Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02142/18.7BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/06/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES
Descritores:PROCESSO DE AVERIGUAÇÕES; PROCESSO DISCIPLINAR;
INFRACÇÃO DISCIPLINAR; PENA DISCIPLINAR DE SUSPENSÃO;
APLICABILIDADE DA LEI N.º 38-A/2023, DE 02 DE AGOSTO; EXCEPÇÃO DE APLICAÇÃO DA LEI DE AMNISTIA;
Sumário:
1 - Conforme se extrai do corpo da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto, e em torno da amnistia de infracções disciplinares, o legislador dispôs que a mesma deve ser aplicada se as infracções disciplinares, em suma, tiverem sido praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, se não constituírem simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela Lei, e caso a sanção aplicável não seja superior a suspensão [Cfr. artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 7.º do referido diploma legal].

2 – Sendo certo que o Tribunal a quo podia aplicar a Lei da Amnistia como assim constante dos artigos 11.º e 14.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, na medida em que sempre essa aplicação tem de ser casuística, com ponderação dos termos e pressupostos de que depende a sua aplicação, temos que na situação em apreço nos autos, errou o Tribunal a quo no julgamento por si prosseguido, ao julgar que a ser instaurado processo disciplinar, a pena não seria superior a suspensão, quando, por um lado, a actuação do Contra interessado é/seria passível de procedimento criminal cuja pena abstractamente considerada é de prisão até 3 anos, e por outro lado ainda, estando em causa a violação de um direito fundamental de um cidadão por parte de um agente de uma força de segurança, sempre e de todo o modo, a situação em apreço objecto de apreciação no processo de averiguações, não poderia beneficiar da aplicação de amnistia, pois que a situação cairia no âmbito do disposto no artigo
7.º, n.º 1, alínea k) da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto.

3 – Tendo subjacente o disposto no artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, na medida em que que estamos perante uma infracção disciplinar que constituía simultaneamente um ilícito penal, e cuja moldura penal abstractamente considerada [por ser patente a manifesta ocorrência de detenção ilegal] é de pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, e porque em face do cicunstancialismo apurado, a aplicação da Lei da Amnistia está excepcionada pelo legislador nesta situações, errou o Tribunal a quo no julgamento por si prosseguido, quando veio a julgar extinta a instância por julgar ocorrer uma inutilidade superveniente da lide.

4 – A instância não podia ser julgada extinta porquanto inexistia fundamento de tanto determinante, já que concorrente com a infracção disciplinar [Cfr. artigos 2.º, 3.º, 4.º, 20.º, e 21.º, n.º 1 e 2, alíneas a), c) do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana, aprovado pela Lei n.º 145/99, de 01 de setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 66/2014, de 28 de agosto], que abstractamente considerada, é determinante da aplicação de pena disciplinar superior a suspensão [i.e., suspensão agravada, ou separação de serviço], está o ilícito criminal tipificado no artigo 382.º do Código Penal, devendo os autos prosseguir termos, que a final passará por saber se o acto administrativo deve ser expurgado da ordem jurídica, por via do conhecimento do mérito do pedido na sua vertente anulatória.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


«AA» [devidamente identificado nos autos] Autor na acção que intentou contra o Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana [também devidamente identificado nos autos], e onde identificou como Contra interessado «BB» [também com os devidos sinais nos autos], visando a decisão do recurso hierárquico [datada de 07 de junho de 2018] por si apresentado no dia 23 de março de 2018, e pela qual, em suma, foi parcialmente rejeitado [o recurso hierárquico] com fundamento em carecer de legitimidade, e no demais, foi negado provimento ao recurso confirmando a decisão recorrida, que o foi no sentido do arquivamento do processo de averiguações, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, por via da qual o Tribunal a quo [tendo julgado amnistiadas as infracções disciplinares porque o eventual quadro sancionatório não determinaria a aplicação de pena disciplinar superior a suspensão], por efeito da amnistia decorrente da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, veio em consequência, a determinar a inutilidade superveniente da lide, com a consequente extinção da instância, veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES
I. Porque a douta Decisão padece de erro de julgamento de direito por errada interpretação e aplicação conferida às normas constante dos artigos 6.º da Lei n.º 38A/2023, de 02-08; 18.º, 20.º, 21.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a), c) e d), 27.º, n.º 2, 33.º e 41.º, n.º 2, alínea b) e c), todos da Lei n.º 145/99, de 01-09; e 277.º, n.º 1, alínea e), do CPC;
II. Porque o recorrente não sufraga o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, uma vez que os factos por si denunciados, na hipótese que os mesmos se darão como verificados num processo disciplinar, consubstanciam uma infração disciplinar muito grave cujo quadro sancionatório previsto irá para além da aplicação de uma sanção disciplinar de suspensão, e, por conseguinte, inviabiliza a aplicação in casu do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08;
III. Porque a conduta atribuída ao contrainteressado, decorrente dos factos denunciados pelo recorrente, não é passível de ser amnistiada.
IV. Porque afastada a aplicação do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08, ao caso concreto, não ocorre a inutilidade superveniente da lide, já que não há que se falar nos efeitos extintos da amnistia, devendo a presente ação prosseguir os seus demais termos até final
V. Porque a utilização da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08, como subterfúgio para o Tribunal a quo aliviar a carga de processos pendentes, afronta à CRP e viola os princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, ambos consagrados no artigo 20.º da carta magna, visto que declarar amnistiada uma infração disciplinar, com base num juízo hipotético, futuro e incerto, sem sequer proferir uma Decisão, consubstancia uma privação da Justiça, para além de uma verdadeira injustiça.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER ACEITE E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVERÁ A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA SER ARREDADA E, EM SUA SUBSTITUIÇÃO, SER PROFERIDO DOUTO ACÓRDÃO QUE ORDENE O PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO ADMINISTRATIVA INTERPOSTA PELO RECORRENTE, SEGUINDO-SE OS DEMAIS TERMOS ATÉ
FINAL.
SÓ ASSIM SE FARÁ, COMO É TIMBRE, A COSTUMADA JUSTIÇA!
[…]”

**

O Recorrido, assim como o Contra interessado, não apresentaram Contra Alegações.

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

**

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, que o foi no sentido da sua improcedência, por se mostrarem preenchidos os pressupostos legais que são causa de extinção da responsabilidade disciplinar do Contra interessado, por efeito da aplicação da Lei de Amnistia, e a final, da manutenção da Sentença recorrida, quanto ao que o Recorrente veio a emitir pronúncia em sede do exercício do direito ao contraditório.

***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitadas pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões apresentadas consistem, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito.

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III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO

Para efeitos de prolação da Sentença recorrida, o Tribunal a quo não fixou matéria de facto, decorrendo porém do Relatório elaborado que tal assim sucedeu por ter julgado o Tribunal recorrido ser de apreciar e decidir da inutilidade superveniente a lide, que como assim emerge do dispositivo, foi determinante da extinção da instância.

Tendo em vista conhecer do mérito do recurso interposto pelo Recorrente, e como assim emerge da instrução dos autos, em face das incidências processuais deles constantes, tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, julgamos ser de fixar a seguinte factualidade concreta:

1 – No dia 13 de agosto de 2016, às 04,30 horas, precedendo a realização de patrulha rodoviária, foi elaborado auto de notícia no posto territorial de ... da GNR, tendo por referência factos ocorridos às 02,43 horas desse mesmo dia na Avenida ..., em ..., visando «AA» – Cfr. fls. 16, 16 e 17 do Processo Administrativo;

2 – No âmbito da realização da referida patrulha rodoviária, o visado «AA» foi submetido a teste de alcoolémia com recurso a aparelho analisador quantitativo – Cfr. fls. 16, 16 e 17 do Processo Administrativo;

3 – Não tendo o visado «AA» soprado no dito aparelho que iria medir a taxa de alcoolémia em termos que nele fosse produzido registo bastante, extrai-se daquele auto de notícia Cfr. fls. 16, 16 e 17 do Processo Administrativo -, como assim relatou «BB», o que, por facilidade, ora segue:

“[…] advertiu que caso não efectua-se o teste estaria a incorrer num crime de desobediência e seria detido, facto que viria a ocorrer pois novamente o senhor não acatou a ordem.
Foi então dada voz de detenção ao senhor «AA» e informando o mesmo que teria de nos acompanhar ao Posto a fim de realizar o respectivo expediente […].
[…]
Os militares tiveram de usar a força mínima e estritamente necessária para proceder à detenção. Como o visado se encontrava alterado foi efectuado o procedimento de segurança, quer para os militares quer para o visado, nomeadamente a algemagem dificultada propositadamente pelo visado, agarrando-se a uma grade ali existente.
[…]
Antes de os militares abandonarem o local de detenção a esposa do visado questionou o participante do que iria passar a seguir, tendo este informado a mesma que o visado se encontrava detido e ía ser transportado ao Posto para realização de expediente […].
[…]
Já no interior do Porto, durante a elaboração da respectivo expediente do processo de detenção, e por o visado se demonstrar mais calmo foram retiradas as algemas ao mesmo.
[…]”

3 – Do “boletim individual do detido”, elaborado por «BB», consta entre o mais, que a causa da detenção foi por “desobediência”, tendo sido relatado em sede dos incidentes ocorridos durante a detenção o que para aqui se extracta, como segue:

“[…]
O ora arguido no momento da detenção mostrou-se sempre bastante agressivo para com os militares desta Guarda. […] foi necessário recorrer à força estreitamente necessária para proceder à detenção, devido à postura agressiva do ora arguido o mesmo foi algemado para segurança quer dos militares quer do mesmo durante o transporte para o Posto desta Guarda. […]
[...]“

4 – O visado «AA» foi julgado em processo sumário [Processo n.º 201/16...., da Comarca de ... – ... – Secção criminal – J...] pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 248.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, por remissão do artigo 152.º, n.º 3 do Código da Estrada e 69.º do Código Penal, bem como de um crime de injúrias agravada, previsto e punido pelo artigo 184.º do Código Penal, tendo o arguido vindo a ser absolvido da prática do crime de desobediência, e condenado pela prática de um crime de injuria agravada – Cfr. fls. 25 a 30 do Processo Administrativo;

5 – Precedendo requerimento de «AA», foi aberto um processo de averiguações no seio da GNR, que correu termos vários, após o que foi proferido despacho de arquivamento em 05 de fevereiro de 2018 pelo Comandante do Comando Territorial ..., com fundamento, em suma, em não se confirmarem os indícios da prática de infracção disciplinar – Cfr. fls. 87 do processo Administrativo;

6 – Com referência a esse despacho de arquivamento, «AA» apresentou recurso hierárquico para o Comandante-Geral da GNR, que após corridos termos, e precedendo parecer emitido pela Direcção de Justiça e Disciplina [n.º 116/18, de 29 de maio], proferiu decisão datada de 07 de junho de 2018, em suma, no sentido da negação de provimento ao recurso hierárquico – Cfr. fls. 88 a 92 do processo Administrativo;

6 – Do parecer emitido pela Direcção de Justiça e Disciplina [n.º 116/18, de 29 de maio], em que se apoiou o Comandante-Geral da GNR, por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte, como segue:

“[…]
I. DOS ANTECEDENTES:
l. Em 06JAN17 deu entrada no Gabinete de Sua Excelência o Comandante-Geral uma denúncia disciplinar, subscrita pelo Sr. «AA», ora recorrente, contra o Guarda n.º ...78 — «BB», à data dos factos a prestar serviço no PTer de ... do CTer ... e atualmente a prestar serviço no PTer ... do CTer Porto, por, em síntese, ter sido alvo de alegadas agressões e detenção ilegal, fls. 33 a 51.
2. Enviada a denúncia a esta Direção, fi)i a mesma remetida pela nota n.º 377, de 16JANl7, à entidade com competência disciplinar para efeitos de consideração nos termos do artigo 84.º do RDGNR.
3. Após apreciação da denúncia, o Comandante do CTer ... determinou o seu arquivamento liminar, fls. 10 e 11.
4. Em 03AG017, o denunciante, pelo seu mandatário, apresentou recurso hierárquico do despacho liminar de arquivamento, fls. 31 a 32v.
5. Por despacho de 09NOV17 de Sua Excelência o Comandante-Geral, exarado no parecer n.º 178 17, de 23OUT17, desta Direção, foi concedido provimento ao recurso hierárquico e anulado o despacho liminar de arquivamento proferido pelo Comandante do CTer ..., determinando-se ainda a instauração do presente processo de averiguações, fls. 3 a 7.
6. Tramitado o processo de averiguações o instrutor concluiu que "não foi recolhida prova bastante que indicie a prática de infração disciplinar" propondo, a final, o seu arquivamento, fls. 81 a 86.
7. O Comandante do C Ter ..., concordando com o instrutor, determinou o arquivamento do processo de averiguações, fls. 87.
8. O mandatário do denunciante foi notificado (corretamente)1 do despacho de arquivamento em 09MAR18, fls. 107 e 108.
9. Não se conformando, interpôs escurso hierárquico do despacho de arquivamento em 29MAR18, fls. 88 a 93.
[...]
3. Quanto à alegada ilegalidade da detenção de que foi alvo
3.1. Analisado todo o acervo documental pertinente e constante do processo podemos dizer que a detenção de que o recorrente foi alvo (por reporte ao putativo crime de desobediência), ou, por outras palavras, que os pressupostos que estiveram na sua origem se encontravam numa "zona cinzenta", a exigir reflexão sobre a melhor interpretação de regras legais, tarefa muitas vezes dificil perante a exigência de tomadas de decisão prementes, como foi o caso.
3.2. No caso concreto o denunciado configurou a situação como crime de desobediência, procedeu à detenção, e elaborou o expediente da praxis.
3.3. Ora, se o militar tivesse a consciência de estar a efetuar uma detenção ilegal, podendo vir a ser acusado do crime de coação ou sequestro, naturalmente, de acordo com as regras comuns da experiência e do comportamento do "polícia médio", não o faria.
3.4. Repare-se que que a apreciação que in loco o denunciado efetuou e que veio a desembocar com a detenção do recorrente, não foi de uma ilegalidade ostensiva, ou seja, o não cometimento do crime de desobediência não era assim tão claro. E tanto não o era que o próprio Ministério Público acusou o recorrente da sua prática. Isto para dizer que não podemos exigir, em termos de capacidade de interpretação de disposições legais, mais a um militar da GNR do que se exige a um Procurador da República, que, como vimos, c s.m.o., terá interpretado a lei no mesmo sentido que o denunciado.
3.5. Da análise, nomeadamente da sentença judicial e auto de notícia, efetivamente resulta que o recorrente teve por alguns minutos privado da sua liberdade indevidamente, pois afinal não cometeu o crime de








desobediência pelo qual havia sido detido, e até acusado pelo MP, todavia esta privação da liberdade ilegal seria por pouco tempo, uma vez que o recorrente cometeu um segundo crime — pelo qual foi condenado — o que sempre determinaria a sua detenção. Para além disto, e em reforço do que acima dissemos, não podemos olvidar que a detenção (por um ou ambos os crimes) não mereceu qualquer reparo por parte do Ministério Público sendo por este validada.
3.6. Querer forçar a imputação de infração disciplinar ao denunciado seria o mesmo que quer imputar a um juiz de instrução a violação de um dever estatuário pelo facto de ter visto revogada uma decisão de aplicação de prisão preventiva com fundamento na falta dos seus pressupostos. Naturalmente que a realidade da vida não é assim. O vício do recorrente é partir do pressuposto de que todos aqueles que são chamados a interpretar e aplicar regras de Direito tomem, sempre e à primeira, a melhor das decisões. Só que o mundo não é assim, nem o sistema jurídico — em decorrência da natureza humana — o pressupõe, pois se o pressupusesse não existiriam instâncias de controlo das decisões tomadas na "base", tais como os tribunais de recurso.
3.7. Assim, não obstante reconhecermos a existência de uma detenção — ao contrário da posição assumida pelo instrutor no relatório final — que não deveria ter existido, também somos da opinião que o denunciado não cometeu qualquer violação de dever, mas mesmo que cometesse, pelos motivos acima expostos, não vemos como possível poder afirmar-se da existência de censurabilidade (culpa) na sua conduta.
[...]“

*

Com interesse para a decisão a proferir nada mais se julgou provado ou não provado. ~

Fundamentação.
A convicção deste Tribunal de recurso para efeitos de dar como provados os factos enunciados supra, teve subjacente o exame dos documentos constantes do Processo Administrativo a eles junto pelo Réu ora Recorrido [cujos teores e por facilidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos], ou por não terem sido objecto de impugnação, conforme referido em cada um dos pontos do probatório.

**

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., que precedendo a audiência prévia do Autor, no sentido de saber se mantém o interesse no prosseguimento dos autos, tendo subjacente que ainda não existe procedimento disciplinar, e que, ainda que a pretensão do Autor seja procedente, uma eventual sanção disciplinar poderá ficar hipoteticamente abrangida pelo âmbito do disposto nos artigos 2.º, n.º 2, alínea b) e 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, que preveem amnistia de infrações disciplinares praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos aí melhor definidos, veio a julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, e para tanto, com fundamento, em suma, de que caso o Contra interessado fosse punido pela prática das infracções que lhe vêm apontadas, que a sanção que lhe seria aplicável não seria superior à pena de suspensão, e nessa medida que as infracções disciplinares se encontram por isso abrangidas pela referida amnistia, e deste modo, julgou que se afigurava evidente ser inútil uma eventual anulação do arquivamento de um processo de averiguações para o seu prosseguimento como processo disciplinar relativamente a uma infração disciplinar que se encontra amnistiada, quanto ao que o Recorrente, com ela não se conformando, veio interpor recurso de Apelação, sendo que a final das Alegações de recurso peticionou a revogação da Sentença proferida e a sua substituição por Acórdão por via do qual seja determinado o prosseguimento da acção.

Como assim deflui da Sentença recorrida, o Tribunal a quo não conheceu do mérito do pedido formulado pelo Autor, por ter julgado nada se opor/justificar à aplicação da amnistia prevista naquela diploma legal, ocorrendo dessa forma a cessação da pena e os seus efeitos, o que tornou assim inútil o prosseguimento da lide, com fundamento, em suma, em que já não se impunha discutir a legalidade da pena disciplinar que lhe pudesse vir a ser aplicada no contexto de um procedimento disciplinar.

Neste conspecto, para aqui extraímos a essencialidade da fundamentação de direito aportada pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Por despacho de fls. 502 foi invocada a amnistia de infrações disciplinares, tendo as partes sido notificadas para exercerem o contraditório.
O autor pronunciou-se no sentido de manter interesse no prosseguimento dos autos. Vejamos.
Está em causa nos autos a aplicação do despacho de 07.06.2018 do TenenteCoronel, Comandante Geral da GNR, que rejeitou e negou provimento ao recurso hierárquico interposto pelo autor e confirmou a decisão recorrida de arquivamento do processo de averiguações.
Analisados os documentos juntos aos autos percebe-se que o autor apresentou denúncia contra o contrainteressado e que foi instaurado processo de averiguações, onde se concluiu que «não foi recolhida prova bastante que indicie a prática de infração disciplinar imputável ao visado, afigurando-se que atuou no estrito cumprimento dos deveres funcionais» e propondo-se o arquivamento do processo de averiguações, tendo sido determinado o arquivamento de tal processo.
A pretensão do autor é que seja anulada a decisão que determinou o arquivamento do processo de averiguações por entender existirem indícios de factos que suportam a existência de ilícito disciplinar praticado pelo contrainteressado.
Como se percebe pela leitura dos artigos 107.º e ss. do Estatuto Disciplinar da GNR o processo de averiguações é instaurado perante a existência de um vago rumor ou indícios insuficientes de infração disciplinar ou desconhecimento dos seus autores e visa investigar sumariamente de modo a recolher elementos factuais que permitam determinar se deve ou não ser ordenada a instauração de sindicância, inquérito ou processo disciplinar (artigo 108.º).
O arquivamento do processo de averiguações ocorre quando se entende não haver lugar a procedimento disciplinar (artigo 109.º, n.º 5, al. a) do Estatuto Disciplinar da GNR).
É neste quadro que se afigura que a amnistia inutiliza a pretensão material do autor que é ver o contrainteressado ser sancionado disciplinarmente pelos factos denunciados.
A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto aprovou um regime de perdão de penas e amnistia de infrações, que se aplica às “sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º”.
Por sua vez o artigo 6.º da mesma Lei determina o seguinte:
Artigo 6.º
Amnistia de infrações disciplinares e infrações disciplinares militares
São amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar.
Ora, atendendo aos factos denunciados pelo autor, e apenas por uma razão de argumentação, mesmo que se parta da hipótese que todos eles se darão como verificados num processo disciplinar, afigura-se o quadro sancionatório previsto não irá para além da aplicação de uma sanção disciplinar de suspensão (vejam-se as medidas disciplinares enumeradas no artigo 27.º, n.º 2 do Estatuto Disciplinar da GNR), o que significa que a infração disciplinar denunciada se encontraria abrangida pela amnistia referida.
Afigura-se evidente inútil uma eventual anulação do arquivamento de um processo de averiguações para o seu prosseguimento como processo disciplinar relativamente a uma infração disciplinar que se encontra amnistiada.
A amnistia constituí uma medida que extingue as infrações disciplinares que não sejam superiores a suspensão ou prisão disciplinar e não estejam em causa factos que constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela mesma Lei.
Assim, extinta a infração disciplinar, extingue-se necessariamente o procedimento disciplinar e a sanção disciplinar pelos factos imputados ao contrainteressado.
Deste modo, ocorre inutilidade superveniente da lide, já que o efeito extintivo da amnistia impede o prosseguimento do processo de averiguações arquivado como processo disciplinar.
Verifica-se, portanto, inutilidade superveniente da lide, havendo lugar à extinção da instância nos termos do artigo 277.º, n.º 1, al. e) do CPC.
[…]”
Fim da transcrição

Neste patamar.

Da Sentença proferida vem interposto recurso de Apelação pelo Recorrente, vindo referido que o Tribunal a quo violou, entre outros normativos, o disposto no artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, quando julgou ser inútil a continuação dos autos para efeitos de uma eventual anulação do arquivamento do processo disciplinar por em face do quadro sancionatório convocável estar apenas em perspectiva a aplicação de uma pena não superior a suspensão, e que ocorre assim a inutilidade superveniente da lide porque o efeito extintivo da amnistia é impeditivo da prossecução de termos no processo de averiguações que visa apurar ilícitos disciplinares que a final conduzem à aplicação de pena não superior à de suspensão.

Cotejadas as conclusões das Alegações de recurso apresentados pelo Recorrente, delas se extrai que o mesmo ancora o cerne da sua pretensão recursiva, no sentido de que a fundamentação de direito aportada pelo Tribunal a quo enferma de erro de julgamento, em suma, porque os factos por si denunciados, na hipótese de que os mesmos se darão como verificados num processo disciplinar, consubstanciam uma infração disciplinar muito grave cujo quadro sancionatório previsto irá para além da aplicação de uma sanção disciplinar de suspensão, e que por essa razão fica assim inviabilizada a aplicação in casu do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08, ou seja, que a conduta apontada ao Contra interessado, que está na base dos factos por si denunciados, não é passível de ser amnistiada, e a final, que não ocorre a inutilidade superveniente da lide.

Cumpre então apreciar e decidir.

Em face do que está patenteado sob as conclusões das respectivas Alegações de recurso, e tendo presente a factualidade dada por assente nos autos, julgamos que assiste total razão ao Recorrente.

Vejamos pois, por que termos e pressupostos.

Cotejada a Sentença recorrida, dela se extrai que em face dos perspectivados factos ilícitos imputados ao Contra interessado por parte do Autor ora Recorrente, e que foram objecto de processo de averiguações que correu termos no seio do Recorrido, e que foi arquivado, quanto ao que o Autor ora Recorrente interpôs recurso hierárquico, pedido a que foi negado provimento e mantido o decidido arquivamento com fundamento, em suma, na inexistência de indícios suficientes da prática/cometimento de factos passíveis de integrar ilícitos disciplinares, o Tribunal a quo veio a delimitar, de forma simples, os termos pelos quais, como assim julgou, eram os suficientes para efeitos de encontrar uma solução jurídica que aqui fosse plausível, por consentânea com o direito por si convocado, e que se centrava, a final, na aplicabilidade da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto.

Na base do seu julgamento estiveram os factos, assim como a natureza da infracção disciplinar passível de ser imputada ao Contra interessado, que o Tribunal a quo veio a subsumir, num juízo de prognose póstuma, a um quadro sancionatório que não irá além da pena disciplinar de suspensão, considerando nesse domínio o tempo em que a mesma foi praticada tendo por referência os factos que são imputados ao Contra interessado, e a final, a apreciação de que inexistia nos autos indício da concorrência de ilícito penal, e bem assim a entrada em vigor da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, na definição de base do seu âmbito objectivo e subjectivo de aplicação.

Nessa medida, tendo por pressuposto que a infracção disciplinar patenteada nos autos não constituía simultaneamente ilícito penal, o Tribunal a quo julgou pela inutilidade da lide, por inexistir qualquer interesse no prosseguimento da acção, julgando assim extinta a instância, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC.

Ora, se bem que a Sentença proferida não seja modelar, em termos de dela constarem enunciados de forma mais ou menos caracterizada, os factos sobre os quais foi prosseguida a incidência do direito aplicado, e neste conspecto também, se os factos imputados ao Contra interessado pelo denunciante, Autor ora Recorrente, eram susceptíveis de serem subsumidos no âmbito de qualquer norma legal, ou de qualquer tipo de crime que não estivesse a coberto da decidida amnistia, o que é certo, todavia, é que dela [Sentença] é possível extrair a fundamentação que foi determinante do julgamento que a final foi alcançado pelo Tribunal a quo.

Aqui chegados.

Sendo a Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, uma lei de amnistia, que não pode deixar de ser considerada uma providência de excepção, a mesma deve ser interpretada e aplicada nos seus precisos termos, sem que dela se possam fazer ampliações ou restrições que nela não venham expressas, não sendo admitida por isso o recurso a interpretação extensiva, restritiva ou analógica.

Como se retira, sem esforço interpretativo adicional, do disposto no referido artigo 11.º, a Lei é imediatamente aplicável [Cfr. artigo 14.º] à amnistia de infracções disciplinares, por assim o ter dito de forma expressa o legislador, o que deriva a final em que, a amnistia de infracções disciplinares, nos termos expressamente fixados pelo legislador é de aplicação imediata [reunidos que sejam os devidos requisitos], sem dependência de manifestação de vontade do visado, o que não significa, de todo o modo, que a lide deixe de ter utilidade e que a instância deva ser extinta.

Conforme se extrai do corpo da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto, e em torno da amnistia de infracções disciplinares, o legislador dispôs que a mesma deve ser aplicada se as infracções disciplinares, em suma, tiverem sido praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, se não constituírem simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela Lei, e ainda, que a sanção aplicável não seja superior a suspensão [Cfr. artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 7.º do referido diploma legal], e não esteja prevista excepção em torno da sua aplicação.

Em conformidade com o que assim resulta do probatório fixado por este Tribunal de recurso, em particular, do parecer lavrado no seio da GNR que antecedeu a prolação do despacho que recaiu sobre o recurso hierárquico, assim como na Sentença proferida no Processo n.º 201/16...., datada de 09 de setembro de 2016, pelo Tribunal, da Comarca de ... – ... – Inst. Local – Secção Criminal – J..., na situação em apreço nos presentes autos resulta claro que tendo por referencial o tempo da imputada prática da infracção [v.g., as data em que ocorreram os factos, como assim patenteados no auto de notícia elaborado em 13 de agosto de 2016], por aí estaria a mesma a coberto da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto.

Porém, dispôs ainda o legislador em torno da necessidade de perscrutar da existência de qualquer situação de exclusão da aplicação da amnistia [Cfr. artigos 4.º, 6.º e 7.º da referida Lei].

Nessa medida, a pena de suspensão que o Tribunal a quo, num juízo de prognose póstuma fixou como eventualmente passível de ser aplicável ao Contra interessado, estaria efectivamente amnistiada, se os factos que lhe foram imputados e que foram objecto de instrução no processo de averiguações instaurado no seio da GNR, não fossem eles também passíveis de enquadramento num tipo legal de crime, cuja pena aplicável não fosse superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa, ou também, designadamente, porque sendo o Contra interessado um elemento integrante de uma força de autoridade de segurança pública, que não estivesse o mesmo incurso numa qualquer situação de exclusão da aplicação da amnistia, designadamente por via do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea k) da referida Lei.

Como assim decorre do patenteado nos autos, e assim levado ao probatório, o Contra interessado violou a Lei, que lhe competia assegurar, pois que procedeu à detenção de um cidadão, assente num pressuposto nunca ocorrido de que, não soprando o cidadão [ou por não querer soprar] ao instrumento de medição do grau de alcoolémia, que estava por isso a cometer o crime de desobediência, tendo por isso, para cumprimento do expediente atinente à sua detenção, de ser levado ao Posto da GNR, e para tanto, procedido à colocação de algemas nesse cidadão.

Ou seja, ainda que por poucas horas, e sem qualquer fundamento de tanto determinante, o Contra interessado privou o Autor ora Recorrente da sua liberdade, enquanto direito fundamental garantido pela Constituição da República Portuguesa a todos os cidadãos, que só a podem ver limitada, nas concretas situações previstas na Lei.

Como assim resulta do probatório, e mais ainda, conforme se extrai da Sentença proferida no Processo que correu termos no Tribunal da Comarca de ..., o Contra interessado, enquanto agente de uma força policial destacada para efeitos de patrulhamento rodoviário, não actuou conforme assim lhe era legalmente imposto pelo artigo 153.º, n.ºs 7 e 8 do Código da Estrada, e pelo artigo 4.º, n.º 1 da Lei n.º 18/2007, de 17 de maio, pois que em face da factualidade com que se deparou, de não ter sido expelido pelo Autor ora Recorrente, por três vezes sucessivas, ar suficiente para a realização do teste em aparelho de medição quantitativa, o que muito claramente devia fazer o agente da força policial, e apenas, era iniciar um procedimento tendente à realização de análise ao sangue do cidadão.

A detenção do Autor ora Recorrente constituiu assim um acto ilícito, cuja prática, em desconformidade com o respectivo regime jurídico, é violador da Lei, e passível de punição nos termos gerais de direito.

Como assim dispõe o artigo 27.º, n.ºs 1, 2 e 5 da CRP, todos têm direito à liberdade e à segurança, sendo que ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade [a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança], e quando tal assim não suceda, em desrespeito pelo disposto na CRP e na Lei, sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, criminal e disciplinar que ao caso couber, está ainda o Estado Português constituído no dever de indemnizar o lesado a título de responsabilidade civil extracontratual pela prática de acto ilícito.

Efectivamente, revertendo ao que se aprecia nestes autos, a factualidade apreciada e decidida pelo Recorrido em sede do processo de averiguações é também ela passível de ser subsumida no disposto no artigo 382.º do Código Penal, cuja epigrafe é atinente a Abuso de poder.

Neste patamar, em face do que vem patenteado no processo de averiguações, e no que toca ao acto da autoria do Comandante-Geral da GNR, estando em apreço a forte indiciação do cometimento por parte do Contra interessado, de factos que a final vieram a derivar na detenção e algemagem do Autor ora Recorrente para a sua condução ao posto da GNR [que o foi, não para efeitos da sua condução a estabelecimento tendo em vista a colheita de sangue, antes porém, apenas, para tratar do expediente tendente ao tratamento da documentação visando a constituição do Autor ora Recorrente como arguido, pela prática do crime de desobediência, por não ter soprado cabalmente no aparelho], julgamos que sendo a moldura penal abstractamente aplicável de pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa [Cfr. artigos 382.º e 386.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal], pese embora os factos se reportarem a data anterior a 19 de junho de 2023, não cabe a situação na previsão do artigo 4.º, ex vi artigo 2.º, n.º 1 daquela Lei, e assim, não pode a infracção ser declarada amnistiada, nos termos dos artigos 2.º, n.º 2, alínea b) e 6.º, todos da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto.

Em suma, sendo certo que o Tribunal a quo podia aplicar a Lei da Amnistia como assim constante dos artigos 11.º e 14.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, na medida em que sempre essa aplicação tem de ser casuística, com ponderação dos termos e pressupostos de que depende a sua aplicação, temos que na situação em apreço nos autos, errou o Tribunal a quo no julgamento por si prosseguido, ao julgar que a ser instaurado processo disciplinar, a pena não seria superior a suspensão, quando, por um lado, a actuação do Contra interessado é/seria passível de procedimento criminal cuja pena abstractamente considerada é de prisão até 3 anos, e por outro lado ainda, estando em causa a violação de um direito fundamental de um cidadão por parte de um agente de uma força de segurança, sempre e de todo o modo, a situação em apreço objecto de apreciação no processo de averiguações, não poderia beneficiar da aplicação de amnistia, pois que a situação cairia no âmbito do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea k) da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto.

Tendo subjacente o disposto no artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, na medida em que que estamos perante uma infracção disciplinar que constituía simultaneamente um ilícito penal, e cuja moldura penal abstractamente considerada [por ser patente a manifesta ocorrência de detenção ilegal] é de pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, e porque em face do circunstancialismo apurado, a aplicação da Lei da Amnistia está excepcionada pelo legislador nesta situações, errou o Tribunal a quo no julgamento por si prosseguido, quando veio a julgar extinta a instância por julgar ocorrer uma inutilidade superveniente da lide.

Com efeito, a instância não podia ser julgada extinta porquanto inexistia fundamento de tanto determinante, já que concorrente com a infracção disciplinar [Cfr. artigos 2.º, 3.º, 4.º, 20.º, e 21.º, n.º 1 e 2, alíneas a), c) do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana, aprovado pela Lei n.º 145/99, de 01 de setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 66/2014, de 28 de agosto], que abstractamente considerada, é determinante da aplicação de pena disciplinar superior a suspensão [i.e., suspensão agravada, ou separação de serviço], está o ilícito criminal tipificado no artigo 382.º do Código Penal, devendo os autos prosseguir termos, que a final passará por saber se o acto administrativo deve ser expurgado da ordem jurídica, por via do conhecimento do mérito do pedido na sua vertente anulatória.

De modo que, face ao que deixamos expendido supra, a pretensão recursiva do Recorrente tem assim de ser julgada procedente, devendo os autos baixar ao TAF de ... para efeitos de ser conhecido do mérito dos autos, tendo subjacente a causa de pedir imanente ao pedido deduzido a final a Petição inicial, e no fundo, apreciar e decidir se padece a decisão impugnada de invalidade determinante da sua anulabilidade, que a final levasse a que, existindo indícios mais do que suficientes para a instauração de processo disciplinar ao Contra interessado, não tivesse ser arquivado o processo de averiguações.

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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

DESCRITORES: Processo de averiguações; Processo disciplinar; Infracção disciplinar; Pena disciplinar de suspensão; Aplicabilidade da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto; Excepção de aplicação da Lei de Amnistia;

1 - Conforme se extrai do corpo da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto, e em torno da amnistia de infracções disciplinares, o legislador dispôs que a mesma deve ser aplicada se as infracções disciplinares, em suma, tiverem sido praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, se não constituírem simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela Lei, e caso a sanção aplicável não seja superior a suspensão [Cfr. artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 7.º do referido diploma legal].

2 – Sendo certo que o Tribunal a quo podia aplicar a Lei da Amnistia como assim constante dos artigos 11.º e 14.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, na medida em que sempre essa aplicação tem de ser casuística, com ponderação dos termos e pressupostos de que depende a sua aplicação, temos que na situação em apreço nos autos, errou o Tribunal a quo no julgamento por si prosseguido, ao julgar que a ser instaurado processo disciplinar, a pena não seria superior a suspensão, quando, por um lado, a actuação do Contra interessado é/seria passível de procedimento criminal cuja pena abstractamente considerada é de prisão até 3 anos, e por outro lado ainda, estando em causa a violação de um direito fundamental de um cidadão por parte de um agente de uma força de segurança, sempre e de todo o modo, a situação em apreço objecto de apreciação no processo de averiguações, não poderia beneficiar da aplicação de amnistia, pois que a situação cairia no âmbito do disposto no artigo
7.º, n.º 1, alínea k) da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto.

3 – Tendo subjacente o disposto no artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, na medida em que que estamos perante uma infracção disciplinar que constituía simultaneamente um ilícito penal, e cuja moldura penal abstractamente considerada [por ser patente a manifesta ocorrência de detenção ilegal] é de pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, e porque em face do cicunstancialismo apurado, a aplicação da Lei da Amnistia está excepcionada pelo legislador nesta situações, errou o Tribunal a quo no julgamento por si prosseguido, quando veio a julgar extinta a instância por julgar ocorrer uma inutilidade superveniente da lide.

4 – A instância não podia ser julgada extinta porquanto inexistia fundamento de tanto determinante, já que concorrente com a infracção disciplinar [Cfr. artigos 2.º, 3.º, 4.º, 20.º, e 21.º, n.º 1 e 2, alíneas a), c) do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana, aprovado pela Lei n.º 145/99, de 01 de setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 66/2014, de 28 de agosto], que abstractamente considerada, é determinante da aplicação de pena disciplinar superior a suspensão [i.e., suspensão agravada, ou separação de serviço], está o ilícito criminal tipificado no artigo 382.º do Código Penal, devendo os autos prosseguir termos, que a final passará por saber se o acto administrativo deve ser expurgado da ordem jurídica, por via do conhecimento do mérito do pedido na sua vertente anulatória.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência:

A) em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso de Apelação deduzido pelo Recorrente
«AA»;
B) em revogar a Sentença recorrida;
C) em determinar a baixa dos autos ao Tribunal de 1.ª instância, para efeitos de aí serem prosseguidos os termos de processo que se mostrem devidos, em ordem a ser apreciada a invalidade apontada à decisão impugnada atinente ao acto administrativo que determinou o arquivamento do processo de averiguações, se nada mais a tanto obstar.

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Custas a cargo do Recorrido - Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
** Notifique.
* Porto, 06 de junho de 2025.


Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Isabel Costa
Fernanda Brandão