Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00429/04.5BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/06/2007
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Drº José Augusto Araújo Veloso
Descritores:UTILIDADE LIDE - INUTILIDADE LIDE
ACÇÃO ADMINISTRATIVA
Sumário: I. A utilidade de uma acção judicial afere-se pelo efeito jurídico que o autor pretende com ela obter, sendo que este efeito jurídico não pode traduzir-se num interesse meramente académico, mas antes num efeito prático que beneficie o autor;
II. A emissão, por órgão de um município, de alvará de demolição de certo prédio, ocorrida durante a pendência de acção intentada para anular ordem de execução de obras de conservação no mesmo prédio, anteriormente emanada de órgão do mesmo município, retira utilidade à lide judicial. *

* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:01/29/2007
Recorrente:O...
Recorrido 1:Câmara Municipal de Fafe
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Concede provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Declarar a extinção da instância
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Relatório
O...residente na Urbanização ..., Fafe – recorre do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] de Braga – em 24 de Fevereiro de 2006 – que negou provimento à acção administrativa especial em que pedia a anulação da deliberação de 05.02.2004 da Câmara Municipal de Fafe [CMF] que lhe ordenou a execução de obras de conservação em prédio de que é proprietário [nº... da rua ..., em Fafe], e lhe concedeu o prazo de 60 dias para o efeito – na acção especial em causa é demandado, além do MUNICÍPIO DE FAFE, o interessado particular A.... Recorre, ainda, da decisão judicial proferida na mesma acção - em 6 de Outubro de 2005 – que julgou improcedente a sua pretensão de ver declarada a inutilidade superveniente da lide.
Conclui as suas alegações da seguinte forma:
1- O recorrente entende não ser aplicável aos factos vertidos nos autos o regime dos artigos 89º e 90º do DL nº555/99 de 16.12;
2- Com efeito - diversamente do que sucedia com o artigo 9º do RGEU – à luz dessa norma, os poderes da câmara municipal nessa matéria restringem-se à promoção de obras em edifícios que revelem más condições de segurança e salubridade;
3- Como se retira da matéria de facto assente que serviu de fundamentação ao acórdão recorrido, o prédio apresentava um estado geral de degradação, mas não ameaçava ruína ou constituía perigo para a segurança de pessoas e bens;
4- Tanto mais que a aplicação daqueles artigos 89º e 90º deverá ser conjugada com o disposto no DL nº169/99 de 18.09, nos termos do qual a promoção de tais beneficiações pelas autarquias se restringe às construções que ameacem ruína ou constituam perigo para a saúde de pessoas e bens;
5- Aliás, nem tal norma constitui fundamento legal para a actuação da recorrida, pela simples razão de não vir invocada na fundamentação do acto impugnado;
6- A interpretação do acórdão, quanto a essa questão, é violadora dos princípios da legalidade, segurança jurídica, proporcionalidade e propriedade privada nas suas diversas vertentes;
7- Aliás, o acórdão ao considerar pela validade do acto porque as obras seriam as necessárias a assegurar a habitabilidade do prédio e do seu uso como habitação do recorrido, apreciou o mérito da acção fundado num pressuposto que não tem correspondência nem na letra, nem no espírito dos aludidos artigos 89º e 90º;
8- Sendo certo que o contra-interessado não contestou a acção, apesar de intervir nestes autos quando prestou depoimento de parte, o que, não tendo efeitos cominatórios, deveria ser tido em consideração no acórdão, quanto à ponderação da necessidade do referido prédio para a sua habitação;
9- Por outro lado, o Município de Fafe deferiu a viabilidade de construção de um prédio novo no local da aludida casa, ainda dentro do prazo de 60 dias para execução voluntária das obras de conservação no prédio;
10- Outrossim, de acordo com a descrição da situação do prédio efectuada no próprio auto de vistoria, aquele não justificava e nem possibilitava a mera conservação;
11- Assim, em face do descrito naquela vistoria, as obras impostas ao recorrente não eram obras de simples conservação, mas sim obras de restauro de toda uma casa que estava em estado geral de degradação;
12- Pelo que, o auto de vistoria, cujo teor foi reproduzido na alínea H) dos factos assentes, é prova bastante para se demonstrar que tais obras, apesar de se mencionar como reparações, implicavam o restauro de toda a casa;
13- Pelo que, o acto impugnado violou manifestamente o princípio da legalidade e proporcionalidade;
14- Acresce que, posteriormente ao acto impugnado, foi licenciado pelo recorrido Município de Fafe a construção naquele local de um prédio novo, implicando a demolição de tudo o que havia construído de novo;
15- O julgador a quo também não podia ignorar que o prédio foi no decurso da acção parcialmente demolido, com autorização do Município de Fafe, no âmbito do procedimento de licenciamento de obras para a construção do prédio novo;
16- Sendo o calendário para essa demolição definido pelo recorrido Município de Fafe, designadamente, todo o tecto e toda a parte traseira do prédio, o que foi aceite e reconhecido pelo Município;
17- Sendo notória, pela sucessão de actos emitidos pelo recorrido Município - dados como assentes na fundamentação do acórdão recorrido – a violação dos artigos 266º da CRP e ainda os artigos 3º, 4º, 5º e 6º do CPA;
18- Assim, o acórdão recorrido erra ao considerar válido o acto administrativo impugnado;
19- O recorrido contra-interessado actuou em manifesto abuso de direito já que, como consta do auto de vistoria, as obras ora impostas pelo recorrido Município ao recorrente já haviam sido ordenadas fruto da vistoria realizada 08.05.92, as quais, segundo o próprio, foram por ele realizadas naquela data, que até pagou ao empreiteiro;
20- Tal pagamento ao empreiteiro, serviu de motivo para aquele contra-interessado deduzir 70% da renda devida, passando a ser de apenas 0,45€;
21- As obras ora exigidas, os materiais, as deficiências, as construções e infra-estruturas são precisamente as mesmas, e de preço avultado;
22- O acórdão recorrido não se pronunciou sobre esta matéria invocada pelo recorrente, pelo que o mesmo padece da nulidade por omissão de pronúncia, violando o artigo 95º nº1 do CPTA;
23- Apesar de conhecer todos os factos documentados nestes autos, o recorrido Município deferiu o pedido de licenciamento da nova construção no local onde se encontrava a casa, a requerimento do recorrente;
24- Deferiu ainda a autorização da demolição do prédio objecto do acto recorrido, tendo calendarizado tal demolição para os dias 03.10.2005 a 18.10.2005;
25- Tratando-se de factos supervenientes à interposição da acção, que implicavam a impraticabilidade do acto administrativo impugnado, o recorrente, no início da audiência de julgamento, requereu, a inutilidade superveniente da lide;
26- Para tanto, o recorrente alegou que o novo acto que licenciava a construção de um novo prédio para aquele local e autorizava a demolição daquele para o qual se ordenavam obras de conservação, e que estava já parcialmente demolido, impunha um juízo de incompatibilidade com o acto impugnado que exigia execução de obras de conservação no prédio parcialmente demolido, e por isso aquele tinha carácter revogatório relativamente a este;
27- Ao decidir pela improcedência do requerido, com o fundamento de que o contra-interessado recorrido ainda não tinha sido notificado da mencionada autorização, podendo o acto em questão ser ainda contenciosamente impugnado, incorreu o julgador a quo em erro de julgamento;
28- Este despacho recorrido não se pronunciou sobre a essência dos fundamentos aludidos pelo recorrente, refugiando-se numa premissa meramente formal do procedimento de autorização da demolição para indeferir o requerimento formulado;
29- Acresce que o despacho ponderou a existência da autorização da demolição, porém ignorou a reconhecida execução parcial da demolição da casa;
30- O que tornava inviáveis as obras ordenadas, e no plano dos factos, pelo menos de configuração diversa;
31- Outrossim no plano do direito, porque a alegada necessidade de realizar obras na referida habitação, via agora todos os seus pressupostos e circunstâncias de facto alteradas;
32- Pelo que necessariamente teria de dar lugar a um novo acto administrativo, com novos fundamentos e novas imposições ou ordens, isto é, outras e mais obras ou até a demolição, ao abrigo do nº3 do referido artigo 89º;
33- Por outro lado, não é possível a manutenção simultânea na ordem jurídica dos 2 actos, importando tal incompatibilidade inexecução definitiva do acto anterior, e até a sua revogação;
34- Nem o recorrente continua vinculado ao dever de executar obras de conservação no prédio quando a autoridade pública competente lhe permite demoli-lo;
35- Sendo certo que, não obstante a posição do Município face ao requerimento do recorrente em audiência de julgamento, veio este, já após ter sido proferida a sentença a adoptar a posição defendida pelo recorrente;
36- Com o despacho do Presidente da CMF, de 23.04.06, o recorrido Município reconheceu que a execução das obras preconizadas pelos peritos não se mostram, nesta data, viáveis, face ao estado do imóvel;
37- Por fim, o acórdão recorrido produziu uma fundamentação quanto à questão da demolição superveniente do prédio manifestamente contraditória com a que subjaz ao requerimento de declaração de inutilidade superveniente da lide;
38- O despacho recorrido e o acórdão recorrido padecem de nítida incoerência e contradição, quanto ao papel da Administração e à sua intervenção no processo decisório que ordena a execução de obras de demolição e, por outro lado, em contradição, autoriza a demolição;
39- O acórdão recorrido não considerou a demolição parcial do prédio, o que estava assente e demonstrado;
40- O princípio segundo o qual a sentença terá que corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão, impõe que a mesma terá que ter em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção – artigo 663º do CPC ex vi artigo 1º do CPTA;
41- Assim, o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao considerar o acto válido;
42- Assim, o acórdão recorrido violou, para além de outros, os artigos 89º, 90º e 91º do DL nº555/99 de 16.12, com a redacção dada pelo DL nº177/01 de 04.06, 3º, 4º, 5º e 6º do CPA, 64º nº5 alínea c) da Lei nº169/99 de 18.09, 83º nº4 e 95º nº1 do CPTA, 663º do CPC ex vi 1º do CPTA, e 62º nº1 e 266º da CRP.
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido bem como a anulação da deliberação impugnada na acção em causa.
Não houve contra-alegações.
O Ministério Público entende que deve ser dado provimento ao recurso jurisdicional do despacho interlocutório, ficando prejudicado o conhecimento do recurso do acórdão final.

De Facto
São os seguintes os factos considerados provados no acórdão recorrido, e que não foram postos em causa pelo recorrente:
A) O autor é proprietário e legítimo possuidor de um prédio urbano, composto de casa de habitação [sito na Rua ... nº..., em Fafe] com área coberta de 48m2, uma dependência de 6m2, logradouro de 123m2, inscrito na matriz sob o artigo ...º da freguesia de Fafe;
B) Nesse prédio vivia como inquilino A... [contra-interessado] desde data anterior a 1990, sendo o objecto do contrato de arrendamento a dita casa destinada a habitação, e a renda actualizada de 1,5€ por mês;
C) Em 09.05.2003, A... requereu à CMF que efectuasse uma vistoria ao prédio, denunciando o estado de degradação do mesmo [ver documento de folha 115 dos autos, dado por reproduzido];
D) Em 05.01.2004 o montante da renda mensal paga ao autor pelo inquilino foi de 0,45€ [ver documento de folha 14 dos autos, dado por reproduzido];
E) Apesar de terem sido marcadas duas datas para a vistoria, uma para o dia 12.06.03, e a seguinte para o dia 26.06.03, o certo é que o contra-interessado nunca apareceu, nem estava em casa, apesar de convocado para abrir a porta da casa aos peritos da CMF [ver documento de folhas 105 a 114 dos autos, dadas por reproduzidas];
F) O Presidente da CMF decidiu por despacho de 01.07.2003 ordenar o arquivamento do processo, dado não ter sido possível o acesso ao interior do prédio [ver documento de folhas 99 a 103 dos autos, dadas por reproduzidas];
G) O contra-interessado requereu de novo a realização da vistoria, tendo sido o dia 18.09.03 pelas 15H45 horas [ver documento de folhas 92 a 97 dos autos, dadas por reproduzidas];
H) Do relatório elaborado e constante do Auto de Vistoria, resulta que:
“O prédio neste momento apresenta um estado geral de degradação, nomeadamente:
- a cobertura está muito danificada, o que permite a infiltração de águas pluviais através da mesma, provocando a deterioração dos tectos e paredes;
- as caixilharias e portas estão muito degradadas;
- o pavimento em soalho apresenta-se em muito mau estado, tendo parte do mesmo ruído;
- o prédio não possui instalações sanitárias interiores, apenas uma retrete no exterior [logradouro] que se encontra em mau estado de conservação, e nem possui qualquer sistema de drenagem de águas residuais.
Assim, propõe-se nos termos definidos no artigo 89º e artigo 90º do DL nº555/99 de 16.12 alterado pelo DL nº177/2001 de 04.06, que se proceda à execução das seguintes obras:
- reparação da cobertura do prédio;
- reparação/substituição das caixilharias exteriores e portas;
- substituição do pavimento danificado;
- reparação da retrete;
- ligação do prédio à rede pública de drenagem de águas residuais;
- reparação de tectos e paredes e respectiva pintura – [ver documento de folhas 89 e 90 dos autos, dadas por reproduzidas];
I) Por ofício de 15.10.03 [recebido a 17.10.04] foi o autor compelido a efectuar as obras indicadas, tendo sido fixado o prazo de 60 dias, a partir daquela notificação, para a sua realização, e com as cominações decorrentes do não cumprimento apesar de ter sido notificado nos termos e para os efeitos do artigo 100º do CPA [ver documento de folha 85 dos autos, dada por reproduzida];
J) Ora, as referidas obras de conservação do edifício a que o auto de vistoria de 08.05.92 se refere, já eram as seguintes:
Cobertura: estrutura de madeira podre e telhas partidas, permitindo infiltrações de águas pluviais em todo prédio;
Portas e janelas podres e vidros partidos;
O prédio não possui instalações sanitárias interiores, apenas uma retrete no exterior [logradouro] que se encontra em mau estado de conservação;
K) Em informação de 11.11.03 do Departamento Administrativo Municipal de Fafe, extrai-se que: Da análise do processo BX 91 e BX 94, constata-se que as obras executadas pela firma A... pelo valor de 319.400$00 se reportam às obras ordenadas na sequência da vistoria efectuada em 17.08.94 e não à vistoria datada de 08.05-92, a que o expoente faz referência [e a Comissão de Vistorias]. Não consta deste processo [BX94], cujo titular é Adelino Pereira [pessoa distinta do titular do processo BX/91] que as obras ordenadas e executadas tenham sido objecto de qualquer vistoria, na qual se ateste que os trabalhos impostos e que o expoente refere ter pago, não tenham sido convenientemente executados [ver documento de folhas 75 a 77 dos autos, dadas por reproduzidas];
L) Em carta de 22.12.03 dirigida ao autor [e por ele recebida em 24.12.2003] subscrita pelo Director de Departamento DAM da ré extrai-se que Relativamente ao valor que refere ter pago [319.400$00], a comissão de vistorias prestou a informação de que, esse valor se referia à execução de obras no prédio de outro inquilino de Vª Exa.
Não consta do processo referido no auto de vistoria [obras incorrectamente executadas] que Vª Exª tenha procedido ao pagamento das mesmas, as quais orçavam em 950.000$00 [ver documento de folhas 70 a 71 dos autos, dadas por reproduzidas];
M) Por carta de 16.02.2004 [recebida pelo autor em 17.02.2004] foi o autor informado pelo réu que por deliberação de 05.02.2004 a CMF ordenou a execução das obras supra referidas, concedendo-lhe 60 dias para a sua realização conforme o definido na vistoria [ver documento de folhas 57 a 58 dos autos, dadas por reproduzidas];
N) Em ofício de 18.03.04 enviado ao autor pela ré [e por ele recebido] sob o assunto viabilidade de construção de prédio/rua ... – Fafe extrai-se que: Reporto-me à exposição apresentada em 29.01.2004, relativa ao assunto em epígrafe, para informar Vª Exa. que o Presidente da Câmara, através de despacho proferido em 11.03.2004 deferiu o pedido, nos termos do parecer técnico, que abaixo se transcreve:
Mantém-se a informação técnica de 31.10.91, com a excepção do último piso, que não deverá ser recuado, mas com a mesma área do inferior, dada a solução aprovada pela Câmara para o edifício vizinho [ver documento de folha 36 dos autos, dada por reproduzida];
O) Em carta dirigida ao autor datada de 09.06.04, enviada pela ré e recebida por aquele em 15.06.04 sob o assunto execução de obras de conservação em prédio arrendado/rua ... nº.../Fafe retira-se que Não tendo Vª Ex.ª executado as correcções da obra mencionada em epígrafe, conforme lhe foi notificado através do nosso ofício 1091DPGU, datado de 16.02.2004, venho notificá-lo nos termos do nº3 do artigo 106º do DL nº555/99 de 16.12, na redacção do DL nº177/2001, para no prazo de 15 dias, a contar da recepção do presente ofício, dizer o que tiver por conveniente [ver documento de folhas 54 a 55 dos autos, dadas por reproduzidas];
P) Em parecer técnico de 14.07.04 [recebido pelo autor] conclui-se que […] não é legalmente viável o deferimento da pretensão do interessado, no que concerne à suspensão do procedimento, pelo que nada impede a execução coerciva das obras em questão […] [ver documento de folhas 46 a 48 dos autos, dadas por reproduzidas];
Q) Em carta dirigida ao autor datada de 20.7.04, enviada pelo réu e recebida por aquele, sob o assunto execução de obras de conservação em prédio arrendado/rua ... nº.../Fafe retira-se que Reporto-me à exposição apresentada em 28.06.04, para informar Vª Ex.ª que na sequência do parecer técnico cuja cópia se anexa, o Presidente da Câmara em 14.07.04 proferiu o seguinte despacho:
Concordo. Indeferido. Prossiga o procedimento [ver documento de folhas 46 do PA que se dá como reproduzido];
R) Apesar de haver sinais de degradação do prédio, tal não ameaça ruína ou constitui qualquer perigo para a segurança de pessoas e bens;
S) Uma empresa de construção civil realizou obras no prédio referido na alínea «A», tendo o contra-interessado pago por elas a quantia de 700.000$00 [setecentos mil escudos] [ver documento de folha 28 dos autos, dada por reproduzida];
T) Relativamente ao prédio referido na alínea «A», foi emitido pelo réu o “Alvará de Obras de Construção nº527/05”, em nome do aqui autor, licenciando a demolição do edifício aí construído [ver documento de folhas 178 a 214 dos autos, dadas por reproduzidas].

De Direito
I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável – ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 690º nº1, todos do CPC, aplicáveis “ex vi” 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª edição, páginas 459 e seguintes, e por Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, página 737, nota 1.

II. O autor da acção administrativa especial pediu ao TAF de Braga a anulação da deliberação camarária que lhe impôs obras de conservação no seu prédio, concedendo-lhe para tal o prazo de 60 dias, por entender que tal acto viola os artigos 89º do DL nº555/99 de 16.12 [Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação], 64º nº5 alínea c) da Lei nº169/99 de 18.09 [Lei das Autarquias Locais], e 266º nº2 da CRP [Constituição da República Portuguesa].
No início da audiência de discussão e julgamento [06.10.2005], o autor deu conhecimento ao tribunal de que durante a pendência da acção o município réu emitiu a seu favor alvará de obras [nº527/05] que lhe permite a demolição do prédio em causa, em ordem a futura construção no local [processo de obras nº39/PC/05], construção essa cuja viabilidade já foi aprovada. E, nesta base, requereu que a presente lide fosse declarada inútil [artigo 287º alínea e) do CPC ex vi 1º CPTA].
O TAF de Braga, por despacho, indeferiu este requerimento por entender que a decisão administrativa que permitiu a demolição do prédio ainda não constituía caso resolvido, já que poderia vir a ser impugnado pelo demandado A....
Tendo continuado, a acção terminou julgada improcedente por acórdão que considerou não se verificarem os diversos fundamentos de violação de lei imputados à deliberação camarária impugnada.
A estas duas decisões reage o ora recorrente, apontando erro de julgamento ao despacho, e nulidade e erro de julgamento ao acórdão.

III. Impõe-nos a lógica jurídica que comecemos por apreciar o recurso jurisdicional interposto do despacho interlocutório através do qual foi indeferido o requerimento em que o autor, invocando ter-se configurado uma situação de inutilidade superveniente da lide que intentou, requereu a respectiva extinção da instância [artigo 287º alínea e) do CPC ex vi 1º CPTA].
A situação relevante resume-se assim: o Município de Fafe, por deliberação camarária de 05.02.2004, ordenou ao ora recorrente a execução de obras de conservação em prédio de que é proprietário e que está arrendado ao interessado particular [corre nos tribunais comuns a respectiva acção de despejo por falta de habitação permanente]; o Município de Fafe, por despacho de 18.08.2005 do seu presidente, titulado pelo alvará de obras nº527/05, aprovou a demolição do mesmo prédio e fixou o prazo da respectiva execução.
Temos, portanto, que o Município de Fafe, embora por actos de diferentes órgãos, proferiu decisões na prática incompatíveis, pois que a imposição de obras para conservar um prédio é incompatível com a permissão de demolição do mesmo.
Como é sabido, a utilidade de uma acção judicial afere-se pelo efeito jurídico que o autor pretende com ela obter, sendo que este efeito, no caso concreto, consistia em conseguir arredar da ordem jurídica, por ilegal, a deliberação camarária que impunha ao autor a execução de obras de conservação no seu prédio.
Todavia, este efeito jurídico não pode reduzir-se a um interesse meramente académico, mas deve traduzir-se num efeito prático que beneficie o autor. No caso, a pretendida declaração de ilegalidade da deliberação que lhe impôs as obras de conservação visou evitar que se produzissem na sua esfera jurídica os respectivos efeitos lesivos.
Ora, acontece que a mesma entidade autárquica que lhe ordenou as obras de conservação no prédio, veio a permitir-lhe, na pendência desta acção, a por ele pretendida demolição do mesmo, visando ulterior construção de novo prédio com viabilidade já aprovada.
Temos, pois, que o recorrente, enquanto titular de alvará que lhe permite a demolição do prédio, evidentemente que deixou de ter utilidade na neutralização dos efeitos jurídicos da decisão que lhe impõe obras de conservação no mesmo. De facto, a restar alguma utilidade desta decisão, ela seria meramente académica.
A permissão de demolir o prédio retira todo e qualquer efeito útil à anterior imposição de obras de conservação no mesmo prédio, sob pena de, assim não se entendendo, enveredarmos pelo campo do paradoxo lógico-jurídico.
Isto significa que a decisão administrativa de 18.08.2005, que permitiu ao recorrente a demolição, suspendeu os efeitos jurídicos da decisão de 05.02.2004 que lhe ordenou as obras de conservação, de tal forma que estes últimos só poderão produzir-se com a declaração de invalidade ou anulação daquela.
Até então, o recorrente está legitimado administrativamente a proceder à demolição do prédio, sendo-lhe inútil o prosseguimento desta lide.
Note-se, ainda, que esta decisão nada prejudica os direitos ou legítimos interesses do interessado particular, como pareceu temer o tribunal recorrido, uma vez que ele, enquanto arrendatário do prédio em questão, e se assim o entender, sempre se poderá opor à sua demolição, nomeadamente impugnando a decisão administrativa que a permite.
Verifica-se, por conseguinte, o erro de julgamento apontado ao despacho interlocutório, pelo que o mesmo deverá ser revogado e substituído por outro que declare a inutilidade superveniente da lide.
Fica, assim, totalmente prejudicado o conhecimento do recurso jurisdicional interposto do acórdão proferido na acção.

DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os Juízes deste Tribunal no seguinte:
- Conceder provimento ao recurso interposto do despacho interlocutório, e, em conformidade, revogá-lo;
- Julgar prejudicado o conhecimento do recurso jurisdicional interposto do acórdão;
- Declarar extinta a instância com fundamento na inutilidade superveniente da lide.
Sem custas nesta instância [os recorridos não contra-alegaram].
Custas na 1ª instância pelo município réu, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s – artigos 447º do CPC, 189º do CPTA, 2 73º-D nº3 do CCJ.
D.N.
Porto, 6 de Dezembro de 2007
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Maria Isabel São Pedro Soeiro
Ass. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia