Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00135/20.3BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/05/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO, INVOCAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA (SEU AFASTAMENTO),
INEXISTÊNCIA DE CAUSA LEGÍTIMA DE INEXECUÇÃO,
CUMPRIMENTO DA SENTENÇA QUE SERVE DE TÍTULO À EXECUÇÃO (NÃO VERIFICAÇÃO NO DISPOSITIVO DA SENTENÇA PROFERIDA DE CONDENAÇÃO DO RÉU À PRÁTICA DE QUALQUER ACTO OU À ADOPÇÃO DE QUALQUER CONDUTA);
Recorrente:A.
Recorrido 1:MUNICIPIO (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução de Sentença
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

A. requereu contra o Município (...), ambos melhor identificados nos autos, a execução de julgado, da decisão proferida na A. A. Especial n.º 365/12.1B.

Pediu: “deve proceder a presente execução e por via dela ser o executado condenado a executar a sentença através da prática dos atos que reponham a legalidade violada pelos despachos anulados através da publicação dos critérios de seleção dos candidatos admitidos ao concurso e, após isso, ser designado local, dia e hora para a realização das provas de seleção seguindo-se a prática dos demais atos até à prolação do ato administrativo final que ponha termo ao procedimento concursal.”
Por sentença proferida pelo TAF de Viseu foi julgado improcedente o pedido de execução.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Exequente formulou as seguintes conclusões:

1ª/ O exequente intentou a presente ação para execução da sentença proferida nos autos de ação administrativa especial processo n.º 365/12.1BEVIS.

2ª/ No mencionado processo, o executado foi condenado nos seguintes termos: “Pelo exposto, julga-se a presente ação administrativa especial procedente, por provada, e por via dela:
a) anula-se o despacho do Presidente da Câmara Municipal de (...) de 19 de abril de 2012, publicado no diário da república 2.º série n.º 84 de 30 de abril de 2012 e através do qual concorda e manda publicar a alteração aos parâmetros dos métodos de seleção dos candidatos no procedimento concursal a que se refere o aviso n.º 22072/2011 publicado no diário da republica n.º 214 de 8 de novembro de 2011.
b) anula-se o Despacho do Presidente da Câmara Municipal de (...) de 21 de maio de 2012, que homologou a lista unitária de ordenação final, referente ao procedimento concursal para recrutamento de três postos de trabalho, na modalidade de contrato de trabalho em funções publicas, por tempo determinado, na carreira e categoria de Técnico
Superior (Engenharia Civil), publicado no D.R. 2.ª série n.º 106, de 31/5/2012.”

3ª/ O artigo 173.º, n.º 1 do CPTA estabelece o seguinte: “Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado”.

4ª/ Os atos de execução a praticar para a execução da sentença proferida nos autos n.º 365/12.1BEVIS são: determinar ao júri do concurso que procedesse à publicação dos critérios de seleção dos candidatos; designar local, dia e hora para a realização das respectivas provas de avaliação, com a convocação dos candidatos admitidos; prosseguimento dos termos até à prolação de novo ato administrativo que encerrasse o procedimento concursal.

5ª/ A 11 de fevereiro de 2020, o Presidente da Câmara Municipal de (...) extinguiu o procedimento concursal em causa, através de despacho, por “manifesta e superveniente extinção da necessidade temporária que a contratação visava suprir”, o que demonstra que o executado não irá executar voluntariamente a sentença.

6ª/ Tal extinção do procedimento não se enquadra na prática de atos devidos a praticar pela Administração de modo a reconstituir a situação que existiria caso o ato anulado não tivesse sido praticado, isto é, a extinção do procedimento não corresponde de modo algum à reconstituição prevista no art. 173.º, n.º 1 do CPTA.

7ª/ Em todo o caso, o mencionado despacho de 11 de fevereiro de 2020 é nulo, de acordo com o disposto no art. 161.º, n.º 1 do CPA (v. 158.º CPTA) e n.º 2, al. i) do mesmo artigo.

8ª/ Questão esta que foi levantada pelo exequente nos autos mas não foi apreciada pelo tribunal recorrido, o que importa a nulidade da sentença de acordo com o estabelecido art. 179.º, n.º 2 do CPTA — e por este motivo a sentença é nula, de acordo com o disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.

9ª/ O executado declarou a extinção do procedimento concursal com a justificação de que a contratação a que se destinava era para suprir uma necessidade temporária, alegando que, devido ao decurso de tempo, inexiste a necessidade que se pretendia suprir.

10ª/ O art. 175.º do CPTA prevê a hipótese de invocação de causa legítima de inexecução, nos termos previstos do art. 163.º para a execução de sentenças de anulação de atos administrativos, como é o presente caso.

11ª/ Estabelece o art. 163.º, n.º 1 do CPTA: “Só constituem causa legítima de inexecução a impossibilidade absoluta e o excecional prejuízo para o interesse público na execução da sentença.”

12ª/ Ora, se efetivamente não fosse possível ao executado praticar os atos devidos, não lhe restava outra opção legalmente que não fosse a invocação de causa legítima de inexecução por impossibilidade absoluta (perda de necessidade de recrutamento dos candidatos) e excecional prejuízo para o interesse público (contratação de dois trabalhadores para a execução de tarefas já realizadas).

13ª/ A sentença recorrida deveria ter interpretado a decisão do executado de extinção do procedimento através do despacho de 11 de fevereiro de 2020, como uma verdadeira invocação de causa legítima de inexecução da sentença e ordenar a notificação das partes para acordarem um montante de indemnização devida pela inexecução, nos termos do art. 178.º do CPTA.

14ª/ E, na falta de acordo, determiná-la oficiosamente, conforme dispõe o artigo 178.º, n.º 1 e 2 (ex vi 166.º) do CPTA.

15ª/ Por fim, a sentença de que agora se recorre é ainda nula, de acordo com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, aplicável por força do art. 1.º do CPTA, pois o tribunal recorrido não especificou os fundamentos de direito que justificam a decisão.

16ª/ Efetivamente, lê-se “(H) resulta que o concurso se destinava a satisfazer necessidades temporárias, as quais “já há muito tinham deixado de existir aquando da prolação da sentença que constitui o julgado” como afirmar que há ainda que executar o julgado?. Considerando o estrito âmbito deste não se vislumbra que atos possam ser realizados. Dito de outra forma a presente lide carece de utilidade”.

17ª/ Este entendimento do tribunal recorrido está em desconformidade com a lei e o direito, pois a solução, para quando a execução da sentença não seja possível, é remeter as partes para acordar o valor da indemnização pela inexecução legítima. Não está prevista na lei outra solução diferente desta nem o tribunal recorrido fundamentou legalmente a sua decisão.

18ª/ Não se entende ainda a sentença recorrida na parte em que diz que “não se vislumbra que atos possam ser realizados”, já que estes foram devidamente elencados na P.I..

19ª/ O tribunal recorrido, ao ter entendimento diverso, fez errada aplicação da lei e do direito, nomeadamente dos artigos 158.º, 163.º, 166.º, 173.º, 175.º, 178.º e 179.º, n.º 2, todos do CPTA, 161.º do CPA e 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC.

TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, a final, ser proferido acórdão que determine o prosseguimento dos autos de execução.

O Executado juntou contra-alegações, concluindo:

A. O procedimento concursal apreciado no Processo n.º 365/12.1BEVIS destinava-se ao recrutamento para a celebração de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, ou seja, destinava-se a satisfazer necessidades temporárias de contratação, na área de engenharia civil;

B. Quando a sentença foi proferida nesse processo, em Outubro de 2019, já há muito a necessidade temporária de contratação em causa tinha deixado de existir, embora tal não tivesse sido declarado expressamente pelo Município, até ao despacho de 11 de Fevereiro de 2020;

C. Assim, extinto que está o procedimento, nada mais há a executar relativamente à sentença cuja execução foi pedida nos presentes autos;

D. Ainda que se entendesse, por mero exercício de raciocínio, que o procedimento em causa deveria ser retomado, jamais o mesmo poderia ter como resultado a celebração de um contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo, porquanto, nos termos do disposto no artigo 57.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, o contrato a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação das necessidades temporárias e transitórias ali referidas;

E. Decorreram já quase dez anos desde a data da abertura do procedimento concurso, não existindo mais, como reconheceu a Entidade Demandada, qualquer necessidade que permita constituir fundamento legal para a celebração de contrato de trabalho a termo resolutivo certo;

F. Se fosse esse o sentido da execução da sentença proferida, tal significaria que o cumprimento da decisão levaria o Município a cometer grave ilegalidade, o que não se aceita.

Assim se constata que a decisão recorrida não enferma de qualquer erro de julgamento.

Deve, por conseguinte, esta decisão recorrida ser inteiramente confirmada, julgando-se o presente recurso totalmente improcedente.
Pois só assim se fará JUSTIÇA

O Senhor Procurador Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1. O procedimento concursal aqui em causa destinou-se ao recrutamento de técnicos superiores de engenharia civil, autorizado pela Câmara Municipal na reunião de 14/10/2011, tendo o Executado feito publicar no Diário da República, 2ª Série, nº 214, de 8 de novembro de 2011, um anúncio de procedimento concursal comum de recrutamento para o preenchimento de postos de trabalho em funções públicas por tempo determinado – termo resolutivo certo…”, cfr. pontos 1 e 2 dos fatos provados do julgado;

2. No julgado, sentença proferida em 21de outubro de 2019, que não foi objeto de recurso, decidiu-se:

”Decisão:
Pelo exposto, julga-se a presente ação administrativa especial procedente, por provada, e por via dela:
a) anula-se o despacho do Presidente da Câmara Municipal de (...) de 19 de abril de 2012, publicado no diário da república 2.º série n.º 84 de 30 de abril de 2012 e através do qual concorda e manda publicar a alteração aos parâmetros dos métodos de seleção dos candidatos no procedimento concursal a que se refere o aviso n.º 22072/2011 publicado no diário da republica n.º 214 de 8 de novembro de 2011.

b) anula-se o Despacho do Presidente da Câmara Municipal de (...) de 21 de maio de 2012, que homologou a lista unitária de ordenação final, referente ao procedimento concursal para recrutamento de três postos de trabalho, na modalidade de contrato de trabalho em funções publicas, por tempo determinado, na carreira e categoria de Técnico Superior (Engenharia Civil), publicado no D.R. 2.ª
série n.º 106, de 31/5/2012.”, vide o julgado cuja cópia constitui fls. 19 a 40 do processo digital;
3. O Executado através de despacho proferido em 11 de fevereiro de 2020, declarou extinto o referido procedimento concursal referido nos n.ºs anteriores mencionando que o referido procedimento se destinava ao recrutamento para a celebração de contrato de trabalho em funções públicas a termos resolutivo certo, para satisfazer necessidades temporárias; necessidades que já há muito tinham deixado de existir aquando da prolação da sentença que constitui o julgado foi proferida, em outubro de 2019; apesar de tal não ter sido expressamente declarado veio a fazê-lo, tão só para “afastar qualquer incerteza
jurídica”, cfr. doc. n.º 1 que instruiu o requerimento executório e a oposição do Executado;
4. O Executado celebrou com dois dos três classificados nos três primeiros lugares, no concurso aqui em casa, H. e A., contratos de aquisição de serviços, mediante “Ajuste Direto Regime Geral”, pelos períodos de um ano, com data de 21-11-2012 e 13-11-2015, vide docs. 4 a 7 que que instruíram o requerimento executório;

5. H. foi presidente do júri do procedimento concursal comum para a constituição de relação jurídica de emprego público a termo resolutivo incerto para a constituição de relação jurídica de emprego público para um posto de trabalho da carreira/categoria de assistente operacional, assinando nessa qualidade, em 13 de novembro de 2018, Aviso – “Lista de ordenação final de candidatos aprovados”, cfr. doc. 8 que que instruiu o requerimento executório.

DE DIREITO
Atente-se no discurso fundamentador da sentença:
Conjugando as concretas circunstâncias do concurso em causa, mencionadas em 1, donde sobreleva o contrato por tempo determinado “termo resolutivo certo”; a data da prolação da sentença, referida na parte final de 3, resultando que a mesma foi proferida cerca de oito anos depois da publicação do anúncio do procedimento concursal; os exatos termos do julgado, transcritos em 2 e o despacho proferido pelo executado e descrito em 3, do qual, articulado com o referido em 1, resulta que o concurso se destinava a satisfazer necessidades temporárias, as quais “já há muito tinham deixado de existir aquando da prolação da sentença que constitui o julgado”, como afirmar que há ainda que executar o julgado?. Considerando o estrito âmbito deste não se vislumbra que atos possam ser realizados. Dito de outra forma a presente lide carece de utilidade.

Não se olvidam as realidades descritas em 5 e 6 dos fatos assentes, mas não se afigura que elas relevem para estes autos, antes se coadunam com o descrito no antecedente parágrafo. Aquelas, quando muito, poderiam, eventualmente, servir de lastro a uma ação de responsabilidade extracontratual.

X

Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim, vejamos:
A questão decidenda é a de saber se houve erro de julgamento da sentença recorrida ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
É verdade que o Executado através de despacho proferido em 11 de fevereiro de 2020, declarou extinto o referido procedimento concursal com a justificação de que o procedimento se destinava ao recrutamento para a celebração de contrato de trabalho em funções públicas a termos resolutivo certo, para satisfazer necessidades temporárias, necessidades essas que, entretanto, tinham deixado de existir aquando da prolação da sentença que constitui o julgado que foi proferida em outubro de 2019; apesar de tal não ter sido expressamente declarado veio a fazê-lo, tão só para “afastar qualquer incerteza jurídica”.
A pretensão do Exequente vem assim enunciada:
“Mais ainda, e como já havia sido enunciado na P.I. e novamente aqui, os atos a realizar são: determinar ao júri do concurso que procedesse a publicação dos critérios de seleção dos candidatos; designar local, dia e hora para a realização das respetivas provas de avaliação, com a convocação dos candidatos admitidos; prosseguimento dos termos até à prolação de novo ato administrativo que encerrasse o procedimento concursal. Nada obsta, e aliás tudo obriga, que estes atos sejam praticados. Pelo que não se entende a sentença recorrida na parte em que diz que “não se vislumbra que atos possam ser realizados”, já que estes foram devidamente elencados na P.I.”.
Ora, a enunciada pretensão não cabe naquilo que foi a decisão judicial.
Como bem anota o Senhor Procurador Geral Adjunto, a decisão judicial (anulatória) limitou-se a:
a) anula-se o despacho do Presidente da Câmara Municipal de (...) de 19 de abril de 2012, publicado no diário da república 2.º série n.º 84 de 30 de abril de 2012 e através do qual concorda e manda publicar a alteração aos parâmetros dos métodos de seleção dos candidatos no procedimento concursal a que se refere o aviso n.º 22072/2011 publicado no diário da republica n.º 214 de 8 de novembro de 2011.
b) anula-se o Despacho do Presidente da Câmara Municipal de (...) de 21 de maio de 2012, que homologou a lista unitária de ordenação final, referente ao procedimento concursal para recrutamento de três postos de trabalho, na modalidade de contrato de trabalho em funções publicas, por tempo determinado, na carreira e categoria de Técnico Superior (Engenharia Civil), publicado no D.R. 2.ª série n.º 106, de 31/5/2012.”,”
Nada mais.
Não ordenou o prosseguimento do concurso. Nem o poderia fazer, sob pena, desde logo, de violação do princípio da separação de poderes e de afronta da discricionariedade da Administração. O prosseguimento do concurso está na inteira disponibilidade da Administração, no caso, do Município.
Deste modo, não pode aqui falar-se em execução em falta porque, fora as sobreditas anulações que já se mostram executadas, nada mais há a executar. E se nada mais há a executar, forçoso é concluir-se não poder falar-se em causa legítima de inexecução.
O prosseguimento ou não do procedimento concursal cabe na discricionariedade administrativa. Que consiste numa liberdade de escolha entre várias soluções tidas como igualmente possíveis, ou seja, a Administração escolhe livremente uma das soluções apontadas na lei, sendo tidas como igualmente boas, qualquer uma delas. E, por isso, o controlo jurisdicional do poder discricionário obedece apenas ao controlo da legalidade não se estendendo à esfera da oportunidade, onde o poder discricionário ocupa o seu espaço por excelência - refere-se no parecer do MP e aqui corrobora-se.
Claro que, como se afirma no aresto recorrido, se o aqui Exequente e além Oponente ao concurso entender que estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil, sempre poderá prevalecer-se do meio processual adequado. Não pode é fazê-lo com base em causa legítima de inexecução porque esta, repete-se, não se verifica.

Donde também a ausência de nulidade da sentença.

Segundo o artigo 615º do NCPC (artigo 668º CPC 1961), ex vi artigo 1º do CPTA, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”,
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 -…. .
3 -….. .
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Nos termos das alíneas b) e c) só ocorre nulidade quando falte a fundamentação (de facto/de direito devidamente especificada) ou quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, ou seja, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.

Dos incontáveis arestos dos tribunais superiores que reiteram a mesma doutrina jurisprudencial nesta matéria, retemos o Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 15/11/2012, proc. 0450/09, que sumariou: “(…) II - A estrutura da sentença está concebida no artº 659º do CPC, devendo a mesma começar por identificar as partes, o objecto do litígio (fixando as questões que que ao tribunal cumpre solucionar), os fundamentos (de facto e de direito) e concluindo com a decisão. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de a inquinar de nulidade (artº 668º nº 1 do CPC).

III - Um dos elementos estruturantes da sentença é a fundamentação. Esta tem duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico da pronúncia jurisdicional, no interior do processo; a função extraprocessual da motivação está ligada com a natureza garantista da absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes.

IV - A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta. (…)”.

Já a nulidade da alínea c) pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância de a fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada. Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).
Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.
Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.
Só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.
Ao não existir qualquer contradição lógica, não se verifica esta nulidade, porquanto ela reporta-se ao plano interno da sentença, a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência, em termos tais, que os fundamentos invocados pelo tribunal devessem, naturalmente, conduzir a resultado oposto ao que chegou.
Já a omissão de pronúncia está relacionada com o dever que o nº 1 do artº 95º do CPTA impõe ao juiz de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nestes termos, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia verificar-se-á quando exista (apenas quando exista) uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Este vício relaciona-se com o comando ínsito na 1ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras - cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, Coimbra 1984 (reimpressão) e os Acórdãos do STA de 03/07/2007, proc. 043/07, de 11/9/2007, proc. 059/07, de 10/09/2008, proc. 0812/07, de 28/10/2009, proc. 098/09 e de 17/03/2010, proc. 0964/09, entre tantos outros.

Questões, para este efeito, são, pois, as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes - v. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, pág. 112 e Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220/221.

Por seu turno, a nulidade por excesso de pronúncia verifica-se quando na decisão se conhece de questão que não foi suscitada por qualquer uma das partes, nem pelo Ministério Público, e não é do conhecimento oficioso.

É a violação do dever de não conhecer questões não suscitadas pelas partes, em razão do princípio do dispositivo alicerçado na liberdade e autonomia das partes, que torna nula a sentença, por excesso de pronúncia.

Na jurisprudência, sobre esta temática, vide, entre outros, os Acórdãos deste TCAN, de 30/03/2006, proc. 00676/00 - Porto, de 23/04/2009, proc. 01892/06.5BEPRT-A e de 13/01/2011, proc. 01885/10.8BEPRT, dos quais retiramos as seguintes coordenadas:

Ocorre excesso de pronúncia quando o Tribunal conhece de questões de que não pode tomar conhecimento por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir vazada na petição, ou por extravasar o elenco legal do conhecimento ex officio ou, ainda, por conhecer de pedido quantitativa ou qualitativamente distinto do formulado pela parte, isto é, conhece em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.

A delimitação do âmbito sancionatório da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC exige que se distinga entre questões e fundamentos, dado que, se a lei sanciona com a nulidade o conhecimento de nova questão (porque não suscitada nem de conhecimento oficioso), ou a omissão de conhecimento de questão suscitada (ou de conhecimento oficioso), já não proíbe que o julgador decida o mérito da causa, ou questões parcelares nela suscitadas, baseando-se em fundamentos jurídicos novos;

Questões, para esse efeito sancionatório, repete-se, serão todas as pretensões formuladas pelas partes no processo, que requeiram a decisão do tribunal, bem como os pressupostos processuais de ordem geral, e os específicos de qualquer acto especial, quando debatidos entre elas.

Efectivamente, como corolário do princípio da disponibilidade objectiva (arts. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte), a decisão é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte), ou seja, quando a decisão esteja viciada por excesso de pronúncia. Verifica-se este excesso sempre que o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer.

Assim, somente haverá nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, quando o juiz tiver conhecido de questões que as partes não submeteram à sua apreciação, de que não pudesse conhecer, exceto se forem de conhecimento oficioso.

In casu, a sentença de que agora se recorre não é nula, pois o Tribunal a quo, ainda que de forma sucinta, especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e conheceu a questão de fundo que se lhe apresentava.

Em suma:

-Extinto que está o procedimento, nada mais há a executar relativamente à sentença cuja execução foi pedida nos presentes autos;

-Ainda que se entendesse que o procedimento em causa deveria ser retomado, jamais o mesmo poderia ter como resultado a celebração de um contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo, porquanto, nos termos do disposto no artigo 57.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, o contrato a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação das necessidades temporárias e transitórias ali referidas;

-Reitera-se: decorreram já quase dez anos desde a data da abertura do procedimento do concurso, não existindo mais, como reconheceu a Entidade Demandada, qualquer necessidade que permita constituir fundamento legal para a celebração de contrato de trabalho a termo resolutivo certo;
-Se fosse esse o sentido da execução da sentença proferida, tal significaria que o cumprimento da decisão levaria o Executado/Município a cometer uma ilegalidade;
-Tudo, redunda na manifesta improcedência da presente execução, pois nada mais há para executar.

-Até porque do dispositivo da sentença proferida não consta qualquer condenação do Município à prática de qualquer acto ou à adopção de qualquer conduta;
-Não faz, pois, sentido, apelar à figura da causa legítima de inexecução, que aqui não tem aplicação.
DECISÃO

Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Notifique e DN.
Porto, 05/11/2021


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Nuno Coutinho