Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00403/11.5BELSB
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/05/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:TIAGO MIRANDA
Descritores:INTERPRETAÇÃO E EXECUÇÃO DE CONTRATOS;
TENTATIVA PRÉVIA DE CONCILIAÇÃO;
CADUCIDADE DA ACÇÃO;
Sumário:
I – Uma vez que os artigos 260º a 264º do DL nº 59/99 de 2 de Março (RJEOP) ficaram revogadas em 30 de Janeiro de 2008, “não sendo os mesmos aplicáveis aos contratos já celebrados,” (nº 2 do artigo 18º do DL nº 18/2008 de 29 de Janeiro) então, em 8.2.2011, quando as AA. instauraram a presente acção ao abrigo putativo do artigo 289º nº 2 do CPC de 1961 já não era necessária a realização prévia da tentativa de conciliação preconizada naquele artigo 260º. Assim, se é certo que para a acção instaurada em 5.3.2007 com o nº 140/07.5BELLE, era pressuposto processual a realização da tentativa de conciliação perante o Conselho Superior das Obras Públicas e Transportes ou do órgão que eventualmente lhe tivesse sucedido, também o é que, para a nova acção instaurada em 2011, com o mesmo objecto e, substancialmente, contra os mesmos Réus, tal pressuposto já não é exigível.

II – O respeito, na lei ordinária, por princípios constitucionais e direitos liberdades e garantias apenas demanda que a ponderação dos interesses públicos, desígnios políticos e bem assim daqueles imperativos constitucionais, de que resulta toda a norma imperativa, não seja tal que, por desproporcionada, eticamente injustificável, teleologicamente injustificada, ou lesiva do seu núcleo essencial, se mostre praticamente incompatível com a efectiva vigência desses princípios ou direitos fundamentais.

III - Ante tal critério, é conforme o direito e não padece da apontada incompatibilidade com o direito fundamental ao acesso à Justiça (artigo 20º da Constituição) e com o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados (artigo 268º nº 4 da Constituição), a interpretação da conjugação dos artigos 289º nº 2 do CPC (antigo) e 327º nº 2 ex vi 332º nº 1, ambos do CC, segundo a qual aquele artigo 327º nº 2, aplicável à caducidade do “direito a propor determinada acção” ex vi aquele artigo 332º nº 1, exige que a absolvição da instância não tenha sido imputável ao autor; e o artigo 289º nº 2 do CPC de 1961 (279º nº 2 do actual) ressalva tal exigência, ao dispor que o aproveitamento dos efeitos civis da propositura da primeira acção não pode prejudicar “o disposto na Lei civil quanto à prescrição e a caducidade”.

IV - A absolvição da instância numa acção em que pediam, em 2007, a condenação dos Réus no pagamento de alegados prejuízos incorridos na execução de um contrato de empreitada de obra pública, fundada (a absolvição) na falta da tentativa prévia de conciliação exigida no artigo 260º do DL nº 59/99 de 2 de Março, é imputável aos Autores, no sentido de lhes ser exigível terem-se representado a necessidade do acto omisso, para o efeito do disposto no nº 2 do artigo 279º do CPC.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - Relatório
[SCom01...], S.A., [SCom02...], S.A., [SCom03...], S.A., e [SCom04...], S.A., AUTORAS nos autos acima identificados, em que são demandados O Estado Português e a Agência Portuguesa do Ambiente, I.P, interpuseram recurso de apelação, relativamente ao despacho saneador com natureza de sentença que, julgando procedente a excepção de caducidade da acção, absolveu estes da instância.
Rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES
Termos em que se formulam as seguintes conclusões:
I. O presente recurso tem por objecto o despacho saneador-sentença, proferido pelo Tribunal a quo em 14.05.2020, nos termos do qual se determinou a absolvição da instância com fundamento na alegada verificação da excepção de caducidade do direito de acção (“Sentença Recorrida”).
II. A matéria de facto resulta devidamente explanada na Sentença Recorrida, sendo factos essenciais para julgamento do presente recurso os referidos no subcapítulo 2.1. das alegações - para onde respeitosamente se remete - permitindo-se as Recorrentes realçar o presente sumário:
a. 09.12.1991 - Celebração do contrato de Empreitada com as Entidades Demandadas;
b. 10.02.1997 - Propositura da Acção Arbitral pelas ora Recorrentes;
c. 15.10.2001 - Acórdão Arbitral que declara a Acção Arbitral parcialmente procedente e condena as Entidades Demandadas no pagamento de 640.414 contos, relativamente aos prejuízos verificados no subperíodo de Julho de 1995 a Maio de 1996;
d. 15.11.2001 - Propositura da acção de anulação do Acórdão arbitral pelas Entidades Demandadas, junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa;
e. 18.12.2003 - Sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que julgou a acção supra procedente e anulou o Acórdão arbitral, com fundamento da incompetência material do Tribunal Arbitral;
f. 28.04.2005 - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que confirmou a sentença de anulação do Acórdão arbitral;
g. 17.10.2006 - Acórdão do pleno do Supremo Tribunal Administrativo que negou o recurso do acórdão supra, interposto com fundamento em oposição de julgados;
h. 23.10.2006 - Notificação às partes do Acórdão do pleno supra;
i. 05.03.2007 - Propositura da Acção Administrativa 1 pelas Recorrentes, peticionando, o pagamento da quantia de 4.947.147,37 €, acrescida de juros, referente aos sobrecustos que tiveram de suportar, no período de Julho de 1995 a Maio de 1996, na execução da Empreitada;
j. 04.11.2008 - Sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou a acção supra improcedente e absolveu os réus da instância, com fundamento na verificação das excepções de falta de tentativa de conciliação extrajudicial e de caducidade do direito de acção;
k. 19.01.2011 - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que revogou parcialmente a sentença supra, julgando não verificada a excepção de caducidade do direito de acção, mas que - a final - absolveu os réus da instância por entender verificada a excepção de preterição da necessária tentativa de conciliação;
l. 24.01.2011 - Notificação às partes do Acórdão supra;
m. 07.02.2011 - Requerimento apesentado pelas Recorrentes junto do Instituto da Construção e do Imobiliário, com vista a ser realizada a tentativa de conciliação extrajudicial com o Instituto da Água e o Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, o qual foi negado em face da revogação dos artigos 260.° a 264.° do Decreto-Lei n.° 59/99;
n. 08.02.2011 - Propositura da presente Acção Administrativa 2 pelas Recorrentes, contra o Instituto da Água e o Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, com o mesmo objecto da Acção Administrativa 1;
o. 14.05.2020 - Despacho saneador-sentença proferido pelo Tribunal a quo, que absolve as Entidades Demandadas da Instância (Sentença Recorrida), por se ter entendido que o direito de acção das Recorrentes teria caducado.
III. Ao requerimento de interposição do presente recurso, as ora Recorrentes acrescentaram um pedido ao Tribunal a quo de rectificação da Sentença Recorrida, por considerarem que a mesma padece de um manifesto lapso de escrita no facto provado n.° 16 (pp. 3 e 4).
IV. Porém, por excessiva cautela de patrocínio, para o caso do Tribunal a quo não deferir o pedido de rectificação da Sentença Recorrida, as Recorrentes impugnam a decisão sobre a matéria de facto vertida no referido facto provado n.° 16, nos termos do artigo 640.° do CPC, na parte em que se descreveu: “[...] o prazo de 132 dias contado desde 23.10.2006 data em que ocorreu a notificação do Ac. do STA “que significou a negação de direito ou pretensão a que se refere o art. 255° RJEOP” terminou em 5.3.2007 antes da instauração daquela acção [...]
A reprodução do teor do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19.01.2011 constante desse ponto da matéria de facto não é fiel ao teor do referido aresto, junto aos autos a fls. 2648 e sgs., devendo a supracitada parte do facto provado n.° 16 da Sentença Recorrida ser alterada e substituída por outra que esclareça que o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19.01.2011 concluiu que o prazo do artigo 255.° do RJEOP terminou depois da instauração daquela acção, propondo-se para tanto a seguinte redacção:
“[...] o prazo de 132 dias contado desde 23.10.2006 data em que ocorreu a notificação do Ac. do STA “que significou a negação de direito ou pretensão a que se refere o art. 255° RJEOP” terminou em 5.3.2007 depois da instauração daquela acção [...]”
Relativamente à matéria de direito, as Recorrentes imputam, num primeiro momento, a existência de erro de julgamento na Sentença Recorrida, na parte em que concluiu que a interpretação conjugada dos artigos 289.°, n.° 2, do anterior CPC e 279.°, n.° 2 do actual CPC com os artigos 332.°, n.° 1, e 327.°, n.° 3, do Código Civil implica que o regime aplicável à caducidade do direito de acção nas causas em que tenha havido absolvição da instância é (apenas) o previsto no Código Civil, havendo que determinar se a causa da absolvição da instância na primeira acção é imputável ao autor - cfr. subcapítulo 2.3.2. das alegações, para onde respeitosamente se remete. 
VII. Por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19.01.2011, notificado às partes em 24.01.2011, foi decidido que a Acção Administrativa 1 (que precedeu a presente acção) foi tempestivamente apresentada pelas Recorrentes, dentro do prazo fixado no artigo 255.° do RJEOP/99,
VIII. Decisão que transitou em julgado e que vincula as partes e o Tribunal.
IX. Não obstante, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19.01.2011 também decidiu absolver os réus da instância, por considerar verificada a excepção de preterição da tentativa de conciliação prevista no RJEOP, tendo referido expressamente que cabia às partes a possibilidade de propor uma nova acção, com base no art.° 289.° do CPC.
X. Nessa sequência, as Recorrentes usaram da faculdade prevista no n.° 1 do artigo 289.° do anterior CPC e apresentaram a presente acção com o mesmo objecto da antecedente.
XI. A Sentença Recorrida considerou que, não obstante a propositura da presente acção ter sido feita dentro do referido prazo de 30 dias previsto no n.° 2 da norma citada, ainda assim haveria que verificar se a absolvição da instância na acção precedente (Acção Administrativa 1) não sucedeu por causa imputável às Recorrentes, por referência ao previsto no n.° 3 do artigo 327.° do Código Civil, aplicável à caducidade ex vi n.° 1 do artigo 332.° do Código Civil, apresentado para tanto alguns arestos da jurisdição administrativa.
XII. Porém, a jurisprudência administrativa está muito longe de se encontrar consolidada na defesa da posição sustentada na Sentença Recorrida, encontrando-se muitos arestos que perfilham a posição oposta, como exemplificam os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Maio de 2013 (processo n.° 01260/12) e do Tribunal Central Administrativo Sul de 03.11.2016 (processo n.° 13673/16).
XIII. As Recorrentes insurgem-se contra a interpretação vertida na Sentença Recorrida sobre as normas em apreço, por considerarem que a interpretação alternativa sustentada nos arestos supracitados e por uma parte significativa da doutrina é aquela que merece melhor acolhimento à luz do princípio pro actione e das demais normas insertas no sistema.
XIV. Quanto ao principio pro actione, há muito que o mesmo vem sendo defendido pela jurisprudência administrativa e pela doutrina como fundamental na interpretação das normas relativas aos pressupostos processuais em sede de contencioso administrativo.
XV. Como referido, as normas ínsitas no n.° 2 do artigo 289.° do anterior CPC (279.° no actual CPC) com o n.° 3 do artigo 327.° e n.° 1 do artigo 332.°, ambos do Código Civil, têm levado a interpretações díspares tanto na doutrina, como na jurisprudência.
XVI. Sucede que a interpretação adoptada na Sentença Recorrida é, precisamente, a mais gravosa para a posição do autor e a que, embora profícua, privilegia as decisões de forma sobre as decisões de mérito, derrogando o n.° 2 do artigo 289.° do antigo CPC, nos casos em que se discuta a caducidade do direito de acção.
XVII. Porém, as referidas normas também podem ser interpretadas como permitindo a aplicação simultânea do n.° 2 do artigo 289.° do antigo CPC com o n.° 3 do artigo 327.° e n.° 1 do artigo 332.° do Código Civil, o que implica que as acções que tivessem naufragado com a absolvição da instância poderiam ser substituídas por nova acção a intentar no prazo de 30 dias, nos termos do n.° 2 do artigo 289.° do antigo CPC, independentemente da causa da absolvição ser ou não imputável ao autor.
XVIII. Transcorrido esse prazo de 30 dias, as referidas acções que terminassem com a absolvição da instância poderiam ainda ser substituídas por nova acção, no prazo de 2 meses, desde que, nesse caso, a causa da absolvição da instância não fosse imputável ao autor.
XIX. A interpretação ora defendida é, pois, a que melhor serve o princípio pro actione, sem deixar de ter, na letra da lei, um mínimo de correspondência, na medida em que concede um efeito útil a todas as normas em análise e favorece o afastamento dos obstáculos formais, tendo em vista a adopção de decisão sobre o mérito.
XX. Nesta decorrência, e considerando que o princípio pro actione é corolário do princípio do acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva (cfr. artigo 20.° da Constituição), a interpretação constante da Sentença Recorrida das normas conjugadas do n.°2 do artigo 289.° do antigo CPC e do n.° 3 do artigo 327.° e n.° 1 do artigo 332.° do Código Civil, segundo a qual os efeitos civis derivados da proposição da primeira acção não se mantêm caso a causa da absolvição da instância nessa acção seja imputável ao autor, ainda que a segunda acção seja proposta no prazo de 30 dias previsto no n.° 2 do artigo 289.° do antigo CPC, é inconstitucional, por violação do referido princípio de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, devendo ser afastada a sua aplicação.
XXI. Em segundo lugar, a interpretação conjugada das normas do n.° 2 do artigo 289.° do anterior CPC (279.° no actual CPC) e do n.° 3 do artigo 327.° e n.° 1 do artigo 332.°, ambos do Código Civil, segundo a qual é sempre possível ao autor substituir a petição inicial no prazo de 30 dias a contar da notificação da decisão definitiva sobre absolvição da instância na primeira acção, independentemente da causa dessa absolvição lhe ser ou não imputável, é a interpretação que se encontra em maior sintonia com as demais normas do sistema, como é o caso do artigo 89.°, n.° 2, do CPTA (antes da reforma operada pelo Decreto-Lei n.° 214-G/2015, de 2 de Outubro).
XXII. O CPTA sempre permitiu ao autor a substituição da sua petição inicial (ainda que num prazo mais curto em relação à norma congénere civilista, prazo que os Recorrentes cumpriram), independentemente de considerações sobre culpa ou imputação de causa da absolvição da instância.
XXIII. Assim, a correcta interpretação das normas conjugadas do n.° 2 do artigo 289.° do anterior CPC (279.° no actual CPC) e do n.° 3 do artigo 327.° e n.° 1 do artigo 332.°, ambos do Código Civil, é aquela que permite ao autor substituir a petição inicial no prazo de 30 dias após a notificação da decisão final de absolvição da instância, independentemente da causa dessa absolvição lhe ser ou não imputável.
XXIV. Considerando que a presente acção foi proposta dentro do prazo de 30 dias a que alude o n.° 2 do artigo 289.° do anterior CPC, os efeitos civis da sua apresentação retroagem à data da propositura da Acção Administrativa 1 (05.03.2007), a qual foi tempestivamente apresentada de acordo com o decidido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19.01.2011.
XXV. Consequentemente, mal andou a Sentença Recorrida em considerar procedente a excepção de caducidade do direito de acção das ora Recorrentes, devendo - por estes
motivos - ser revogada e substituída por outra que declare a acção tempestivamente apresentada e determine o prosseguimento dos autos.
XXVI. Subsidiariamente, mesmo que se considerasse que a interpretação sustentada na Sentença Recorrida das normas conjugadas do n.° 2 do artigo 289.° do anterior CPC (279.° no actual CPC) e do n.° 3 do artigo 327.° e n.° 1 do artigo 332.°, ambos do Código Civil, é a correcta, ainda assim teria de se concluir que a causa da absolvição da instância na Acção Administrativa 1 não é imputável às Recorrentes - cfr. subcapítulo 2.3.3. das alegações, para onde respeitosamente se remete.
XXVII. Isto porque, à data da prolação do Acórdão do TCAS de 19.01.2011, não houve qualquer juízo de censura por parte daquele Venerando Tribunal quanto à conduta processual das Recorrentes, referindo-se, até expressamente, a possibilidade de substituição da petição inicial nos termos do artigo 289.° do CPC.
XXVIII. A referência expressa na fundamentação do Acórdão do TCAS de 19 01 2011 à faculdade de as Recorrentes proporem nova acção possui autoridade de caso julgado, não podendo agora ser contrariada.
XXIX. Acresce que, conforme explicam as Recorrentes, a formalidade de tentativa de conciliação era inútil, por já ter sido executada em sede de Acção Arbitral diligência com o mesmo objecto, ao abrigo do princípio da eficiência ínsito no artigo 10.° do Código de Procedimento Administrativo de 1991.
XXX. A decisão do Acórdão do TCAS de 19.01.2011 sobre a questão não implica, por si, que o erro das Recorrentes seja grosseiro, o que parta de «manifesta incúria», como sustentado na Sentença Recorrida.
XXXI. Não pode considerar-se erro grosseiro a não observância de uma formalidade tão inútil, que foi revogada com a aprovação do Código dos Contratos Públicos.
XXXII. Até porque existia, à data, jurisprudência que afastava aplicação do regime da tentativa de conciliação em determinados casos (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22- 04-2004, processo n.° 062/04, e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 25-10-2007, processo n.° 03061/07).
XXXIII. Acresce que o juízo de imputabilidade previsto no n.° 3 do artigo 327.° do Código Civil tem sido interpretado como abrangendo aquelas condutas especialmente censuráveis do autor, «um problema de incompetência gritante do tribunal», ou a «opção por uma forma processual inadequada ter sido movida por um desígnio dilatório e já não por uma intenção firme de exercer o respectivo direito, dentro do quadro que o autor reputara fundadamente adequado aos contornos do caso».
XXXIV. Resulta dos factos provados que nenhuma das referidas circunstâncias gritantes ou dilatórias sucedeu no presente caso, já que as Recorrentes se limitaram a conformar a petição inicial da Acção Administrativa 1 segundo o entendimento que consideraram adequado a defender a sua pretensão, dentro das soluções plausíveis existentes em direito e tendo em conta que já fora efectuada uma tentativa de conciliação, na acção arbitral.
XXXV. De resto, as Recorrentes não pretenderam exercer qualquer manobra dilatória com a falta do pressuposto processual, uma vez que aguardam há mais de 20 anos por uma decisão judicial sobre o fundo da causa, num momento em que, inclusive, já obtiveram uma decisão arbitral que declarou a sua acção procedente.
XXXVI. Considerando os factos do presente caso, não se pode concluir que a causa da absolvição da instância na Acção Administrativa 1, que precedeu a presente acção, seja imputável às Recorrentes, pelo que mal andou a Sentença Recorrida em considerar imputável às Recorrentes a causa da absolvição da instância na Acção Administrativa 1, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que declare a propositura da presente acção tempestiva e determine o prosseguimento dos autos.

Termos em que se requer a V.as Ex.as se dignem declarar procedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, determinar a revogação da Sentença Recorrida e a sua substituição por outra que declare a excepção de caducidade do direito de acção improcedente e determine o prosseguimento dos autos para apreciação do mérito da causa.
NORMAS VIOLADAS: n.° 2 do artigo 289.° do anterior CPC (279.° no actual CPC) e n.° 3 do artigo 327.° e n.° 1 do artigo 332.°, ambos do Código Civil, e artigo 20.° da Constituição».

Notificados os Recorridos, apresentou resposta o Estado, representado pelo MP, que concluiu nos seguintes termos:
«Concluindo:
1- O Tribunal “a quo” julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção e, em consequência, absolveu os RR. da instância;
2 - Com efeito, a propositura das acções sobre interpretação, validade ou execução dos contratos de empreitada de obras públicas estava sujeita ao prazo de caducidade de 132 dias a contar do conhecimento da decisão das RR. em virtude da qual é negada a pretensão das AA. - artigo 255.° do RJEOP/99. E essa propositura deveria ter sido precedida de tentativa de conciliação extrajudicial a realizar perante o Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes - artigo 260.° 1 do RJEOP/99;
3 - As AA. recorrentes não requereram a competente tentativa de conciliação extrajudicial dentro daquele prazo legal de 132 dias a contar da data do indeferimento da pretensão formulada (20.10.2006) - prazo que terá terminado em 07.05.2007 e que, por isso, há muito tinha decorrido quando foi interposta a presente acção (09/02/2011) como decorrido se encontrava (repete-se) à data da entrada em vigor do referido n° 2 do artigo 18° do Decreto-Lei n° 18/2008 (30.01.2008);
4 - Tal facto apenas é imputável às AA. a título de culpa, dado que a questão já era pacífica na Doutrina e Jurisprudência - cfr, entre outros, Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e caducidade - Anotação aos artigos 296° a 333° do Código Civil e “Algumas questões sobre prescrição e caducidade” in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia; e Acórdão do STA de 09.05.1995 (Proc. 35946), em www.dgsi.pt;
5 - Por conseguinte, a Mma Juiz “a quo” fez, salvo melhor entendimento, uma correcta interpretação da Lei, devendo ser confirmada nos seus precisos termos a douta decisão recorrida que considerou procedente a excepção de caducidade do direito de acção e absolveu os RR. da instância, assim se fazendo a acostumada Justiça.»


Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II- Delimitação do objecto do recurso
A - Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações, sem prejuízo, porém, do poder dever do tribunal de conhecer de todas as questões que sejam de conhecimento oficioso.
Por despacho de 19/9/2020, fs. 4520 SITAF, a Mª Juiz a qua supriu o erro de escrita assinalado no recurso, em termos coincidentes com o requerido. Deste modo está prejudicada a impugnação do julgamento em matéria de facto, objecto das conclusões IV e V.
Posto isto, as questões que a Recorrente pretende ver apreciadas em apelação são as seguintes:

1ª Questão
A sentença incorre em erro de direito, fazendo uma interpretação inconstitucional – violadora do direito fundamental ao acesso à justiça – dos artigos 289º nº 2 do CPC de 1961 (279º nº 2 do actual) e 327º nº 3 do CC ex vi 332º nº 1 do mesmo diploma, por sujeitar o aproveitamento do efeito civil do impedimento da caducidade, da instauração tempestiva da acção nº 140/07.5BELLE, em ordem à não caducidade do direito e da presente acção, com objecto idêntico e instaurada dentro dos 30 dias a que se refere aquela norma do CPC, à condição de a absolvição da instância naquela primeira acção não ser imputável aos autores, para concluir, dessa alegada imputabilidade, pelo não aproveitamento de tais efeitos e, logo, pela verificação da excepção de caducidade?

2ª questão
Se for negativa a resposta à 1ª questão, sempre a sentença errou no julgamento de direito ao julgar que a absolvição da instância na acção 140/07.5BELLE é imputável aos Autores, uma vez que:
- O TCAS não formulou qualquer censura no acórdão de 19/1/2011, que pôs termo àquela primeira acção;
- Há autoridade de caso julgado na decisão do TCAS quando refere que pode ser instaurada uma nova acção;
- A tentativa de conciliação a que se referem os artigos 231º e 260º dos DL nºs 405/93 de 10 de Dezembro e 59/99 de 2 de Março, respectivamente, era in casu inútil porque já houvera uma semelhante diligência no âmbito do processo arbitral, diligência que podia ser considerada como relevante para os efeitos do pressuposto processual resultante do disposto nas sobreditas normas;
- Não se pode julgar, como na sentença recorrida, ser manifesta incúria dos recorrentes estes não terem requerido uma diligência habitualmente infrutífera, a ponto de a sua exigência ter sido abandonada com a entrada em vigor do DL nº 18/2008 de 29 de Janeiro, que aprovou o Código dos Contratos Públicos?

Questão prévia
Por se reconduzir à falta de um pressuposto processual, logo, a uma excepção dilatória, portanto, de conhecimento oficioso (artigo 578º do CPC) e logicamente prévia à discussão de uma excepção peremptória, como é a caducidade do direito e acção, haverá este Tribunal de, antes de mais, apreciar a questão de falta do pressuposto processual decorrente do artigo 260º do Regime Jurídico das Empreitadas de obras públicas aprovado pelo DL nº 59/99 de 2 de Março, também ela invocada pelos Réus – artigos (artigos 5 a 21, maxime e expressis verbvis no artigo 6º).

III – Apreciação da questão prévia e do objecto do recurso
A – Os factos
A sentença recorrida assentou nos seguintes factos incontroversos:
«Com relevância para a decisão sobre a matéria de excepção deduzida, em resultado da apreciação dos documentos dos autos, do acordo das partes e da aplicação dos princípios e regras em matéria de prova, mostram-se provados os seguintes factos:
1. Na sequencia de concurso publico internacional realizado no ano de 1990, em 9.12.1991 foi celebrado entre o Consórcio constituído pelas empresas [SCom05...], S.A., [SCom06...], SA, [SCom03...], SA., [SCom07...], SA, [SCom08...], SA, [SCom09...], SA, e [SCom04...], Lda. (doravante Consórcio [SCom04...]) e a Direcção Geral dos Recursos Naturais e Direcção Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola o contrato de empreitada n.º ...71... relativo à ‘‘Empreitada de Execução da Barragem de [SCom04...], do Túnel ..., da Adução Beliche - ETA de ..., da ETA de ... e das Redes de Rega, Redes de Enxugo e Caminhos Agrícolas” (doravante Empreitada ou Empreitada da Barragem de [SCom04...]). - fls. 460 do suporte físico dos autos.
2. Em 10 de Fevereiro de 1997, as aqui AA. instauraram acção arbitral, na qual pediram a condenação do Instituto da Água e Instituto de Estruturas Agrárias de Desenvolvimento Rural, que sucederam à Direcção Geral dos Recursos Naturais e Direcção Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola, no pagamento da quantia total de 8.536.133, acrescida de juros, pedido que no decurso da acção arbitral rectificaram para o valor de 4.967.851 contos, incluindo um montante de 991.814 contos relativo ao período de Julho de 1995 a maiô de 1996. - Fls. 228 e ss. do suporte físico dos autos.
3. Em 21.4.1997 os RR. contestaram a acção arbitral pugnando pela incompetência do tribunal arbitral quanto aos pedidos relativos ao período de Junho de 1995 a maiô de 1996 e, ainda, em suma negando os direitos e pretensões reclamados pelas AA. - fls. 228 e ss. do suporte físico dos autos.
4. Em 2.5.1997 as AA. apresentaram réplica à contestação dos RR. - fls. 235 do suporte físico dos autos.
5. Por Acórdão Arbitral de 15.10.2001 a acção foi julgada parcialmente procedente e relativamente aos prejuízos verificados no subperíodo de Julho de 1995 a maiô de 1996, os Réus foram condenados no montante de 640.414 contos, correspondente a 64,57% do valor peticionado para este período (991 814 contos). - Fls. 228 e ss. do suporte físico dos autos.
6. Em 15 de Novembro de 2001, o Instituto da Água e Instituto de Estruturas Agrárias de Desenvolvimento Rural instauraram no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, processo que correu termos sob o numero 602/01, em que pediam que fosse declarado nulo o douto Acórdão Arbitral, na parte em que decidiu ser o Tribunal Arbitral competente para julgar o pedido de condenação em indemnização por prejuízos respeitantes ao subperíodo compreendido entre Julho de 1995 e Maio de 1996, e, bem assim, na parte em que condenou os ora RR a pagá-la. - Fls. 3008 e ss. do suporte físico dos autos.
7. Por sentença de 18.12.2003 o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa julgou a acção procedente e anulou a decisão arbitral na parte em que decidiu ser o Tribunal Arbitral competente para julgar o pedido de condenação em indemnização por prejuízos respeitantes ao subperíodo compreendido entre Julho de 1995 e Maio de 1996, e, bem assim, na parte em que condenou os ali RR. a pagá-la. - Fls. 3054 do suporte físico dos autos.
8. Na sequência de recurso, por acórdão de 28.4.2005 no processo 636/04 o Supremo Tribunal Administrativo, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa. - Fls. 3085 e ss. do suporte físico dos autos.
9. Na sequencia de recurso por oposição de julgados, por acórdão de 17.10.2006, notificado às partes por ofícios remetidos em 20.10.2006, o Pleno do STA negou o recurso por oposição de julgados no âmbito do processo 636/04, acordando julgar findo o recurso. - Fls. 3085 e ss. do suporte físico dos autos.
10. Em 5.3.2007, as AA. instauraram, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, acção administrativa comum, que ali correu termos sob o numero 140/07.5BELLE contra o INAG e o IDRH peticionando o pagamento da quantia de 4.947.147,37 €, acrescida de juros, referente aos sobrecustos que tiveram de suportar, no período de Julho de 1995 a Maio de 1996, na execução da empreitada de “Execução da Barragem de [SCom04...], do Túnel ..., da Adução Beliche-Estação de Tratamento de Águas de ... e das Redes de Rega, Redes de Enxugo e caminhos Agrícolas”, pelos RR. - fls. 2348 e ss. do SITAF.
11. Na contestação apresentada o R. INAG invocou, além do mais, a caducidade do direito de acção e, por impugnação, em suma, negou o direito das AA. a qualquer ressarcimento indemnizatório e pugnou pela improcedência do pedido das AA.- fls. 2838 e ss. SITAF.
12. Na contestação apresentada, o R. Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas invocou, além do mais, a falta de personalidade e capacidade judiciaria do IDRH, a ilegitimidade passiva, e, por impugnação, em suma, negou o direito das AA. a qualquer ressarcimento indemnizatório e pugnou pela improcedência do pedido das AA. - Fls. 3974 e ss. SITAF
13. As contestações dos RR. foram notificadas às AA. por ofícios remetidos em 11.3.2008. - Fls. 4328 e ss. do SITAF.
14. Por sentença de 12.7.2007 o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou-se territorialmente incompetente e julgou competente o Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa. - Fls. 2348 e ss. do SITAF.
15. Por sentença de 4.11.2008 o Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa absolveu os RR. do pedido por se verificarem as excepções de falta de tentativa de conciliação extrajudicial e por caducidade do direito de acção. - Fls. 2348 e ss. do SITAF.
16. Na sequência de recurso, por Acórdão de 19.1.2011, notificado por ofícios remetidos em 20 de Janeiro de 2011, o Tribunal Central Administrativo Sul concluiu não existir caducidade do direito de acção entendendo que o prazo de 132 dias contado desde 23.10.2006 data em que ocorreu a notificação do Ac. do STA “que significou a negação de direito ou pretensão a que se refere o art. 255.° RJEOP” terminou em 5.3.2007 antes da instauração daquela acção, mas negou provimento ao recurso deliberando “absolver os demandados da instância” considerando ter sido violado o artigo 260° do RJEOP na medida em que a instauração da referida acção deveria ter sido precedida de tentativa de conciliação extrajudicial junto do Conselho Superior de Obras Públicas. - fls. 2348 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do SITAF.
17. Em 7.2.2011 as AA. requereram, junto do Instituto da Construção e do Imobiliário, tentativa de conciliação extrajudicial com o INAG e o Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas”, o qual foi devolvido em 8.2.2011 face à revogação pelo art. 14.°, n.° 1 al. d) do DL 18/2008 dos artigos 260. ° a 264.° do DL 59/99. - Fls. 874 do suporte físico dos autos.
18. Em 8.2.2011 as AA. instauraram junto do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa a presente acção contra o INAG e o Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas. - Fls. 1 e 218 do suporte físico dos autos.
19. Os RR., INAG e Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, foram citados, por oficio remetido por correio registado com aviso de ressecção em 25.2.2011, em 1.3.2011. - Fls. 924 e ss. do suporte físico dos autos.
20. Por sentença de 29.4.2016, notificada por oficio remetido em 2.5.2016, o Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa julgou-se territorialmente incompetente e julgou competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel. - Fls. 1934 e ss. do SITAF.
21. Por despacho de 6.3.2019 este Tribunal, considerando que estando em causa relações contratuais é o Estado (representado pelo Ministério Público) e não o Ministério da Agricultura quem tem personalidade judiciária para estar em juízo, convidou as AA. a, no prazo de 10 dias, apresentar nova petição inicial corrigida, indicando como Réu o Estado Português, representado pelo Ministério Público. - Fls. 2010 do SITAF.
22. Em 26.3.2019 as AA. apresentaram p.i. corrigida dirigindo a sua pretensão contra o INAG (a que sucedeu a Agencia Portuguesa do Ambiente) e o Estado Português, representado pelo Ministério Público. - Fls. 2020 e ss. do SITAF.
23. Na sequencia de despacho de 4.4.2019, em 8.4.2019 foi citado o Ministério Público em representação do Estado Português. - Fls. 2201 do SITAF.»

Questão prévia (cf. supra)
Esta questão não foi apreciada pela 1ª instância por ter sido julgada prejudicada em consequência do decidido sobre a caducidade. Porém, ela é prévia logicamente, como dissemos. Uma sua procedência tornaria, por sua vez, inútil a discussão da caducidade, pelo que se impõe apreciá-la.
Dir-se-ia – e é o que os Autores e Recorrentes deixam entender suporem ao alegarem-no na petição desta acção (artigos 5 a 7) – que, tendo os mesmos requerido desta feita, “a prévia tentativa de conciliação extra-judicial, prevista no art. 260° do RJEOP/99, junto do INCI - Instituto da Construção e do Imobiliário”, estaria agora satisfeito aquele pressuposto, por falta do qual os Réus foram absolvidos da instância no processo nº. 140/07.5BELLE.
Obviamente, o requerimento de tentativa de conciliação foi rejeitado sem mais pelo Instituto Púbico ao qual foi dirigido, por, entretanto, com a entrada em vigor, em 30 de Janeiro do artigo 18º do DL nº 18/2008, que aprovou o CCP, ter ficado revogado o artigo 260º do DL nº 59/99 de 2 de Março, norma da qual resultava a exigência daquele pressuposto processual.
Os Autores pretenderão apresentar a comunicação do INCI – Instituto da Construção e do Imobiliário, que sucedeu nas atribuições do Conselho Superior das Obras Públicas e Transportes, naquele sentido, para valer como preenchimento do putativo pressuposto processual, conforme artigos 260º e 264º in fine do RJEPO/99.
A verdade é que aquele requerimento é um acto inútil e de objecto impossível, uma vez revogadas, com efeitos a 30 de Janeiro de 2008, as normas que previam tal tentativa de conciliação, perante tal órgão da Administração.
Mas daí não decorre que se tenha de concluir pela absolvição da instância por via do não preenchimento do prossuposto processual vindo a referir. É que se os preceitos em que se integrava aquele artigo do DL 59/99 ficaram revogadas em 30 de Janeiro de 2008, “não sendo os mesmos aplicáveis aos contratos já celebrados, sem prejuízo dos processos de conciliação pendentes àquela data” (nº 2 do artigo 18º do DL nº 18/2008 de 29 de Janeiro) então, em 8.2.2011, quando as AA. instauraram junto do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa a presente acção, já não era necessário ter ocorrido ou ter sido requerida, previamente aquela tentativa de conciliação.
Assim, se é certo e é, aliás, caso julgado vinculante das partes e deste Tribunal, que para a acção instaurada em 5.3.2007 e que ali correu termos sob o numero 140/07.5BELLE era pressuposto processual o requerimento e a realização da tentativa de conciliação perante o Conselho Superior das Obras Públicas e Transportes ou do órgão que eventualmente lhe tivesse sucedido nas atribuições, também o é que, para a nova acção instaurada em 2011, com o mesmo objecto e, substancialmente, contra os mesmos Réus, tal pressuposto já não é exigível.
Assim, há que concluir que à presente acção não obsta a excepção dilatória da falta de conciliação prévia que o artigo 260º do DL 59/99 previa, pelo que se impõe discutir as questões objecto do recurso.

1ª Questão
A sentença incorre em erro de direito, fazendo uma interpretação inconstitucional – violadora do direito fundamental ao acesso à justiça – dos artigos 289º nº 2 do CPC de 1961 (279º nº 2 do actual) e 327º nº 3 do CC ex vi 332º nº 1 do mesmo diploma, por sujeitar o aproveitamento do efeito civil, de impedimento da caducidade, da instauração tempestiva da acção nº 140/07.5BELLE, em ordem à não caducidade do direito a instaurar a presente acção, com objecto idêntico e instaurada dentro dos 30 dias a que se refere aquela norma do CPC, à condição de a absolvição da instância naquela primeira acção não ser imputável aos autores, para concluir, dessa alegada imputabilidade, pelo não aproveitamento de tais efeitos e, logo, pela verificação da excepção de caducidade?

A sentença recorrida faz um aprofundado e clarividente estudo do estado da doutrina e da jurisprudência sobre a quaestio hermenêutico-metodológica de que a presente questão é premissa menor.
Reconhecendo, embora, que a solução perfilhada na sentença recorrida não é a única hermenêuticamente possível, havemos por devido secundá-la, rendidos não só pela doutrina citada e os maiores peso hierárquico (hoc sensu) e quantidade da jurisprudência concorde, longa, mas oportunamente, citada, proveniente de ambas as ordens dos tribunais, como também porque é esta a tese que tem vindo a prevalecer diacronicamente.
Limitamo-nos a acrescentar, desta feita, à jurisprudência do STJ e do STA citada na sentença recorrida, o acórdão do STJ de 16/6/2015, no processo 1010/06.0TBLMG.P1.S.1, acessível em www.dgsj.pt, de cujo sumario citamos o seguinte e mais relevante excerto:
«V - Na formulação inicial do art. 294.º, n.º 2, que veio a dar origem ao art. 289.º, n.º 2, do CPC de 1961 (hoje, o art. 279.º, n.º 2, do NCPC (2013)), o autor gozava sempre do prazo adicional de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, para repetir a acção, de modo a obviar à caducidade, independentemente da sua eventual culpa na decisão que se absteve de conhecer do mérito da causa.
VI - Por força do regime substantivo de excepção “sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e caducidade dos direitos,…”, que decorre hoje do artigo 279.º, n.º 2, do NCPC, verificando-se a absolvição da instância, em acção sujeita a prazo de caducidade que veio a ser declarada, o autor dispõe agora de um prazo alargado de dois meses, relativamente ao antecedente prazo de trinta dias, a partir do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, muito embora o efeito impeditivo da caducidade se encontre, presentemente, condicionado por um juízo de não culpabilidade quanto à causa da absolvição da instância.
VII - A ratio legis deste regime inovatório leva a considerar que o onerado com um prazo de caducidade deve preocupar-se com a propositura atempada da acção, mas, também, com a sua procedência, em ordem a atingir o fim visado pela mesma, ou seja, a satisfação célere da pretensão do autor, de modo a evitar o insucesso da causa.
VIII - Ao regime mais favorável ao autor que lhe permitia repropor, sucessivamente, a acção, dentro do prazo de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, independentemente da existência de culpa na elaboração dos contornos da petição inicial, seguiu-se um regime em que a sua conduta processual pretérita, desde que isenta de culpa na causa determinante da absolvição da instância, lhe confere um prazo adicional alargado para repetir a acção, mas em que, a ocorrer a censurabilidade do seu comportamento processual, fica privado do prazo de trinta dias do regime processual, então, inaplicável, devido à ressalva do regime substantivo, contemplada na primeira parte do n.º 2, do art. 289.º do CPC de 1961 (hoje, o art. 279.º, n.º 2, do NCPC).
IX - Sendo imputável ao autor a absolvição da instância, ocorrida na acção anterior, o prazo de caducidade do direito da propositura da acção de preferência começa a correr com o acto interruptivo, atento o disposto pelo n.º 2, não gozando o autor do prazo especial, a que alude o n.º 3, ambos do art. 327.º do CC.

Este acórdão foi comentado, em atenção, sobretudo, à dimensão do decisório que aqui nos congrega, no blog do Instituto Portugês do Processo Civil, pelo professor Miguel Teixeira de Sousa, mediante post datado de 18/9/2019 Vide: https://blogippc.blogspot.com/search?q=artigo+279.%C2%BA+n.%C2%BA+2+do+CPC., nos termos, consonantes com o aqui sustentado, que passamos a transcrever:
«O principal interesse do acórdão reside na análise do regime da propositura de uma nova acção após uma absolvição da instância quando o direito que constituía o objecto da acção estava sujeito a um prazo de prescrição ou quando a própria propositura da acção estava submetida a um prazo de caducidade. Nestas hipóteses, como resulta claramente do acórdão, o regime geral que se encontra estabelecido no art. 279.º, n.º 2, CPC cede perante o regime especial constante dos art. 327.º e 332.º CC.
O que é afirmado na fundamentação do acórdão é bastante esclarecedor:

"II. 1. [...] Dispunha o artigo 289º, nº 1, do CPC/1961 [hoje, o artigo 279º, nº 1, do NCPC], que “a absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto”, acrescentando o seu nº 2 [hoje, o artigo 279º, nº 2, do NCPC], que “sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância”.
A ressalva “do disposto na lei civil relativamente à prescrição e caducidade dos direitos”, convoca, desde logo, o regime normativo do artigo 332º, nº 1, do CC, que estatui que “quando a caducidade se referir ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no nº 3 do artigo 327º; mas, se o prazo fixado para a caducidade for inferior a dois meses, é substituído por ele o designado nesse preceito”, enquanto que o artigo 327º, nº 3, afirma que “se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo de prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses”.
Por outro lado, preceitua ainda o artigo 327º, nº 2, do CC, que “quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo”.
Explicitado o quadro normativo de referência, qual o significado da ressalva apontada pelo artigo 289º, nº 2, do CPC/1961 [hoje, o artigo 279º, nº 2, do NCPC], “sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e caducidade dos direitos,…”, no contexto da dualidade de regimes, aparentemente, em confronto, isto é, o regime processual que esteve na origem do artigo 289º, nº 2, do CPC/1961 [hoje, o artigo 279º, nº 2, do NCPC], por um lado, e o regime civilístico dos artigos 332º, nº 1 e 327º, nº 3, do CC, por outro.
Na formulação inicial do artigo 294º, nº 2, que veio a dar origem ao artigo 289º, nº 2, do CPC/1961 [hoje, o artigo 279º, nº 2, do NCPC], dizia-se que “os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu manter-se-ão, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância”, ou seja, tão-só, se excluía, então, a expressão introdutória “sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e caducidade dos direitos,…”, razão pela qual o autor gozava sempre do prazo adicional de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, para repetir a acção, de modo a obviar à caducidade, independentemente da sua eventual culpa na decisão que se absteve de conhecer do mérito da causa.
Porém, por força do mencionado regime substantivo de excepção, verificando-se a absolvição da instância, em acção sujeita a prazo de caducidade que veio a ser declarada, o autor dispõe agora de um prazo alargado de dois meses, relativamente ao antecedente prazo de trinta dias, a partir do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, muito embora o efeito impeditivo da caducidade se encontre, presentemente, condicionado por um juízo de não culpabilidade quanto à causa da absolvição da instância.
II. 2. Será, então, este prazo alargado de dois meses complementar do prazo contido na lei processual, funcionando ambos com autonomia própria, consoante a eventual imputabilidade do autor na situação determinante da absolvição da instância, ou será antes o prazo do regime civilístico o aplicável, sempre que se verifique a ressalva “relativamente à prescrição e caducidade dos direitos,…”, desde que se não demonstre a culpa do autor que, a verificar-se, determina a sua não aplicação, bem assim como, simultaneamente, o regime processual que, desta feita, perderia total autonomia?
O sentido da analisada «ressalva» tem de ser obtido, através do elemento literal dos dois regimes em confronto, em conjugação com o elemento histórico da evolução da lei, já referido, mas, especialmente, com o elemento teleológico da interpretação.
Ora, a «ratio legis» deste regime inovatório leva a considerar que o onerado com um prazo de caducidade deve preocupar-se com a propositura atempada da acção, mas, também, com a sua procedência, em ordem a atingir o fim visado pela mesma, ou seja, a satisfação célere da pretensão do autor, de modo a evitar o insucesso da causa, “por motivo imputável em exclusivo ao autor a uma automática renovação do prazo de caducidade, entretanto consumado, decorrente da irrestrita oportunidade de repetir a causa e com isso obter automaticamente a sobrevivência dos efeitos civis decorrentes, no âmbito do instituto da caducidade, da proposição atempada da acção originária”[8].
Este efeito já não teria lugar, por não se justificar, quando a decisão de absolvição da instância não seja imputável ao autor, como acontece quando subsistem dúvidas razoáveis sobre a definição de pressupostos processuais, cuja falta veio a determinar a absolvição da instância, mas que se não demonstrou, na hipótese em apreço.
Ao regime mais favorável ao autor, que lhe permitia repropor, sucessivamente, a acção, dentro do prazo de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, independentemente da existência de culpa na elaboração dos contornos da petição inicial, seguiu-se um regime em que a sua conduta processual pretérita, desde que isenta de culpa na causa determinante da absolvição da instância, lhe confere um prazo adicional alargado para repetir a acção, mas em que, ocorrendo censurabilidade do seu comportamento processual, fica privado do prazo de trinta dias do regime processual, então, inaplicável, devido à ressalva do regime substantivo, contemplada na primeira parte do nº 2, do artigo 289º, do CPC/1961 [hoje, o artigo 279º, nº 2, do NCPC].
Trata-se de uma manifestação do princípio processual da auto-responsabilidade das partes na condução do processo, segundo o qual determinadas insuficiências que venham a ter lugar, na preparação e condução da acção, nomeadamente, por imprudência, descuido ou imprevisão dos seus mandatários, são geradoras de efeitos preclusivos que a inviabilizam, irreversivelmente.
Deste modo, sendo imputável ao autor a absolvição da instância, ocorrida na acção anterior, o prazo de caducidade do direito da propositura da acção de preferência começa a correr com o acto interruptivo, atento o disposto pelo nº 2, não gozando o autor do prazo especial, a que alude o nº 3, ambos do artigo 327º, do CC[...]."
Note-se que, ao contrário do que o sumário pode dar a entender, o STJ reconheceu correctamente que entre os vários comproprietários e preferentes se verifica, não um litisconsórcio necessário natural, mas um litisconsórcio necessário legal (cf. art. 419.º, n.º 1, CC). Nesta base, atenta a "manifesta evidência da caracterização dos pressupostos da legitimidade activa na acção de preferência", pode concluir-se com facilidade que a absolvição da instância proferida na primeira acção é imputável ao autor.
3. Do disposto nos art. 327.º, n.º 3, e 332.º, n.º 1, CC, decorre que, quanto à prescrição e à caducidade, os efeitos civis resultantes da propositura da primeira acção se mantêm nos dois meses seguintes à absolvição da instância, desde que esta absolvição tenha tido um fundamento processual que não seja imputável ao titular do direito e autor da acção. Este regime constitui uma excepção, não ao disposto no art. 279.º, n.º 2, CPC, mas aos efeitos da interrupção da prescrição do direito e ao decurso do prazo de caducidade para a propositura da acção: sem este regime, o novo prazo de prescrição teria começado a correr a partir da citação do réu (cf. art. 326.º CC) e o esgotamento do prazo de caducidade durante a pendência da acção obstaria à propositura da segunda acção.
Esta conclusão é relevante, porque obsta a que se possa defender que, no prazo de 30 dias a que se refere o art. 279.º, n.º 2, CPC, o autor pode sempre propor uma nova acção, mesmo que a absolvição da instância tenha ficado a dever-se a culpa desse demandante. Não é assim: se o direito estiver sujeito a um prazo de prescrição ou se a acção estiver submetida a um prazo de caducidade, a propositura da segunda acção após a absolvição da instância é regulada exclusivamente pelo disposto no art. 327.º, n.º 3, e 332.º, n.º 1, CC, pelo que, se esta absolvição tiver tido por fundamento uma conduta culposa do demandante, nunca é possível a propositura de uma nova acção.
4. Sobre a matéria, cf. também STJ 30/6/2011 (797/07.7TBFAF.G1.S1) e STJ 27[não 16]/2/2012 (566/09.0TBBJA.E1.S1) (este acórdão é citado na nota 8 do acórdão agora publicitado), considerando que é imputável ao demandante a desistência da instância que frustrou o proferimento de uma decisão sobre o mérito.»

Não é despicienda a alegação, pelos Recorrentes, quer do princípio pro accione, quer do direito fundamental, da ordem dos direitos liberdades e garantias, ao acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva (artigos 20º e 268º da Constituição), ou, melhor dizendo, do princípio constitucional que lhe subjaz.
A tal alegação respondemos que é preciso ter presente que não são apenas estes os princípios constitucionais que concorrem para a formação da ponderação de interesses públicos, desígnios políticos e princípios constitucionais que o legislador ordinário sempre faz. Desde logo, concorrem também, na formação de normas com a natureza hierárquica de lei ordinária, como são as normas do CPC e do CC aqui aplicandas, o princípio da segurança jurídica no Estado de Direito e o princípio da autonomia privada – subjacente ao princípio jus-processual do dispositivo.
Nenhum destes princípios é absoluto, todos sofrem alguma contracção na conjugação entre os interesses e princípios constitucionais que se apresentam ao Legislador.
Ora, o respeito por princípios e ou direitos subjectivos radicados na própria Constituição, como são os direitos liberdades e garantias, apenas demanda que a conformação, em concreto, da realização de cada um desses princípios e direitos fundamentais, pela lei ordinária não seja tal que, por desproporcionada, teleologicamente injustificada ou lesiva do seu núcleo essencial se mostre incompatível, na prática, com a efectiva vigência desse princípio ou direito fundamental no todo da ordem jurídica.
Assim é que ninguém ousará sustentar que é violado o principio do acesso à tutela jurisdicional efectiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos quando para o exercício de quaisquer direitos subjectivos em maior ou menor medida disponíveis é, pelo Legislador, fixado um prazo peremptório, findo o qual, se não exercido, o direito ou o direito à acção correspondente se extingue. Tal é um imperativo do principio da segurança jurídica no Estado de Direito.
Pois bem, não é mais do que essa legitima e constitucionalmente insuspeita ponderação o que ocorre quando o Legislador do artigo 327º nº 2 do CC, aplicável à caducidade do “direito a propor determinada acçãoex vi artigo 332º nº 1 do mesmo diploma, exige que a absolvição da instância não tenha sido imputável ao autor; e quando o artigo 289º nº 2 do CPC (o antigo, vigente ao tempo da instauração da segunda e presente acção) ressalva tal condição ao dispor que o aproveitamento dos efeitos civis da propositura da primeira acção não pode prejudicar “o disposto na Lei civil quanto à prescrição e a caducidade”, ressalva, esta, da qual decorre a interpretação que daquela norma do CPC fez a sentença recorrida.
Pelo exposto, é negativa a resposta deste tribunal à 1ª questão, designadamente, a interpretação feita na sentença recorrida à conjugação dos artigos 289º nº 2 do CPC (antigo) e 327º nº 2 ex vi 332º nº 1, ambos do CC, é conforme o direito e não padece da apontada incompatibilidade com o direito fundamental ao acesso à Justiça (artigo 20º da Constituição) e o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados.

2ª questão
Sempre a sentença errou em matéria de direito ao julgar que a absolvição da instância na acção 140/07.5BELLE é imputável aos Autores, uma vez que:
- O TCAS não formulou qualquer censura no acórdão de 19/1/2011, que pôs termo àquela primeira acção;
- A tentativa de conciliação a que se referem os artigos 231º e 260º dos DL nºs 405/93 de 10 de Dezembro e 59/99 de 2 de Março, respectivamente, era in casu inútil porque já houvera uma semelhante diligência na acção arbitral, diligência que podia ser considerada como relevante para os efeitos do pressuposto processual resultante do disposto nas sobreditas normas;
- Há autoridade de caso julgado na decisão do TCAS quando refere que pode ser instaurada uma nova acção;
- Não se pode julgar, como na sentença recorrida, ser manifesta incúria dos recorrentes estes não terem requerido uma diligência habitualmente infrutífera, a ponto de a sua exigência ter sido abandonada com a entrada em vigor do DL nº 18/2008 de 29 de Janeiro, que aprovou o Código dos contratos públicos?

No que releva para esta questão, o discurso da sentença recorrida é o seguinte:
«Nos termos do n.º 2 do art.º 289.° do CPC/1961 (correspondente ao n.º 2 do art.° 279.° do CPC/2013) as AA. beneficiariam da manutenção dos efeitos civis aí previstos, porque o prazo de caducidade ainda [não] estava expirado à data da propositura da primeira acção, mas já se encontra ultrapassado quando em 8.2.2011 intenta a segunda (os presentes autos), na medida em que não lhes fosse imputável a absolvição da instância.
Mas não vemos como formular um juízo de não imputabilidade.
Com efeito, a exigência de tentativa de conciliação extrajudicial prévia à instauração das acções submetidas a julgamento nos tribunais administrativos referentes à interpretação, validade ou execução do contrato estava já prevista desde, pelo menos, o art. 221° do RJEOP/86, mantendo-se no art.° 231 do RJEOP/93 e no art. 260° do RJEOP/99. Sendo certo que o DL 18/2008, que revogou aquele 260.° do RJEOP/99, é de Janeiro de 2008, ou seja, só a partir de 30 de Janeiro de 2008 o referido procedimento da tentativa de conciliação deixou de ser aplicável aos contratos já celebrados em que à data não estava pendente essa fase de conciliação extrajudicial, muito após a instauração do processo 140/07.5BELLE.
A exigência de prévia tentativa de conciliação extrajudicial não era matéria que, à data, suscitasse qualquer controvérsia doutrinal ou jurisprudencial. Não se tratando de qualquer questão jurídica não isenta de dúvidas, que legitimasse a existência de divergências hermenêuticas e que justifiquem a sobrevivência dos efeitos civis. Aliás é de reter que no Ac. do TCA Sul se avançou que a alegada tentativa de conciliação no processo arbitral que ali vinha invocada pelas AA. era algo logicamente diverso da realidade prevista no art. 260.° do RJEOP, ou seja afastando totalmente a argumentação da A.
Quer isto dizer que no caso sub judice o motivo processual que determinou a decisão de absolvição da instância na originária acção é imputável às AA. a título de culpa, porque de forma manifestamente incúria instauraram a acção no Tribunal Administrativo sem previamente requererem a tentativa de conciliação extrajudicial perante o Conselho Superior de Obras Públicas, razão pela qual não poderá usufruir do previsto no artigo 327.°, n.° 3, do CC nem do artigo 279.° do CC.
Trata-se de erro, envolvendo culpa da parte e seu mandatário, que injustificadamente iniciou uma acção que bem sabia - ou devia saber - que era inviável, em termos de virtualidade para nela se obter uma decisão de mérito.
E note-se que atenta a tramitação processual nos autos 140/07.5BELLE, com a instauração da acção em tribunal territorialmente incompetente, a prolação de decisão em 1ª instancia e posterior recurso, manifestamente, ainda que tivesse existido maior celeridade, a causa estaria decidida antes do termo do prazo de caducidade. Ou seja, não foram as contingências de funcionamento do sistema judiciário que obstaram a que as AA. atempadamente instaurassem a presente acção dentro do prazo de caducidade.
Note-se que não se pode ter este regime por desproporcionado, sendo simples reflexo nesta matéria da vigência do princípio da auto-responsabilidade das partes, do qual decorre que falhas culposas na condução do processo pela parte ou seu mandatário podem efectivamente desencadear efeitos cominatórios ou preclusivos que acabem por prejudicar irremediavelmente a parte que agiu sem o zelo e diligência devidos.
Em suma, mostra-se verificada a caducidade do direito de acção, o que determina a absolvição dos RR. da instância.»
Esta decisão releva de uma concepção do substantivo abstracto “imputabilidade”, eminentemente ligada ao conceito de culpa, no sentido de que haverá imputabilidade sempre que seja censurável uma contribuição objectiva (seja por acção seja por omissão) do autor para a causa da absolvição do Réu, da instância, na primeira acção.
E na verdade essa a concepção é proposta ou suposta pelas doutrina e jurisprudência citadas.
Do nosso ponto de vista esta imputabilidade, embora tenha de ter uma dimensão de imputação subjectiva, ao Autor, do facto ou do não facto, do acto ou da omissão causal da absolvição da instância, não se presta ao juízo de censura inerente a uma conclusão por culpa negligente na conduta ou omissão causadora da absolvição da Instância, porque, não se estando a tratar incumprimento contratual nem de dano causado a terceiro mas antes da autonomia privada e da auto-responsabilidade de uma parte processual, não se vê a que facto disso susceptível se possa referir um juízo de culpa, isto é, de censura ético-jurídica.
Na verdade, posto que estamos no domínio do dispositivo e da autonomia das partes, a imputabilidade aqui preconizada basta-se com a etiologia objectiva, isto é, um facto causador da absolvição da instância e redutível a uma conduta activa ou omissiva do Autor, em conjugação com um juízo de exigibilidade, quer dizer, a absolvição da instância não será imputável ao Autor, para os efeitos do disposto no artigo 327º nº 3 ex vi 32º nº 1 do CC, sempre que, tendo em conta a sua natureza e as concretas circunstâncias em que o ocorreu, não for exigível ao Autor representar-se a necessidade desses acto ou omissão para ficarem reunidos os pressupostos processuais cuja falta tiver determinado a absolvição da instância.
Esta abordagem conceptual, se bem que diversa daquela em que labora a sentença recorrida, nem por isso resultará – por regra – em diversos juízos sobre a imputabilidade em casos concretos, pois a matéria do juízo é a mesma, só a chave ou a linguagem de leitura é outra. Ali a causalidade e culpa, aqui a causalidade e um critério de exigibilidade.

Munidos desta outra chave, apreciemos a argumentação apresentada dos Recorrentes em ordem a não lhes ser imputável a absolvição da instância na acção administrativa comum nº 140/07.5BELLE.

A - O TCAS não formulou qualquer censura no acórdão de 19/1/2011, que pôs termo àquela primeira acção.
Quem tem de fazer o juízo de exigibilidade, acima caracterizado em abstracto, relativamente ao facto de os autores não terem, antes de instaurada a acção 140/07, requerido a tentativa de conciliação junto do Conselho Superior das Obras públicas, é, obviamente, o tribunal recorrido, perante o qual foi instaurada a presente acção, mediante a qual os Autores pretendem valer-se dos efeitos civis da instauração temporã daquela outra, e bem assim este Tribunal de Apelação.
Portanto, o presente argumento some-se numa petição de princípio.

B - A tentativa de conciliação a que se referem os artigos 231º e 260º dos DL nºs 405/93 de 10 de Dezembro e 59/99 de 2 de Março era in casu inútil porque já houvera uma semelhante diligência no processo arbitral, diligência que podia ser considerada como relevante para os efeitos do pressuposto processual resultante do disposto nas sobreditas normas.
Uma tentativa só é garantidamente inútil se o seu objecto for impossível. Impossibilidade é um conceito absoluto, não é o mesmo que grande dificuldade ou grande improbabilidade. Naturalisticamente a tentativa de conciliação administrativa não era impossível, pelo que não podia considerar-se um acto inútil.
Por outro lado, como mui bem explicam quer a sentença recorrida quer o acórdão do TCAS, a diligência de conciliação perante o tribunal arbitral diverge no objecto e sobretudo no sujeito “mediador”, além de que não foi prévia a qualquer acção, já que decorreu no âmbito de uma acção arbitral que se supunha ir dirimir o litígio.
Enfim, em nada a realização da tentativa de conciliação no processo arbitral tornava duvidosa ou, ao menos, juridicamente discutível a necessidade de cumprir com o pressuposto processual da tentativa de conciliação perante o Concelho Superior de Obras Públicas imperativamente exigida – passe a redundância – em qualquer daqueles diplomas que sucessivamente vigoraram, pelo que, deste ponto de vista, era exigível aos Réus representarem-se a necessidade de cumprirem com o pressuposto processual daquela tentativa de conciliação.

C - Não se pode julgar, como na sentença recorrida, ser manifesta incúria dos recorrentes estes não terem requerido uma diligência que era habitualmente infrutífera, a ponto de a sua exigência ter sido abandonada com a entrada em vigor do DL nº 18/2008 de 29 de Janeiro, que aprovou o Código dos contratos públicos.
Mesmo que seja desproporcionada a qualificação da omissão dos réus como “manifesta incúria”, sempre é certo que vigorava uma norma legal imperativa, cujo desígnio era, inequivocamente, obrigar as partes à mediação prévia de um órgão colegial da Administração, especial e tecnicamente habilitado para o efeito, a fim de se diminuir quanto possível o assoberbamento dos tribunais com acções de objecto fáctico assaz técnico e de difícil abordagem directa por um juiz. Tais imperatividade e desígnio proscreviam, inequivocamente, aos autores qualquer veleidade de discernirem caso a caso a utilidade ou inutilidade da tentativa prévia de conciliação.
Assim, tão pouco a alegadamente habitual inutilidade da diligência omissa permite fazer qualquer juízo de inexigibilidade da consciência da obrigatoriedade normativa da sua realização.

D - Há autoridade de caso julgado na decisão do TCAS quando refere que pode ser instaurada uma nova acção.
O acórdão do TCAS, de 19/1/2011, que, na acção administrativa comum nº 140/07.5BELLE, absolveu os Réus da Instância por falta de cumprimento prévio do artigo 260º do RJEOP aprovado pelo DL nº 59/99 pode ler-se a fs. 2348 e ss. Sitaf. Não topamos nele semelhante declaração, seja expressa, seja tácita.
De qualquer modo, importa ter presente que só a decisão sobre a relação material controvertida pode formar autoridade de caso julgado fora do processo em que foi proferida. Se o seu objecto recair unicamente sobre a relação processual, a vinculação da decisão para as partes confina-se ao processo em que foi proferida. Tal é o que resulta do confronto entre os nºs 1 dos artigos 619º e 620º do CPC. Os pressupostos processuais são condição de se estabelecer a relação processual. Como tal, a sua apreciação apenas é susceptível de fazer caso julgado formal.
Por fim, mas não por último, o sobredito argumento releva de uma confusão entre a excepção dilatória que seria a inadmissibilidade legal da instauração de uma nova acção com idêntico objecto – excepção suscitada com fundamento no incumprimento do pressuposto processual da prévia tentativa de conciliação que já vimos improceder quanto à presente acção – e a procedência da excepção da caducidade do direito litigado. Ora, o que aqui e agora está a ser discutido não é a admissibilidade desta acção, mas sim e apenas a caducidade do direito seu objecto.
Assim, tão pouco foi por desrespeitar autoridade de caso julgado formado na acção 140/07.5BELLE que a Sentença recorrida errou de direito ao julgar verificada a caducidade do direito e acção.

Conclusão
Do exposto quanto às 1ª a 2ª questões resulta que bem andou a Mª Juiz a qua em julgar procedente a excepção de caducidade da acção, pelo que se impõe manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Custas
Uma vez que decaíram completamente, as custas do recurso ficam a cargo dos Recorrentes.
Entretanto:
Considerando a adequada conduta processual das partes, bem como o concreto valor das custas a suportar, a final, pelos recorrentes no seu decaimento total, valor que se mostra desproporcionado, entendemos que se justifica a dispensa da totalidade do remanescente o da taxa de justiça devida, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
Como assim, vão, as partes, dispensadas do pagamento de todo o remanescente da Taxa de Justiça devida.

Dispositivo
Assim, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas: pelos Recorrentes, indo dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Porto, 5/4/2024

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Ricardo Jorge Pinho Mourinho de Oliveira e Sousa
Maria Clara Alves Ambrósio