Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01317/12.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES
Descritores:IRC; TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA;
ARTIGO 88º DO CIRC;
PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DO EXERCÍCIO;
Sumário:
I. Aplicam-se à tributação autónoma prevista no CIRC os princípios e regras constantes do referido Código para a liquidação e cobrança do próprio IRC, mas não os incompatíveis com a natureza da tributação autónoma enquanto imposto incidente sobre certas despesas, e não sobre o rendimento.

II. Não se aplicam à tributação autónoma prevista no CIRC os princípios do rendimento acréscimo, da periodização do lucro tributável e da anualidade.

III. Deve ser considerado/relevado no ano em que ocorrer a inscrição contabilística do facto, aliás nem de outro modo poderia ser atento o paralelismo existente entre a contabilidade e o exercício fiscal, paralelismo esse sim imbuído do princípio da especialização dos exercícios.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 17.08.2020, que julgou procedente a impugnação, intentada pela [SCom01...], Ld.ª. e, em consequência, anulou a liquidação adicional de IRC e dos respetivos juros compensatórios nº ...76, datada de 11.07.2011, e compensação nº ...79, datadas de 03.08.2011, relativas ao exercício de 2007, no montante global de € 74.496,10., inconformada veio dela recorrer.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(…)
A. Está em causa neste recurso a sentença que declarou ilegal a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativa ao ano de 2007, no montante global de € 74.496,10, que resultou do procedimento de inspeção com o número ...87.
B. Das muitas questões submetidas à apreciação do Tribunal, devidamente analisadas na sentença recorrida, apenas obteve procedência a questão respeitante à verificação dos pressupostos legais para a tributação autónoma do valor de € 67.000,11 nos termos do nº 1 do artigo 81º do Código do IRC.
C. Na respetiva fundamentação de direito, a folhas 68, a douta sentença recorrida refere o seguinte:
"Revertendo ao caso dos autos, como resulta do relatório de inspeção tributária, temos como indiscutível e incontestado, o facto da Autoridade Tributária ter considerado que o lançamento 2642, de 30.09.2007, que respeita a uma saída de caixa no valor de € 134.000,21, registada por contrapartida da conta "26819999 - Outros devedores e credores diversos", não se encontra suportado por qualquer documento, consubstanciando uma "saída de fundos", contabilizada sob a forma de um acerto de caixa, no valor de € 134.000,21, sem que esteja devidamente justificada, o que consubstancia uma violação ao disposto no nº 3, do artigo 17º, e no nº 2, do artigo 123º, ambos do Código do IRC. Como tal, entendeu que tal despesa, sem qualquer documento de suporte e onde não é possível identificar a natureza da operação e o(s) destinatário(s) do montante em causa, deve ser considerada uma despesa não documentada, enquadrada na alínea g), do nº 1, do artigo 45º, do Código do IRC. Assim, reconheceu que, apesar dessa despesa não ter sido contabilizada como custo, não estando assim a afetar o lucro tributável do exercício, encontra-se sujeita a tributação autónoma, nos termos do artigo 81º, nº 1, do Código do IRC, redação aplicável ao caso dos autos (a que corresponde o atual artigo 88º, nº 1), que estipula que as despesas não documentadas são tributadas autonomamente à taxa de 50%."
D. E, sobre a questão em exame a sentença considerou que "Assim, antes de mais, o que aqui está em causa mais não é senão a aferição se o valor contabilizado pela Impugnante no montante de € 134.000,21, apenas suportado no lançamento 2642, de 30.09.2007, é integrável ou não no âmbito do disposto no artigo 81º, nº 1, do Código do IRC, e ser assim tributado autonomamente à taxa de 50 %."No caso dos autos, resulta que, através do lançamento 2642, de 30.09.2007, a Impugnante procedeu ao registo contabilístico de uma saída de caixa no valor de € 134.000,21, registada por contrapartida da conta "26819999 - Outros devedores e credores diversos". Dos factos assentes, consta que foram celebrados três contratos de suprimentos, datados de 01.09.2003, nos termos dos quais três sócios da sociedade Impugnante convencionaram emprestar a esta última, a título de suprimentos, o valor de € 44.666,66, perfazendo um total de € 134.000,00 (= € 44.666,66 x 3), e que os mesmos seriam concedidos pelo prazo de cinco anos e que se estes fossem reembolsados durante esse período não venceriam quaisquer juros. Como resulta do relatório de inspeção tributária, além dos referidos contratos, a Impugnante não apresentou qualquer outro comprovativo da constituição de suprimentos, nem tão pouco remeteu qualquer documento que comprovasse o pagamento desses suprimentos aos sócios em causa, a que acresce que não forneceu o extrato da conta "2681999 - Outros devedores e credores diversos", relativa ao ano no qual alega que foram efetuados os suprimentos em causa. A questão que se coloca é a seguinte: Conseguiu a Impugnante dar a conhecer, de forma fácil, clara e precisa a operação em causa, evidenciando assim a causa, natureza, origem, finalidade e montante?
Cremos que não.
Em conformidade, resta concluir que estamos perante um custo ou encargo não documentado."
E. Ou seja, a decisão recorrida confirmou as conclusões dos Serviços de Inspeção Tributária, em sede de procedimento inspetivo, ou seja, que os custos em causa não estão documentados.
F. Com efeito, resulta do relatório transcrito nos autos, que na contabilidade da impugnante atinente ao exercício de 2007, se encontrava registado o lançamento 2642, de 30-09-2007, respeitante a uma saída de caixa, no montante de € 134.000,21, registado por contrapartida da conta "26819999 - Outros devedores e credores diversos".
G. A saída de fundos foi registada em 2007, não tendo destinatário conhecido ou cognoscível, dado que a recorrida não apresentou documentos discriminativos da forma, local, data, e pessoas a quem se destinaram, nem mesmo depois de notificada para o fazer.
H. A contabilização de uma saída de fundos sem qualquer documento justificativo do mesmo constitui uma violação ao disposto no n.º 3 do art.º 17.º, que estipula que "…a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística…" e "…reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo…", e ao disposto no n.º 2 do art.º 123.º ambos do Código do IRC (numeração actual), que estipula que "todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos…", bem como às normas e aos princípios contabilísticos em vigor.
Ora,
I. a douta sentença recorrida ajuizou (e bem) que a impugnante não demonstrou que a saída de caixa registada contabilisticamente em 2007 respeitava a ajustamentos relativos a contratos de suprimento celebrados entre a impugnante e os sócios em 2003.
J. Contudo, a sentença em recurso, veio a concluir que "o movimento contabilístico em que a Autoridade Tributária assentou a sua atuação (lançamento 2642, de 30.09.2007, que respeita a uma saída de caixa no valor de € 134.000,21, registada por contrapartida da conta "26819999 - Outros devedores e credores diversos") respeita a setembro de 2007, contudo não resulta provado que tal regularização respeitasse a despesas não documentadas desse mesmo exercício de 2007. De facto, o movimento contabilístico em que a Autoridade Tributária assentou a sua atuação (lançamento 2642, de 30.09.2007, que respeita a uma saída de caixa no valor de € 134.000,21, registada por contrapartida da conta "26819999 - Outros devedores e credores diversos") respeita a setembro de 2007, contudo não resulta provado que tal regularização respeitasse a despesas não documentadas desse mesmo exercício de 2007.
De resto, a própria Fazenda Pública reconhece na sua contestação (pontos 110 e 111) que "[é] o próprio reclamante/impugnante que informa só ter conseguido proceder à regularização em 2007, porquanto tinham sido apreendidos os documentos de contabilidade, situação que se manteve até 2007", "[n]o entanto, nunca teria ocorrido a caducidade do prazo para a liquidação, uma vez que, o valor corrigido referente ao exercício de 2003 e, conforme o explanado no RIT, foi efetuado em 2007". Ou seja, a própria Fazenda Pública demonstra insegurança quanto à possibilidade das despesas não documentadas em causa terem efetivamente ocorrido no ano de 2007, admitindo que pudesse resultar de uma correção reportada a exercício anterior.
(…)
"Assim, perante as regras do ónus da prova é de concluir pela ocorrência de erro sobre os pressupostos de facto relativamente à tributação autónoma em análise." (…)
Em face de tudo o exposto, resta, assim, concluir que a liquidação adicional de IRC em causa nos autos que assentam em diverso entendimento é ilegal devendo, por isso, ser anulada"
K. Ora, ressalvado o devido respeito pelo Tribunal, que é muito, a Fazenda não pode concordar com o decidido, porquanto,
L. O que está verdadeiramente em causa, nos autos, é o lançamento efetuado em 2007 pois só este reflete a saída de meios financeiros (despesa) da impugnante.
M. A recorrida não demonstrou o que alegou, quer em sede de procedimento inspetivo, quer em sede de impugnação da liquidação, isto é, que a saída de caixa que registou em 2007 traduzia um acerto de contas com origem em contratos de suprimento outorgados em 2003.
N. Aquela saída de caixa, registada em 2007, em face do estipulado no nº 3 do art 17º do CIRC, deverá ser enquadrada e tratada como despesa não documentada.
O. Trata-se de saída de recursos financeiros, no montante de € 134.000,00, sem suporte documental com registo contabilístico no exercício de 2007.
P. Não sofre dúvida que "a tributação das despesas não documentadas pretende compensar o pagamento oculto de rendimentos a outro sujeito passivo, não identificável pela administração tributária" (cfr. Ana Paula Dourado, Direito Fiscal, Almedina, 2017, p.230).
Q. Evitando que, através dessas despesas, o sujeito passivo utilize para fins não empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis, ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes.
Ora,
R. Se o Tribunal concluiu que a recorrida não demonstrou que a saída de caixa que registou em 2007 traduzia um acerto de contas com origem em contratos de suprimento outorgados em 2003, será contraditório afirmar que a AT não provou que a regularização respeitava a despesas não documentadas do exercício de 2007.
S. E será crucial recordar que os SIT (ver probatório da sentença recorrida) concluíram que em 2007, à data do acerto, o saldo de caixa não se encontrava empolado contabilisticamente em €134.000,21, pelo que o acerto deste valor correspondeu à saída efetiva de fundos de caixa, em 2007.
T. Verifica-se, pois, uma situação em que, na contabilidade do contribuinte relativa a 2007, foi incluída uma importância na conta "Caixa" e, no mesmo ano, transferida, sem qualquer apoio contabilístico aceitável para a conta "Outros Devedores e Credores", subconta "Devedores".
U. Houve, pois, a realização de uma despesa não documentada cuja natureza não é revelada, constitui uma violação ao disposto no n.º 3 do art.º 17.º, que estipula que "…a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística…" e "…reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo…", e ao disposto no n.º 3 do art 115º ambos do Código do IRC (numeração de 2007) que estipula que "todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos…", bem como às normas e aos princípios contabilísticos em vigor.
V. Assim, esta despesa, sem qualquer documento de suporte e onde não é impossível identificar a natureza da operação e o(s) destinatário(s) do montante em causa, deverá ser considerada uma despesa não documentada, enquadrada na alínea g) do n.º 1 do art.º 42.º do Código do IRC (numeração de 2007) que estipula que " Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício: (…) Os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial".
W. Apesar desta despesa não ter sido contabilizada como custo, não estando assim a afetar o lucro tributável do exercício, encontra-se sujeita a tributação autónoma, nos termos do n.º 1 do art.º 81.º do Código do IRC (numeração de 2007), que estipula que "as despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%...".
X. A decisão recorrida, entendeu e bem, que a impugnante não provou qual o destino da saída de caixa registada em 2007, no valor de € 134.000, 21.
Y. Já não se aceita que o Tribunal tenha ajuizado, que para além dos factos apurados, a AT teria que provar que as despesas não documentadas ocorreram em 2007.
Z. Porquanto entendemos que se a Impugnante lançou as despesas em 2007 é nesse exercício que deverão ser tributadas.
AA. Tanto mais que, conforme resulta do RIT, durante os anos de 2005 e 2006, os saldos de caixa permaneceram inferiores a € 134.000,21, logo o saldo de caixa de caixa não se encontrava empolado contabilisticamente naquele valor.
BB. Pelo que o acerto deste valor correspondeu à saída efetiva de fundos de caixa naquele exercício.
CC. Nos termos supra expostos entendemos que o Tribunal a quo decidiu mal, contra os factos apurados e contrariamente ao que se impunha face aos elementos que ressaltam dos autos – errando no julgamento da matéria de facto - e de onde resultou concomitantemente, erro de julgamento da matéria de direito, por violação do disposto nos artºs 17, 18º e n.º 1 do art.º 81.º do Código do IRC e ainda do artº 74º da LGT.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, por erro de julgamento de facto e de direito por violação designadamente dos artºs 17, 18º e n.º 1 do art.º 81.º do Código do IRC e ainda do artº 74º da LGT. com as legais consequências.»
1.2. A Recorrida [SCom01...], Lda., notificada da apresentação do presente recurso, apresentou as seguintes contra-alegações:
(…)
I - Apresenta a Fazenda Pública recurso e respetivas alegações invocando erro no julgamento da matéria de facto donde resulta concomitantemente, erro de julgamento da matéria de direito.
II – A propósito do erro de julgamento da matéria de facto artigo 281.º do CPPT refere que a interposição, processamento e julgamento dos recursos das decisões proferidas pelos tribunais tributários, ainda que interlocutórias, regem-se pelo disposto no Código de Processo Civil.
III – Assim e porque neste ponto, caberia à Recorrente atacar a decisão recorrida ou por via da devida impugnação da matéria de facto ou, maxime, suscitando a existência de omissão de pronúncia pelo Tribunal a quo relativamente aos concretos factos por si alegados na contestação e que não mereceram pronúncia judicial adequada.
IV – Não é permitido a Recorrente, extrair factualidade provada “a contrario”, de modo a acomodar a prova de factos que afirma resultarem do RIT, pois tal é algo que as regras adjetivas não permitem.
V – Da análise das alegações e conclusões de recurso entendidas no sentido de que a Recorrente pretendia, efetivamente, impugnar a matéria de facto em causa fixada, certo é que o ónus especial de alegação consagrado no art.º640 do CPC , aplicável ex vi do artigo 281º do CPPT não foi cumprido
VI - Na verdade, a Recorrente não dá cumprimento aos normativos legais aplicáveis, não indicando os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa da recorrida, está vedado ao tribunal de recurso conhecer do eventual erro de julgamento da matéria de facto nesta parte.
VII - Com efeito, não basta afirmar-se de modo genérico que se verifica um erro de julgamento, impunha-se sim que os “factos” e que os “documentos” fossem identificados, o que não foi feito
VIII - Razão pela qual não merece qualquer censura a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo no que respeita ao julgamento da matéria de facto, nos termos em que são expostos pela Fazenda Pública.
IX – Contrariamente ao que vem afirmado no Recurso interposto pela Fazenda Pública, a Douta Sentença Recorrida não merece censura, contrariamente ao que alega a Fazenda Pública, pois não enferma de qualquer vicissitude no que à questão de direito respeita.
X - Apesar da recorrida não concordar na íntegra com o facto da Douta Sentença Recorrida ter considerado a saída de caixa (lançamento 2642, de 30-09-2007) como despesa não documentada, considera que andou bem a sobredita Sentença Recorrida quando refere que o movimento contabilístico em questão e no qual a AT assentou a sua atuação respeita a Setembro de 2007, todavia não resultou provado que tal regularização respeitasse a despesas não documentadas desse mesmo exercício de 2007.
XI - Dúvidas não restam que, andou bem a Douta Sentença recorrida, expondo, fundamentadamente que a Fazenda Púbica, evidencia, admite, que a correção efetuada em 2007, pode reportar-se a anos anteriores.
XII – Na verdade, a Recorrida sempre alegou que a despesa considerada não documentada respeita a saída de caixa relativa a anos anteriores a 2007, explicando o porquê da dita regularização só ter sido efetuada em 2007, pelo que não senda do que vem sendo perfilhado quer em termos de doutrina quer em termos de jurisprudência, , e que a Douta Sentença Recorrida expõe e cita em várias das suas passagens, com as quais concorda e se abstém de transcrever, vigorando em relação às tributações autónomas o princípio da anualidade previsto no art.º 8.º do CIRC, sempre se diria que, perante a matéria de facto provada, não é possível concluir que as despesas consideradas não documentadas se não reportem a períodos anteriores a 2007, quando é a própria Fazenda Pública que utiliza esses factos para fundamentar a sua argumentação.
XIII – Pelo que, perante as regras do ónus da prova será de concluir, como o faz a Douta Sentença Recorrida pela ocorrência de erro sobre os pressupostos de facto relativamente à tributação autónoma em análise, uma vez que caberia à Administração Tributária o ónus de prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a imputar aquela despesa ao exercício de 2007, quando admite que pode a mesma ser respeitante a períodos anteriores, cumprindo-lhe demonstrar a factualidade subjacente, nos termos previstos no artigo 74º nº 1 da Lei Geral Tributária e no artigo 342º do Código Civil, o que, no presente caso, não logrou fazer.
XIV – Destarte, dos fundamentos constantes da Douta Sentença Recorrida e com aqueles que aqui se aduzem, sempre e em qualquer caso deve ser mantida a decisão Recorrida, uma vez que a Douta Sentença donde promana não merece censura, contrariamente ao que alega a Fazenda Pública, pois não enferma, no que à temática exposta se refere, nem de erro de julgamento de facto, nem de direito.
Termos em que e nos mais de direito que Vª. Exª mui doutamente suprirá, negando provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, ora Recorrente, e mantendo a Douta Sentença recorrida que deverá por Vªs. Exªs. ser confirmada farão como sempre a habitual,
SÃ, SERENA E OBJETIVA JUSTIÇA.»
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 316 e ss. do SITAF, pugnando pela improcedência do recurso, com o seguinte teor que aqui transcrevemos:
«A Fazenda Pública veio recorrer da douta sentença proferida nos autos que considerou procedente a impugnação instaurada por “[SCom01...], Lda.”, pessoa coletiva nº ...06, quanto às liquidações adicionais de IRC e dos correspondentes juros compensatórios relativas ao ano de 2007, no montante global de € 74.496,10.
A douta sentença considerou procedente a impugnação com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto relativamente à tributação original impugnada porquanto concluiu o movimento contabilístico em que a Autoridade Tributária assentou a sua atuação (lançamento 2642, de 30.09.2007, que respeita a uma saída de caixa no valor de € 134.000,21, registada por contrapartida da conta «26819999 – Outros devedores e credores diversos”) respeita a setembro de 2007, contudo não resulta provado que tal regularização respeitasse a despesas não documentadas desse mesmo exercício de 2007.
Para tal o tribunal levou em consideração o referido pela jurisprudência arbitral tributária, designadamente na decisão proferida em 04.12.2019, proc. nº 648/2018-T, em que foi Árbitro Presidente o Conselheiro Carlos Alberto Cadilha (também, na decisão de 13.03.2019, proc. nº 487/2018-T, em que foi Árbitro Presidente o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa; ambas publicadas em www.caad.org.pt) citando expressamente ““(…) para que uma concreta tributação autónoma do género daquela que ora nos ocupa seja legalmente aplicável, para além da demonstração – feita, no caso, como se viu – da ocorrência de despesas não documentadas, e da respectiva quantificação, torna-se necessário demonstrar que as mesmas ocorreram no exercício a que se reporta a correspondente liquidação, ou seja, e no caso, no exercício de 2014. Neste sentido, entendeu-se já no acórdão arbitral proferido no processo 287/2017T que “só as despesas efectuadas n[um] período de tributação podem ser tributadas com referência a esse exercício”. Assim, e em suma, a legal aplicação do artigo 88.º/1 do CIRC [que corresponde ao anterior artigo 81º, nº 1] pressupõe a demonstração de: i. ocorrência de despesas não documentadas; ii. num determinado exercício; e iii. num determinado montante”.
(…)
Concluindo a douta sentença com base em tais considerandos que para o caso dos presentes autos, se é verdade que o requisito da existência de despesas não documentadas se verifica, a Impugnante alega que as mesmas ocorreram antes de 2007, pelo que perante a matéria de facto provada, não é possível concluir que assim não seja.
É contra tal conclusão que se insurge a recorrente, mas o que vem alegado em nada altera o entendimento e as conclusões vertidas na douta sentença.
Assim, entendemos que a douta sentença não merece qualquer reparo pelo que concordando, por inteiro, com os seus termos e fundamentos, é nosso parecer que o recurso deve improceder.»

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, cumpre aferir
se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, este reconduzido à errónea valoração dos factos provados, e em erro de julgamento de direito por violação do disposto nos artigos 17º, 18º e n.º 1 do artigo 81.º do Código do IRC e ainda do artigo 74º da LGT, ao ter considerado que AT não comprovou que as despesas não documentadas ocorreram no exercício de 2007.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 De facto
2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«A) Com data de 01.09.2003, foi produzido documento designado por “Contrato de Suprimento”, do qual se destaca [cf. documento nº 8 junto com a petição inicial]:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
B) Com data de 01.09.2003, foi produzido documento designado por “Contrato de Suprimento”, do qual se destaca [cf. documento nº 9 junto com a petição inicial]:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
C) Com data de 01.09.2003, foi produzido documento designado por “Contrato de Suprimento”, do qual se destaca [cf. documento nº 10 junto com a petição inicial]:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
D) A ação inspetiva à Impugnante foi realizada ao abrigo da ordem de serviço nº ...87, relativas aos anos de 2007 e 2008, a qual foi aberta no seguimento da abertura de credenciais para as empresas [SCom02...], Lda., NIPC ...12, [SCom03...] Unipessoal, Lda. NIPC ...03 e, [SCom04...], Lda., NIP ...54, uma vez que são sujeitos passivos associados [cf. relatório de inspeção tributária (RIT) junto como documento nº 4 à petição inicial].
E) A referida ordem de serviço tinha por objetivo averiguar diversas situações relacionadas com as empresas mencionadas, como sejam, divergências de VIES, discrepâncias relacionadas com a análise da modelo 22 e suprimentos efetuados entre elas [cf. RIT junto como documento nº 4 à petição inicial].
F) Por carta registada foi enviado para a Impugnante ofício nº 13643/0507, com referência à ordem de serviço OI20....45, datado de 01.03.2010, do qual se destaca [cf. fls. 101 e 102 do PA junto aos autos]:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
G) Esta ação inspetiva foi iniciada em 10 de março de 2010, ao abrigo da OI20....45 que abrangia os exercícios de 2006, 2007 e 2008, com âmbito parcial, a qual foi comunicada à Impugnante nessa mesma data [cf. fls. 86 do PA junto aos autos].
H) Por despacho de 17.03.2010 foi alterada para âmbito geral a ordem de serviço identificada na alínea antecedente, comunicado à Impugnante em 19.03.2010 [cf. fls, 98 do PA junto aos autos].
I) Em 09.06.2010 foi apresentada proposta, da qual se destaca [cf. fls. 96 do PA junto aos autos]:
“No âmbito da ordem de serviço externa acima referida [OI20....45], que se encontra a decorrer desde 19-03-2010, foram detectadas situações em que se torna necessário solicitar cooperação administrativa com Espanha. No entanto, por se tratar do ano de caducidade, tal não será efectuado para o ano de 2006. Neste sentido, por não ser exequível aguardar a chegada de resposta daquele Estado Membro para concluir o ano de 2006, propõe-se o expurgo de 2007 e 2008 desta credencial e a abertura de ordem de serviço geral externa distinta para os anos de 2007 e 2008.”
J) Em 14.06.2010, sobre a informação mencionada na alínea antecedente recaiu despacho com o seguinte teor [cf. fls. 96 do PA junto aos autos]:
“Concordo. Solicito emissão de nova ordem de serviço para os exercícios de 2007 e 2008, âmbito geral, à semelhança do que consta da OI20....45.”
K) Em 23.06.2010 foi comunicada à Impugnante a alteração da extensão da ação inspetiva, concretamente que os exercícios de 2007 e 2008 passaram a estar credenciados pela OI20......87 [cf. RIT junto como documento nº 4 à petição inicial; e fls. 87 do PA junto aos autos].
L) Em 23.08.2010 foi emitida informação pela Divisão de Inspeção Tributária - IV da Direção de Finanças ..., da qual se destaca [cf. fls. 93 do PA junto aos autos]:
“1. O procedimento inspectivo ao sujeito passivo supracitado tem por base a ordem de serviço nº OI20......87, de âmbito geral e de extensão os anos de 2007 e 2008.
(…)
3. No decorrer da acção inspectiva apurou-se a existência de elevado montante de transmissões intracomunitárias e suprimentos e prestações de serviços entre empresas associadas espanholas, pelo que foi necessário efectuar pedido de cooperação administrativa internacional à administração fiscal espanhola tendo em vista o esclarecimento das situações mencionadas.
4. Em face da necessidade de recorrer a cooperação administrativa internacional com a administração espanhola, e atendendo que a acção inspectiva se iniciou no dia 10.03.2010, coloca-se à consideração superior prorrogação da acção de inspecção nos termos da alínea c) do número 3 do artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (R.C.P.I.T.), sendo previsível que a conclusão da mesma ocorra até 10.12.2010.”
M) Sobre a informação mencionada na alínea antecedente recaiu despacho datado de 23.08.2010, com o seguinte teor [cf. despacho aposto a fls. 93 do PA junto aos autos]:
Concordo com a prorrogação do prazo para conclusão do procedimento respectivo por um período de três (3) meses, nos termos da alínea c) do nº 3 do artigo 36º do RCPIT, com os fundamentos constantes da presente informação. Notifique-se.
N) Por carta registada com aviso de receção assinado em 26.08.2010, foi enviada para a Impugnante comunicação com o seguinte teor [cf. fls. 92 a 95 do PA junto aos autos]:
“Nos termos do art.º 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, fica por este meio notificado o sujeito passivo [SCom01...], Lda., possuidor do NIF ...06, do despacho de prorrogação do prazo de conclusão do procedimento inspectivo, efectuado ao abrigo da ordem de serviço nº OI20......87, pelo período adicional de 3 meses, em face dos motivos expostos no documento em anexo, num total de uma folha, sendo previsível que a conclusão do mesmo ocorra até 10-03-2010.”
O) Em 12.11.2010 foi emitida informação pela Divisão de Inspeção Tributária - IV da Direção de Finanças ..., da qual se destaca [cf. fls. 93 do PA junto aos autos]:
“1. O procedimento inspectivo ao sujeito passivo supracitado tem por base a ordem de serviço nº OI20......87, de âmbito geral e de extensão os anos de 2007 e 2008.
(…)
Em 23-08-2010 foi autorizada a prorrogação por mais três meses, conforme al. c) do n.º 3 do art.º 36º do RCPIT, ou seja, até 10.12.2010, tendo o sujeito passivo tomado conhecimento da mesma em 26.08.2010.
No decorrer da acção inspectiva apurou-se a existência de elevado montante de transmissões intracomunitárias e suprimentos e prestações de serviços entre empresas associadas espanholas, pelo que foi necessário efectuar pedido de cooperação administrativa internacional à administração fiscal espanhola tendo em vista o esclarecimento das situações mencionadas.
Em face da necessidade de recorrer a cooperação administrativa internacional com a administração espanhola, e atendendo que a acção inspectiva se iniciou no dia 10.03.2010, coloca-se à consideração superior nova prorrogação da acção de inspecção nos termos da alínea c) do número 3 do artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (R.C.P.I.T.), sendo previsível que a conclusão da mesma ocorra até 10.03.2011.”
P) Sobre a informação mencionada na alínea antecedente recaiu despacho datado de 22.11.2010, com o seguinte teor [cf. despacho aposto a fls. 89 do PA junto aos autos]:
“Concordo com a proposta de prorrogação do prazo para conclusão do procedimento respectivo por um período de três (3) meses com os fundamentos constantes da presente informação. Notifique-se.”
Q) Por carta registada com aviso de receção assinado, mas não datado, foi enviada para a Impugnante comunicação datada de 23.11.2010 com o seguinte teor [cf. fls. 88 a 91 do PA junto aos autos]:
“Nos termos do art.º 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, fica por este meio notificado o sujeito passivo [SCom01...], Lda., possuidor do NIF ...06, do despacho de prorrogação do prazo de conclusão do procedimento inspectivo, efectuado ao abrigo da ordem de serviço nº OI20......87, pelo período adicional de 3 meses, em face dos motivos expostos no documento em anexo, num total de uma folha, sendo previsível que a conclusão do mesmo ocorra até 10-03-2011.”
R) A Impugnante tem como sócios e gerentes [cf. RIT junto como documento nº 4 à petição inicial]:
- «AA», NIF ...30, com uma quota de € 36.000,00 (15% do total, que ascende a € 240.000,00), também gerente;
- «BB», NIF ...62, que detém uma quota de € 96.000,00 (40%), também gerente;
- «CC», NIF ...54, esposa de «AA», com uma quota que ascende a € 36.000,00 (15%);
- «DD», NIF ...99, que foi sócia-gerente até 01.02.2006, altura em que renunciou; em 19.08.2008 vendeu a sua quota, que ascendia a € 36.000,00 (15%), a «EE», NIF ...59;
- «EE», NIF ...59, que detinha uma quota inicial de € 36.000,00 (15%), sendo que em 19.08.2008 adquiriu a quota de «DD», tendo ficado com uma participação que ascende a € 72.000 (30%).
S) Em 24.02.2011, pela Divisão de Inspeção Tributária - IV da Direção de Finanças ... foi emitido “Relatório de Inspecção Tributária” relativamente à Impugnante, do qual se destaca [cf. documento nº 4 junto com a petição inicial]:
“(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
T) Em 25.02.2011, sobre o relatório de inspeção mencionado na alínea antecedente recaiu despacho de concordância – [cf. documento nº 4 junto com a petição inicial].
U) Por carta registada com aviso de receção assinado em 10.03.2011, foi remetido para a Impugnante o ofício nº ...07, datado de 09.03.2011, com o seguinte teor [cf. documento nº 4 junto com a petição inicial; aviso de receção a fls. 107 do PA junto aos autos]:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
V) Com base no relatório de inspeção que antecede, em nome da Impugnante foi emitida a liquidação adicional de IRC e dos correspondentes juros compensatórios nº ...76, relativa ao ano de 2007, no montante de € 72.751,04, que deu origem ao documento de cobrança n.º ...13, no valor de € 74.496,13 [cf. documentos nºs 1, 2 e 3 juntos com a petição inicial].
W) Em 09.01.2012, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações impugnadas (juntando os seguintes documentos: notas de liquidação e compensação, relatório de inspeção tributária, requerimentos apresentados junto dos Serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia a solicitar documentação apreendida no âmbito do processo nº ...0/04..IDPRT, termos de devolução e entrega de diversa documentação por parte da Divisão de Processos Criminais Fiscais e da Divisão IV da Direção de Finanças ... que havia sido apreendida, cópias de três contratos de suprimentos datados de 01.09.2003), da qual se destaca [cf. fls. 26 a 37 do processo físico]:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…).”
X) Em 15.03.2012, foi elaborado parecer pela Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças ..., com o seguinte teor [cf. documento nº 3 junto com a petição inicial]:
“(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Y) Sobre o parecer da alínea antecedente recaiu o despacho com o seguinte teor [cf. documento nº 3 junto com a petição inicial]:
“Nos termos e com os fundamentos constantes do parecer infra, projecto o INDEFERIMENTO do pedido.
Notifique-se para, no prazo de 10 (dez) dias, querendo, exercer o direito de audição previsto no artº. 60º da LGT.”
Z) Por carta registada, foi remetido para a Impugnante o ofício nº ...03, datado de 29.03.2012, com o seguinte teor [cf. documento nº 3 junto com a petição inicial]:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
AA) Em 12.04.2012, a Impugnante apresentou requerimento de audição prévia, do qual se destaca [cf. fls. 143 a 149 do PA junto aos autos]:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…).”
BB) Em 18.04.2012, foi elaborado parecer pela Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças ..., com o seguinte teor [cf. documento nº 2 junto com a petição inicial]:
“(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
CC) Sobre o parecer da alínea antecedente recaiu o despacho de concordância datado de 24.04.2012 [cf. documento nº 2 junto com a petição inicial].
DD) Por carta registada com aviso de receção, foi remetido para a Impugnante o ofício nº ...91, datado de 30.04.2012, com o seguinte teor [cf. documento nº 2 junto com a petição inicial]:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
DD) A presente impugnação judicial deu entrada neste Tribunal em 18.05.2012 [cf. fls. 1 do processo físico].
Não existem outros factos provados com relevância para a decisão.
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
A decisão da matéria de facto efetuou-se mediante o recorte dos factos pertinentes para o julgamento da presente causa em função da sua relevância jurídica, atentas as várias soluções plausíveis de direito, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, e sobretudo com base no exame dos documentos juntos aos autos e dos elementos que se encontram integrados no processo administrativo, cuja veracidade não foi colocada em causa, conforme se indicou ao longo dos factos provados.»
2.2. De direito
In casu, em sede de subsunção jurídica dos factos e, respectivo julgamento de direito, o Tribunal a quo conhecendo das diversas questões que lhe estavam assacadas, em sede de apreciação do vício de erro nos pressupostos de facto assacado à tributação autónoma operada ao exercício de 2007, julgou a presente impugnação procedente assente exclusivamente na “não prova” pela AT de que as despesas não documentadas ocorreram efectivamente no ano de 2007, ao contrário do que as regras do ónus da prova lhe exigiam.
Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artigo 639º, do CPC, ex vi do artigo 281º, do CPPT).
Assim sendo e perante as peças em análise, mormente as conclusões das alegações de recurso da AT e conclusões das contra-alegações do impugnante, temos desde logo que a matéria factual fixada pelo Tribunal a quo se mostra cristalizada, cumprindo tão só a este Tribunal ad quem apreciar e decidir se perante aquela ocorre o erro de julgamento de direito avocado pela recorrente, pois que a recorrida na qualidade de vencedora não afronta o julgado na exacta medida em que os demais argumentos por si avocados declinaram (vide nomeadamente o teor do item X ao aludir “Apesar da recorrida não concordar na íntegra com o facto da Douta Sentença Recorrida ter considerado a saída de caixa (lançamento 2642, de 30-09-2007) como despesa não documentada, considera que andou bem a sobredita Sentença Recorrida quando refere que o movimento contabilístico em questão e no qual a AT assentou a sua atuação respeita a Setembro de 2007, todavia não resultou provado que tal regularização respeitasse a despesas não documentadas desse mesmo exercício de 2007”).
Recuperemos, no que releva, expurgada das considerações doutrinais e jurisprudenciais tecidas sobre o enquadramento jurídico das Tributações Autónomas, nas quais nos revemos sem qualquer reparo, o discurso fundamentador da sentença sob recurso;
«Cabe decidir se no caso presente estamos perante “despesas não documentadas” para efeitos de aplicação do regime de tributação autónoma.
Vimos ser jurisprudência assente que despesas não documentadas são “despesas relativamente às quais não existe prova documental, e tratar-se-á de despesas suportadas pelo sujeito passivo que em termos contabilísticos afectam o resultado líquido do exercício, diminuindo-o. O regime fiscal estabelece que para efeitos de determinação do lucro tributável tal diminuição não é relevante” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.07.2010, proc. nº 0204/10, publicado em www.dgsi.pt).
Como se viu, alega a Impugnante que se tratou de um erro. Ora, atendendo ao princípio da verdade material, e ao princípio da tributação do rendimento real, se o sujeito passivo demonstrar que um determinado lançamento se tratou de um erro, não deverá ser “punido” com uma liquidação de imposto. Mas, impõem-se à Impugnante que explique, de forma clara, precisa e suficiente, a razão do erro. Isto é, impende sobre contribuinte o ónus da prova de que tais operações económicas subjacentes ao lançamento contabilístico não se realizaram da forma como se encontra espelhado na contabilidade.
No caso dos autos, resulta dos autos que, através do lançamento 2642, de 30.09.2007, a Impugnante procedeu ao registo contabilístico de uma saída de caixa no valor de € 134.000,21, registada por contrapartida da conta «26819999 – Outros devedores e credores diversos”.
Dos factos assentes, consta que foram celebrados três contratos de suprimentos, datados de 01.09.2003, nos termos dos quais três sócios da sociedade Impugnante convencionaram emprestar a esta última, a título de suprimentos, o valor de € 44.666,66, perfazendo um total de € 134.000,00 (= € 44.666,66 x 3), e que os mesmos seriam concedidos pelo prazo de cinco anos e que se estes fossem reembolsados durante esse período não venceriam quaisquer juros.
Como resulta do relatório de inspeção tributária, além dos referidos contratos, a Impugnante não apresentou qualquer outro comprovativo da constituição de suprimentos, nem tão pouco remeteu qualquer documento que comprovasse o pagamento desses suprimentos aos sócios em causa, a que acresce que não forneceu o extrato da conta «2681999 – Outros devedores e credores diversos”, relativa ao ano no qual alega que foram efetuados os suprimentos em causa.
A questão que se coloca é a seguinte: Conseguiu a Impugnante dar a conhecer, de forma fácil, clara e precisa a operação em causa, evidenciando assim a causa, natureza, origem, finalidade e montante?
Cremos que não.
Em conformidade, resta concluir que estamos perante um custo ou encargo não documentado.»
Mas mais, prossegue o seu discurso fundamentador, apelando a jurisprudência do CAAD, nos seguintes termos:
«Sucede que, seguindo o raciocínio expendido na Decisão Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa proferida em 11.12.2017, no proc. nº 287/2017-T (publicada em www.caad.org.pt), sempre se dirá que sendo “O IRC, em que se incluem as tributações autónomas previstas no artigo 88.º, do CIRC «é devido por cada período de tributação, que coincide com o ano civil» (artigo 8.º, n.º 1, do CIRC) (…) as despesas não documentadas que são tributadas autonomamente com referência ao exercício de (…) são as que foram efetuadas nesse ano (…)”.
Destaca-se ainda na jurisprudência arbitral tributária, designadamente na decisão proferida em 04.12.2019, proc. nº 648/2018-T, em que foi Árbitro Presidente o Conselheiro Carlos Alberto Cadilha (também, na decisão de 13.03.2019, proc. nº 487/2018-T, em que foi Árbitro Presidente o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa; ambas publicadas em www.caad.org.pt):
“(…) para que uma concreta tributação autónoma do género daquela que ora nos ocupa seja legalmente aplicável, para além da demonstração – feita, no caso, como se viu – da ocorrência de despesas não documentadas, e da respectiva quantificação, torna-se necessário demonstrar que as mesmas ocorreram no exercício a que se reporta a correspondente liquidação, ou seja, e no caso, no exercício de 2014. Neste sentido, entendeu-se já no acórdão arbitral proferido no processo 287/2017T que “só as despesas efectuadas n[um] período de tributação podem ser tributadas com referência a esse exercício”. Assim, e em suma, a legal aplicação do artigo 88.º/1 do CIRC [que corresponde ao anterior artigo 81º, nº 1] pressupõe a demonstração de: i. ocorrência de despesas não documentadas; ii. num determinado exercício; e iii. num determinado montante.
(...)”
Reportando o entendimento exposto na decisão supra para o caso dos autos, se é verdade que que o requisito da existência de despesas não documentadas se verifica, a Impugnante alega que as mesmas ocorreram antes de 2007, pelo que perante a matéria de facto provada, não é possível concluir que assim não seja.
De facto, o movimento contabilístico em que a Autoridade Tributária assentou a sua atuação (lançamento 2642, de 30.09.2007, que respeita a uma saída de caixa no valor de € 134.000,21, registada por contrapartida da conta «26819999 – Outros devedores e credores diversos”) respeita a setembro de 2007, contudo não resulta provado que tal regularização respeitasse a despesas não documentadas desse mesmo exercício de 2007.
De resto, a própria Fazenda Pública reconhece na sua contestação (pontos 110 e 111) que “[é] o próprio reclamante/impugnante que informa só ter conseguido proceder à regularização em 2007, porquanto tinham sido apreendidos os documentos de contabilidade, situação que se manteve até 2007”, “[n]o entanto, nunca teria ocorrido a caducidade do prazo para a liquidação, uma vez que, o valor corrigido referente ao exercício de 2003 e, conforme o explanado no RIT, foi efetuado em 2007”. Ou seja, a própria Fazenda Pública demonstra insegurança quanto à possibilidade das despesas não documentadas em causa terem efetivamente ocorrido no ano de 2007, admitindo que pudesse resultar de uma correção reportada a exercício anterior.
Assim, perante as regras do ónus da prova é de concluir pela ocorrência de erro sobre os pressupostos de facto relativamente à tributação autónoma em análise.
Consequentemente, deverá ser reposta integralmente a liquidação nº ...76, o que significa que o valor de tributações autónomas deverá ser reduzido de € 67.788,26 para € 788,15, valor já considerado pela Impugnante na sua declaração Modelo 22 do exercício de 2007, não sendo também devidos os juros compensatórios constantes daquela liquidação e que ascendem ao valor de € 7.496,02.
Em face de tudo o exposto, resta, assim, concluir que a liquidação adicional de IRC em causa nos autos que assentam em diverso entendimento é ilegal devendo, por isso, ser anulada.» (fim de transcrição; duplicados nossa autoria)
Vejamos se o julgamento transcrito padece da pecha que lhe é imputada.
Pertence-nos, antes do mais, clarificar como opera o ónus da prova nas situações da Tributação Autónoma de despesas não documentadas. Decorre do artigo 74.º, n.º 1, da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
Não nos restam dúvidas de que a Autoridade Tributária, no acto de liquidação que alegue a existência de despesas não documentadas, deve comprovar que as referidas despesas afectaram o resultado líquido da sociedade para efeitos de determinação da matéria tributável e que quanto às mesmas não existe qualquer documento justificativo, devendo demonstrar a efectiva ocorrência da mesma. Por sua vez, caberá ao sujeito passivo comprovar a existência de documentação dos gastos, devendo apresentá-la à Autoridade Tributária, por forma a afastar esta Tributação “excessiva”.
Como vimos a sentença recorrida, considerou que AT logrou a prova da ocorrência de despesas não documentadas e do seu montante, contudo não logrou a prova de que as mesmas correspondiam ao exercício de 2007.
Mas será assim?
Estamos manifestamente perante uma situação em que a recorrida contabilizou despesas tidas por não documentadas, o que reflecte uma saída de caixa, apesar de não ter sido a mesma relevada por aquela (sujeito passivo) enquanto diminuição do resultado liquido do exercício.
Como pode ler-se no Acórdão do STA de 31-03-2016, processo n.º 0505/15: “As despesas em questão são tributadas apenas porque são efetuadas, havendo mesmo a cargo do contribuinte a obrigação de as tornar aparentes na sua declaração de rendimentos. Se todas ou parte delas poderiam ter sido consideradas como custos da empresa para efeitos da determinação do seu lucro tributável, aumentando a despesa fiscal com a consequente diminuição do lucro tributável, e a empresa por decisão consciente, ou esquecimento, não as considerou desse modo na sua declaração de rendimentos, nem por isso, elas perdem a sua natureza de despesas tributáveis em sede de tributação autónoma, que, por definição é uma tributação destacável da tributação em sede de IRC.”, daqui resulta, que não existe uma relação necessária entre a tributação autónoma de despesas não documentadas e a eventual relevância das mesmas como gastos para determinação do lucro tributável.
Dispunha o então artigo 88º n.º 1 do CIRC que “As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos do artigo 23.º”.
Cumpre atentar, de que é hoje pacífico abonar que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr. artigo 9º do CC e, artigo 11º da LGT).
Assim sendo, são objecto de tributação autónoma, à taxa de 50%, os gastos ou despesas tidas por não documentadas. As despesas não documentadas referidas no artigo 88.º, n.º 1, do CIRC, reconduzem-se a quaisquer saídas de meios financeiros do património da empresa sem um documento de suporte que permita apurar o seu destino ou o seu beneficiário. Esta leitura é a que em maior medida garante o sentido útil e a finalidade regulatória do preceito em causa – orientada para a formalização, transparência e conformação legal das relações económicas, sendo a que imediatamente resulta da sua interpretação teleológica.
Em causa, como disso deu nota o Tribunal a quo, está o evitar que através das despesas não documentadas as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários, favorecendo a erosão da base tributária e a transferência indevida de lucros (base erosion and profit shifting).
Mas, como já referimos, o dissídio que nos ocupa, prende-se com o determinar o quando do facto tributário que dá origem à tributação autónoma.
Ora, temos desde logo o princípio base que contabilisticamente um gasto e/ou uma despesa deverá ser registada quando a sua concretização for previsível, se o mesmo determinar um pagamento o momento em que sobrevém o mesmo não determina que seja momento relevante [neste sentido cfr. Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág.742 e seg., em anotação ao artigo 88º, do CIRC; Maria Rita G. L. Ribeiro Mesquita, A Tributação Autónoma no CIRC, a Sua (In)coerência, Faculdade de Direito, Escola de Direito do Porto, Universidade Católica Portuguesa, Porto, Maio de 2014, pág.20 e seg.], é nessa linha e orientação que cumprirá atentar ao princípio da especialização dos exercícios (cfr. artigo 18º, nº.1, do CIRC), por isso, deve ser considerado/relevado no ano em que ocorrer a inscrição contabilística do facto, aliás nem de outro modo poderia ser atento o paralelismo existente entre a contabilidade e o exercício fiscal, paralelismo esse sim imbuído do princípio da especialização dos exercícios.
Além da doutrina, nesta matéria a jurisprudência uniformizada pelo acórdão do Pleno do STA, proferido em 21.04.2021, no recurso n.º059/20.4BALSB, incorpora aquele mesmo sentido da corrente doutrinária, afirmando a final, que o legislador entendeu valer-se dos critérios de imputação temporal previstos no CIRC para gastos (cfr. artigo 18º, do CIRC), os quais são independentes do momento da verificação do pagamento efectivo (neste sentido, vide ainda recente acórdão do STA de 20.12.2023, proferido no âmbito do processo n.º 2868/15.7BELRS, sobre tributação autónoma prevista no artigo 88º, n.º 13, alínea b) do CIRC).
É que, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, a tributação autónoma é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa. Trata-se de um imposto de obrigação única, incidindo sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos e instantâneos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada, desprovida de qualquer relação com o volume de negócios da empresa. A tributação autónoma exprime o exercício de uma função regulatória através do CIRC, inerente às finalidades e exigências de um Estado de direito material, onde se incluem objetivos a incentivar a formalização da economia, o rigor e a fiabilidade das contas das empresas, prevenir a fraude e a evasão fiscal, nomeadamente através da retirada dissimulada de activos monetários.
Pelas suas características específicas, as “despesas não documentadas” afastam a aplicação do princípio da especialização dos exercícios e periodização do lucro tributável, enunciado no n.º 1 do art.º 18.ºdo CIRC, assente no critério de competência económica. Com efeito, este critério é materialmente insusceptível de aplicação às “despesas não documentadas”, na medida em que se desconhece a natureza e a causa das transações correspondentes. Quando se trata de estabelecer a respetiva imputação a um dado exercício apenas pode ser utilizado o critério de competência de caixa, e no caso concreto a sua inscrição na contabilidade, que in casu se agrava perante a inexistência de qualquer documento ou conta que reflicta a saída de caixa.
É que, no caso em apreço temos uma saída de caixa registada na contabilidade, a qual foi validamente considerada de despesa não documentada, sem que exista nos autos uma qualquer evidência documental susceptível de reconduzir aquela despesa a anos anteriores. Ou seja, da mesma maneira que o valor inscrito na saída de caixa é totalmente omisso em sede de permitir alcançar a identificação dos seus destinatários, da natureza das operações subjacentes e dos momentos da sua realização, com referência ao seu registo contabilístico, também o é relativamente aos anos anteriores.
Do mesmo modo, que a sustentação da recorrida de que os valores correspondem a regularização dos suprimentos efectuados pelos seus três sócios não foi relevada para afastar o conceito de “despesas não documentadas”, exigir AT que concretizasse o momento em que efectivamente a despesa se concretizou, seguindo a tese da recorrida do pagamento dos suprimentos realizados aos sócios, seria exigir uma prova maquiavélica e que a ser alcançada dizimaria em si a natureza da despesa como não documentada. Por outras palavras, se AT estivesse na posse de quando se efectuou a despesa, possivelmente também se saberia a quem, e invertendo papeis, se efectivamente o pagamento ocorreu aos sócios em anos anteriores (entre 2003 e 2006) porque razão não foi referido pela recorrida concretizado o quandum e o modum, afastando a tributação autónoma.
Importa salientar, a este propósito, que recai sobre o contribuinte a responsabilidade no cumprimento das suas obrigações acessórias de natureza declarativa, isto é, na elaboração e conservação dos registos contabilísticos, na documentação de todas as transações e na garantia da congruência entre a contabilidade e a realidade económica da empresa. Por outro lado, é o contribuinte que está em melhor posição para conhecer detalhadamente a sua situação económica, financeira, fiscal e contabilística, na medida em que esteve diretamente envolvido nas transações ou nos movimentos que justificaram a saída de caixa e consequentemente em melhores condições para proceder à respetiva justificação, mormente na sua concretização temporal. Sintetizando, considerando que todos os fluxos de caixa, de entrada e saída, devem estar devidamente documentados, é o contribuinte que está em melhores condições para obter, manter e apresentar a documentação relevante. Ainda que os documentos disponíveis possam ser insuficientes para afastar a tributação autónoma, sempre será ele o contribuinte que logrará o acesso a outras evidências indiretas dessas transações que permitam afastar o princípio regra de que aqueles valores se referem ao ano em que os mesmos foram relevados enquanto saída de caixa ou não.
No caso, nada foi trazido aos autos pela recorrida, para além da alegação de que esteve impedida de regularizar a saída de caixa nos anos em que as mesmas terão ocorridas, mais se diga, que não esboça sequer a respectiva prova, pelo que não há qualquer razão para afastar a presunção natural de aqueles meios financeiros existiam no património da empresa e foi-lhes dado destino desconhecido.
De qualquer forma, o ónus da prova dos alegados erros e irregularidades recai sobre a recorrida, por força do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que a falta de prova que permite concluir pela sua existência tinha de ser valorada no procedimento tributário e no presente processo contra ela. Na ausência de contabilização, a AT resta atentar ao momento em que foi contabilizado para temporalmente fixar o facto tributário, incumbindo ao sujeito passivo provar o contrário, ou seja, afastar a presunção natural que deriva da contabilização daquele valor na saída de caixa.
Como já aludimos, não pode recair sobre a AT o ónus de prova (probatio diabólica) das saídas de caixa e das concretas despesas realizadas, justamente aquilo que só a própria recorrida se encontraria em condições de provar, através, nomeadamente, da apresentação de documentos comprovativos do pagamento dos valores dos suprimentos aos três sócios, em anos anteriores, o que aí sim estaríamos com o Tribunal a quo perante uma dúvida patente. A não adoptar-se este entendimento, estaríamos a autorizar práticas que premiassem os contribuintes que não guardam e/ou destroem os documentos contabilísticos ou demais elementos que documentem saídas de caixa, esvaziando a razão de ser do registo contabilístico.
Resulta das considerações expostas que existe fundamento material para a conclusão subjacente à liquidação impugnada, de que se está perante «despesas não documentadas», para efeitos do artigo 88.º, n.º 1, do CIRC, consubstanciadas por saída de meios financeiros da empresa sem documentos de suporte que permitam concluir pelo destino que lhes foi dado. Delas decorre, por outro lado, não ter aqui aplicação, quanto à existência do facto tributário gerador da tributação autónoma, o preceituado no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, pois apenas é aplicável quando exista «fundada dúvida» e, neste caso, não se vislumbram razões que abalem a presunção de terem ocorrido despesas não documentadas.
Por todo o exposto, é de concluir, contrariamente ao Tribunal a quo, que as correcções à matéria colectável, em sede de IRC e sob exame, não padecem do vício de violação de lei, mais exactamente do disposto no artigo 88º, nº. 1 do CIRC, na redacção em vigor em 2007, pelo que julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.

Aqui chegados, cumpriria em substituição conhecer do mais dado por prejudicado, a saber da (i) falta de fundamentação da liquidação, (ii) da caducidade e da (iii) inexistência do facto tributário e, por último (iv) da ilegalidade dos juros compensatórios.
A sentença sob recurso é prolixa e assertiva nas considerações que explana sobre a falta de fundamentação de que padece o RIT e sobre a irregularidade da notificação do mesmo, decorrendo das mesmas a manifesta improcedência dos vício assacado supra identificado em (i) e, elementos a considerar em (ii).
Efectivamente, como ali se dá nota “(...) é sintomático que a Impugnante, ao mesmo tempo que alega a falta de fundamentação por parte da Autoridade Tributária, desenvolve a sua retórica argumentativa no sentido de refutar a respetiva posição expressa no relatório de inspeção tributária.
Finalmente, a mera leitura do teor do relatório de inspeção deixa claras as razões que sustentaram as correções efetuadas, tanto mais que a alegação da Impugnante na invocação do erro nos pressupostos demonstra isso mesmo.”, o mesmo se diga da liquidação cuja fundamentação traduz de forma clara, congruente e suficiente, das razões específicas da prática do acto.
E, quando à caducidade, estando em causa uma liquidação adicional de IRC, tributo que é, unanimemente, considerado como um imposto periódico, o prazo de caducidade do direito à liquidação relativa ao ano fiscal de 2007, o prazo inicia-se em 31.12.2007, tendo o seu termo final em 31.12.2011. A pretensão da recorrida de remeter a correção para o exercício de 2003, e alcançar a caducidade do direito à liquidação, falece, porquanto como discorre da apreciação operada em sede de pressupostos de factos à liquidação, não logrou a mesma provar que o valor objecto de correcção respeita ao exercício de 2003, aliás razão de ser da revogação da sentença, assente de que a AT resta atentar ao momento em que foi contabilizado – 2007- para temporalmente fixar o facto tributário, incumbindo ao sujeito passivo provar o contrário, ou seja, afastar a presunção natural que deriva da contabilização daquele valor na saída de caixa.
Quanto à inexistência do facto tributário, argumenta a recorrida que AT não provou em concreto a existência do facto tributário, sendo que, de acordo com o artigo 100º, nº 1, do CPPT, na ausência de certeza sobre o facto tributário terá, necessariamente, de resolver-se a favor da Impugnante, pelo que resta tão só remeter para a fundamentação supra em que este Tribunal ad quem discreteou sobre o ónus da prova e sobre a inexistência de «fundada dúvida» in casu a apelar aplicação do aclamado artigo 100º. Improcede assim, igualmente este argumento.
Por último dos juros compensatórios. Aclama a recorrida a falta de fundamentação dos mesmos.
Ora, sobre a questão da falta de fundamentação dos juros compensatórios é vasta a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, razão pela qual apelamos ao acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no âmbito do processo n.º 671/18.1BELLE, transcrevendo o seu sumário:
I - A responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência).
II - A AT imputa ao contribuinte o facto de não ter declarado rendimentos nos termos descritos, o que implica que o contribuinte motivou o atraso da liquidação, uma vez que não declarou, no momento próprio todos os rendimentos sujeitos a tributação, sendo que é ainda apontado que o sujeito passivo pretendeu retirar vantagem patrimonial da não liquidação, entrega ou pagamento de imposto, entendendo-se mesmo que está em causa conduta susceptível de configurar ilícito criminal, o que significa que pode ser afirmada a culpa dos Recorrentes nos termos descritos pela singela razão de que existia facto tributário que obrigava aquela à liquidação, visto tratar-se de operações tributáveis nos indicados termos fixados na própria sentença que, nessa parte, não foi posta em crise.
III - A culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte actuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, considerando, dessa forma, que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (como, por exemplo, a nível de custos fiscais) ou a erro desculpável do contribuinte, acrescendo ainda que não basta uma mera divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária para que seja excluída a culpa do contribuinte, é, ainda, necessário que tal divergência seja “compreensível”, o que não sucede na situação dos autos, na medida em que as condutas praticadas, nomeadamente a ocultação de factos e valores que deveriam ter sido declarados à administração fiscal, visaram a não liquidação, entrega ou pagamento de impostos, tendo a vantagem patrimonial ilegítima sido de € 83.715,84 em 2015.
IV - Está cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 89º do CIVA e 35º da LGT) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art. 559º nº 1 do CCivil) e o valor dos juros.

V - Perante os elementos que enquadram a liquidação em apreço de acordo com o RIT e que evidenciam a bondade da mesma e outros elementos descritos no probatório, como a nota demonstrativa da liquidação de juros compensatórios, que contém todos os elementos necessários à sua percepção, designadamente a disposição legal aplicável, o valor do imposto sobre que incidem, o período temporal em que são aplicáveis, a taxa e o valor apurado, tem de entender-se que não existe qualquer situação de falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, não existindo qualquer elemento que possa colocar em crise a compreensão da decisão tomada pela AT e, nesta medida, a capacidade dos Recorrentes para elaborarem a melhor defesa perante as liquidações em apreço.
Pois bem, perante os elementos que enquadram a liquidação em apreço de acordo com o RIT, decisões graciosas emitidas, e que evidenciam a bondade da mesma e outros elementos descritos no probatório, com destaque para a nota demonstrativa da liquidação de juros compensatórios [item V) do probatório, documento n.º 3 junto com a petição inicial], que contém todos os elementos necessários à sua percepção, designadamente a disposição legal aplicável, o valor do imposto sobre que incidem, o período temporal em que são aplicáveis, a taxa e o valor apurado, tem de entender-se que não existe qualquer situação de falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, não existindo qualquer elemento que possa colocar em crise a compreensão da decisão tomada pela AT e, nesta medida, a capacidade da recorrida/impugnante para elaborarem a melhor defesa perante as liquidações em apreço, o que conduz à total improcedência da alegada falta de fundamentação dos mesmos juros.
Assim sendo, cumpre como já se referiu revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a impugnação improcedente.
2.3. Conclusões
I. Aplicam-se à tributação autónoma prevista no CIRC os princípios e regras constantes do referido Código para a liquidação e cobrança do próprio IRC, mas não os incompatíveis com a natureza da tributação autónoma enquanto imposto incidente sobre certas despesas, e não sobre o rendimento.
II. Não se aplicam à tributação autónoma prevista no CIRC os princípios do rendimento acréscimo, da periodização do lucro tributável e da anualidade.
III. Deve ser considerado/relevado no ano em que ocorrer a inscrição contabilística do facto, aliás nem de outro modo poderia ser atento o paralelismo existente entre a contabilidade e o exercício fiscal, paralelismo esse sim imbuído do princípio da especialização dos exercícios.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgando a impugnação totalmente improcedente.

Custas a cargo da recorrida.

Porto, 30 de abril de 2025
Irene Isabel das Neves
(Relatora)
Carlos Castro Fernandes
(1.º Adjunto/em substituição)
Paulo Moura
(2.º Adjunto)