Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00653/21.6BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/07/2025
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:LUÍS MIGUEIS GARCIA
Descritores:TRANSACÇÃO;
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO;
Sumário:
I) – «No caso de litisconsórcio necessário, a confissão, a desistência ou a transação de algum dos litisconsortes só produz efeitos quanto a custas, seguindo-se o disposto no nº 2 do artigo 528º» - art.º 288º, n.º 2, do CPC.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

MUNICÍPIO ... (Largo ..., ... ...), em «providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo da autoria da Exma. Sra. Diretora de Serviços de Desenvolvimento Agroalimentar, Rural e Licenciamento da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro, datado de 02/09/2021, que determinou que a regularização da exploração pecuária da Contrainteressada não carece de deliberação fundamentada de reconhecimento do interesse público municipal, aprazando a conferência decisória para deliberação final sobre o pedido de regularização para o dia 01/10/2021 – cfr. doc. 1 que se junta –, e de encerramento provisório parcial (em tudo quanto não tem licença de exploração anteriormente concedida) do estabelecimento pecuário da Contrainteressada nos autos», que intentou contra Ministério da Agricultura (e em que, por despacho de 02/10/2024, foi declarada a substituição processual deste pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, I.P. - R. ..., ... ...), sendo indicada como contra-interessada [SCom01...] Ldª (..., ... ...), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Aveiro, que em 25-11-2024 extinguiu a instância.

Conclui:

1) No caso vertente, as Partes, ainda e ademais quando haviam transigido e confiavam em como a sua transacção poderia ser jurisdicionalmente sancionada, foram apanhadas de surpresa pela decisão (uma das mais graves que há, e que é, precisamente, a extinção da lide), o que naturalmente, atento o princípio da proibição das decisões-surpresa, não se afigura legalmente possível, ocorrendo a violação do estatuído no art. 3.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi art. 1.º do CPTA) – aliás, o erro de julgamento é agravado, face ao estatuído, em matéria cautelar, no art. 123.º, n.º 3, do CPTA.
2) Ademais e como é evidente, a extinção da instância só foi acordada e pretendida pelas Partes no pressuposto da homologação do acordo submetido ao Tribunal, o que resulta até bem claro da respetiva redacção, não se pretendendo ou consentindo numa homologação parcial – o que teria sido dito caso, repise-se, as Partes tivessem sido notificadas, como deviam, para se pronunciarem sobre o entendimento do Tribunal quanto ao objecto da tansacção.
3) Ocorrendo, deste modo, violação dos próprios arts. 277.º, al. d), 283.º, n.º 1, 285.º, n.º 2, e 286.º, n.º 1, todos do CPC, aplicáveis ex vi art. 1.º do CPTA, invocados pelo Tribunal para extinguir a instância.
4) Portanto, face aos manifestos erros de julgamento de que padece a decisão recorrida, por violação dos arts. 3.º, n.º 3, do CPC (ex vi art. 1.º do CPTA) e 123.º, n.º 3 do CPTA e dos arts. 277.º, al. d), 283.º, n.º 1, 285.º, n.º 2, e 286.º, n.º 1, todos do CPC, aplicáveis ex vi art. 1.º do CPTA, impõe-se a revogação da mesma por este Digníssimo Tribunal.
5) Acresce, agora quanto ao fundo, que o objecto da lide não é a legalidade ou a ilegalidade do acto suspendendo, essa sim indisponível, ou seja, o objecto dos autos não é a declaração de legalidade ou não do acto que determinou que a regularização da exploração pecuária da Contrainteressada não carece de deliberação fundamentada de reconhecimento do interesse público municipal, mas sim as suas consequências, ou melhor, a suspensão provisória dos seus efeitos.
6) O que afirmamos, pois e assim, é que, não estando em causa acertar a legalidade material do acto proferido, mas a produção ou não dos seus efeitos até aquela ser judicialmente acertada, tal é matéria sobre a qual, em princípio, pode existir acordo ou transacção – poderíamos até dizer que se verifica margem de liberdade nesta matéria.
7) Numa palavra, é importante para o Município, como se alegou neste âmbito cautelar, que no lapso de tempo que o Tribunal vai demorar a decidir a questão principal, a actuação suspendenda não cause danos sérios e graves ao interesse público municipal, existindo pois um conjunto de garantias e actuações no acordo feito e não homologado que são de molde a evitá-los.
8) Como é consabido, a proibição de transigir sobre a legalidade material dos actos administrativos decorre da circunstância de a Administração estar obrigada a agir em toda a sua actividade com observância do princípio da legalidade, consagrado no art. 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e concretizado no art. 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. É claro que, sob outro enfoque, o que está em causa é também a vinculatividade ou a margem de liberdade, pois aqui, seja ela intrínseca ou temporal, e na medida em que a mesma seja possível de verificar, existe a possibilidade de transigir.
9) No entanto, o nosso plano é outro, como vimos, é o dos efeitos do acto e da respectiva suspensão provisória. Dois indícios claros de que se verifica disponibilidade nesta matéria são que o acto suspendendo podia ser sujeito a condição ou termo, ou, determinantemente, podiam mesmo ter sido decretadas pela Entidade Requerida (atualmente, a CCDRC, I.P.) medidas provisórias (art. 89.º do CPA).
10) Ou seja, em sede executiva, mormente na pendência de reclamação ou recurso administrativo, causando já dor a acto a elas sujeito, as medidas provisórias têm pleno e perfeito sentido, podendo então a Administração modelar os efeitos do acto que produziu, não se estando pois, sem precedência de lei, a transigir no que concerne à legalidade material do acto que está a ser aferida – entendendo-se assim que a execução integra o procedimento e sendo ademais impensável que a Administração não tenha poderes que o Tribunal tem.
11) Aliás, e decisivamente, se não se pudesse transigir relativamente aos efeitos do acto, a bom dizer a presente providência cautelar não seria admissível: o acto extraordinariamente tinha de ter logo efeitos e aqueles que, em normalidade, o mesmo pressupõe, sendo relevante a este respeito considerar que as medidas cautelares têm um campo francamente aberto – veja-se a propósito, entre o mais, o que vai dito exemplificativamente no art. 112.º, n.º 2, als. d), e) e i), do CPTA, e que mesmo a suspensão de eficácia pode ser decretada com termo ou condição, como dispõe, de forma clara e expressa, o art. 122.º, n.º 2, do CPTA.
12) Para terminar, este Município, no âmbito do processo n.º 1038/14.6BEAVR-A, que correu termos neste mesmo Tribunal, obteve e foi jurisdicionalmente homologado um acordo muito parecido ao presente, sem que ninguém tenha levantado qualquer questão a este respeito.
13) Em suma, a decisão recorrida incorre, também a este passo, em manifesto erro de julgamento, por violação dos arts. 283.º, n.º 2, e 289.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis ex vi art. 1.º do CPTA, impondo-se a revogação da mesma por este Digníssimo Tribunal.
Termos em que, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado totalmente procedente, por provado, revogando-se a decisão recorrida, para todos os efeitos e com todas as legais consequências,

Com contra-alegações da contra-interessada, que conclui:

1.ª O recurso jurisdicional foi interposto pelo MUNICÍPIO ... contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 25 de Novembro de 2024, que, no essencial, declarou extinta a instância por acordo das partes, apesar de não ter homologado a transacção por entender que o objecto do litígio não estava na disponibilidade das partes.
2.ª Com efeito, sendo a transacção o “contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões” e que estas podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido (v. artigo 1248.º do Código Civil), é por demais evidente que as partes outorgantes quiseram pôr fim ao processo e de modo algum ficou o MUNICÍPIO ... vencido, razão pela qual não tem legitimidade para recorrer, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 141.º do CPTA.
3.ª O Requerente/Recorrente tem falta de interesse em agir, para efeitos de recurso, visto que nenhuma utilidade efectiva pode extrair da eventual alteração da decisão proferida, o que, aliás, também não alega (v., neste sentido, Ac.º do Tribunal da Relação do Porto, de 08/02/2021, Proc. n.º 4177/19.3T8VNG-B.P1).
4.ª Com ou sem homologação, o acordo existe e é vinculativo para as partes, razão pela qual a eventual alteração da decisão não acarreta qualquer utilidade efectiva para o MUNICÍPIO ....
5.ª O aresto em recurso não incorreu em qualquer erro de julgamento porquanto não se pode considerar que a decisão de extinção do processo cautelar tenha constituído qualquer tipo de decisão surpresa ou que era necessária a audição prévia das partes, quando a decisão de extinção da instância e, como tal do processo cautelar, partiu das partes, não fazendo sentido ouvir as partes que quiseram pôr fim ao processo,
6.ª Além disso, também não se pode considerar que a falta de homologação da transacção afecta o acordo alcançado entre as partes, o qual continua a ser um contrato processual, bivinculante, oneroso, constitutivo de obrigações recíprocas, dirimente da relação material controvertida e, por conseguinte, extintivo da relação processual em causa (v., neste sentido, Ac.º do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12/09/2023, Proc. n.º 7624/15.0T8LSB.L1-7).
7.ª Como tem sido reconhecido pelos tribunais, “A transacção é um negócio jurídico que consiste na manifestação de vontade das partes com vista à auto-composição do litígio, com o efeito jurídico de pôr cobro a um processo pendente, independentemente do regime jurídico aplicável à situação que levaram a juízo e subtraindo ao tribunal o poder de decidir a causa (arts. 293.º, n.º 2, 299.º, n.º 1 e 300.º, n.º 3 do CPC)” (v. Ac.º do Tribunal da Relação de Coimbra, de 09/10/2012, Proc. n.º 253/11.9TBOHP.CT) e “A transacção exarada no processo, que põe termo ao litígio entre as partes, constitui um contrato processual, concretizando um negócio jurídico efectivamente celebrado pelas partes intervenientes na acção, correspondente àquilo que estas quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita” (v. Ac.º do Tribunal da Relação do Porto, de 08/02/2024, Proc. n.º 228/20.7T8ARC.P1).
8.ª Em qualquer dos casos, concorda-se com o Recorrente quando sustenta que o acordo não dizia respeito a objecto ou direito indisponível.
Nestes termos,
Deve ser julgado totalmente improcedente o recurso jurisdicional, confirmando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.
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A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta foi notificada nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, não emitindo parecer.
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Com legal dispensa de vistos, cumpre decidir.
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Incidências processuais, em que importa atentar:
1º) - Foi intentado o processo cautelar conforme r. i. (corrigido) constante dos autos, em termos que aqui se têm presentes.
2º) - Foi apresentada peça processual por requerente e contra-interessada, em que a final pediram:
“a) se digne notificar a Entidade Requerida nos autos para vir pronunciar-se, querendo, acerca da presente transação;
b) na falta de oposição por parte da Entidade Requerida, se digne homologar a presente transação, para todos os efeitos e com todas as consequências”
3º) - Despacho de 21-10-2024, verteu o seguinte:
“Analisada a transacção trazida aos autos, constata-se que na cláusula 3.ª, al.d), as partes acordam o seguinte:
Caso aqueles Representantes não cheguem a acordo quanto ao terceiro membro da Comissão, comunicarão isso mesmo às Partes, que requererão ao digno Tribunal a designação do mesmo de entre técnico idóneo na área do Ambiente (através da Ordem dos Engenheiros);
Ora, a homologação da transacção é fundamento de extinção da instância, conforme estabelece a alínea d) do artigo 277.º do Código de Processo Civil.
A intervenção do Tribunal, nos termos que o acordo parece estabelecer, pressupunha que a instância se mantivesse activa ou, de algum modo, pudesse ser renovada, pressuposto que não tem sustentação legal nas normas processuais.
Por outro lado, ainda que se equacionasse a reabertura da instância com vista à execução de sentença (homologatória), tal como configurada a transacção, o não alcance de um acordo quanto ao terceiro representante não consubstancia um incumprimento do acordado que motive a propositura de uma acção executiva.
Posto isto, a transacção, tal como delineada, não reúne requisitos para a sua homologação, uma vez que o estabelecido na cláusula supra identificada não tem objecto disponível, podendo as partes transigir apenas e tão-só naquilo que cabe na sua disponibilidade jurídica, o que não abrange, obviamente, as normas de funcionamento do processo.
Concedo, assim, às partes o prazo de 5 (cinco) dias para reformularem, querendo, a transacção junta aos autos, de modo a que as suas cláusulas incidam apenas sobre matéria na disponibilidade das partes, sob pena de prosseguimento dos autos.”
4º) - Ao que requerente e contra-interessada apresentaram o seguinte:
“MUNICÍPIO ... e [SCom01...] Lda., respetivamente Requerente e Contrainteressada nos autos à margem referenciados, vêm expor a V.ª Ex.ª que pretendem pôr termo ao presente litígio, fazendo-o nos seguintes termos:
1) A Contrainteressada compromete-se a adquirir e a proceder à instalação de um medidor de caudal na propriedade onde está instalado o estabelecimento em causa nos autos, nos seguintes termos:
a) A instalação deve efetivar-se no prazo máximo de 1 (um) mês após a notificação da homologação do presente acordo, ou seja, no termo desse prazo o equipamento deve encontrar-se devidamente instalado e em perfeito funcionamento;
b) O equipamento corresponde ao acordado previamente entre as Partes, cujas características técnicas e orçamento se juntam como Anexo I, fazendo parte integrante do presente acordo;
c) O medidor de caudal será implementado imediatamente antes do muro do logradouro da fonte da Junta de Freguesia de forma a que a intervenção ocorra apenas na propriedade da Contrainteressada – localização previamente acordada entre as Partes, assinalada no Anexo II que se junta, fazendo parte integrante do presente acordo;
d) A Contrainteressada instalará ainda uma vedação de proteção ao equipamento, com porta de acesso, com entrada através do logradouro da fonte da Junta de Freguesia, vedação essa que deverá ser constituída por um murete de 40 cms de altura e painel de rede metálica com 1,80 m de altura, tendo a porta 0,80 cms de largura, do mesmo material (rede metálica) e nivelada em altura com a rede (2,20 m);
e) Cada uma das Partes deverá ter uma chave para aceder à instalação, devendo a Contrainteressada, assim, entregar uma chave ao Município no prazo máximo referido na al. a) supra;
2) A Contrainteressada procedeu já à limpeza da vala existente no seu terreno e que vai até ao Rio Cértima, em toda a sua extensão, tendo cumprido o determinado pela APA/ARHC, conforme comprovou junto do Município, previamente à celebração do presente acordo;
3) É formada uma Comissão composta por um representante do Município, um representante da [SCom01...] e um terceiro cooptado entre ambos, nos seguintes termos e para os efeitos que se enunciam:
a) O Município desde já designa como seu representante o respetivo Chefe da Divisão de Serviços Urbanos e Ambiente, Eng.º «AA», cujos contatos são: ..........@.....; tel.: ...80; com morada profissional na Câmara Municipal ...;
b) A [SCom01...] desde já designa como seu representante o Biólogo e Consultor Sénior de Ambiente «BB», com domicílio profissional na Rua ..., ... ..., cujos contatos são: ..........@.....; ...35 e ...15;
c) No prazo de 1 mês após a notificação da decisão homologatória do presente acordo, devem aqueles Representantes encetar contatos para designar o terceiro membro da Comissão, que presidirá à mesma;
d) Caso aqueles Representantes não cheguem a acordo quanto ao terceiro membro da Comissão, comunicarão isso mesmo às Partes, que requererão à Ordem dos Engenheiros a indicação de técnico idóneo na área do Ambiente, para o efeito;
e) Em caso de notícia de maus cheiros e/ou descargas residuais provenientes da [SCom01...] que sejam denunciadas ao Município ou a outras Entidades ou que cheguem ao conhecimento daquele através de meios de comunicação social, redes sociais, ou qualquer outro meio, o Município convoca a intervenção da Comissão que reúne de imediato, deslocando-se ao local e/ou tomando todas as diligências que entender pertinentes para apurar da ocorrência ou não ocorrência dos factos relatados;
f) Findas as diligências que se entendam necessárias, a Comissão elabora auto com o relato da sua atuação e respetivas conclusões;
g) Caso a Comissão conclua, por maioria dos seus membros, que ocorreram maus cheiros e/ou descargas residuais provenientes da [SCom01...], comunica os mesmos às entidades competentes para atuarem (APA/ARHC e outras);
4) As Partes acordam que cada uma delas suporta as respetivas custas processuais e prescindem de custas de parte.
Termos em que,
requerem a V.ª Ex.ª:
a) se digne notificar a Entidade Requerida nos autos para vir pronunciar-se, querendo, acerca da presente transação;
b) na falta de oposição por parte da Entidade Requerida, se digne homologar a presente transação, para todos os efeitos e com todas as legais consequências.”.
5º) - A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, I.P. veio “reportar a sua não oposição à extinção da instância, tendo por base a transação alcançada entre o MUNICÍPIO ... e a contrainteressada, [SCom01...], Ldª.. Mais se faz consignar nos autos que, o antes afirmado, não deverá ou poderá ser interpretado como a renúncia por parte da CCDRC, I.P. a qualquer das obrigações legais ou regulamentares que se lhe mostrem atribuídas, no referente aos poderes/deveres de licenciamento, fiscalização e controlo da exploração da contrainteressada, quanto ao cumprimento das obrigações que lhe assistem do ponto de vista ambiental, legal e material”.
6º) - Adveio a decisão recorrida, de 25-11-2024, com seguinte teor:
“MUNICÍPIO ... e [SCom01...] LDA., respetivamente Requerente e Contra-interessada nos presentes autos, vieram declarar que pretendiam pôr termo ao litígio, uma vez que alcançaram acordo.
A Entidade Requerida, notificada da pretensão das demais partes, pronunciou-se pela sua não oposição à extinção da instância conforme requerida pelas partes.
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A Requerente instaurou providência cautelar de suspensão de eficácia do acto da autoria da Directora de Serviços de Desenvolvimento Agroalimentar, Rural e Licenciamento da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro, datado de 02/09/2021, que determinou que a regularização da exploração pecuária da Contra-interessada não carece de deliberação fundamentada de reconhecimento do interesse público municipal, aprazando a conferência decisória para deliberação final sobre o pedido de regularização para o dia 01/10/2021, e de encerramento provisório parcial (em tudo quanto não tem licença de exploração anterior mente concedida) do estabelecimento pecuário da Contra-interessada nos autos, o que faz por apenso a acção administrativa principal de impugnação daquele acto administrativo e de condenação à prática do acto devido.
Resulta do exposto que o objecto do litígio – a declaração de legalidade ou não do acto suspendendo, subjacente ao critério do fumus boni iuris de que depende o decretamento da medida cautelar requerida – não é, assim, disponível, não podendo o Tribunal homologar uma transacção sobre o objecto do litígio, nos termos do artigo 283.º, n.º 2, do CPC.
No entanto, é livre a extinção da instância por acordo das partes para o efeito (artigos 283.º, n.º 1, 285.º, n.º 2, e 286.º, n.º 1, do CPC), pelo que, por força do disposto no artigo 277.º, al. d), do Código de Processo Civil, declaro extinta a instância.
*
Custas nos termos acordados entre as contraentes, uma vez que a responsabilidade por custas está na disponibilidade das partes, e quanto às demais, a cargo da Requerente e da Contrainteressada, uma vez que a extinção da instância é da sua iniciativa e a Entidade Requerida não é parte contratante (tudo nos termos do artigo 537.º do CPC). (…)”.
*
A apelação.
Sobre as questões preliminares suscitadas pela contra-interessada (!) bastam breves palavras.
O recorrente:
- tem legitimidade para o recurso, vencido que ficou em não ser acolhida pretensão na homologação da transacção, e vencido que ficou ao ver a instância extinta que não por aí;
- tem claro interesse no recurso, arredando uma extinção instância que não decorre da homologação e antes procurando reverter em prol dessa homologação; daí retira utilidade; só ela condena e absolve nos termos pretendidos pelo negócio, só (com) ela (se) projecta (essa) autoridade de julgado.
No mais, a evidência do que manda o direito também pouco requer que se diga.
O que primeiro esteia a censura do recorrente não procede.
Aponta para a existência de uma decisão surpresa, em função do prescrito no regime do art. 123.º, n.º 3, do CPTA; mas é temática estranha, que só o recorrente divisa; não há no caso evento que aí ancore ou deva atender, não há por aí questão que participe.
Também não procede a censura que pressupõe confronto para com uma homologação parcial, quando nem sequer homologação recaiu.
Surpreendente que seja o desenlace, não é desta motivação que frutifica crítica.
Antes pelo seguinte.
Se «as partes outorgantes quiseram pôr fim ao processo» também só o quiseram por via da intermediação de uma sentença homologatória; com recolha dos pertinentes efeitos processuais, de extinção do processo com um caso julgado; que não resulta, só por si, do negócio jurídico em que se traduz a transacção; distinguem-se os efeitos de direito substantivo do negócio de autocomposição do litígio e os efeitos processuais da sentença que o homologa.
A Mmª juiz encarou uma «extinção da instância por acordo das partes para o efeito (artigos 283.º, n.º 1, 285.º, n.º 2, e 286.º, n.º 1, do CPC), pelo que, por força do disposto no artigo 277.º, al. d), do Código de Processo Civil, declaro extinta a instância».
Mas “acordo das partes” só há um, o submetido à recusada homologação; na vocação e dependência do encontro de vontades das partes em colocar “termo ao presente litígio, fazendo-o nos seguintes termos”, e não por outro desconhecido acordo; bem que certamente percepcionado consenso num dado sentido, e bem que o processamento dos autos se tenha vindo a estender no tempo, não autoriza desfecho ao arrepio de consistente solução.
Por outro lado.
Percorrendo as indicações normativas com que confortou, e sendo claro que declinou homologar transacção (e também evidente que nada reconduz à figura de uma confissão), a Mmª Juiz terá configurado um “acordo das partes” na base de uma desistência da instância sem oposição.
Mas no sucedido não pode ver-se esse outro fenómeno.
Portanto, o decidido encerra claro erro de julgamento.
Ainda assim, não deriva que o recorrente alcance o fim último prosseguido.
Pelo contrário.
Bem que o recorrente defenda em favor da homologação da transacção uma “disponibilidade” que a decisão recorrida negou e convoque precedente (processo n.º 1038/14.6BEAVR-A, em que, notar-se-á, e desde logo em primeira diferença, a este TCAN se deparou transacção homologada e transitada – cfr. consulta SITAF), o certo é que há primeiro e inultrapassável obstáculo.
Pelo menos para os termos e efeitos em que quer a homologação; e outros não parece querer atingir ou bastar-se; realçando que uma “extinção da instância só foi acordada e pretendida pelas Partes no pressuposto da homologação do acordo submetido ao Tribunal” (cfr. corpo de alegações).
Não pode deixar de se atentar no que prescreve o art.º 288º, n.º 2, do CPC, expressão da relevância substancial do litisconsórcio necessário: «No caso de litisconsórcio necessário, a confissão, a desistência ou a transação de algum dos litisconsortes só produz efeitos quanto a custas, seguindo-se o disposto no nº 2 do artigo 528º»; possa recair homologação, não acarreta uma extinção da instância.
E assim para aqui importa, mesmo que defendendo a interpretação restritiva do preceito, no sentido da sua aplicabilidade apenas quando o litisconsórcio é unitário (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, págs. 153, 164-165 e 174).
Pois, precisamente, aqui é o caso.
Donde, justificando-se revogação do decidido na 1ª instância, como a pede o recorrente, não se segue pretendida homologação.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida.
Custas: pela contra-alegante.
Porto, 07 de Fevereiro de 2025.

Luís Migueis Garcia
Catarina Vasconcelos
Alexandra Alendouro