Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00354/12.6BECBR |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 04/10/2025 |
| Tribunal: | TAF de Coimbra |
| Relator: | IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES |
| Descritores: | IRC; DEDUTIBILIDADE DE PREJUÍZOS FISCAIS; 47º, N.º8 DO CIRC; ALTERAÇÃO DA TITULARIDADE SOCIAL; PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E DA TRIBUTAÇÃO PELO RENDIMENTO REAL; |
| Sumário: | I. Constitui prejuízo fiscal o saldo negativo entre os proveitos ou ganhos e demais variações patrimoniais positivas e os custos ou perdas e demais variações patrimoniais negativas susceptíveis de concorrer para o lucro tributável de um sujeito passivo de IRC num dado período de tributação. II. O prejuízo fiscal é, em princípio, um corolário da periodização do lucro tributável, isto é, constitui, tendencialmente, uma mera consequência da particular extensão temporal do período por referência ao qual se determina a obrigação de imposto III. A dedução de prejuízos fiscais de exercícios tributários anteriores, sistema de reporte de prejuízos consagrado na lei fiscal portuguesa ("carryforward method"), visa neutralizar os efeitos perniciosos da periodização do lucro tributável na tributação das sociedades. Com este pressuposto, esta exigência fiscal é imposta pelos princípios da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real e da igualdade, vertidos nos artigos 103º, 104º, nº.2, e 13º, todos da Constituição da República Portuguesa. IV. Consagrando o artigo 47, nº. 8, do CIRC (actual artigo 52, nº. 8, com redacção muito menos limitativa), uma cláusula anti-abuso especial, além do mais, pela simples constatação de que no fim do período de tributação a que respeitam os lucros declarados, se verifique uma alteração da titularidade de, pelo menos, metade do capital em comparação com o fim do período de tributação em que foram gerados os prejuízos cuja dedução se pretende. V. Perante a situação concreta, pode vir a ser afastada a sua interpretação literal em prevalência dos princípios de consagração constitucional, da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real e da igualdade.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A [SCom01...], Lda., (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Coimbra, datada de 29.06.2022, que julgou improcedente a impugnação, por si intentada, contra a liquidação de IRC dos exercícios de 2008 e 2009, no montante global de €21.444,89, inconformada veio dela recorrer. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «(…) A) O presente recurso põe em crise os fundamentos de facto e de direito da douta Sentença proferida que julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida. B) Desde logo, porquanto decorre da factualidade constante dos factos O), P) e R) do acervo probatório, tal como decorre de documentos constantes de fls. 161 a 166 do PA e fls. 28 a 30 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos, do que podemos extrair de forma cristalina que e dar por provado que: C) A sociedade [SCom02...], Lda. foi constituída em 1994 e detinha como sócios o Sr. «AA», titular de duas quotas (uma no valor de € 184.555,22 e outra no valor de € 37.409,84) e a Sra. «BB» com uma quota de € 112.229,53, sendo gerente indicado no registo o primeiro destes sócios (cf. docs. a fls. 161 a 166 do PA e fls. 28 a 30 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos). D) Em fevereiro de 2007, a Impugnante – sociedade [SCom01...] – foi objeto de um aumento de capital, tendo a sociedade referida na alínea anterior ficado detentora de uma quota no valor de € 500.000,00 sendo que o Sr. «CC» ficou titular da outra quota, no valor de € 500.000,00 (cf. docs. a fls. 161 a 166 do PA e fls. 28 a 30 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos). E) Em março de 2007, foi deliberado alterar o contrato da sociedade ora Impugnante, sendo que o Sr. «CC» manteve a sua quota de € 500.000,00, tendo a outra quota de igual valor sido dividida em duas de valor idêntico, perfazendo, cada uma, o montante de € 250.000,00, sendo detentores destas o Sr. «AA» e o Sr. «DD» e figurando como gerentes o Sr. «AA» e o Sr. «EE» (cf. docs. a fls. 161 a 166 do PA e fls. 28 a 30 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos). F) Tendo em consideração que o acto administrativo tem que ser, em tudo, conforme com a lei, sob pena de ilegalidade, verificamos que existe uma necessidade de rigorosa, subordinação à lei, sendo, esta, a primeira das características essenciais do acto administrativo, a tal obriga o princípio da legalidade conforme dispõem, entre outros, o nº2 do art. º266 da CRP, o art. º3 do CPA, a al. a) e e) do nº2 do art. º8 da LGT. G) Não obstante, o mesmo, não poderá, de modo algum, ofender/ violar os princípios do inquisitório, deveres de imparcialidade, justiça e proporcionalidade, bem como o princípio da tributação pelo rendimento real, quer nos termos do art.º55º da LGT, segundo o qual a“A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”. H) Pois, a direcção da instrução do procedimento tributário cabe à administração tributária (art. º71 da LGT). Toda a actividade da administração tributária deve subordinar-se ao interesse público que, relativamente ao sistema fiscal, consiste, em primeira linha, na obtenção de receitas para satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades (art. º103º, nº1, da CRP). Por força do preceituado no art. º266º da CRP, esta actividade tem de ser levada a cabo em subordinação à Constituição e à lei e deve respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos (princípio da legalidade) e os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé. I) Também o art. º3º do CPA concretiza o princípio da legalidade especificando que «os órgãos da administração pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos». J) Ainda, o princípio da igualdade impõe à Administração que, nas suas relações com os particulares, os trate de forma igualitária, não os privilegiando, beneficiando, prejudicando, privando de qualquer direito ou isentando de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social (art. º5º, nº1, do CPA). K) Também, o princípio da proporcionalidade obriga a administração a não afectar os direitos ou interesses legítimos dos administrados em termos não adequados e proporcionados aos objectivos a realizar (art. º5º, nº2, do C.P.A.). O art. º46º do C.P.P.T. reafirma e desenvolve este princípio estabelecendo que «os actos a adoptar no procedimento serão os adequados aos objectivos a atingir, de acordo com os princípios da proporcionalidade, eficiência, praticabilidade e simplicidade», mesmo expressamente previsto no nº2 do art. º63º da L.G.T. L) Os princípios da justiça e imparcialidade impõem à administração que trate de forma justa e imparcial os que com ela entrem em relação (art. º6º do C.P.A.), expressamente prevista no art. º58º da L.G.T. M) Da mesma forma, também o princípio da boa fé determina que a administração deve relacionar-se com os particulares de acordo com as regras da boa fé, ponderando os valores fundamentais do direito, designadamente, a confiança suscitada pela sua actuação e o objectivo a alcançar (art. º6º-A do C.P.A.), com suporte no art. º266º, nº2, da C.R.P., e reconhecimento na L.G.T. nos seus arts. 59º, nº1, e 68º. Veja-se a esse propósito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 8 de Janeiro de 2015. N) Sempre, neste quadro correctivo, no qual se pretende alcançar a tributação do rendimento real do sujeito passivo, pelo que, in casu, viola-se, de forma grosseira, o disposto nº2 do art.º104 da CRP, ou seja, em momento algum a AT pretende tributar o rendimento real, mas somente, aumentar a tributação ao sujeito passivo, tal como se pode aferir pela justificação vertida nas liquidações impugnadas, e na matéria de facto constante do probatório A) a K) da douta sentença recorrida. O) A disposição do artigo 47.º, n.º 8, do CIRC não pode ser interpretada à letra, de modo a que dela se extraía o sentido impositivo de proibir sempre e em todo o caso a dedução dos prejuízos fiscais. P) Este entendimento é, aliás, reconhecido pela própria Administração Fiscal, no âmbito da informação vinculativa proferida no Processo 104/2006, Despacho de 2008.01.04 do SEAF, que considerou expressamente que: “O n.º 8 do artigo 47.º do Código do IRC deve ser interpretado no sentido de que a limitação do direito de dedução dos prejuízos fiscais decorrente da alteração da titularidade de pelo menos 50% do capital social ou da maioria dos direitos de voto não será aplicável nas situações em que se verifique que os novos titulares do capital já anteriormente detinham indirectamente a maioria do capital e a alteração da titularidade decorra de uma operação de reestruturação efectuada ao abrigo do regime especial de neutralidade estatuído nos artigos 67.º e seguintes do Código do IRC”. Q) O modo como n.ºs 8 e 9 se articulam - o primeiro preclude “tout court” enquanto o segundo prevê uma autorização para "casos especiais” - mostra bem que a intenção do legislador foi a de fechar a porta primeiro para só depois abrir uma janela, não existindo, por isso uma fundamentação do juízo administrativo sobre a intenção do contribuinte, que condicione a aplicação da limitação do n.º 8. R) O que existe sim, é uma previsão de um juízo administrativo que venha desaplicar a limitação dos prejuízos prevista no n.º 8, mas apenas em "casos especiais" e na medida em que esse juízo se conforme com os motivos de “reconhecido interesse económico” (seja lá o que isso for…) explanados em requerimento do contribuinte, impondo-se uma interpretação pela qual uma sociedade com prejuízos registados não veja precludido o direito de os deduzir, apenas pela alteração jurídica formal e não económica da maioria da titularidade do seu capital social. S) Uma operação alicerçada em diversos objetivos, entre os quais podem também figurar considerações de natureza fiscal, é suscetível de consubstanciar uma operação efetuada por razões económicas válidas, desde que as considerações fiscais não sejam as preponderantes para a realização da operação e os benefícios económicos não sejam meramente marginais face a essas vantagens fiscais. T) O ónus da prova de que as operações tiveram como um dos principais objetivos a evasão fiscal, de modo a obstar à aplicação do regime da neutralidade fiscal, cabe à AT, o que esta não fez de acordo com o n.º 1 do art.º 74º da LGT. U) Nas palavras de António Rocha Mendes “entendemos que a expressão “razões económicas válidas” traduz a intenção de maximizar os lucros da empresa, aumentando a sua capacidade de gerar proveitos ou reduzir os seus custos, através da reorganização da estrutura empresarial”. V) O contribuinte, ao alegar a existência de “razões económicas válidas”, claro está, desde que não sejam "marginais", será suficiente para afastar qualquer pretensão da AT em considerar a operação abusiva, uma vez o propósito da Diretiva das Reorganizações está satisfeito e, que como tal, faltará necessariamente um dos elementos constituintes de uma prática abusiva. W) Bem como é errónea, inválida e ilegal a interpretação que decide pela aplicação da limitação prevista no n.º 8, do artigo 47.º do Código do IRC, quando interpretada no sentido de abranger situações de facto, nas quais, inclua para efeitos de quantificação de alteração da titularidade do capital da empresa, os sócios (adquirentes) que detenham, previamente, ainda que de forma indirecta, a titularidade do capital da empresa, visto que, materialmente, tal não se traduz numa verdadeira alteração da titularidade do capital da empresa nos termos pretendidos pelo legislador. X) Pelo que, só se poderá concluir, que a douta sentença sub judice ao decidir pela improcedência da impugnação nos termos em que a concebeu, antes de mais viola o disposto nos art.º11, 47, 52, 56 do CIRC, art.º56 TUE, tal como viola, ainda, os princípios do inquisitório, deveres de imparcialidade, justiça e proporcionalidade, bem como o princípio da tributação pelo rendimento real, constantes, dos artigos 3º,5º, 6º, 152º e 153º do CPA, 8º, 55º, 58º, 59º, 63º, 69º, 71º, 74º, 75º e 77º da LGT, bem como 18º, 61º, 103º, 104º e 266º da CRP. Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a douta sentença recorrida, proferindo-se douto acórdão que julgue a impugnação totalmente procedente com todas as legais consequências.» 1.2. A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações. 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 220 do SITAF, com o seguinte teor: «A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada e sem incorrer em quaisquer erros de julgamento seja de facto seja de direito, razão porque entendemos ser a mesma de confirmar.» 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir i) da errada valoração e apreciação critica da prova fixada, mormente dos seus itens O), P) e R) e do erro de julgamento de direito decorrente da interpretação da limitação à dedução de prejuízos prevista no n.º 8 do artigo 47º do CIRC (actual n.º 8, artigo 52º do CIRC), em violação do disposto nos artigos 11º, 47º, 52º, 56º do CIRC, artigo 56 TUE, tal como viola, ainda, os princípios do inquisitório, deveres de imparcialidade, justiça e proporcionalidade, bem como o princípio da tributação pelo rendimento real, constantes, dos artigos 3º,5º, 6º, 152º e 153º do CPA, 8º, 55º, 58º, 59º, 63º, 69º, 71º, 74º, 75º e 77º da LGT, bem como 18º, 61º, 103º, 104º e 266º da CRP. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 De facto 2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: «A) Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ... realizaram uma ação inspetiva à Impugnante, incidente sobre o ano de 2008 – conforme documentos a folhas 1 a 5 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; B) No âmbito da ação inspetiva a que se alude em A) foi elaborado “Projecto de Correcções”, datado de 11.11.2011 – conforme documento a folhas 4 a 8 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; C) Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ... dirigiram à Impugnante, no âmbito da ação inspetiva a que se alude em A), ofício datado de 11.11.2011, sob o assunto “Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção (…)” – conforme documentos a folhas 9 e 10 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; D) No âmbito da ação inspetiva a que se alude em A) foi elaborado “Relatório/Conclusões” (RIT), datado de 15.12.2011, do qual consta conforme segue: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documentos a folhas 14 a 26 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; E) O RIT a que se alude em D) é integrado pelos “anexos” seguintes: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documentos a folhas 18 a 26 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; F) Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ... dirigiram à Impugnante, no âmbito da ação inspetiva a que se alude em A), ofício datado de 11.01.2012, sob o assunto “Notificação do Relatório de Inspecção Tributária (…)”, do qual consta conforme segue: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» – conforme documentos a folhas 11 a 13 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; G) A Autoridade Tributária emitiu em nome da Impugnante a liquidação de IRC n.º ...15 relativa ao ano de 2008, da qual, após “acerto de contas”, resultou um valor a pagar de 11.361,83 euros, com data limite de pagamento ocorrida em 05.03.2012 – conforme documento a folhas 15 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; H) Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ... realizaram uma ação inspetiva à Impugnante, incidente sobre o ano de 2009 – conforme documentos a folhas 31 a 37 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; I) Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ... elaboraram, no âmbito da ação inspetiva a que se alude em H), “Projecto de Relatório de Inspecção Tributária”, datado de 15.12.2011 – conforme documento a folhas 49 a 63 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; J) Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ... dirigiram à Impugnante, no âmbito da ação inspetiva a que se alude em H), ofício datado de 15.12.2011, sob o assunto “Projecto Relatório da Inspecção Tributária (…)” – conforme documentos a folhas 47 e 48 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; K) No âmbito da ação inspetiva a que se alude em H) foi elaborado “Relatório de Inspecção Tributária” (RIT), datado de 10.01.2012, do qual consta conforme segue: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documentos a folhas 181 a 301 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; L) O RIT a que se alude em K) é integrado pelos “anexos” seguintes: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documentos a folhas 197 a 301 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; M) A Direção de Finanças ... dirigiu à Impugnante, no âmbito da ação inspetiva a que se alude em H), ofício datado de 11.01.2012, sob o assunto “Notificação do Relatório de Inspecção Tributária (…)”, do qual consta conforme segue: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» – conforme documentos a folhas 43 a 45 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; N) A Autoridade Tributária emitiu em nome da Impugnante a liquidação de IRC n.º ...85 relativa ao ano de 2009, da qual, após acerto de contas, resultou o valor a pagar de 10.083,06 euros, com data limite de pagamento ocorrida em 14.03.2012 – conforme documento a folhas 16 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; O) Em 21.12.2007 foi celebrada escritura de “Doação de Quota”, da qual consta conforme segue: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documento a folhas 31 e 32 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; P) Da matrícula da Impugnante consta conforme segue: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documento a folhas 161 a 166 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; Q) O sócio da Impugnante «DD» é filho de «AA» e de «BB» – conforme documentos a folhas 25 a 27 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; R) Da matrícula da sociedade “[SCom02...], LDA.”, NIPC ...53, consta conforme segue: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documentos a folhas 28 a 30 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; S) A petição inicial da Impugnação foi remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra por correio, e aí recebida em 04.06.2012 – conforme registo do SITAF a folhas 2 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido. FACTOS NÃO PROVADOS Considera este Tribunal não se ter logrado provar a factualidade seguinte: - Que o “novo” sócio da Impugnante «DD» “participava na gestão” da sociedade a que se alude em R) dos factos provados. MOTIVAÇÃO O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, com base nos documentos constantes dos autos, acima identificados, os quais não foram impugnados.» 2.1.2. Aditamento oficioso à fundamentação de facto Dispondo os autos dos elementos probatórios para o efeito indispensáveis e ao abrigo do disposto no artigo 662.º n.º 1 do CPC, afigura-se-nos ser de aditar à matéria de facto assente o teor do despacho interlocutório, na medida em que se mostra essencial conhecer o seu teor por forma a aferir do seu acerto. Assim, adita-se o ponto T) à matéria de facto assente: T) Por escritura de cessão de quota, divisão e doação de quota e alteração parcial de pacto social, outorgada em 16.03.2007 no Cartório Notarial ..., foi cedida uma quota correspondente a 50% do capital social da sociedade, da qual era titular a sociedade [SCom02...], ld.ª, NIPC ...53, no valor de €500.000,00, a «AA», tendo no mesmo acto sido dividida tal quota em duas, no valor de €250.000,00 cada, ficando uma na titularidade de «AA» e outra nesse acto tido sido objecto de doação a seu filho «DD» [cfr. copia da escritura e registo comercial da sociedade [SCom02...], fls. 19 a 24 e 161 a 166 do processo administrativo apenso]. 2.2. De direito Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou improcedente a presente impugnação, em consequência do que manteve o acto de liquidação de IRC objecto do processo [cfr. alíneas G), N) e K) do probatório], em virtude de concluir que efectivamente ocorreu uma alteração de titularidade social da impugnante a determinar aplicabilidade da limitação prevista no n.º 8 do artigo 47º do CIRC (actual n.º 8 do artigo 52º) à dedução dos prejuízos acumulados anteriormente e, que contrariamente ao alegado não ocorre inconstitucionalidade da norma aplicada, nem qualquer contradição com os princípios e valores expressos na legislação comunitária. Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artigos 639º, do CPC e 282º, do CPPT). A Recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que o Tribunal a quo errou na valoração e subsunção jurídica dos factos provados, incorrendo em errada interpretação da norma legal aplicável ao caso sub judice, assim incorrendo em errado julgamento de direito e consequente violação das normas constantes do artigo 47º, n. º8 do CIRC, mais reafirmando a violação do princípio constitucional da tributação pela real capacidade contributiva. Apelemos ao exposto nas conclusões W) e X) das alegações de recurso, que extrapolam a posição da Recorrente, em que a mesma itera de «inválida e ilegal a interpretação que decide pela aplicação da limitação prevista no n.º 8, do artigo 47.º do Código do IRC, quando interpretada no sentido de abranger situações de facto, nas quais, inclua para efeitos de quantificação de alteração da titularidade do capital da empresa, os sócios (adquirentes) que detenham, previamente, ainda que de forma indirecta, a titularidade do capital da empresa, visto que, materialmente, tal não se traduz numa verdadeira alteração da titularidade do capital da empresa nos termos pretendidos pelo legislador.// Pelo que, só se poderá concluir, que a douta sentença sub judice ao decidir pela improcedência da impugnação nos termos em que a concebeu, antes de mais viola o disposto nos art.º 11, 47, 52, 56 do CIRC, art.º 56 TUE, tal como viola, ainda, os princípios do inquisitório, deveres de imparcialidade, justiça e proporcionalidade, bem como o princípio da tributação pelo rendimento real, constantes, dos artigos 3º,5º, 6º, 152º e 153º do CPA, 8º, 55º, 58º, 59º, 63º, 69º, 71º, 74º, 75º e 77º da LGT, bem como 18º, 61º, 103º, 104º e 266º da CRP.». Cumpre apreciar e decidir se a decisão objecto do presente recurso comporta tal pecha. In casu, a Administração Tributária constatou que, «(…) o contribuinte a partir de 2007, inclusive, por alteração nesse ano da titularidade de 50% do capital social (que pertencia à sociedade [SCom02...], Lda. – NIPC ...53, pelo menos desde 1999, e que no final desse ano passou a ser detido por «DD» – NIF ...23 – vide em Anexo 1, extracto informático da participação da sociedade [SCom02...], e em Anexo 2, as escrituras públicas na base das mudanças de titularidade, ocorridas naquele ano de 2007), deixou de poder proceder à dedução dos prejuízos fiscais acumulados anteriormente, conforme previsto no n.º 8 do actual art.º 52.º, do Código do IRC. No entanto, apesar de no ano de 2008, ter declarado um lucro tributável de € 79.729,33 o contribuinte não apurou qualquer matéria colectável neste ano, tendo procedido indevidamente à dedução de prejuízos fiscais naquele montante, bem como, declarado como reportáveis para os anos seguintes os prejuízos de anos anteriores que não foram deduzidos neste ano (vide Anexo 3). (…)». quanto ao exercício de 2008, e mais entendeu que «O sujeito passivo a partir de 2007, inclusive, por alteração da titularidade de 50% do capital social ocorrida nesse ano, por cessão pela sociedade [SCom02...], Lda da parte que detinha nesta empresa, a «AA», e deste para «DD» (filho) por doação de 25% do capital em 16/03/2007 e os outros 25% do capital também por doação em 20/12/2007, conforme escrituras em anexo V, deixou de poder proceder à dedução dos prejuízos fiscais acumulados anteriormente, conforme previsto no n.º8 do art.º 52º do CIRC(…). // No entanto, apesar de ter declarado no exercício de 2009 um lucro tributável de € 49.037,41, o contribuinte não apurou qualquer matéria colectável, tendo procedido indevidamente à dedução de prejuízos fiscais naquele montante. (…)», quanto ao exercício de 2009 (cf. itens D) e K) do probatório, destacados nossa autoria). Temos, pois, que a actuação da Administração Tributária, ao proceder às liquidações impugnadas, assenta em que - no ano de 2007, ocorreu uma alteração da titularidade da impugnante “[SCom01...]” correspondente a 50% do seu capital social, mais concretamente, da quota pertencente à “[SCom02...]” que no final de 2007 passou a ser detida por «DD» em pelo menos 50%, o que determina a que a impugnante não possa proceder à dedução de prejuízos ficais nos exercícios de 2008 e 2009, conforme previsto no artigo 47º, n.º8 do CIRC (actual 52º, n.º8). Na verdade, e em conformidade com o acervo probatório, temos que: - Em fevereiro de 2007, a Impugnante – sociedade [SCom01...] – foi objeto de um aumento de capital, tendo a sociedade [SCom02...], Lda. ficado detentora de uma quota no valor de € 500.000,00 sendo que «CC» ficou titular da outra quota, no valor de € 500.000,00, ou seja, numa proporção de 50% para cada; - Em março de 2007, foi deliberado alterar o contrato da sociedade da [SCom01...], tendo «CC» mantido a sua quota de € 500.000,00, tendo a outra quota de igual valor da [SCom02...] sido dividida em duas de valor idêntico, perfazendo, cada uma, o montante de € 250.000,00, sendo detentores destas o «AA» e o «DD» e figurando como gerentes «AA» e «EE»; - Com reporte à sociedade [SCom02...], a mesma foi constituída em 1994 e detinha como sócios «AA», titular de duas quotas (uma no valor de € 184.555,22 e outra no valor de € 37.409,84) e «BB» com uma quota de € 112.229,53, sendo gerente indicado no registo o primeiro destes sócios; - Por escritura de cessão de quota, divisão e doação de quota e alteração parcial de pacto social, outorgada em 16.03.2007 no Cartório Notarial ..., foi cedida uma quota correspondente a 50% do capital social da sociedade, da qual era titular a sociedade [SCom02...], ld.ª, NIPC ...53, no valor de €500.000,00, a «AA», tendo no mesmo acto sido dividida tal quota em duas, no valor de €250.000,00 cada, ficando uma na titularidade de «AA» e outra nesse acto tido sido objecto de doação a seu filho «DD» - A 21 de dezembro de 2007 «AA» e «BB», sendo o primeiro titular de uma quota no valor nominal de € 250.000 da sociedade [SCom01...], doaram por conta das suas quotas disponíveis aquela quota ao seu filho «DD». Resulta dos factos expostos e da sua cronologia, que em 31.12.2007 a sociedade [SCom01...] era detida em 50% por «CC» e em 50% por «DD», cuja titularidade lhe adveio pela doação efectuada por seu pai «AA» por força dos dois actos de doação de março de 2007 e dezembro de 2007. Vejamos, cientes de que a fundamentação constante do RIT se reporta exclusivamente no disposto no artigo 52º, n. º8 do CIRC, tendo já em linha de conta a reorganização e remuneração operada em 2009 levada a cabo pelo Decreto lei n.º 159/2009, de 13 de julho, sendo que corresponde na integra ao 47º, n. º8 do CIRC cuja interpretação e aplicação são objecto dos presentes autos perante a correcção operada nos exercícios de 2008 e 2009. Cumpre ainda, atentar que da fundamentação das correcções à dedução de prejuízos nenhuma referência consta das mesmas ao preceituado no n. º 9 do artigo 47º do CIR, sobre a inexistência de pedido de autorização dirigido ao Ministro das Finanças. 2.2.1. Como é consabido e adquirido, a tributação das sociedades deve incidir sobre o seu lucro real, por forma a garantir a tributação em respeito pelo princípio da capacidade contributiva, tal facto resulta de imperativo constitucional, artigo 114º, nº 2, da CRP, “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real” e, bem assim, do princípio da igualdade, plasmado no artigo 13º CRP. A lei fiscal determina a tributação findo cada período fiscal, sendo que na generalidade dos casos este coincide com o ano civil, nos termos do artigo 8º, nº 1, do CIRC. Para cada um dos períodos fiscais, devem ser imputados rendimentos e gastos por forma a obter o resultado desse exercício, em respeito pelo princípio da especialização dos exercícios (neste sentido, Rui Duarte Morais, in Apontamentos ao IRC, Almedina, Reimpressão da Edição de Novembro/2007, 2009, pág. 64). No entanto, os resultados de uma sociedade não se podem contabilizar e autonomizar em períodos determinados pela lei fiscal, o ciclo empresarial é uma realidade contínua pelo que é necessário que o sistema fiscal tenha este facto em consideração. Da necessidade de colmatar esta falha na determinação da capacidade contributiva de uma sociedade, resultante da periodicidade do imposto, surge o sistema de reporte de prejuízos fiscais (vide José Casalta Nabais, in Direito Fiscal, Almedina, Reimpressão da 7ª Edição de 2012, 2013, pág. 511). Constitui prejuízo fiscal o saldo negativo entre os proveitos ou ganhos e demais variações patrimoniais positivas e os custos ou perdas e demais variações patrimoniais negativas susceptíveis de concorrer para o lucro tributável de um sujeito passivo de IRC num dado período de tributação. O prejuízo fiscal é, em princípio, um corolário da periodização do lucro tributável, isto é, constitui, tendencialmente, uma mera consequência da particular extensão temporal do período por referência ao qual se determina a obrigação de imposto (cfr. artigos 15, nº.1, al. a), 1), e 47 e seg., do CIRC, em vigor em 2008 a 2009; acórdão do TCA Sul, 23.02.2017, proc. n.º 9/17.5BCLSB e Manuel Anselmo Torres, in A portabilidade dos prejuízos fiscais, Reestruturação de Empresas e Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2009, pág.111 e seg.). Perante a possibilidade de proceder ao reporte de prejuízos fiscais está-se a proceder à tributação de uma sociedade numa base plurianual, em estrito respeito pelo limite temporal. Assim, o facto de se proceder à tributação de uma sociedade numa base anual, que não permite aferir a capacidade contributiva real do sujeito passivo, é mitigado pelo facto de ser possível proceder à dedução de prejuízos fiscais. A dedução de prejuízos fiscais de exercícios tributários anteriores, sistema de reporte de prejuízos consagrado na lei fiscal portuguesa corresponde ao "carryforward method"( (O "carryforward method" permite a dedução / reporte de prejuízos para a frente, assim admitindo que as sociedades compensem os prejuízos em que incorreram nos exercícios anteriores com a dedução no lucro tributável positivo eventualmente existente nos anos seguintes, mais fixando tal possibilidade por determinado número de períodos de tributação - cfr. Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág.482).)), visa neutralizar os efeitos perniciosos da periodização do lucro tributável na tributação das sociedades. Com este pressuposto, esta exigência fiscal é imposta pelos princípios da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real e da igualdade, vertidos nos artigos 103º, 104º, nº.2, e 13º, todos da CRP. O regime previsto no nosso CIRC permite, de uma forma abrangente, duas formas de transmissibilidade de prejuízos fiscais: Dedução de prejuízos fiscais apurados na esfera do mesmo sujeito passivo utilizados noutros períodos de tributação, previsto no artigo 47º do CIRC; Dedução de prejuízos fiscais apurados na esfera de outros sujeitos passivos utilizados no mesmo ou noutros períodos de tributação [Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69º e seguintes do CIRC; Regime Especial aplicável às Fusões, Cisões e Entradas de activos e permutas de partes sociais (REFCE), previsto nos artigos 73º e seguintes do CIRC]. Para além do limite temporal, imposto na dedução de prejuízos pelo CIRC, com importância para os autos, temos as limitações materiais, e de entre estas, temos o artigo 47º n.º 8 (actual 52º, n.º 8) que estabelece uma cláusula anti-abuso específica. Esta disposição visa impedir que se efectue determinadas operações com o objectivo de apenas obter economias fiscais através da dedução de prejuízos fiscais, o chamado “comércio de prejuízos” (vide. neste sentido, Nuno de Oliveira Garcia, in Prejuízos, Menos e Mais-Valias, Casos de Aplicação de Normas Anti-Abuso Específicas do Código do IRC, Revista de Direito e Gestão Fiscal, Fiscalidade, Nº 29, janeiro-março 2007, pág. 109.). O artigo 47, do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos, tinha o seguinte teor, com relevância para o caso que nos ocupa: “Artº.47 (Dedução de prejuízos fiscais) 1-Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores. (…) 8-O previsto no n.º 1 deixa de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que, em relação àquele a que respeitam os prejuízos, foi modificado o objecto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da actividade anteriormente exercida ou que se verificou a alteração da titularidade de, pelo menos, 50% do capital social ou da maioria dos direitos de voto. 9- O Ministro das Finanças pode autorizar, em casos especiais de reconhecido interesse económico e, mediante requerimento a apresentar na Direcção-Geral dos Impostos, antes da ocorrência das alterações referidas no número anterior, que não seja aplicável a limitação aí prevista. (…)” In casu, de entre as limitações matérias impostas, apenas importa a “alteração da titularidade”, atenta a fundamentação em que assenta a correcção impugnada, ficando assim de fora “alteração da natureza da actividade” e a “alteração do objecto social”. A limitação contida, no artigo 47, nº. 8, do CIRC in fine, foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pela Lei 39-A/2005, de 29.07, consagrando uma cláusula anti-abuso especial, além do mais, acrescentando como nova causa de exclusão do direito ao reporte de prejuízos, a constatação de que no fim do período de tributação a que respeitam os lucros declarados, se verifique uma alteração da titularidade de, pelo menos, metade do capital ou de mais de metade dos direitos de voto, em comparação com o fim do período de tributação em que foram gerados os prejuízos cuja dedução se pretende. O normativo em exame introduziu no sistema do IRC um factor de aumento da matéria colectável exterior ao próprio sujeito passivo, posto que pode estar fora do controlo de uma sociedade (ou dos sócios) a transmissão de participações do seu próprio capital (cfr.v.g. transmissão de participações sociais no caso da transmissão "mortis causa"). A norma visava evitar que os sujeitos passivos realizassem operações de aquisição de capital de natureza meramente fiscal, em concreto, com a redução do lucro tributável através da dedução dos prejuízos fiscais gerados pela sociedade. Por outras palavras, o legislador pretendeu evitar, como já aludimos, ao "comércio de prejuízos" ou a prática de compra e venda de sociedades com prejuízos fiscais em dedução, com a finalidade de aproveitamento desses prejuízos por parte dos novos detentores do capital (cfr. neste sentido Nuno de Oliveira Garcia, in ob. cit, pág.105 e seg.; Manuel Anselmo Torres, in ob. cit. pág.111 e seg. e Gustavo Lopes Courinha, in A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág.91 e seg.). Em suma, a medida em causa faz depender a possibilidade de reporte de prejuízos fiscais à manutenção de uma identidade da participação social, ou seja, a entidade no período fiscal em que são apurados os prejuízos tem de ser a mesma entidade no período fiscal em que se pretende deduzir os prejuízos ao lucro tributável. No caso em apreço, se atentarmos aos factos e à sua cronologia, a situação evidenciada em 31.12.2007 decorre da doacção por conta da quota disponível do pai («AA») ao filho («DD»), pelo que cumpre ponderar se nos encontramos tal e qual foi configurada pela AT perante uma situação de impossibilidade de reporte de prejuízos fiscais decorrente do artigo 47º, n.º8 in fine do CIRC, sendo certo que a alteração da titularidade ocorreu no âmbito de um acto de vontade de um dos seus sócios, no caso do sócio «AA» (pai) detentor das quotas de 25% + 25% na [SCom01...], sendo que a mesma ainda que antecipe em si uma transmissão de participações sociais por mortis causa (em que como defende a doutrina, não cuida a limitação), dela de distancie atento o seu carácter voluntário. Exemplificando, a situação mortis causa, A e B constituíram uma sociedade para abrir um hotel em 2007, detendo cada um 50% do capital do mesmo, no primeiro ano não apresentou lucro (atendendo à necessidade de investimento inicial para aquisição de bens), no segundo ano -2008 já apresenta um resultado positivo. Porém, o A falece assim que acaba o primeiro ano fiscal 2007. Ora, no exercício que lhe sucede, como ocorreu uma alteração da titularidade da sociedade, os prejuízos fiscais apurados no primeiro exercício (2007) não podem, na aplicação literal do n.º 8 do artigo 47º do CIRC, ser considerados, e isto porque há limitações de reporte quando o lucro seja realizado com uma maioria de capital ou de votos diferentes, assim, os prejuízos fiscais como que caducam com a morte do titular A. Estamos manifestamente, no exemplo mencionado, perante aplicação de uma medida que se objectiva para o combate à evasão e fraude fiscal, com um efeito severamente nocivo no alcance de uma tributação real, imposta por um acto não voluntário das partes, a exigir nestas situações que se apele a eventuais princípios fiscais que se mostrem violados. Pode ocorrer também a situação em que os sócios, individualmente e sem qualquer conexão entre eles, procedam à alienação das suas participações sociais, sendo cada uma dessas alienações uma transmissão de participações minoritária, mas que no conjunto total seja uma transmissão de participações que altere a titularidade da sociedade em mais 50% do capital social. Foi precisamente o que ocorreu nos autos, em que o detentor de duas quotas de €250.000,00, que somadas perfazem 50% do capital social, cedeu por via de doacção pela quota disponível, e transmitiu ao seu filho «DD», através de dois actos, temporalmente distintos, aquelas participações socais. Mas dissertemos um pouco mais, com apoio na doutrina e alterações legislativas, entretanto operadas, sobre a limitação à dedução de prejuízos por “alteração da titularidade”. Relativamente a esta limitação, Anselmo Manuel Torres in ob. cit. pág. 121 e ss, considera que não é justificável a oneração que se faz recair sobre a sociedade e os sócios. Aquele autor coloca a situação em paralelo com a situação de transmissões de participações de sociedades que gozem de benefícios fiscais, nestas o benefício fiscal não é perdido, nem sofre qualquer oneração. Da mesma forma que terá um valor mais elevado uma participação de uma sociedade tributada a uma taxa reduzida, também é justificável que o mesmo suceda a uma participação de uma sociedade com prejuízos, sem que o facto se considere um abuso. Desta forma, o autor considera que atendendo ao facto de que as sociedades devem ser tributadas segundo a sua capacidade contributiva e que a transmissão de participações numa sociedade não faz aumentar a mesma, não há qualquer justificação para que haja um aumento da matéria colectável pela desconsideração de prejuízos fiscais verificados noutros períodos de tributação, considerando que a valorização das participações sociais numa sociedade com prejuízos dedutíveis não se traduz numa situação abusiva. Perante o exposto, Anselmo Torres epiloga observando da inconstitucionalidade da limitação por violação dos artigos 13º e 104º, nº 2, da CRP, in ob cit pág. 123, nota 3. E, Nuno de Oliveira Garcia, in ob. cit. pág. 109 e 110, acentua o facto de o referido n. º 8 in fine consubstanciar uma norma anti-abuso específica que visa combater um comportamento determinado, de forma automática, impedindo a formação de um determinado efeito jurídico, qual seja, a dedução de prejuízos nos termos do n.º 1 do artigo 47º do CIRC (actual 52º). Defende, prosseguindo, que a norma parece fundar-se na presunção de que da alteração de uma titularidade de uma sociedade se tem por efeito a obtenção de economias fiscais através de dedução dos prejuízos fiscais. Mais avançando que existem situações em que se coloca a dúvida de saber se os eventuais prejuízos apresentados pela sociedade, apesar de, jurídica e directamente, em pelo menos 50% o sócio ser formalmente outro, devem ou não serem afectados. Ou seja, importa em certas situações apurar se a noma anti-abuso especifica consagrada no n. º 8 do artigo 47º, quando interpretada literalmente e aplicada a casos em que a tutularidade económica se mantém, conduz a situações inaceitáveis, e, nessa medida, carece, para estes casos, de uma interpretação conforme a Constituição. Cientes destas considerações, cumpre não olvidar que as normas fiscais estão sujeitas a reserva de lei, porém o legislador tem uma margem de livre decisão na sua concretização, aproximando-se nuns casos mais do tipo médio ou frequente e noutros casos mais das circunstâncias individuais. A opção por normas tipo decorre de questões de praticabilidade e de complexidade dos direitos fiscais contemporâneos (vide neste sentido, Ana Paula Dourado in O Princípio da Legalidade Fiscal: Tipicidade, Conceitos Jurídicos Indeterminados e Margem de Livre Apreciação, Almedina, 2007, pág. 624). Não é possível, nem razoável que todas as situações sejam apreciadas caso a caso, pelo que é aceitável e desejável que, tendo em conta as circunstâncias mais comuns e prováveis, se recorra a normas jurídicas para tipificar como admissíveis ou não determinados comportamentos, a chamada tipificação legal. Ou seja, apesar de se reconhecer que nem todas as situações envolvendo uma alteração de titularidade e a existência de prejuízos fiscais resultam em situações abusivas, como demonstrado com referências às posições doutrinais expressas, certo é que a opção então do legislador (em 2005) de forma a garantir a segurança jurídica, a exactidão e soluções de litígio passou por dar preferência à tipificação da limitação à dedução de prejuízos através de uma norma geral e abstracta. Assim, apesar de reconhecermos que estarmos perante uma norma redutora (atenta a redacção então em vigor), certo é que na sua concreta interpretação literal se mostra correcta a correcção da AT em apreço, atentos os factos supra elencados e a limitação expressa naquele n. º8 do artigo 47º, in fine, o ter ocorrido uma “alteração da titularidade de pelo menos 50%”. A que acresce estarmos perante um acto de vontade na determinação da alteração da titularidade da sociedade em 50% (25% + 25%), por via da doação das duas quotas de que era detentor por parte do «AA» (pai) ao «DD» (filho). Razão pela qual acompanhamos a sentença recorrida, a que acresce a presente fundamentação, quando ela conclui que: «De acordo com a factualidade provada, no ano de 2007 ocorreram alterações na titularidade de 50% do capital social da Impugnante (conforme alíneas O) e P) do probatório), sendo que, não logrou a Impugnante demonstrar que o “novo” sócio «DD» “participava na gestão” da sociedade a que se alude em R) dos factos provados e que, por essa via, não se verificou qualquer distinção no que toca à repartição do capital social, “que continuou a ser detido pela família”. Atento o sobredito, é inevitável concluirmos pela aplicação da limitação prevista no n.º 8, do artigo 47.º do Código do IRC, na redação aplicável – realizando os RIT em causa, ao aludirem ao artigo 52.º do referido diploma, uma mera atualização da identificação da norma, cujo teor, conforme a própria Impugnante reconhece, corresponde ao atual artigo 52.º, n.º 8 (...)» Prosseguindo no conhecimento de recurso, imporia entrar na análise da preconizada inconstitucionalidade do n. º8 do artigo 47º do CIRC por estabelecer sem fundamento de proporcionalidade (artigo 18º da CRP), uma limitação do direito à livre iniciativa económica privada (artigo 61º da CRP) e, por último violação do artigo 56º n.º 1 do Tratado da União Europeia, limitado que se encontra este Tribunal ad quem aos argumentos avocados em sede de petição inicial e ao conhecimentos que sobre os mesmos o Tribunal a quo emitiu. No entanto, na ausência de uma qualquer alegação de nulidade por omissão de pronúncia e/ou erro de julgamento de direito, o conhecimento dos mesmos se mostra precludido quanto aqueles argumentos esgrimidos em sede de petição. Cumpre, no entanto, atentar, que a este Tribunal de recurso sempre cumprirá conhecer de questões que se relevem de conhecimento oficioso. Vejamos. Em sede de recurso, vide as conclusões de recurso, a Recorrente afasta-se das razões preconizadas em torno do princípio da proporcionalidade e limitação da iniciativa económica privada, que deixa precludir, para envergar por um outro caminho fazendo apelo a variadíssimos princípios, tais como, os princípios de imparcialidade, justiça e da tributação pelo rendimento real, de consagração constitucional - 103º, 104º e 266º da CRP. Pois bem, quanto aos elementos agora enunciados, estamos perante matéria que envolve questões que não foram apreciadas pelo Tribunal Recorrido, por perante o mesmo não terem sido suscitadas, pois que percorrida a petição inicial subjacente à presente impugnação, não se encontra rasto da matéria que agora se pretende ver apreciada nos autos. Tal significa que se está perante uma questão totalmente nova e uma questão com uma nova configuração, integradas no processo através das alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, realidade até aí, em absoluto ausente do processo, não tendo sido suscitadas em qualquer peça processual nos termos agora apontados e não tendo, por isso, sido apreciadas na sentença. Assim, tal como se afirma no acórdão do STA de 13.03.2013, proferido no âmbito do processo nº 0836/12, “… como é sabido, e é jurisprudência uniforme, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova (cf. entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 28.11.2012, recurso 598/12, de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec.112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 2911.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1). Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões de conhecimento oficioso. Tem-se, assim, como assente que os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre – Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pág. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs.80-81. …”. Se bem que se esteja perante questão nova, certo é que a mesma é de conhecimento oficioso, pelo que cumpre a este Tribunal ad quem dela tomar conhecimento. Recorrendo a ampla jurisprudência do Tribunal Constitucional, temos por consabido que “o princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária” [in acórdão n.º 84/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.]. E, que o princípio da igualdade tributária pressupõe o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais, a capacidade contributiva é o tertium comparationis – leia-se, o critério – que há de servir de base à comparação. Neste sentido, o princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição ou pressuposto quanto como critério ou parâmetro da tributação [cfr. acórdão n.º 601/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt]. Prosseguindo, na esteira do mesmo acórdão, opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar”. Ou seja, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos (igualdade horizontal), e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (igualdade vertical). Outro dos corolários deste princípio é precisamente a tributação do rendimento líquido do contribuinte, de onde deflui uma exigência de dedução das despesas necessárias à angariação do próprio rendimento. Tributar o lucro real das empresas, por seu turno, significa atingir a matéria coletável auferida pelo sujeito passivo, pelo que a tributação do lucro real é, também, uma decorrência necessária do princípio da capacidade contributiva (cfr. o acórdão n.º 162/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Já o reporte de prejuízos, previsto no artigo 52.º, do CIRC, justifica-se em razão de uma lógica de solidariedade dos exercícios. Ou seja, como já referimos, não obstante a regra ser a da periodização do lucro acompanhada da correspondente anualidade do imposto, os efeitos fiscais desta periodização tendem a ser minimizados através de algumas medidas, entre as quais se integra o reporte de prejuízos (para a frente e para trás). Permite-se, assim, a comunicação dos prejuízos de um exercício aos lucros de outro exercício, “como forma de o imposto sobre os lucros ser equitativo e respeitar, afinal, a capacidade contributiva dos sujeitos sobre que incide” (Freitas Pereira, “O regime fiscal do reporte de prejuízos – princípios fundamentais, Estudos em Homenagem à Dra. Maria de Lourdes Correia e Vale, Lisboa, 1995, p. 223) e o princípio da tributação segundo o lucro real. O legislador, ciente de que o reporte de prejuízos, apesar de mais adequado ao modo como flui o rendimento das empresas, é factor de erosão de receitas fiscais, estabeleceu limites ao mesmo, entre os quais o aqui em apreço da “alteração da titularidade social”, que cumpre compatibilizar-se com o desiderato dos impostos, que passa pela satisfação das necessidades financeiras do Estado (cfr. artigo 103.º, n.º 1, da CRP). Como já referimos supra, a norma em apreço (artigo 47º, n.º 8 do CIRC, actual 52º, n.º 8) contém em si uma limitação demasiado restritiva. A propósito das injustiças que decorrem de uma alteração da titularidade meramente formal em contraposição a uma alteração material, cedo a doutrina, AT e o próprio legislador fiscal, sentiu a necessidade de restringir a própria limitação à dedução de prejuízos fiscais. Veja-se a posição assumida pela Administração Fiscal em sede de informação vinculativa, veiculando que “o nº 8 do artigo 47º do Código do IRC deve ser interpretado no sentido de que a limitação do direito de dedução de prejuízos decorrente da alteração da titularidade de, pelo menos, 50% do capital social ou da maioria dos direitos de voto não será aplicável nas situações em que se verifique que os novos titulares do capital já anteriormente detinham indirectamente a maioria do capital e a alteração da titularidade decorra de uma operação de reestruturação efectuada ao abrigo do regime especial de neutralidade estatuído nos artigos 67º e seguintes do Código do IRC” (Informação Vinculativa, no processo 104/2006, Despacho de 04/01/2008 do SEAF; e ainda, no mesmo sentido, v. Informação Vinculativa, 2370/2006 e 2539/2008, sancionados por despacho, de 2008.10.29 e de 27/10/2008, do Subdirector-Geral, como substituto legal do Director-Geral) E, levou o legislador a ponderar da necessidade de terem de ser salvaguardas algumas situações, mormente excluindo da aplicação da norma as situações de sucessão por morte, aplicação do regime de neutralidade nas reestruturações (artigos 73º e ss. do CIRC), aquisições de controlo, quando efectuadas por quem já detinha uma participação significativa à data do apuramento dos prejuízos ou por parte de órgãos sociais ou trabalhadores do sujeito passivo (neste sentido vide Comissão para Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas - 2013, Anteprojecto da Reforma…, pág. 146 e 147), alterações que viriam a ocorrer em 2013. Paradigmático, do exposto, são as alterações infligidas ao artigo 52º do CIRC por via do Orçamento de Estado de 2023, que visa facilitar as empresas a reportar prejuízos fiscais. Se a alteração mais significativa se prende com a eliminação do limite temporal de dedução de prejuízos fiscais das entidades sujeitas a IRC e alteração do valor a deduzir. Para o que ora nos importa, cumpre atentar que o artigo 52º, n.º 8, do CIRC, na sua nova redacção, estabelece que a dedução de prejuízos fiscais não é aplicável quando se verificar que, até à data do termo do exercício em que é efetuada a dedução face ao exercício a que respeitam os prejuízos, se verificou uma alteração da titularidade de mais de 50% do capital social ou da maioria dos direitos de voto e, bem assim que, se a conclusão da operação não teve como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a evasão fiscal, o que pode considerar-se verificado, nomeadamente, nos casos em que a operação tenha sido realizada por razões económicas válidas, a limitação não opera, eliminando o mecanismo que então vigorava de superação da limitação por via de pedido de autorização do Serviço de Finanças. Ou seja, o tempo, por via das múltiplas alterações legislativas, ditou que actualmente a redacção em vigor se reconduza ao seguinte teor: “8 - O previsto no n.º 1 deixa de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efetuada a dedução, que, em relação àquele a que respeitam os prejuízos, se verificou a alteração da titularidade de mais de 50 % do capital social ou da maioria dos direitos de voto, exceto quando se conclua que a operação não teve como principal objetivo, ou como um dos principais objetivos, a evasão fiscal, o que pode considerar-se verificado, nomeadamente, nos casos em que a operação tenha sido realizada por razões económicas válidas. (Redação da Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro) 9 - Para efeitos do número anterior, não são consideradas as alterações: (Redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro) a) Das quais resulte a passagem da titularidade do capital social ou dos direitos de voto de direta para indireta, de indireta para direta, bem como das quais resulte a transmissão daquela titularidade entre sociedades cuja maioria do capital social ou dos direitos de voto seja detida direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, por uma mesma entidade; (Redação da Lei n.º 82-C/2014, de 31 de dezembro) b) Decorrentes de operações efetuadas ao abrigo do regime especial previsto nos artigos 73.º e seguintes; (Redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro) c) Decorrentes de sucessões por morte; (Redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro) d) Quando o adquirente detenha ininterruptamente, direta ou indiretamente, mais de 20 % do capital social ou da maioria dos direitos de voto da sociedade desde o início do período de tributação a que respeitam os prejuízos; ou (Redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro) e) Quando o adquirente seja trabalhador ou membro dos órgãos sociais da sociedade, pelo menos desde o início do período de tributação a que respeitam os prejuízos. (Redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro)” Em suma, actualmente o regime é muito menos limitativo e, mesmo na limitação prevalecente o legislador mitigou a mesma por via de uma análise casuística, assente que impõe que se chegue à conclusão de que a operação teve como principal objetivo, ou como um dos principais objetivos, a evasão fiscal a depender uma aferição das razões económicas que subjazem aquela alteração da titularidade social em mais de 50%. Em suma, a imposição da limitação material à dedução de prejuízos fiscais depende do preenchimento de um conceito indeterminado, qual seja o de “razões económicas válidas”, que cumprirá a aplicador, doutrina e jurisprudência fixar os seus parâmetros. Volvendo aos autos, atentemos que estamos perante duas doações, cada uma correspondente a uma quota de €250.000,00 que «AA» (pai) detinha da Recorrente, bastava que a segunda das doações que ocorreu tivesse sido concretizada em janeiro de 2008, e a limitação à dedução dos prejuízos do n.º 8, in fine, do artigo 47º do CIRC não teria aplicabilidade. Por outro, estamos perante uma sociedade que em 2007 deu prejuízo e nos exercícios seguintes 2008 e 2009 dá lucro, quem sabe, se essa reviravolta na sociedade, não é precisamente fruto da transmissão das quotas para o «DD» (filho), que com o seu espírito inovador, empreendedor e capacidade empresarial foi preponderante na viragem que a sociedade logrou. Será que impedir, numa circunstância como a que se encontra em apreço, o reporte de prejuízos fiscais, não levanta problemas de compatibilização como o princípio da tributação pelo lucro real a exigir a prevalência do mesmo perante uma norma anti- abuso tão restritiva? É manifestamente o presente caso. Desde logo, não logramos alcançar um qualquer comportamento abusivo e a manutenção da liquidação impugnada resultaria na tributação de um rendimento de elevado valor que, em termos reais, a Recorrente não teria se lhe fosse permitido a dedução dos prejuízos fiscais de 2007, os quais nunca foram postos em causa pela AT, dedução essa que só não lhe é permitida por força da alteração da titularidade social ocorrida naquele ano, ou seja, em ofensa grave ao princípio da capacidade contributiva ou, se se quiser, ao princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real. Estes dois princípios são, pela sua natureza, estruturantes do nosso sistema fiscal. Já a limitação à dedução dos prejuízos fiscais, como vimos, é uma norma anti abuso, têm um caracter excepcional que visa, em primeira linha, obstar a um comportamento evasivo, por via de “economias de prejuízo” que visam contornar o apuramento de um resultado que espelhe a realidade económica da empresa. Cremos assim, que a situação dos autos deve ser conciliada com a operância de outros primados, atuantes ao nível da disciplina jurídica global dos tributos, norteadores da actividade da autoridade tributária e aduaneira (AT), particularmente, os princípios da legalidade e da justiça, objetivando o melhor equilíbrio, possível, entre os respetivos domínios, de molde a obter um resultado justo, capaz de, por um lado, defender o interesse público da obtenção de receitas para satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades e, por outro, respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos. Posto isto, presente a factualidade que enforma a relação jurídico-tributária subjacente, sem prejuízo de, num primeiro momento, ter sido correcto defender, tal como, delimitação abstracta e geral fixada por lei à dedução de prejuízos fiscais, que atentas a alteração de titularidade social em pelo menos 50% no ano de 2007, não era legalmente admissível a dedução dos prejuízos daquele exercício nos anos de 2008 e 2009 que lhe sucederam, certo é que perante todo o exposto ao julgador cumpre infirmar aquele juízo por força dos princípios aclamados. Por todo o exposto somos de concluir que ocorre na situação concreta, ilegalidade das liquidações adicionais impugnadas, em virtude de as mesmas assentarem numa interpretação literal a exigir a prevalência dos princípios constitucionais aclamados. Temos assim que a liquidação impugnada, atenta a sua fundamentação, conduz a um resultado manifestamente iníquo, sem qualquer justificação racional, pelo que não pode ser mantida, o que determina a procedência da impugnação, o que se determinará a final. 2.3. Conclusões I. Constitui prejuízo fiscal o saldo negativo entre os proveitos ou ganhos e demais variações patrimoniais positivas e os custos ou perdas e demais variações patrimoniais negativas susceptíveis de concorrer para o lucro tributável de um sujeito passivo de IRC num dado período de tributação. II. O prejuízo fiscal é, em princípio, um corolário da periodização do lucro tributável, isto é, constitui, tendencialmente, uma mera consequência da particular extensão temporal do período por referência ao qual se determina a obrigação de imposto III. A dedução de prejuízos fiscais de exercícios tributários anteriores, sistema de reporte de prejuízos consagrado na lei fiscal portuguesa ("carryforward method"), visa neutralizar os efeitos perniciosos da periodização do lucro tributável na tributação das sociedades. Com este pressuposto, esta exigência fiscal é imposta pelos princípios da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real e da igualdade, vertidos nos artigos 103º, 104º, nº.2, e 13º, todos da Constituição da República Portuguesa. IV. Consagrando o artigo 47, nº. 8, do CIRC (actual artigo 52, nº. 8, com redacção muito menos limitativa), uma cláusula anti-abuso especial, além do mais, pela simples constatação de que no fim do período de tributação a que respeitam os lucros declarados, se verifique uma alteração da titularidade de, pelo menos, metade do capital em comparação com o fim do período de tributação em que foram gerados os prejuízos cuja dedução se pretende. V. Perante a situação concreta, pode vir a ser afastada a sua interpretação literal em prevalência dos princípios de consagração constitucional, da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real e da igualdade 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgando-se acção procedente com todas as consequências legais. Custas a cargo da recorrida, com dispensa do pagamento de taxa de justiça nesta instância, por não ter contra-alegado. Porto, 10 de abril de 2025 Irene Isabel das Neves Jorge Costa Rui Esteves |