Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00831/11.6BEPRT |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 01/26/2018 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | João Beato Oliveira Sousa |
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Descritores: | MUNICÍPIO; ORDEM DE DEMOLIÇÃO |
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Sumário: | O presidente da câmara municipal apenas poderá ordenar a demolição de obra construída sem licença de construção desde que esteja apurado que a construção a demolir carecia de licenciamento à luz do regime legal vigente na altura.* *Sumário elaborado pelo relator |
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Recorrente: | Município de Vila Nova de Gaia |
Recorrido 1: | AMCDS |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Negar provimento ao recurso |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de que deverá ser concedido provimento ao recurso |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte: * RELATÓRIOMunicípio de Vila Nova de Gaia veio interpor recurso do acórdão pelo qual o TAF do Porto julgou procedente a presente acção administrativa especial intentada por AMCDS e, em consequência, decidiu anular o acto administrativo impugnado – “ordem de demolição de dois arrumos/anexos abarracados executados em chapas metálicas e tábuas em madeira, com aproximadamente 9,870 m2 constante do ofício com a referência 7155/2010 de 26 de Novembro de 2010”. * Conclusões do Recorrente:I. É quanto à questão de facto e de direito o presente recurso, impugnando o julgado nessa ambivalente dimensão. Com efeito, II. No que concerne à matéria de facto, dois reparos existem a fazer e assim a deixar impugnados, um que tem a ver com a não transcrição para a sentença da matéria assente integrante da alínea N), a saber: “Em Março de 2011, a A. era arrendatária da habitação sita na Avenida ….., casa 1, Oliveira do Douro, Vila Nova de Gaia – conforme documento a folhas 10 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e o outro que tem a ver com a resposta dada ao item 1º da Base Instrutória (al. O) do probatório da sentença), que deverá ser dado por não provado, alterando o julgado de facto nessa parte. Com efeito, III. Se é incontroverso ser a A. a beneficiária, enquanto actual e já desde Março de 2011 do fogo habitacional que essencializa a casa 1, sita na Av. ….., em Oliveira do Douro, o mesmo já não acontece com os ajuizados e respeitantes anexos abarracados que vem ocupando, mas não ao mesmo título de arrendamento; IV. Além de não constarem do recibo (ut. documento 10 do processo físico), nada nos autos faz inculcar integrarem ou ter integrado o originário contrato, de que a A. se apresenta actual beneficiária: - Os depoimentos das testemunhas F… (gravado de 00:00:00 a 00:16:56) e LM (gravado a 00:16:57 a 00:35:38) nada aduzem nesse sentido, bastando-se com a alegação de existência de barracos, pese de características até diferentes; - Acresce que redundou num “non liquet” também a alegação da A. de existirem há mais de 60 anos, terem sido erigidos pelo proprietário, serem amovíveis e integrantes do arrendamento, como decorre das respostas negativas aos itens 2º, 3º, 6º e 7º da B.I. e restritivas aos itens 5º, 10º, 11º, 12º e 13º, em desfavor da posição processual sustentada pela A. - Não tendo a A. demonstrado a ampliação ex novo do originário arrendamento de que é a actual beneficiária, cujo ónus sobre si impendia (Artigo 342, nº 1, do C. Civil), indemonstrado está o título de arrendamento quanto aos anexos abarracados existentes e ocupados pela A., aparentando mesmo (re)construção recente – ut. fotografia 31, tirada aquando da inspecção judicial; e - O próprio proprietário não reconhece título de arrendamento à ocupação desses barracos – ut. al. N) do probatório. V. Deverá, pois, ser alterada a resposta ao item 1º da Base Instrutório, dando essa matéria como não provada, como sobreditamente propugnado. Por outro lado, VI. Lendo o fundado de direito da sentença recorrida, e tendo nela assentado que existem barracos há mais de 50 anos (e não 60 como apetecido na acção à Autora) com referência a 18 de Maio de 2009, ao invés do decidido, é bom de ver que não pode estender-se até 1950, tão-só a 1960, já sob a égide do REGEU (D/L 38380, de 7/8/51) e aplicável. VII. Ou seja, tais construções são clandestinas, por não licenciadas carecendo de o ser, nem licenciáveis, como sentenciado: - Não constituem estruturas amovíveis e concluído que a sua construção estava sujeita a licenciamento (art. 2º, al. a), conjugado com o Artigo 4º, nº 2, al. c), do REGEU); - O anexo que tem 2,22 metros de altura não essencializa obra de escassa relevância urbanística, estando por isso a sua construção sujeita a licenciamento municipal, atento o referido quadro legal; e - Verificação de um juízo adequado quanto à falta de arranjo e à inserção no meio envolvente por parte daquelas construções e consequente insusceptibilidade do seu licenciamento, tudo causal de improcedência do assacado vício de violação de lei. VIII. Expurgado o ostensivo erro de julgamento quanto aos pressupostos da questão de facto e de direito, fazendo aplicar ao caso “sub judice” o REGEU, por elementar imperativo de hermenêutica jurídica por tais obras terem sido construídas já sob a sua égide (não provado que tais obras existissem há mais de 60 anos com referência a 18 de Maio de 2009; outrossim, que foram erigidas pelo proprietário à data, do terreno onde os mesmo se encontram localizados e que são amovíveis e que sempre fizeram parte integrante do arrendamento), sopesando o demais julgado com a clamada e imperiosa alteração da resposta ao item 1º da Base Instrutória, deverá proceder o presente recurso jurisdicional, como propugnado. IX. Houve, pois, erro de julgamento quanto à questão de facto e de direito. X. E, sempre, violação de lei, expressa nos preceitos sobreditos, queridos aplicar. Termos em que, e nos melhores de Direito, provido o presente recurso, deverá manter-se o acto impugnado, “qua tale”, assim se fazendo Justiça. * Contra alegando a Recorrida sustentou que a decisão recorrida se deve manter in totum.* O Ministério Público emitiu parecer ao abrigo do artigo 146º/1 CPTA, no sentido de que deverá ser concedido provimento ao recurso.* FACTOSConsta no acórdão recorrido: - Factos provados A) Os serviços da Gaiurb, E.M. elaboraram informação, datada de 30 de Janeiro de 2009, com as menções “Local da Obra: Avenida ….. – Oliveira do Douro; Assunto: Averiguação de Reclamação Apresentada”, da qual consta: “(…) efectuou-se visita ao local tendo-se verificado o seguinte: - tratam-se de construções abarracadas, as quais se passam a descrever: - arrumos abarracados executados em madeira com aspecto precário; - anexos abarracados executados em chapas metálicas e tábuas de madeira, com aproximadamente 9,80 m2; Considera-se que as construções tal como se apresentam, em madeira e chapas metálicas, não são passíveis de licenciamento de acordo com o disposto no nº 1 e nº 4 do artigo 24º do DL. 555/99, de 16 de Setembro (…) atendendo a que as referidas obras, pela sua configuração e materiais utilizados, são susceptíveis de manifestamente afectar a estética do local onde se inserem (…)” (conforme documento a folhas 16 a 19 do processo administrativo junto aos autos); B) O Director Municipal JMS subscreveu documento dirigido a AD, datado de 15 de Abril de 2009, sob o assunto “Intenção de Demolição”, identificando como local a “Avenida ….. Casa 4 – Oliveira do Douro”, do qual consta: “Comunico que, (…) foi determinado notificá-la da intenção da autoridade administrativa ordenar, no prazo de 20 dias, a demolição das construções abarracadas (arrumos abarracados executados em madeira com aspecto precário e anexos abarracados executados em chapas metálicas e tábuas de madeira, com aproximadamente 9,80 m2), realizadas ilegalmente, uma vez que as mesmas foram consideradas insusceptíveis de licenciamento(…) Mais se notifica que, (…) dispõe de 15 dias para se pronunciar por escrito sobre a referida intenção (…)” (conforme documentos a folhas 27 e 28 do processo administrativo); C) O Director Municipal JMS subscreveu documento dirigido a NM, datado de 15 de Abril de 2009, sob o assunto “Intenção de Demolição”, identificando como local a “Avenida ….. Casa 4 – Oliveira do Douro”, com o mesmo conteúdo do documento a que se alude em B) (conforme documentos a folhas 23 e 24 do processo administrativo); D) Em 18 de Maio de 2009, foi apresentado na Gaiurb, E.M. documento subscrito por AMCDS, do qual consta: “(…) 1. A ora requerente é arrendatária da habitação sita na Avenida ….., casa 1, Oliveira do Douro; 2. Desde há mais de 50 anos que os anexos e arrumos, objecto do presente processo, existem no locado; 3. Aliás, quando a habitação foi dada de arrendamento à requerente os aludidos anexos e arrumos já lá existiam; 4. Sendo certo que no valor da renda inclui o gozo dos anexos e arrumos; 5. Não tendo sido, desta forma, a ora requerente a autora de tais construções; 6. Acresce ainda que, ao contrário do que é referido no ofício de V. Exa. (V. Ref. 711/2009/FU de 2009/04/15) os anexos encontram-se seguros necessitando apenas de obras conservação, não devendo V. Exa. ordenar a demolição dos mesmos. 7. Assim sendo, requer a V.Exa. se digne revogar a intenção de demolir as construções abarracadas, ordenando obras de conservação nas referidas construções notificando o senhorio para realizar tais obras de conservação (…)” (conforme documento a folhas 29 e 30 do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); E) Os serviços da Gaiurb, E.M. elaboraram informação, datada de 09 de Dezembro de 2009, com as menções “Local da Obra: Avenida ….. – Oliveira do Douro; Infractor: AMCDS e Outros”, da qual consta: “(…) Ora, atentando na reclamação do senhorio, datada de 12/07/2008 e recebida por e-mail, o mesmo pretende demolir as construções abarracadas de madeira, alegando que são “já muito velhos e com muitos anos de uso”. Pelo que se entende ficar indiciariamente demonstrado que as construções em questão são anteriores aos arrendamentos, sendo certo que o senhorio tem interesse que aquelas sejam desocupadas para demolição. Após deslocação ao local ocorrida a 29/09/2009, foi possível constatar que as obras aqui em questão traduzem-se em 5 anexos, três deles no interior da “ilha”, e dois situados fora da “ilha”. Os situados no interior da ilha são construções abarracadas feitas em madeiras (assemelhando-se a armários), sendo que todas se encontram a ser utilizadas, a saber, pelo senhorio e as duas infractoras no presente processo. As outras duas construções são edificadas em tijolo, cimento, chapas e plásticos e só são usadas pelas infractoras. Nestas circunstâncias, (…) somos a propor que seja o senhorio e as arrendatárias/infractoras notificadas de que é intenção da autoridade administrativa ordenar a cessação da utilização das construções abarracadas (arrumos abarracados executados em madeira com aspecto precário, num total de 3, e anexos abarracados executados em chapas metálicas e tábuas de madeira, com aproximadamente 9,80 m2, num total de 2), num prazo de 20 dias, por terem sido realizadas ilegalmente e serem insusceptíveis de licenciamento, e consequentemente, de que é intenção da autoridade administrativa ordenar a sua demolição, num prazo de 30 dias. (…) Contudo, deverá conceder-se ao senhorio e às infractoras, no decurso do prazo para apresentar alegações, a oportunidade de procederem à demolição voluntária das obras realizadas ilegalmente, evitando, dessa forma, o início dos procedimentos tendentes à demolição coerciva. (…)” (conforme documento a folhas 35 a 37 do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); F) O Director Municipal CB subscreveu documento dirigido a AMCDS, datado de 29 de Março de 2010, sob o assunto “Intenção de Cessação de Utilização/Intenção de Demolição”, identificando como local a “Avenida ….. Casa 4 – Oliveira do Douro”, do qual consta: “Comunico que, (…) é intenção da autoridade administrativa ordenar a cessação da utilização das construções abarracadas (arrumos abarracados executados em madeira com aspecto precário, num total de 3, e anexos abarracados executados em chapas metálicas e tábuas de madeira, com aproximadamente 9,80 m2, num total de 2), num prazo de 20 dias, por terem sido realizadas ilegalmente e serem insusceptíveis de licenciamento, e consequentemente, de que é intenção da autoridade administrativa ordenar a sua demolição, num prazo de 30 dias. (…) Mais se notifica que (…) dispõe de 15 dias para se pronunciar por escrito sobre as referidas intenções. Contudo, poderá, no decurso do prazo para apresentar alegações, proceder à demolição voluntária das obras realizadas ilegalmente (…)” (conforme documentos a folhas 39 e 40 do processo administrativo); G) O Director Municipal CB subscreveu documento dirigido a NM, datado de 30 de Março de 2010, sob o assunto “Intenção de Cessação de Utilização/Intenção de Demolição”, identificando como local a “Avenida ….. Casa 4 – Oliveira do Douro”, com o mesmo conteúdo do documento a que se alude em F) (conforme documentos a folhas 52 e 53 do processo administrativo); H) Em 04 de Maio de 2010, foi apresentado na Gaiurb, E.M. documento subscrito por AMCDS, do qual consta: “(…) 1. A ora requerente é arrendatária da habitação sita na Avenida ….., casa 1, Oliveira do Douro; 2. Desde há mais de 50 anos que os anexos e arrumos, objecto do presente processo, existem no locado; 3. Aliás, quando a habitação foi dada de arrendamento as aludidas construções já existiam no identificado locado; 4. Tanto mais que, o valor da renda liquidada ao actual senhorio bem como aos anteriores senhorios, incluía o gozo das construções; 5. Não tendo sido desta forma a ora requerente que procedeu à execução das identificadas construções; 6. Acresce ainda que, ao contrário do que é referido no ofício de V. Exa. os anexos e arrumos encontram-se totalmente seguros não tendo aspecto precário. 7. Pelo supra exposto, Requer a V. Exa. se digne revogar a intenção de demolir as construções bem como a cessação da sua utilização, ordenando a execução das obras de conservação necessárias à emissão da respectiva licença. 8. Mais Requer a V. Exa. se digne ordenar a notificação do senhorio, obrigando o mesmo a proceder à execução das referidas obras de conservação nos anexos e arrumos e ao respectivo pedido de licenciamento dos mesmos (…)” (conforme documento a folhas 59 e 60 do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); I) Os serviços da Gaiurb, E.M. elaboraram informação, datada de 23 de Novembro de 2010, sob o assunto “Ordem de demolição”, com as menções “Local: Avenida ….. – Oliveira do Douro; Infractor: AMCDS; APS e NM”, da qual consta: “(…) foram os infractores notificados, na qualidade de proprietário e arrendatárias, da intenção da autoridade administrativa ordenar, no prazo de 20 dias, a cessação da utilização e demolição das construções ilegais existentes na Avenida ….. casa 4, freguesia de Oliveira do Douro deste município, caracterizadas por arrumos abarracados executados em madeira com aspecto precário, num total de 3, e anexos abarracados executados em chapas metálicas e tábuas de madeira, com aproximadamente 9,80 m2, num total de 2, por terem sido executadas sem a necessária licença administrativa e se encontrarem a ser utilizadas sem a necessária autorização de utilização, tendo sido concedido um prazo de 15 dias para os mesmos se pronunciarem por escrito sobre a referida intenção (…) Decorrido o prazo concedido, o infractor, veio apresentar alegações por intermédio do requerimento n.º 1390/2010, de 12/04/2010, nas quais refere que, na qualidade de senhorio e proprietário do prédio, pretende demolir voluntariamente os anexos abarracados, solicitando a marcação de uma data para acompanhamento dos trabalhos por parte dos Serviços de Fiscalização Urbanística desta edilidade. Ainda solicita que, aquando da marcação da diligência, sejam notificadas para estar presentes as infractoras, arrendatárias. Mais tarde, por via do requerimento n.º 1756/2010, de 04/05/2010, a infractora AMCDS, apresentou alegações (…) Por outra via, perante as alegações apresentadas pela arrendatária, AMCDS, cumpre informar que as mesmas não são susceptíveis de alterar a convicção desta autoridade administrativa quanto à ilegalidade das construções existentes no local. De facto, apesar de as construções já existirem há mais de 50 anos não significa que as mesmas se encontrem regularizadas e em conformidade com o ordenamento jurídico em vigor, aliás, o tempo não tem um efeito positivo sobre a ilegalidade, e não pode funcionar como elemento regularizador da situação ilegal. Por outro lado, a infractora tece considerações relativas à estrutura e ao aspecto dos anexos e arrumos. Ora, nesta matéria, as fotografias juntas aos autos são esclarecedoras quanto ao aspecto precário das edificações. Veja-se que as mesmas são essencialmente edificadas em chapa metálica e madeira, e como tal, não primam pelo arranjo estético e, muito menos, pela sua inserção no meio envolvente. Neste sentido, note-se que, de acordo com o disposto no artigo 66.º, n.º 3, alínea c) do Regulamento Municipal de Taxas e Compensações Urbanísticas, “as construções devem assegurar uma correcta integração na envolvente” e “respeitar as características exteriores da envolvente, tanto ao nível volumétrico da própria edificação, como ao nível da densidade de ocupação da parcela e da frente edificada”. Daqui decorrendo que, tal como se encontram, as construções não são susceptíveis de licenciamento. Assim, o pedido apresentado – revogação da intenção de cessação de utilização e demolição das construções – não pode proceder, porquanto se encontra perfeitamente fundamentada a medida de tutela da legalidade aqui determinada, tal como se exige nos artigos 124º e 125º do C.P.A.. Do mesmo modo, não poderá esta autoridade administrativa ordenar a realização de obras de conservação em construções que, primariamente, não se encontram legalizadas e não cumprem com as normas legais e regulamentares aplicáveis. Nestas circunstâncias propõe-se que seja ordenada, no prazo de 20 dias, a cessação de utilização e demolição das construções ilegalmente executadas, sitas na Avenida ….., casa 4, freguesia de Oliveira do Douro deste município, caracterizadas por arrumos abarracados executados em madeira com aspecto precário, num total de 3, e anexos abarracados executados em chapas metálicas e tábuas de madeira, com aproximadamente 9,80 m2, num total de 2, por terem sido executadas sem a necessária licença administrativa e se encontrarem a ser utilizadas sem a necessária autorização de utilização, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 106º e no nº 2 do artigo 109º, ambos do DL. nº 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção conferida pelo DL. nº 26/2010, de 30 de Março (…)” (conforme documento a folhas 62 a 68 do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); J) Na informação a que se alude em H), consta parecer datado de 24 de Novembro de 2010, da Directora do Departamento Municipal de Fiscalização, com o seguinte teor: “Concordo. Proponho a cessação da utilização e consequente demolição das obras, bem como a notificação dos infractores nos termos da informação” (seguindo-se assinatura ilegível); K) Na informação a que se alude em H) e parecer a que se reporta a alínea anterior, foi exarado despacho datado de 25 de Novembro de 2010, com o seguinte teor: “Concordo. Ordeno a demolição nos termos propostos. Notifique-se.” (seguindo-se rúbrica aposta sobre carimbo com as menções “Por Subdelegação - A Vereadora (MF)”); L) O Director Municipal CAB subscreveu documento dirigido a AMCDS, datado de 26 de Novembro de 2010, sob o assunto “Ordem de Demolição”, identificando como local a “Avenida ….. Casa 4 – Oliveira do Douro”, do qual consta: “Comunico que, por despacho da Senhora Vereadora Engª MF de 25 de Novembro de 2010, (…) foi determinado notifica-la de que foi ordenada a cessação da utilização e a demolição, no prazo de 20 dias, das construções ilegalmente executadas, sitas na morada indicada, caracterizadas por arrumos abarracados executados em madeira com aspecto precário, num total de 3, e anexos abarracados executados em chapas metálicas e tábuas de madeira, com aproximadamente 9,80 m2, num total de 2, por terem sido executadas sem a necessária licença administrativa e se encontrarem a ser utilizadas sem a necessária autorização de utilização, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 106º e no nº 2 do artigo 109º, ambos do DL. nº 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção conferida pelo DL. nº 26/2010, de 30 de Março (…) Adverte-se ainda que, findo o prazo para a cessação da utilização e demolição voluntárias sem que as mesmas se tenham verificado, será dado início aos procedimentos tendentes ao despejo administrativo e à demolição coerciva, com custos a seu cargo, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 106º e artigo 107º e seguintes do indicado diploma” (conforme documentos a folhas 71 do processo administrativo); M) O Director Municipal CAB subscreveu documento dirigido a NM, datado de 26 de Novembro de 2010, sob o assunto “Ordem de Demolição”, identificando como local a “Avenida ….. Casa 4 – Oliveira do Douro”, do qual consta: “Comunico que, (…) foi determinado notifica-lo de que foi ordenada a cessação da utilização e a demolição, no prazo de 20 dias, das construções ilegalmente executadas, sitas na morada indicada, caracterizadas por arrumos abarracados executados em madeira com aspecto precário, num total de 3, e anexos abarracados executados em chapas metálicas e tábuas de madeira, com aproximadamente 9,80 m2, num total de 2, por terem sido executadas sem a necessária licença administrativa e se encontrarem a ser utilizadas sem a necessária autorização de utilização, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 106º e no nº 2 do artigo 109º, ambos do DL. nº 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção conferida pelo DL. nº 26/2010, de 30 de Março (…) Mais se comunica que, face às alegações apresentadas, conclui esta autoridade administrativa que as mesmas não são susceptíveis de alterar a convicção desta autoridade quanto à ilegalidade das construções existentes no local. De facto, apesar de as construções já existirem há mais de 50 anos não significa que as mesmas se encontrem regularizadas e em conformidade com o ordenamento jurídico em vigor, aliás, o tempo não tem um efeito positivo sobre a ilegalidade, e não pode funcionar como elemento regularizador da situação ilegal. Por outro lado, no que se refere às considerações relativas à estrutura e ao aspecto dos anexos e arrumos, as fotografias juntas aos autos são esclarecedoras quanto ao aspecto precário das edificações. Veja-se que as mesmas são essencialmente edificadas em chapa metálica e madeira e, como tal, não primam pelo arranjo estético e, muito menos, pela sua inserção no meio envolvente. Neste sentido, note-se que, de acordo com o disposto no artigo 66.º, n.º 3, alínea c) do Regulamento Municipal de Taxas e Compensações Urbanísticas, “as construções devem assegurar uma correcta integração na envolvente” e “respeitar as características exteriores da envolvente, tanto ao nível da densidade de ocupação da parcela e da frente edificada”. Daqui decorrendo que, tal como se encontram, as construções não são susceptíveis de licenciamento. (…)” (conforme documentos a folhas 69 do processo administrativo). N) Em 27 de Dezembro de 2010, foi recebido na Gaiurb, EEM, documento em nome de NMPMM, sob o assunto “Demolição de anexos abarracados”, do qual consta: “(…) Venho por este meio dar conhecimento a V.ª Ex.ª que já foi dado o cumprimento ao ofício n.º 7152/2010 de 26/11/2010 (demolição de anexos abarracados), contudo não foi possível executar a demolição integralmente devido à oposição da (…) AMCDS, por a mesma não ter procedido à remoção dos bens ali colocados por esta (…)” (conforme documento a folhas 75 e 76 do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); O) Em Março de 2011, a autora era arrendatária dos anexos da habitação sita na Avenida ….., casa 1, Oliveira do Douro, Vila Nova de Gaia (conforme resposta ao artigo 1.º da base instrutória). P) A habitação a que se alude na alínea anterior foi dada de arrendamento ao avô da autora e nessa data existiam no local anexos (respostas aos artigos 4.º e 5.º da base instrutória). Q) Os anexos a que se alude em n), são unicamente utilizados para guardarem sapatos e mercearia, nomeadamente batatas e outros produtos hortícolas, não tendo a Autora outro local para armazenar aqueles objectos (resposta aos artigos 8.º e 9.º da base instrutória). R) Um dos anexos a que se alude em n), situado no corredor interior da “ilha”, tem 2,22 metros de altura, 1,00 metro de largura e 1,24 metros de profundidade. (resposta aos artigos 10.º e 12.º da base instrutória). S) Um dos anexos a que se alude em n), situado no exterior da “ilha”, tem 1,66 metros de altura, 2,80 metros de largura e 1,95 metros de profundidade (resposta ao artigo 11.º da base instrutória). T) A “ilha” a que se alude em q) é de utilização das pessoas que nela habitam (resposta aos artigos 8.º e 9.º da base instrutória). - Factos não provados 1. Que os anexos a que se alude em n) existem há mais de sessenta anos; 2. Que foram os mesmos erigidos pelo proprietário, à data, do terreno onde os mesmos se encontram localizados; Que os anexos em questão são amovíveis e que sempre fizeram parte integrante do arrendamento. * DIREITOAs questões a resolver neste recurso traduzem-se nos erros de julgamento de facto e de direito imputados ao acórdão recorrido nos limites racionais das conclusões formuladas pela Recorrente. * Impugnação do julgamento em matéria de factoSão pertinentes neste âmbito as conclusões I a V. A Recorrente faz “dois reparos” ao acórdão. O primeiro para criticar a não transcrição para a “sentença” (leia-se acórdão) da matéria integrante da alínea N) da matéria de facto assente no despacho saneador (“Em Março de 2011, a autora era arrendatária da habitação sita na Avenida ….., casa 1, Oliveira do Douro, Vila Nova de Gaia - conforme documento a folhas 10 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido”). E o segundo para criticar a matéria de facto assente em O) da matéria de facto no acórdão, correspondente à resposta afirmativa (“provado”) ao quesito 1 da Base Instrutória. É certo que em termos de normalidade processual caberia transpor para a decisão final a matéria de facto assente no despacho saneador. No entanto, no caso, seria uma transposição meramente “decorativa” e formal, substancialmente irrelevante no litígio. Irrelevante desde logo por se tratar de matéria consensual, pois a própria Autora começa logo no artigo 1º da Petição inicial por alegar que é arrendatária dessa habitação. E irrelevante ainda porque o acto impugnado não tem a ver com a habitação em si, estando apenas em causa, no procedimento e nestes autos uma ordem de demolição de dois “arrumos/anexos abarracados” exteriores à dita habitação. De resto, tudo isso ressalta à evidência do conjunto do acórdão, como se vê dos seus seguintes passos: “AMCDS, (…) veio intentar a presente acção administrativa especial, contra o Município de Vila Nova de Gaia, (…) peticionando, a final a anulação da “ordem de demolição de dois arrumos/anexos abarracados executados em chapas metálicas e tábuas em madeira, com aproximadamente 9,870 m2 constante do ofício com a referência 7155/2010 de 26 de Novembro de 2010”. E ainda: “Conforme referido supra, cabe conhecer na presente acção se o acto impugnado padece de erro nos pressupostos de facto e de direito, por terem as referidas construções/anexos serem anteriores à data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 38382 de 07.08.1951; não necessitarem de licenciamento atenta a sua configuração e não violarem a alínea c) do n.º 3, do artigo 66.º do Regulamento Municipal de Taxa de Compensações Urbanísticas.” Igualmente improcede, por duas ordens diferentes de razões, a impugnação do exarado em O) da matéria de facto no acórdão recorrido. Desde logo porque a Recorrente não cumpre o ónus impugnatório previsto nas disposições conjugadas dos nº1 b) e nº2 a) do artigo 640º do CPC, na medida em que não transcreve nem indica com “exatidão” as passagens da gravação em que funda o recurso, remetendo antes para a gravação integral dos depoimentos mediante a expressão “Gravados de 00:00:00 a 00:16:56 e 00:16:57 a 00:35:38, respectivamente”. Mas também por uma questão de coerência e boa-fé, na modalidade de proibição de venire contra factum proprium, seria inadmissível que o Município viesse negar em sede judicial aquilo que afirmou em sede procedimental. Ora, como se lê na fundamentação do acto impugnado, cf. I) da matéria de facto assente, os serviços da Gaiurb, E.M. elaboraram informação na qual identificaram como infractores AMCDS, APS e NM, referindo-se de seguida que “… foram os infractores notificados, na qualidade de proprietário e arrendatárias, da intenção da autoridade administrativa ordenar, no prazo de 20 dias, a cessação da utilização e demolição das construções ilegais existentes na Avenida ….., casa 4, freguesia de Oliveira do Douro.” Poderia alvitrar-se “ex adverso” que a Administração apenas mencionou a qualidade de arrendatária da Autora por mera comodidade, sem com isso pretender englobar os ditos “anexos/arrumos” no contrato de arrendamento, ou alheando-se disso por não interessar ao procedimento nem à prolação do acto administrativo. Hipótese que poderia colher algum alento no procedimento, por exemplo quando se refere “que é intenção da autoridade administrativa ordenar a cessação da utilização das construções abarracadas” – cf. E) da matéria de facto. Mas a ser assim, perante uma suposta irrelevância da qualidade de senhorio ou arrendatário para determinação dos infractores e destinatários da ordem de demolição, interessando sobretudo a sua condição de utentes das edificações ilegais, então o Município deveria extrair daí todas as consequências e eximir-se a discutir na via contenciosa aquilo com que não se preocupou na via de procedimento, por ser hipoteticamente indiferente como pressuposto do acto. Aqui chegados, há que reconhecer que mais inaceitável que a falta de rigor na definição dos pressupostos do acto seria pactuar com um entendimento errático da Administração sobre esse tema, dizendo hoje uma coisa e amanhã outra diversa ao sabor das suas conveniências conjunturais, para mais sabendo-se que qualquer litígio quanto ao âmbito do arrendamento será questão a dirimir entre senhorio e arrendatárias, no foro próprio, sem ingerência do Município. Finalmente não se vislumbra nem a Recorrente revela que importância adviria da negação à Autora da qualidade de arrendatária relativamente aos ditos anexos/arrumos, como argumento determinante no sentido da inversão em sede de recurso da decisão recorrida. Pelo contrário, parece claro que tudo o que reforce a titulação da Autora relativamente aos barracos a demolir contribuirá para a solidez do acto administrativo perante ela. Por todas estas razões cumuladas e conjugadas improcede a impugnação em matéria de facto. * Impugnação do julgamento em matéria de direitoEsta questão situa-se no âmbito das conclusões VI a X da Recorrente, sendo útil transcrever a fundamentação da decisão de 1ª instância, na parte criticada. Assim, consta no acórdão recorrido: «Conforme referido supra, cabe conhecer na presente acção se o acto impugnado padece de erro nos pressupostos de facto e de direito, por terem as referidas construções/anexos serem anteriores à data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 38382 de 07.08.1951; não necessitarem de licenciamento atenta a sua configuração e não violarem a alínea c) do n.º 3, do artigo 66.º do Regulamento Municipal de Taxa de Compensações Urbanísticas. (…) Alega a Autora que desde há mais de 60 anos que as construções em causa existem no locado e que tendo sido aquelas construções/anexos (que o acto impugnado tem por objecto) executados em data anterior da entrada em vigor do RGEU, não é nem nunca foi exigível qualquer licença administrativa ou licença de utilização. O Réu, por sua vez, alegou que tais construções, mesmo que tenham sido construídas há mais de 50 anos (e nunca anteriormente a 1960), são sempre ilegais, substanciam construções clandestinas, posteriores à entrada em vigor do REGEU. Vejamos, então. O artigo 106.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro (diploma que aprovou o regime jurídico da urbanização e da edificação), na redacção que lhe foi dada pelas Leis n.ºs 13/2000 de 20 de Julho, 30-A/2000 de 20 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, Leis n.ºs 15/2002 de 22 de Fevereiro, 4-A/2003 de 19 de Fevereiro, Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto, Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro e 116/2008 de 4 de Julho - atenta a data a que se reporta o inicio do procedimento administrativo a que respeita o acto impugnado - dispõe o seguinte: “1- O presidente da câmara municipal pode igualmente, quando for caso disso, ordenar a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos, fixando um prazo para o efeito. 2- A demolição pode ser evitada se a obra for susceptível de ser licenciada ou objecto de comunicação prévia ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correcção ou de alteração. 3- A ordem de demolição ou de reposição a que se refere o n.º 1 é antecedida de audição do interessado que dispõe de 15 dias a contar da data da sua notificação para se pronunciar sobre o conteúdo da mesma. 4- Decorrido o prazo referido no n.º 1 sem que a ordem de demolição da obra ou de reposição do terreno se mostre cumprida, o presidente da câmara municipal determina a demolição da obra ou a reposição do terreno por conta do infractor.” Deste normativo decorre que o presidente da Câmara Municipal tem competência para determinar a demolição de obra construída sem licenciamento, desde que, no entanto, a obra em causa tenha sido construída sem a necessária licença de construção (sendo, para o efeito, necessário apurar o regime legal aplicável à data da construção) e não for susceptível de ser licenciada ou objecto de comunicação prévia ou não seja possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correcção ou de alteração. Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 38382 de 7 de Agosto de 1951, aprovou o Regulamento Geral das Edificações Urbanas, e veio exigir, pela primeira vez, licenciamento municipal nas “novas edificações ou em quaisquer obras de construção civil, reconstrução, ampliação, alteração, reparação ou demolição de edificações de obras já existentes, e bem assim os trabalhos que impliquem alteração da topografia local, dentro do perímetro urbano e das zonas rurais de protecção fixadas para as sebes de concelho e para as demais localidades sujeitas por lei a plano de urbanização e expansão.” Fora das sedes do concelho era exigido licenciamento municipal em todas as edificações de carácter industrial ou de utilização colectiva; nas restantes edificações fora da sede do concelho só seria aplicável o RGEU de houvesse deliberação Municipal nesse sentido (artigo 1.º, com a redacção dada pelo DL nº 44258 de 31 de Março de 1962). Assim, às construções erigidas antes da entrada em vigor deste regime jurídico não é exigível qualquer tipo de licenciamento, nem de obras, nem de utilização, dado que não existia na época nenhum diploma legal que exigisse o licenciamento de obras. Ora, resulta da factualidade provada que a Autora, em sede de audiência prévia, aquando da notificação da intenção do Réu de ordenar a demolição daquelas construções/anexos, alegou que as mesmas já existiam no locado há mais de 50 anos (facto assente na alínea d)). Sendo certo que, a expressão “há mais de 50 anos” pode estender-se até 1950, atenta a data da pronúncia da Autora (18 de Maio de 2009) e não tendo sido apurado se as construções/anexos em causa (e que são objecto do acto impugnado, que determinou a sua demolição), são ou não anteriores a 1951, cabe apurar quais as consequências que daqui decorrem. Ora, nos termos do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo “O órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito”. Assim, face a este normativo, bem como aos princípios que lhe subjazem, nomeadamente, do inquisitório (artigo 56.º, do Código de Procedimento Administrativo) e da legalidade (artigo 3.º, do mesmo Código), resulta que o dever de procurar averiguar os factos que suportam a decisão administrativa cabe prioritariamente à administração (neste sentido, vide os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.01.2000, proferido no recurso 37739; de 14.07.2008, proferido no recurso 0900/07; e, de 27-.01.2010, proferido no processo n.º 0978/09; e ainda o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 28.05.2009, proferido no processo n.º 01318/04.9BEBRG). E como se lê neste último acórdão “(…) esta directriz geral da actividade instrutória administrativa adquire mais relevo quando estão em causa condutas agressivas da esfera jurídica do particular administrado, tendo pleno cabimento, cremos, a posição daqueles que defendem que em todos os procedimentos que tendam a provocar uma privação de direitos, e não apenas nos de natureza sancionatória, deve funcionar a regra geral de que a prova dos factos integradores da efectiva ilicitude de determinada conduta compete à administração fiscalizadora, não ao particular fiscalizado, restando a regra do n.º 1 do artigo 88.º do CPA para os demais procedimentos administrativos (…)” Assim, tendo a Autora alegado que aquelas construções existiriam há mais de 50 anos, sempre caberia à Administração averiguar da existência daquelas construções antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 38382 de 7 de Agosto de 1951, que aprovou o Regulamento Geral das Edificações Urbanas, e veio exigir, pela primeira vez, licenciamento municipal, o que não sucedeu, tendo o Réu concluído apenas que tal situação “não significa que as mesmas se encontrem regularizadas e em conformidade com o ordenamento jurídico em vigor, aliás, o tempo não tem um efeito positivo sobre a ilegalidade, e não pode funcionar como elemento regularizador da situação ilegal” (facto assente na alínea i). Pelo exposto, procede o invocado vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.» * Cumpre apreciar as críticas da Recorrente, começando por observar que improcede a argumentação reflectida na conclusão VI.A questão redunda em saber a quem incumbia o ónus da prova quanto à demonstração de que as edificações em causa, pela data em que foram realizadas, já se encontravam sujeitas a licenciamento municipal, figura jurídica instaurada na ordem jurídica inovatoriamente pelo RGEU, publicado em Agosto de 1951. Interessava para tanto apurar a vetustez dos barracos/anexos/arrumos em causa, designadamente se a sua construção remontava a data anterior à vigência do RGEU, aprovado pelo DL n.º 38382/51, de 07 de Agosto. Mas apenas se conseguiu provar que existiam há mais de 50 anos, considerando a matéria de facto não impugnada constante em D). Perante tal factualidade permanece a ignorância sobre se a construção foi originariamente levada a cabo anteriormente ao início de vigência do RGEU, ou depois. Tanto a solução negativa como a solução positiva encontram aí probabilidade, mas nenhuma certeza. Isto porque a expressão “há mais de 50 anos” estabelece um limiar mínimo de antiguidade, significando pelo menos desde 1959, atenta a data de alegação (2009-50=1959) e deixando em aberto o limiar máximo. Nestas circunstâncias improcede a crítica desferida pela Recorrente, ao pretender transformar o limiar mínimo dum período indeterminado numa data certa. É certo que o quesito 2º da Base Instrutória (“Os anexos a que se alude em 1º existem há mais de sessenta anos?”) foi julgado não provado mas, mesmo que se pudesse reputar esses 60 anos como limiar máximo do período da edificação (o que é duvidoso) nem assim ficaria demonstrada a tese favorável à Recorrente. Com efeito, esses 60 anos foram invocados na petição inicial, entrada em 15-11-2011, e devem ser contados a partir dessa data, o que significa que a data da edificação dos barracos se situaria entre Março de 1951 e Maio de 1959, isto é, ainda assim poderia remontar a período anterior à publicação do RGEU. Ora, sobre o problema do ónus da prova o TAF invocou e seguiu jurisprudência pertinente, designadamente o acórdão de 28-05-2009, Proc. 01318/04.9BEBRG, 1ª Secção deste TCAN, com o seguinte sumário: «I. O ónus da prova traduz-se num dever de favorecer a prova do facto visado, sob pena da parte a quem ele compete sofrer as desvantagens da falta dessa prova. II. Face ao que resulta do artigo 87º nº1 do CPA, e dos princípios que lhe subjazem, nomeadamente os do inquisitório e da legalidade, o dever de procurar averiguar os factos que suportam a decisão administrativa incumbe prioritariamente à administração. III. O presidente da câmara municipal apenas poderá ordenar a demolição de obra construída sem licença de construção desde que esteja apurado que a construção a demolir carecia de licenciamento à luz do regime legal vigente na altura.» Não se vê razão para dissentir desta jurisprudência e daí decorre que as alegações da Recorrente estão votadas ao malogro. São compreensíveis as objeções suscitadas no parecer do MP sobre o modo como assim ficam tolhidos os poderes do Município em ordenar a demolição de qualquer aberração edificada anteriormente à entrada em vigor do RGEU. Mas há que matizar as coisas, considerando que só assim sucede quando a ordem de demolição, como é ou parece ser o caso, se baseia apenas na ilegalidade da edificação por falta de licenciamento e na falta de requisitos estéticos de meros barracos destinados a arrumações, de “escassa relevância urbanística”. Superior grau de exigência ocorrerá quando a ordem de demolição visar edificações de maior relevância (habitações, lojas, escritórios, etc.) e radicar em fundamentos mais sérios e prementes, por exemplo razões de salubridade, higiene ou segurança que possam colocar em risco a saúde das pessoas, quer as utentes da edificação a demolir quer das habitações vizinhas. Nessas hipóteses haverá seguramente meios legais de actuação proporcionais à relevância dos valores a proteger, atenta a salutar elasticidade da ordem jurídica. No caso não se verificam os erros imputados ao acórdão recorrido, sendo por isso de confirmar o julgado em 1ª instância. * DECISÃOPelo exposto acordam em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. Porto, 26 de Janeiro de 2018 Ass. João Beato Ass. Hélder Vieira Ass. Joaquim Cruzeiro |