Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00050/24.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/16/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:PENHOR MERCANTIL;
GARANTIA;
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO;
Sumário:
I - A reclamação judicial de acto praticado na execução fiscal constitui uma verdadeira acção impugnatória incidental da execução fiscal, formulada no curso de execução pendente, tendo por objecto determinado acto que nela foi praticado pelo órgão da execução fiscal e por finalidade a apreciação da validade desse acto.

II - Esse processo de reclamação previsto no artigo 276.º e seguintes do CPPT visa a apreciação da legalidade de actuação do órgão da execução fiscal à luz da fundamentação do acto que ele praticou.

III - Tal controlo judicial tem de ser feito pelo tribunal no contexto do pedido e da causa de pedir gizada na petição de reclamação, não podendo o tribunal apreciar se o acto deve ser validado ou censurado à luz de questões que não foram colocadas a esse órgão ou que nunca foram por ele equacionadas e decididas, já que o tribunal não pode substituir-se a tal órgão e sancionar o acto com a argumentação jurídica que julgue mais adequada.

IV – É competente para apreciar as garantias a prestar nos termos do artigo 199.º do CPPT o órgão da execução fiscal – cfr. artigo 199.º, n.º 9 do CPPT.

V - In casu, o tribunal recorrido substituiu-se ao órgão da execução fiscal, equacionando outro valor a garantir, diferente do que consta do acto reclamado, ponderando a (in)suficiência do penhor oferecido, o que não se mostra legalmente admissível.

VI – A incoerência entre a fundamentação de direito e a fundamentação de facto, através da dessintonia entre o disposto no artigo 199.º, n.º 6 do CPPT e o montante a garantir calculado, revela obscuridade na motivação do acto, pelo que deverá ser eliminado da ordem jurídica por vício de falta de fundamentação.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», contribuinte fiscal n.º ...93, residente na Rua ..., ..., ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 18/04/2024, que julgou improcedente a Reclamação do acto do órgão de execução fiscal, emitido pela Chefe do Serviço de Finanças ..., em 24/11/2023, que indeferiu o pedido de prestação de garantia através de “penhor mercantil”, no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º ..........400, originariamente instaurado a “[SCom01...], Lda.”, para cobrança coerciva de “Retenções na Fonte de IRS” na Declaração Mensal de Remuneração de Dezembro de 2019 (DMR 2019/12), no valor de € 43.099,00.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“A- Existem documentos produzidos pela AT no procedimento de avaliação da garantia, concretamente, as duas simulações do valor a garantir - facto provado nº. 11 e facto provado nº. 22 - que não foram notificadas à Recorrente conjuntamente com a decisão de 24.11.2023 do Chefe de Finanças ... 1, e de que se apresentou Reclamação, nos termos do art. 278º CPPT e não sabendo o Recorrente da existência das simulações, pois delas não foi notificado, só poderia arguir a falta de fundamentação, que foi invocada na conclusão D da reclamação do artº. 276º CPPT;
B- Verificada a existência dessas simulações, que não foram notificadas ao Recorrente e executado, estamos em presença de uma falta de fundamentação na notificação de indeferimento do pedido de aceitação de penhor mercantil que conduz à ineficácia do ato notificando, não podendo o interessado e ora Recorrente socorrer-se do disposto no artº. 37º do CPPT - comunicação ou notificação insuficiente -, por a aplicação deste preceito ser restrita ao procedimento administrativo tributário e não ao processo judicial de execução fiscal;
C- Nos termos apresentados e acabados de referir, não sabendo o Recorrente da existência das simulações, pois delas não foi notificado, só poderia arguir a falta de fundamentação, quando o que se verifica, na realidade, é uma falta de notificação dos fundamentos, termos em que não tendo essa ineficácia sido considerada e analisada pelo tribunal há erro de julgamento, que se invoca, por contradição entre os factos provados e a decisão de que ora se recorre;
D- Só a sentença é que faz prova do valor a garantir, por via das simulações -factos 11 e 22 -, pois o Reclamante e ora Recorrente, na data da notificação do indeferimento não o sabia, termos em que essa fundamentação não pode fazer parte da decisão de indeferimento, ao contrário do que o Tribunal de 1ª instância considerou na sentença, o que equivale a erro de julgamento;
E- A decisão de indeferimento do OEF padece mesmo de falta de fundamentação, pois os fundamentos invocados não podiam conduzir à decisão de não aceitação da garantia em causa, porquanto, no que concerne ao valor a garantir, existe contradição entre o valor indicado na citação (€ 53.783,75) e o indicado no ponto B6 da informação subjacentes ao despacho reclamado (€ 63.921,71) ambos com base no mesmo normativo (nº. 6 do artº. 199º do CPPT) e "para efeitos de garantia", pois, à luz do que o Recorrente podia entender, na data da notificação do indeferimento - 04.12.2023 -, aquele último valor de € 63.921,71, não se encontrava devidamente demonstrado, com prazo, cálculo de juros de mora, respetiva taxa, referência às custas e aos juros compensatórios, o que equivale a efetiva e concreta falta de fundamentação, o que inquina o ato de indeferimento de ilegalidade determinante da sua anulabilidade, o que se requer seja declarado;
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao manter na ordem jurídica o acto de não aceitação do “penhor mercantil” como garantia oferecida para suspensão do processo de execução fiscal em causa.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com interesse para a decisão consideram-se provados os seguintes factos:
1. Em 31.01.2020, foi instaurado pelo Serviço de Finanças ..., processo de execução fiscal n° ..........400, em nome da executada (devedora originária) “[SCom01...], Lda”, para cobrança coerciva de “Retenções na Fonte de IRS” na Declaração Mensal de Remuneração de Dezembro de 2019 (DMR 2019/12), no valor de € 43.099,00 - cfr. págs. 1 e 2 do PEF junto a fls. 40 do SITAF;
2. Com data de 18.05.2023, a Direcção de Finanças ... emitiu “Citação. (Reversão)”, em nome de «AA», de onde consta, entre o mais, o seguinte
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” - cfr. págs. 348 a 350 do PEF junto a fls. 654 do SITAF;
3. O Reclamante foi citado em reversão em 25.05.2023 - cfr. págs. 351 e 352 do PEF junto a fls. 654 do SITAF;
4. Em 23.06.2023, o ora Reclamante apresentou oposição à execução fiscal, o que deu lugar à instauração neste Tribunal do processo que corre termos sob o n° 1497/23.6BEPRT - facto não controvertido;
5. Em 04.10.2023, o Reclamante apresentou requerimento para suspensão da execução fiscal, com prestação de garantia, com o seguinte teor:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” - cfr. págs. 370 a 372 e 375 verso do PEF junto a fls. 692 do SITAF;
6. Anexo ao requerimento identificado no ponto anterior, foi junta escritura de penhor, de 02.10.2023, outorgada por «BB», na qualidade de procurador da [SCom02...], Lda, da qual se extrai, entre o mais, o seguinte:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” - cfr. págs. 372 e 373 do PEF junto a fls. 692 do SITAF;
7. O Serviço de Finanças ... enviou ao mandatário do Reclamante, mensagem de correio electrónico da qual resulta:
“(...) Relativamente ao assunto supra indicado e em complemento ao requerimento que deu entrada neste SF em 09-10-2023, registo de entrada nº 2023E........98, o qual irá ser devidamente analisado e objeto de despacho, solicito a V. Exa. que, na qualidade de mandatário de «AA» - NIF. ...93..., nos remeta comprovativo da prova da impossibilidade de apresentação por «AA» - NIF. ...93..., de garantia bancária, caução, ou seguro-caução (pedido feito à entidade bancária e respetiva resposta). (...)” - cfr. pág. 378 do PEF junto a fls. 692 do SITAF;
8. Em 10.11.2023, foi elaborada informação pelo Serviço de Finanças ..., com o seguinte teor:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” - cfr. págs. 380 a 382 do PEF junto a fls. 692 do SITAF;
9. Sobre a informação identificada no ponto anterior, o Chefe de Finanças Adjunto, prestou o seguinte parecer:
“(...)Concordo.
Não está provada a idoneidade da garantia prestada.
À consideração superior. (...)” - cfr. pág. 380 do PEF junto a fls. 692 do SITAF;
10. Com base na mesma informação, a Chefe do Serviço de Finanças ..., em 24.11.2023, emitiu o seguinte despacho (despacho reclamado):
“(...)
Concordo.
Nos termos e com os fundamentos constantes na informação infra, não aceito a garantia oferecida.
Notifique-se. (...)” - cfr. pág. 380 do PEF junto a fls. 692 do SITAF;
11. Na mesma data em que foi elaborada a informação identificada no ponto 8), foi efectuada simulação do valor a garantir, nos seguintes termos:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. pág. 383 do PEF junto a fls. 692 do SITAF;
12. O Reclamante foi notificado do despacho identificado em 10) em 04.12.2023, por correio postal registado (RL 13......85PT), expedido em 27.11.2023 - cfr. págs. 385 e 386 do PEF junto a fls. 692 do SITAF;
13. Em 13.12.2023, o Reclamante deduziu a presente Reclamação, nos termos do artigo 276° do CPPT, contra a decisão identificada em 10) - cfr. pág. 37 do documento junto a fls. 3 do SITAF;
Mais ficou provado que:
14. Decorre da mensagem de correio electrónico dirigida ao Banco 1... pelo aqui Reclamante, entre o mais, o seguinte:
“(...)
Eu, «AA», NIF. ...93..., tendo em conta que é no Banco 1... que tenho a única conta, solicito garantia bancária para apresentar à Autoridade Tributária. A, Neste sentido, a garantia deve ser do valor de 65.000,00€, a favor da Fazenda Pública e para o processo executivo nº ..........400 do Serviço de Finanças .... (...)” - cfr. fls. 2 do doc. n° 4 junto com a p.i.;
15. Em resposta ao e-mail identificado no ponto anterior, veio o Banco 1..., através de mensagem de correio electrónico enviada ao Reclamante, informar do seguinte:
“(...)
Boa tarde Sr. «AA»
Em função do estado atual da sua conta, com incumprimento em curso, o Banco não analisa o pedido de Garantia Bancária.
Pela mesma razão, não é possível aprovar uma operação de crédito nestas circunstâncias.
Teria de ter a sua situação regularizada e comprovar a sua capacidade financeira para o efeito.
(...)” - cfr. fls. 1 do doc. n° 4 junto com a p.i.;
16. Decorre do Mapa de depreciações e amortizações - IRC mod. 32, do período de tributação de 2022, o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. doc. n° 5 junto com a p.i.;
17. Em 29.03.2019, a [SCom03...] Unip. LDA, emitiu em nome da [SCom02...], Lda., a factura n° FT 2019A14/118, no valor de € 36.900,00, referente a Laser Marca 3 n° U.....6, referência B003.001 - cfr. doc. n° 6 junto com a p.i.;
18. Consta do documento referente ao exercício de 2019, relativo à Maquina Marca 2, o seguinte:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” - cfr. doc. n° 7 junto com a p.i.;
19. Em 11.02.2020, a [SCom04...], emitiu em nome da [SCom02...], Lda., a factura n° V/2000022, no valor de € 26.000,00, referente a Equipo Microondas, Marca ... Modelo ..., Código Marca 1 001 - cfr. doc. n° 8 junto com a p.i.;
20. Consta do documento referente ao exercício de 2022, relativo à Máquina Marca 2, o seguinte:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” - cfr. doc. n° 9 junto com a p.i.;
21. Consta do documento referente ao exercício de 2022, relativo ao Equipo microondas, marca ... modelo ..., o seguinte:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” - cfr. doc nº 10 junto com a p.i.;
22. Em 04.10.2023 foi efectuada simulação do valor a garantir, nos seguintes termos:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. documento junto a fls. 720 do SITAF;
*
Factos não provados:
Inexiste matéria de facto não provada com interesse para a decisão da causa.
*
Motivação:
A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme remissão feita em cada um dos pontos do probatório.”
*
2. O Direito

O tribunal recorrido concluiu, depois de analisar a sua motivação, que o acto reclamado, contrariamente ao que alegou o reclamante, ora Recorrente, se encontra devidamente fundamentado.
Por imperativo constitucional, artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legitimamente protegidos, pelo que a decisão que indeferiu o pedido de aceitação de garantia com vista à suspensão de processo de execução fiscal, em que é executado o Recorrente, não pode deixar de se mostrar acompanhada da correspondente fundamentação.
Os contornos dessa fundamentação recolhem-se na lei ordinária, artigo 77.º da Lei Geral Tributária que determina que ela se revista de uma sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Impõe-se, antes de mais, que se faça, desde logo, a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
Distinguindo a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação, Vieira de Andrade, in “O dever de fundamentação expressa de actos administrativos”, Almedina, 2003, pág. 231, diz que a diferença está «em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo».
É ao órgão de execução fiscal competente que cabe decidir da idoneidade da garantia já que, em última análise, é a ele que cabe decidir da isenção dessa prestação verificados os pressupostos a que a lei a condiciona - cfr artigo 52.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária (LGT). E a tal poder refere-se também expressamente o artigo 199.º, n.º 9 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
A garantia apresentada pelo executado é legal já que de acordo com o artigo 199.º do CPPT o executado pode apresentar qualquer meio que seja susceptível de assegurar os créditos do exequente.
Assim, de harmonia com o disposto no artigo 199.º, n.º 1 do CPPT, a prestação de garantia, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal, pode ser efectuada por garantia bancária, caução, seguro caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
Dispõe, por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo que a garantia idónea referida no n.º 1 poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.
Este normativo confere à Administração Tributária uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não «idónea» para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda, impondo-se, especificamente, nos casos da hipoteca voluntária e do penhor, a concordância da Administração Tributária.
A utilização da expressão “garantia idónea” integra um conceito impreciso, pois que a norma do n.º 2 não determina, de forma exacta, quando é que a garantia é idónea para assegurar os créditos do exequente.
Poderá concluir-se, no entanto, que emana das disposições conjugadas dos artigos 169.º e 199.º do Código de Procedimento e Processo Tributário que a idoneidade da garantia se afere pela capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos.
A garantia idónea será, pois, aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento da totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos - neste sentido, vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.09.2011, recurso n.º 0786/11, de 11.07.2012, recurso n.º 730/12, de 10.10.2012, recurso n.º 916/12, e, na doutrina, Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, pag. 77, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, pag. 474, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, Áreas Editora, Volume III, anotação 2 ao artigo 199.º.
Por outro lado, não se olvidando que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (neste sentido, cfr. Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78; E também neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.07.2012, recurso n.º 730/12 e de 15.02.2012, recurso n.º 126/12), não poderá deixar de se argumentar também que, em relação à hipoteca voluntária e ao penhor, a lei impõe a concordância da administração tributária – cfr. Acórdão do STA, de 13/11/2013, proferido no recurso n.º 01460/13.
Ora, no caso em apreço, foi efectuado um pedido de prestação de garantia e suspensão do processo de execução fiscal n.º ..........400, oferecendo para o efeito penhor mercantil de primeiro grau constituído pela sociedade [SCom02...], Lda., NIPC ...47, sobre os equipamentos e aparelhos de tratamento estético de luz pulsada, com o valor de €120.000,00, discriminados na respectiva escritura, que se anexou, até ao montante de €60.000,00, ou seja, foi apresentado um penhor; devendo sobre este pedido recair um juízo de avaliação sobre a idoneidade da garantia oferecida.
Trata-se de um juízo que não é feito apenas com base nas premissas da lei, que assenta também na ponderação dos elementos de facto relativos à situação concreta e, por ser um penhor, depende da concordância da Administração Tributária, como referimos.
O n.º 2 do artigo 199.º do CPPT, ao fazer depender o penhor da concordância da Administração Tributária, significa maior liberdade de apreciação do pedido, que implica deveres acrescidos de fundamentação, devendo a recusa alicerçar-se em razões objectivas, que hão-de assentar fundamentalmente na insuficiência dos bens objecto da garantia, bem como o respeito pelo princípio da proporcionalidade.
O acto impugnado envolve a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, pois apesar de não estar em causa o uso de um poder discricionário, sempre haverá necessidade de densificação de conceitos indeterminados, como “garantia idónea”, que implicam uma margem de livre apreciação, encerrando juízos valorativos, assentes em regras técnicas, que o tribunal tem que ser cuidadoso na sua sindicância, sob pena de se substituir à administração em situações que são próprias da função administrativa e não da função jurisdicional. Estas situações, que se apelidam na jurisprudência de “discricionariedade imprópria”, só podem ser apreciadas pelo tribunal em caso de erro ou critério manifestamente desajustado ou ainda violação dos princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade.
É precisamente por este motivo que nas situações, como a em apreço, existe um dever de fundamentação acrescido, na medida em que somente através da mesma poderemos detectar a existência desse erro palmar.
Sabemos que a fundamentação dos actos administrativos visa, além do mais, dar a conhecer as razões por que foi decidido de uma maneira e não de outra, de molde a permitir aos seus destinatários uma opção consciente entre a sua aceitação e a sua impugnação contenciosa. É, conforme uniforme jurisprudência do STA, um conceito relativo, que varia em função do tipo legal de acto, dos seus antecedentes e de todas as circunstâncias com ele relacionadas, designadamente as típicas condutas administrativas, que permitam dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo que levou a que fosse decidido dessa maneira e não de outra, estando suficientemente fundamentado quando um destinatário normal se aperceba das razões de ser da decisão.
No entanto, quando a administração actua no âmbito da chamada “discricionariedade técnica”, em que goza de uma certa margem de livre apreciação, não está dispensada de fundamentar os actos, impondo, pelo contrário, o supra citado objectivo da fundamentação, que haja maior rigor nessa fundamentação, precisamente para permitir aferir, em face dessa liberdade, da legalidade do acto sob o ponto de vista substantivo.
Na sentença recorrida julgou-se não enfermar o acto em crise de vício de falta de fundamentação, nos seguintes termos:
“(…) Resulta ainda da factualidade assente (facto provado n° 4), que o aqui Reclamante, em 23.06.2023, apresentou oposição à execução fiscal que deu lugar à instauração neste Tribunal do processo n° 1497/23.6BEPRT.
Mais dão nota os autos que o Reclamante, no seguimento da apresentação da mencionada oposição, concretamente em 04.10.2023, apresentou requerimento para suspensão da execução fiscal, com base na constituição de penhor mercantil pela sociedade [SCom02...], Lda., sobre os seguintes equipamentos de laser:
- Marca 3, com o número de série U.....6;
- Marca 2, com o número de série 2...5;
- Marca 1, com o número de série T......4A - factos provados n°s 5 e 6.
Ora, como decorre do já citado n° 14 do artigo 169° do CPPT, o valor da garantia é o que consta da citação, à data fixado em € 53.783,75, desde que a mesma seja apresentada nos 30 dias posteriores à citação.
O que não se verificou na presente situação, pois que, tendo por base a referida factualidade, constata-se que o Reclamante apresentou o requerimento para suspensão da execução com prestação de garantia (penhor mercantil), para além do referido prazo, ou seja, após os 30 dias posteriores à citação.
Daí que, como decorre da informação subjacente ao despacho reclamado (facto provado n° 8), concretamente do seu ponto B6, o valor da garantia apurada, em 10.11.2023, data em que foi elaborada a referida informação, era de € 63.921,71 (facto provado n° 11), “..., posto que a garantia foi apresentada posteriormente aos 30 dias da citação em reversão, aplica-se o n° 6 do art° 199° CPPT”, o qual remete para o supra transcrito n° 14 do artigo 169° do mesmo diploma.
Improcede, pois, a alegada falta de fundamentação, por obscuridade e contradição entre o valor indicado na citação em reversão (€ 53.783,75) e o valor que serviu de base ao despacho de indeferimento em crise nos presentes autos, indicado no ponto B6 da informação subjacente ao mesmo, calculado em € 63.921,71.
E a tal entendimento não obsta, o facto de o valor da garantia apurada, constante do ponto B6 da informação de 10.11.2023, ter na sua base uma simulação efectuada na mesma data (facto provado n° 11), e não na data de apresentação da garantia (04.10.2023).
Com efeito, resulta da factualidade apurada que o valor da garantia a prestar em tal data, ou seja, 04.10.2023, sempre seria superior ao valor apresentado (com valor global atribuído para efeitos de garantia de €60.000,00), pois que calculado em €63.489,33 - facto provado n° 22.
Assim, independentemente do momento em que foi efectuada a simulação para efeitos do cálculo do valor a garantir (04.10.2023, data de apresentação da garantia ou 10.11.2023, data da elaboração da informação que suportou o despacho em crise), certo é que, o valor a garantir, em qualquer dos casos, é superior ao valor do penhor mercantil apresentado como garantia.
Sendo certo que, como decorre da conjugação dos normativos supra citados, a aceitação da garantia oferecida, como garantia idónea, depende sempre e desde logo da circunstância de estarmos na presença de uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequendos.
Pese embora a inexistência de uma definição legal do que se deve entender por garantia idónea, certo é que, tem vindo a afirmar-se, em sede jurisprudencial, que “V - O conceito de idoneidade da garantia depende da capacidade de, em caso de incumprimento do devedor e da correspondente necessidade de a executar, assegurar a efectiva cobrança dos créditos garantidos, conforme resulta da conjugação do disposto no artigo 169° com os artigos 199° e 217° do CPPT, ex vi n° 2 do artigo 52° da LGT.” - vd. Acórdão do TCA Sul de 02.02.2023, proc. n° 483/22.8 BELRA, consultável em www.dgsi.pt.
Deste modo, ao utilizar tal expressão, “garantia idónea”, a lei dá nota da possibilidade de nem todas as garantias serem adequadas, sendo sempre necessário que as mesmas possam assegurar os créditos do exequente.
Ora, no caso, conforme resulta dos autos, o OEF, no despacho em crise, assinalou precisamente a inidoneidade da garantia apresentada, tendo por base, nomeadamente a insuficiência do penhor constituído (no caso até ao montante de € 60.000,00), face ao valor apurado para garantia, seja ele de €63.489,33 (facto provado n° 22) ou de € 63.921,71 (facto provado n° 11).
Por conseguinte, tendo em conta a insuficiência da garantia prestada para a suspensão da execução fiscal, fica prejudicada a apreciação dos demais fundamentos alegados.
Assim, urge concluir que o despacho reclamado, contrariamente ao que alega o Reclamante, se encontra devidamente fundamentado. (…)”
Ora, adiantamos que a análise que é efectuada pelo órgão da execução fiscal no despacho reclamado apresenta erro ostensivo, que o tribunal “a quo” tentou suprir ou desvalorizar, concernente à indicação do valor a garantir.
Não obstante o cuidado do tribunal recorrido em esclarecer a impossibilidade de ter em conta outros elementos além dos que subjazem ao acto reclamado, a verdade é que, afastando-se da jurisprudência que citou, ponderou outro valor encontrado para a garantia a prestar que não o indicado no despacho reclamado, isto é, afastando-se do fundamento vertido no acto, ponderou, em substituição ao órgão de execução fiscal, o montante calculado por referência à data da apresentação do requerimento de prestação de garantia, que apenas foi conhecido aquando do envio do processo para tribunal, acompanhando a informação oficial nos temos dos artigos 277.º e 278.º do CPPT como sendo o seu “Anexo 1”, que esclarece que mesmo que tivesse sido realizada a ponderação da garantia oferecida em relação a esse outro valor reportado à data do oferecimento (04/10/2023), ainda assim, seria o penhor insuficiente.
No fundo, o órgão de execução fiscal reconhece que não considerou o valor de €63.489,33, a que se reporta o artigo 199.º, n.º 6 do CPPT, e a posteriori tenta demonstrar que, se tivesse sido considerado o valor correcto, mesmo assim, não seria de aceitar a garantia oferecida, por insuficiente, o que foi sancionado pelo tribunal recorrido, correspondendo, a nosso ver, a uma verdadeira fundamentação subsequente ao acto que sindicamos. O que é inadmissível, dado que o órgão competente manteve o acto reclamado, não o revogando, nos termos do artigo 277.º, n.º 2 do CPPT, e fez subir a reclamação ao tribunal.
Na verdade, não podemos perder de vista que, para conhecimento do erro de julgamento, importa ter presente a fundamentação do acto de não aceitação da garantia reclamado [cfr. pontos 8. a 11. da matéria de facto], pois é relativamente a ela que tem de ser aferida a legalidade do acto praticado pelo órgão de execução fiscal.
Reiteramos, portanto, a importância fulcral da fundamentação do acto reclamado, dado que é com base nessa motivação que o tribunal apreciará a legalidade desse acto. O contencioso de estrita legalidade subjacente ao presente meio processual determinará a eventual mera anulação do acto impugnado, daí a relevância de atender aos termos da prolação do mesmo, tale quale foi praticado.
A reclamação judicial de acto praticado na execução fiscal constitui uma verdadeira acção impugnatória incidental da execução fiscal, formulada no curso de execução pendente, tendo por objecto determinado acto que nela foi praticado pelo órgão da execução fiscal e por finalidade a apreciação da validade desse acto.
Esse processo de reclamação, previsto no artigo 276.º e seguintes do CPPT, visa a apreciação da legalidade de actuação do órgão da execução fiscal à luz da fundamentação do acto que ele praticou.
Tal controlo judicial tem de ser feito pelo tribunal no contexto do pedido e da causa de pedir gizada na petição de reclamação, não podendo o tribunal apreciar se o acto deve ser validado ou censurado à luz de questões que não foram colocadas a esse órgão ou que nunca foram por ele equacionadas e decididas, já que o tribunal não pode substituir-se a tal órgão e sancionar o acto com a argumentação jurídica que julgue mais adequada.
Os poderes de cognição do tribunal não podem ir além dos fundamentos (factuais e jurídicos) de que o acto reclamado explicitamente partiu e das questões que nele foram apreciadas e decididas, cabendo-lhe unicamente uma função fiscalizadora da legalidade dos actos praticados pelo órgão administrativo incumbido de tramitar a execução, pelo que, no caso, o tribunal de 1.ª instância só podia aferir da legalidade do acto reclamado à luz da sua motivação factual e jurídica e à luz dos vícios invalidantes que o reclamante lhe imputa – cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 15/03/2017, proferido no âmbito do processo n.º 0135/17.
Por isso, estaremos sempre no encalço do teor do acto reclamado, tal como foi praticado, dado que a presente acção visa a sua eliminação da ordem jurídica. É este o objecto da reclamação, devendo compulsar-se a decisão da matéria de facto para detectar o acto que se mostra impugnado (cfr. informação sustentadora do acto no ponto 8 do probatório).
Vejamos, na fundamentação do acto, por que motivo o penhor não se apresenta como garantia idónea:
“(…) B. 6. Valor da garantia apurada €63.921,71, posto que a garantia foi apresentada posteriormente aos 30 dias da citação em reversão, aplica-se o n.º 6 do artigo 199.º do CPPT. (…)
10. Com base no atrás descrito, sendo o “penhor constituído até ao montante máximo de sessenta mil euros”, verifica-se que o mesmo desde logo é insuficiente, face ao valor apurado para a garantia de €63.921,71 (ver ponto 6 do quadro b). (…)”
Importa, ainda, acentuar que o Recorrente apresentou o requerimento para suspensão da execução fiscal, oferendo garantia, em 04/10/2023 (cfr. ponto 5 do probatório) e que, em 10/11/2023, na data em que foi elaborada a informação identificada em 8 da decisão da matéria de facto, foi efectuada simulação do valor a garantir (€63.921,71), tendo sido este valor o tido em conta na ponderação da idoneidade da garantia.
Vejamos o teor da norma indicada no acto sindicado – artigo 199.º, n.º 6 do CPPT:
“A garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25 /prct. da soma daqueles valores, exceto no caso dos planos prestacionais onde a garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo do plano de pagamento concedido e custas na totalidade, sem prejuízo do disposto no n.º 14 do artigo 169.º”
Dispondo este artigo 169.º, n.º 14 do CPPT que “o valor da garantia é o que consta da citação, nos casos em que seja apresentada nos 30 dias posteriores à citação.”
Ora, o Recorrente foi citado em reversão em 25/05/2023 (cfr. ponto 3 do probatório), sendo notório que apresentou garantia mais de 30 dias após a citação, em 04/10/2023 (cfr. ponto 5 do probatório). Logo, deveria ter sido considerado valor calculado à data do pedido, nos termos do artigo 199.º, n.º 6 do CPPT.
É ostensivo que o órgão de execução fiscal considerou um valor a garantir de €63.921,71, calculado em 10/11/2023, portanto em data posterior à devida (a data do pedido, reiteramos, era 04/10/2023).
Devemos, também, ater-nos ao ponto 3 do requerimento do reclamante, ora Recorrente: “(…) o valor da garantia a prestar, conforme disponibilização no portal das finanças e na citação é de €53.783,75 (…)”.
Perante tal pressuposto alegatório, sem qualquer explicitação do cálculo ou densificação no acto de como foi obtido o montante de €63.921,71, admitimos poder ser difícil a compreensão da escolha do mesmo apenas por indicação da aplicabilidade do n.º 6 do artigo 199.º do CPPT.
Assim, a fundamentação do acto é parcialmente obscura, dado que a motivação de direito aponta para o disposto no artigo 199.º, n.º 6 do CPPT, mas a factualidade considerada não respeita o estipulado nesse normativo, revelando dessintonia, dado que deveria ter sido calculado o valor da garantia reportado à data de 04/10/2023, o que não ocorreu, nem foi atendido pelo órgão de execução fiscal no acto reclamado.
Nesta conformidade, atendendo a que os restantes óbices apontados no despacho em análise se mostram, genericamente, superados, como admite o órgão de execução fiscal na informação prestada de manutenção do acto (vistos os elementos carreados entretanto pelo reclamante), apenas subsiste o entrave da insuficiência da garantia oferecida, nos termos apreciados no acto reclamado.
Note-se que o órgão de execução fiscal reconhece a “boa intenção” do Recorrente na garantia oferecida, dado que teve por referência o valor a garantir constante da citação recebida e constante do portal das finanças, conforme explicita no ponto 3 do seu requerimento apresentado em 04/10/2023, dando ainda uma margem superior de garantia, até aos €60.000,00, em relação ao tal valor disponibilizado de €53.783,75.
Entretanto, o órgão de execução fiscal calculou o montante a garantir reportado à data devida de 04/10/2023, mas tal valor não foi ponderado no acto reclamado, pelo que não podemos sancionar este acto, que acaba por se mostrar incongruente e discrepante do disposto no artigo 199.º, n.º 6 do CPPT.
Não podemos esquecer que os bens sobre que incide o penhor terão, segundo declarado (cfr. pontos 5 e 6 do probatório), o valor de €120.000,00, muito superior ao montante a garantir de €63.489,33, pelo que, também se não vislumbra por que motivo, sendo para a AT os bens apresentados insuficientes (ou inidóneos) para assegurar a garantia da dívida exequenda, se não notificou o executado para aumentar/estender o valor máximo do penhor sobre os bens ou para que reforçasse a garantia, nos termos do que dispõe o artigo 199.º do CPPT.
A AT no despacho reclamado incorreu, assim, em vício de forma por falta de fundamentação, que determina a anulação da decisão reclamada.
Nestes termos, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelo Recorrente, urge conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a reclamação procedente.

Conclusões/Sumário

I - A reclamação judicial de acto praticado na execução fiscal constitui uma verdadeira acção impugnatória incidental da execução fiscal, formulada no curso de execução pendente, tendo por objecto determinado acto que nela foi praticado pelo órgão da execução fiscal e por finalidade a apreciação da validade desse acto.
II - Esse processo de reclamação previsto no artigo 276.º e seguintes do CPPT visa a apreciação da legalidade de actuação do órgão da execução fiscal à luz da fundamentação do acto que ele praticou.
III - Tal controlo judicial tem de ser feito pelo tribunal no contexto do pedido e da causa de pedir gizada na petição de reclamação, não podendo o tribunal apreciar se o acto deve ser validado ou censurado à luz de questões que não foram colocadas a esse órgão ou que nunca foram por ele equacionadas e decididas, já que o tribunal não pode substituir-se a tal órgão e sancionar o acto com a argumentação jurídica que julgue mais adequada.
IV – É competente para apreciar as garantias a prestar nos termos do artigo 199.º do CPPT o órgão da execução fiscal – cfr. artigo 199.º, n.º 9 do CPPT.
V - In casu, o tribunal recorrido substituiu-se ao órgão da execução fiscal, equacionando outro valor a garantir, diferente do que consta do acto reclamado, ponderando a (in)suficiência do penhor oferecido, o que não se mostra legalmente admissível.
VI – A incoerência entre a fundamentação de direito e a fundamentação de facto, através da dessintonia entre o disposto no artigo 199.º, n.º 6 do CPPT e o montante a garantir calculado, revela obscuridade na motivação do acto, pelo que deverá ser eliminado da ordem jurídica por vício de falta de fundamentação.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a reclamação procedente, anulando o acto reclamado.

Custas a cargo da Recorrida, em ambas as instâncias; sendo que, nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que a Fazenda Pública não contra-alegou.

Porto, 16 de Janeiro de 2025

Ana Patrocínio

Vítor Salazar Unas

Ana Paula Santos