor da Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que veio estabelecer o novo regime de vínculos, carreiras e remunerações dos trabalhadores no exercício de funções públicas (LVCR), as normas que regulavam o recrutamento para os serviços e organismos da Administração Pública, bem como a tramitação dos procedimentos concursais necessários à sua efectivação, sofreram profundas alterações.

Assim, as figuras dos concursos públicos externos ou internos e, dentro destes, de ingresso ou gerais de acesso, por força da LVCR, cessaram a sua existência no ordenamento jurídico português por via da sua revogação expressa, nos termos da alínea ap) do artº 116º, com a revogação do DL 204/98, de 11 de julho, dando lugar à figura do procedimento concursal comum para ocupação de postos de trabalho previstos, e não ocupados, dos serviços e organismos da Administração Pública, cuja tramitação consta da Portaria nº 83-A/2009, de 22 de janeiro. Tal não significa, porém, antes pelo contrário, que se possa considerar o nº 1 do artº 30º do RI derrogado, ainda que tacitamente.

Assim sendo, a prerrogativa dos militares se candidatarem aos concursos públicos internos de ingresso mantém-se, valendo à data do concurso aqui em causa para os procedimentos concursais comuns para constituição de relação jurídica por tempo indeterminado em que, nos termos do nº 4 do artº 6º da LVCR, seja exigida uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida. Há, pois, que considerar que a ficção jurídica prevista legalmente e que permitia aos militares serem opositores a concursos públicos internos de ingresso, existia à data do concurso em apreço e permite que os militares em RC, como o Recorrente, desde que cumpridas as condições legais, previstas no artº 30º, possam continuar a ser opositores aos procedimentos concursais comuns apontados, considerando-se que, apenas para efeitos de candidatura, possuam a qualidade de titulares de relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado.

Quando se fala para efeitos de candidatura, obviamente que se inclui o eventual ingresso numa carreira da Administração Pública.

Trata-se, evidentemente, do direito de concorrer e ser admitido ou colocado caso tenha sido seleccionado e ficado em lugar a preencher.

E, não se diga que existe contradição no que se acabou de referir com a LVCR, nomeadamente com o disposto no nº 11 do artº 117º e até com o que estipula o seu artº 86º.

É que, o incentivo previsto no artº 30º do RI consta, em primeira linha, da alínea f) do artº 54º da Lei do Serviço Militar (aprovada pela Lei 174/1999, de 21 de setembro, e alterada pela Lei Orgânica 1/2008, de 6 de maio) e não poderá considerar-se como revogado até que seja alterado o regime contratual dos militares em regime de voluntariado (RV) e RC.

Daí que, como pretende o Recorrente, se imponha rectificar as listas unitárias de ordenação final com inerentes consequências legais, sob pena de violação do princípio da igualdade e da não discriminação consagrados na Constituição da República Portuguesa.

Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional. O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio - Acórdão n.º 409/99 do TC.
Face à legislação aplicável ao presente concurso - cfr. Aviso 23038/2010, de 11 de novembro, ponto 3 -, ao não se atender à situação concreta do Autor, isto é, ao facto de este ser detentor de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, estamos perante notória violação de Lei, o que não pode manter-se.

Em suma:

-Ao arredar a aplicação do artigo 30º do RI ao caso posto, o aresto violou a Lei, os preceitos referidos e o princípio supra enunciado;

-Tal equivale a dizer que inexistindo fundamento válido e muito menos fundamento legal para o Tribunal a quo ter decidido apenas a procedência parcial da acção, impõe-se a revogação da sentença, nos termos propostos.

DECISÃO

Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença e julga-se totalmente procedente a acção, com as legais consequências.

Custas pelo Réu e, nesta instância, sem custas, atenta a ausência de contra-alegações.

Notifique e DN.

Porto, 08/4/2022


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro