Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 000819/22.1BELSB |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 02/21/2025 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA |
| Descritores: | PORTARIA N.º 605-B/2021; ATUALIZAÇÃO EXTRAORDINÁRIA DE PREÇO; |
| Sumário: | I – O regime de atualização extraordinária em causa foi estabelecido pelo artigo 74.º da Lei do Orçamento de Estado para 2021 [Lei n.º 75-B/2020], tendo sido posteriormente regulamentado pela Portaria n.º 605-B/2021, constituindo este um regime jurídico especial e autónomo, que visa salvaguardar o equilíbrio económico-financeiro dos contratos públicos face aos impactos decorrentes das sucessivas atualizações da Remuneração Mínima Mensal Garantida [RMMG]. II - Para beneficiar deste regime extraordinário, impõe-se a verificação cumulativa de requisitos temporais e materiais, designadamente, (i) a plurianualidade do contrato; (ii) a preponderância da componente de mão-de-obra indexada à RMMG; (iii) a demonstração de um impacto substancial; e (iv) a demonstração de que tal impacto não está coberto pelos riscos próprios do contrato. III- A existência de uma cláusula no caderno de encargos que prevê uma componente variável para "atualização do salário mínimo nacional" não consubstancia óbice jurídico-formal à operacionalização do mecanismo de atualização extraordinária de preços quando se apure a existência de uma diferença significativa entre o impacto total demonstrado e os montantes efetivamente pagos ao abrigo da componente variável, impondo-se reconhecer o direito à atualização pretendida limitada ao preço remanescente.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
| Decisão: | Conceder parcial provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos: * * I – RELATÓRIO 1. [SCom01...] LDA., Autora nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA instaurados contra o Hospital Dr. ... – ..., vem intentar o presente recurso jurisdicional da sentença promanada nos autos, que julgou a presente ação totalmente improcedente, e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada do pedido. 2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) (a) A Autora demonstrou preencher todos os requisitos previstos pela Portaria n.° 605-B/2021, de 15 de novembro, por forma a lograr a atualização extraordinária do preço do contrato que é objeto dos presentes autos, se não vejamos: (b) O contrato, sobre o qual foi requerida a atualização extraordinária do preço, foi celebrado em data anterior a 1 de janeiro de 2021; (c) A Autora, ora Recorrente, apresentou, no prazo de 30 dias a contar da entrada em vigor da Portaria, requerimento no qual peticionou o reconhecimento de que o preço contratual havia sofrido impactos substanciais decorrentes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 109-A/2020, de 31 de dezembro, e a consequente atualização extraordinária do preço a que se refere a Portaria; (d) A Recorrente fez acompanhar o referido requerimento de um relatório financeiro subscrito pelo seu contabilista certificado, no qual ficou demonstrado que o preço contratual acordado sofreu uma alteração não coberta pelos riscos próprios do contrato e com impacto substancial sobre o seu valor, por força da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 109-A/2020, de 31 de dezembro; (e) Com efeito, demonstrou que a subida da RMMG em 2021 teve um impacto traduzido no aumento mensal de 869,02€ e no aumento anual de 10.428,19€, ao nível dos custos da Recorrente com a execução do presente contrato. (f) A Recorrente demonstrou, pois, no requerimento que apresentou e no respetivo relatório financeiro que o acompanhou, que o aumento da RMMG em 2021 teve um impacto substancial no preço do contrato; (g) Ademais, a Recorrente demonstrou, igualmente, que a subida da RMMG em 2021 e os impactos que a mesma teve no preço do contrato, traduziram uma alteração não coberta pelos riscos próprios do contrato nem que a mesma tenha ocorrido por defeito de previsão do cocontratante; (h) Assim, dúvidas não existirá que a Recorrente demonstrou o preenchimento dos requisitos previstos nos diplomas legais citados; (i) A tese que o doutro tribunal recorrido apresenta para obstar ao deferimento da atualização extraordinária do preço contratual, reside no facto, de resultar provado (ponto 1) do probatório), que o caderno de encargos previu expressamente, na cláusula 7.ª, a necessidade de as propostas apresentarem uma componente variável que apenas seria “utilizada em caso de atualização do salário mínimo nacional e na proporção da atualização verificada, até ao limite previsto no presente contrato, em cada ano económico da sua vigência.”; (j) Mais refere o Tribunal recorrido que “resulta também do probatório que a Autora apresentou uma proposta que integrou, efetivamente, um preço com uma componente fixa e uma componente variável, no montante de € 4.024,96, para o ano de 2020 e de € 4.019,98, para o ano de 2021 – cfr. ponto 2) do probatório” e que “o contrato assinado entre as partes, previu, igualmente, uma componente variável a pagar à Autora, caso a RMMG fosse atualizada – cfr. ponto 3) do probatório”; (k) Logo, conclui a douta sentença recorrida, que se mostra “claro que, no contrato em apreço, foi devidamente acautelado, aquando da definição da relação contratual, uma possível subida da RMMG, prevendo-se que a mesma pudesse ter um impacto no equilíbrio financeiro do contrato e, nessa medida, impunha-se que os concorrentes apresentassem, na sua proposta, a par da componente fixa, uma componente variável de preço” (l) Só que, este entendimento do douto Tribunal revela uma deficiente interpretação, não só da lei, como das próprias peças concursais, se não vejamos: (m) A cláusula 7.ª, número 3, do CE, sob a epígrafe “preço base”, dispõe apenas que “a componente variável apenas será utilizada em caso de atualização do salário mínimo nacional e na proporção da atualização verificada, até ao limite previsto no presente contrato, em cada ano económico da sua vigência; (n) Nem a citada disposição regulamentar nem qualquer uma outra das peças concursais dispõe no sentido de exigir ao concorrente a indicação de uma componente variável de preço, em caso de atualização do salário mínimo nacional, sob pena de tal faculdade não lhe ser acessível na execução do contrato; (o) Isto é: a previsão da cláusula 7.ª, número 3, do CE, dada a sua letra e a sua inserção sistemática (normas sobre o preço-base), não contém qualquer disposição sobre o que deve ou não a proposta prever ou integrar, mas sim uma disposição sobre a potencial decomposição do preço-base do concurso. (p) Caso assim não fosse, ou seja, caso a proposta da Concorrente, ora Recorrente, devesse ter contemplado a referida componente variável, sem o que seria posta em causa ou seria falseada a concorrência (leal) entre os vários concorrentes, segundo entendimento da Entidade Demandada, então deveria a proposta ter sido excluída, de acordo com o disposto no artigo 70.°, número 2, alínea g), ex vi artigo 146.°, número 2, alínea o), todos do CCP, o que não sucedeu; (q) Por seu turno, dispõe o artigo 300.° do CCP: “Sem prejuízo do disposto nos artigos 282.°, 341.° e 382.°, só há lugar à revisão de preços se o contrato o determinar e fixar os respetivos termos, nomeadamente o método de cálculo e a periodicidade”; (r) Ainda que se admita que a cláusula 7.ª, número 3, do CE, contenha uma previsão de revisão de preços, a mesma não tinha de ser contemplada nas propostas dos concorrentes, conforme já se demonstrou, nem se refere a uma atualização extraordinária do preço, mas sim a uma atualização ordinária, enquadrável no âmbito do artigo 300.° do CCP; (s) Como, aliás, demonstra a própria cláusula 7.ª, número 3, do CE, quando limita a componente variável ao teto do preço-base do concurso, demonstrando que se aquela disposição não se reconduz à figura do reequilíbrio financeiro/ atualização extraordinária do preço, figura que, por definição, por ser extraordinária, pode implicar uma atualização do preço para além do montante de preço-base do concurso; (t) Por outro lado, a pretensa recondução da componente variável, prevista na cláusula 7.ª, número 3, do CE, ao conceito de reposição financeira que a Portaria tem em vista, sobrepondo-se aquela a esta segundo o entendimento do douto Tribunal recorrido, e a necessidade de o preço contratual previsto na proposta dos concorrentes incluir essa realidade, viola o disposto 97.°, número 3, do CCP, que claramente estatui que não está incluído no preço contratual o acréscimo de preço a pagar em resultado de reposição de equilíbrio financeiro previsto na lei ou no contrato; (u) Pelo que, entendendo o Tribunal recorrido que a cláusula 7.°, número 3, do CE, se refere a uma atualização extraordinária que, por estar contratualmente prevista, prevalece sobre aquela que se acha prevista na Portaria, não poderia exigir que os concorrentes contemplassem essa realidade no preço que propuseram uma vez que, por imperativo legal contido no artigo 97.°, número 3, do CCP, o preço contratual não inclui o eventual acréscimo de preço que tenha de ser pago a título de reposição financeira do contrato; (v) Assim, assumindo que a componente variável prevista (cf. artigo 7.°, número 3, do CE) se reconduz a uma atualização ordinária do preço, cumpre chamar à colação o artigo 300.° do CCP, que, todavia, começa por ressalvar a aplicação do disposto nos artigos 282.°, 341.° e 382.° do mesmo Código; (w) O artigo 282.° do CCP dispõe que há lugar à reposição do equilíbrio financeiro apenas nos casos especialmente previstos na lei ou, a título excecional, no próprio contrato, pelo que aplicabilidade da reposição do equilíbrio financeiro nos casos especialmente previstos não está dependente da sua previsão ou não no contrato e/ou nas peças concursais; (x) É precisamente no âmbito do artigo 282.° do CCP que se enquadra a Portaria n.° 605-B/2021, de 15 de novembro, e o artigo 74.° da Lei n.° 75-B/2020, de 31 de dezembro: trata-se de uma atualização extraordinária do preço contratual especialmente prevista na lei, no âmbito do regime da reposição do equilíbrio financeiro previsto no artigo 282.° do CCP, que não se confunde nem é afastada pela previsão do artigo 300.° do CCP nem da cláusula 7.ª, número 3, do CE; (y) Com efeito, mediante a Portaria n.° 605-B/2021, de 15 de novembro, e o artigo 74.° da Lei n.° 75-B/2020, de 31 de dezembro, foi intenção do legislador prever um regime excecional de reposição financeiro dos contratos, enquadrado no artigo 282.° do CCP, que não se confunde com a revisão ordinária de preços prevista no artigo 300.° do CCP e na cláusula 7.ª, número 3, do CE, que tem como desiderato obstar ao desequilíbrio substancial de prestações entre as partes, evitando o desvirtuamento do fim socioeconómico que presidiu e determinou a celebração do contrato; (z) Esse regime excecional, enquadrado no artigo 282.°, número 1 do CCP, prevalece sobre este próprio diploma legal e sobre as disposições concursais e contratuais em causa nos presentes autos, não configurando, pois, um diploma legal de natureza supletiva que dependa da discricionariedade concreta da entidade pública, mas tão somente da verificação ou não dos requisitos previstos na Portaria n.° 605-B/2021 que, conforme já se demonstrou, estão preenchidos no caso concreto; (aa) Termos em que, a decisão de indeferimento de atualização extraordinária do preço assenta numa interpretação errónea da Lei e das peças concursais, sendo, por conseguinte, ilegal por violação da Portaria n.° 605-B/2021, de 15 de novembro e do artigo 74.° da Lei n.° 75-B/2020, de 31 de dezembro e, consequentemente, do artigo 282.°, número 1, do CCP, pelo que, a mesma deverá ser substituída por uma nos termos do petitório (…)”. * 3. Notificado que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações, defendendo a improcedência da apelação. * 4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida. * 5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no n.º1 do artigo 146.º do C.P.T.A. * 6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta. * * II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR 7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA. 8. Neste pressuposto, a questão essencial a determinar é a de saber se a sentença promanada nos autos, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente aresto, incorreu em erro de julgamento de direito, por errada interpretação da Portaria n.º 605-B/2021, de 15 de novembro, e do artigo 74.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. 9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar. * * III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 10. O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(...) 1) No âmbito do concurso público para a aquisição de serviços de higiene e limpeza, com fornecimento de consumíveis de casa de banho para os estabelecimentos e serviços do SNS, órgãos e serviços do Ministério da Saúde e outras entidades com atividades específicas da área da saúde, foi aprovado, em 31.10.2019, o Caderno de Encargos, de onde consta, além do mais, o seguinte: “(...) Cláusula 7.ª Preço Base e. Lote 5 — Hospital Dr. ..., IP - Preço base: 237.900.34 € (duzentos e trinta e sete mil, novecentos euros e trinta e quatro cêntimos). 2. A componente de valor fixo corresponde ao serviço de higiene e limpeza a prestar nas entidades adjudicantes supra referidas, no ano 2020 e 2021 (...). 3. A componente variável apenas será utilizada em caso de atualização do salário mínimo nacional e na proporção da atualização verificada, até ao limite previsto no presente contrato, em cada ano económico da sua vigência. 4. Para efeitos do número um da presente cláusula, o preço base é composto da seguinte forma:
Cláusula 8.ª Preço Contratual 2. O preço referido no número anterior inclui todos os custos, encargos e despesas, cuja responsabilidade não esteja expressamente atribuída à entidade adjudicante Cláusula 19.ª Alterações aos contratos (...) 4. A alteração do contrato não pode conduzir à modificação de aspetos essenciais do mesmo, nem constituir uma forma de impedir, restringir ou falsear a concorrência. (...)” – cfr. fls. 58 do SITAF. 2) A Autora apresentou uma proposta para o Lote 5 do concurso destinado à “aquisição de serviços de higiene e limpeza, com fornecimento de consumíveis de casa de banho para os estabelecimentos e serviços do SNS, órgãos e serviços do Ministério da Saúde e outras entidades com atividades específicas da área da saúde” por um preço de 219.894,72 €, integrando uma componente variável no ano de 2020 de 4.024,96 € e no ano de 2021 de 4.019,98 €, tal como do anexo III junto com a proposta da Autora, e que é do seguinte teor: Cláusula 5.ª Preço Contratual a) O preço contratual do presente contrato é estimado no valor de 218.442,27€ (duzentos e dezoito mil quatrocentos e quarenta e dois euros e vinte e sete cêntimos), a que acresce o IVA à taxa em vigor no montante de 50.241,72€ (cinquenta mil duzentos e quarenta e um euros e setenta e dois cêntimos), o que perfaz o valor total de 268.683,99€ (duzentos e sessenta e oito mil, seiscentos e oitenta e três euros e noventa e nove cêntimos). (...) Cláusula 17.ª 1. A alteração dos contratos a celebrar por via do presente procedimento pode ser efetuada por acordo entre as partes, mas não pode conduzir à modificação de aspetos essenciais do mesmo, nem constituir uma forma de impedir, restringir ou falsear a concorrência, nos termos dispostos nos artigos 311.º e seguintes do CCP.Alterações ao contrato (...) 4. A alteração dos contratos não pode conduzir à modificação de aspetos essenciais do mesmo, nem constituir uma forma de impedir, restringir ou falsear a concorrência. (...)” – cfr. fls. 24 do SITAF. 4) Em 23.11.2021, a Autora endereçou à Entidade Demandada, requerimento, sob o assunto “Actualização extraordinária do preço dos contratos de aquisição de serviços de limpeza com duração plurianual”, peticionando a atualização dos valores contratuais para fazer face ao impacto da subida da RMMG decorrente da entrada em vigor do Decreto-lei nº 109-A/2020 de 31 de Dezembro, submetendo relatório financeiro do seguinte teor: 5) Consta, além do mais, da ata da reunião n.º 59 do Conselho Diretivo da Entidade Demandada, dos dias 28. e 31.12.2021, o seguinte: “(...) Ponto SETE: Parecer n.º 16/2021 - Atualização extraordinária de preço do contrato de aquisição de serviços de limpeza plurianuais outorgado com a empresa [SCom01...] Lda. 6) Por carta datada de 06.01.2022, a Entidade Demandada informou a Autora que o pedido de atualização de preço solicitado “foi indeferido pelo Conselho Diretivo, na sua reunião n.º 59, datada de 28 de dezembro. (...)” – cfr. fls. 88 do SITAF. * * IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO 11. A sociedade comercial [SCom01...], Lda. vem interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a ação administrativa intentada contra o Hospital Dr. ... - ..., na qual peticionava [em substância] a anulação da decisão de indeferimento do pedido de atualização extraordinária do preço do contrato de prestação de serviços de limpeza. 12. A resenha processual relevante é a seguinte: 13. A Recorrente celebrou com a Entidade Recorrida, em 24.01.2020, um contrato de aquisição de serviços de higiene e limpeza, com duração plurianual de 2 anos, pelo preço contratual de 218.442,27 €, acrescido de IVA, que incluía uma componente variável de 4.024,96 € para 2020 e 4.019,98 € para 2021. 14. Em 23.11.2021, ao abrigo da Portaria n.º 605-B/2021, a Recorrente solicitou a atualização extraordinária do preço contratual, fundamentando o pedido no impacto substancial decorrente do aumento da RMMG estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2020, demonstrando através de relatório financeiro um impacto mensal de 869,02 € (10.428,19 € anual). 15. O pedido foi indeferido pela Entidade Recorrida com fundamento na existência de uma componente variável prevista na cláusula 7.3 do caderno de encargos destinada a acomodar eventuais aumentos da RMMG. 16. Inconformada com esta decisão, a Autora deduziu a presente ação, o que logrou obter a decisão judicial de improcedência aqui recorrida. 17. Examinando a fundamentação de direito vertida na sentença recorrida, assoma evidente que o juízo de improcedência da presente ação assentou na consideração de que a atualização extraordinária do preço, prevista no artigo 74.º da Lei do Orçamento de Estado para 2021 e regulamentada pela Portaria n.º 605-B/2021, não opera de forma automática, antes dependendo da demonstração inequívoca de que o impacto do aumento do salário mínimo não foi previsto nem constitui risco próprio do contrato. 18. Na fundamentação desta conclusão, considerou o Tribunal que se verificou que o caderno de encargos previu expressamente uma componente variável destinada a acomodar eventuais aumentos do salário mínimo, tendo a Autora não só aceitado tal exigência como apresentado proposta que integrava esta componente, a qual foi depois vertida no contrato celebrado. 19. Constatou-se, assim, no entender do Tribunal, que o risco da atualização do salário mínimo não só era previsível, como foi, efetivamente, previsto e integrado no clausulado contratual. 20. Ponderou ainda o Tribunal que se a componente variável proposta pela autora se revelou insuficiente para cobrir os aumentos verificados do salário mínimo, tal insuficiência constituiu um risco que devia ser por si suportado, não podendo então pretender a sua transferência para a entidade adjudicante através do mecanismo excecional de atualização extraordinária do preço. 21. Com efeito, concluiu o Tribunal que aceitar tal pretensão teria equivalido a premiar a autora por ter apresentado uma componente variável deliberadamente subavaliada, permitindo-lhe assim obter vantagem ilegítima sobre os demais concorrentes que, previsivelmente, teriam sido mais prudentes na estimativa dos aumentos do salário mínimo, em clara violação do princípio da concorrência que devia nortear toda a contratação pública. 22. A Recorrente dissente do assim decidido, fundamentando o presente recurso no seguinte acervo de fundamentos: 23. Primeiramente, sustenta que foram integralmente satisfeitos todos os pressupostos estabelecidos na Portaria n.º 605-B/2021, não subsistindo quaisquer lacunas ou insuficiências no cumprimento das exigências normativas. 24. Em segundo lugar, argumenta que a disposição constante da cláusula 7.3 do caderno de encargos não constitui impedimento à aplicação do mecanismo de revisão extraordinária de preços pretendido. 25. Adicionalmente, defende que a componente variável contemplada no instrumento contratual configura um mecanismo autónomo e ordinário, não se confundindo com o regime de revisão extraordinária ora em apreço. 26. Por fim, aduz que logrou demonstrar cabalmente a existência de um impacto substancial nos custos contratuais, cuja dimensão excede manifestamente o âmbito da matriz de riscos originalmente estabelecida no contrato. 27. Expendidas as reflexões jurídicas pertinentes no quadro argumentativo carreado pela Recorrente aos presentes autos, cumpre, prima facie, antecipar que o presente recurso merecerá provimento - conquanto não na sua integralidade -, fundamentalmente, porquanto a disposição ínsita na cláusula 7.3 do caderno de encargos não consubstancia, in casu, óbice jurídico-formal à operacionalização do mecanismo de revisão extraordinária de preços ora peticionado. 28. Mas vamos por partes. 29. O regime de atualização extraordinária em causa foi estabelecido pelo artigo 74.º da Lei do Orçamento de Estado para 2021 [Lei n.º 75-B/2020], tendo sido posteriormente regulamentado pela Portaria n.º 605-B/2021. 30. Trata-se de um regime especial e autónomo que visa dar resposta aos impactos decorrentes do aumento da Remuneração Mínima Mensal Garantida [RMMG] nos contratos públicos. 31. A ratio legis subjacente a este regime extraordinário prende-se com a necessidade de estabelecer um mecanismo específico de compensação para os cocontratantes em face das sucessivas atualizações da RMMG, reconhecendo o legislador o potencial impacto significativo destas alterações no equilíbrio económico dos contratos em curso. 32. Embora este regime possa partilhar algumas semelhanças conceptuais com o mecanismo de reposição do equilíbrio financeiro, trata-se de um regime especial com pressupostos e requisitos próprios, distintos tanto do regime de reposição do equilíbrio financeiro [artigo 282.º do CCP], como do regime ordinário de revisão de preços [artigo 300.º do CCP]. 33. Assim, para beneficiar deste regime extraordinário, impõe-se a verificação cumulativa de requisitos temporais e materiais, designadamente, (i) a plurianualidade do contrato; (ii) a preponderância da componente de mão-de-obra indexada à RMMG; (iii) a demonstração de um impacto substancial; e (iv) a demonstração de que tal impacto não está coberto pelos riscos próprios do contrato. 34. No caso sub judice, verifica-se o preenchimento inequívoco do requisito temporal, porquanto o contrato foi celebrado em data anterior a 01.01.2021 [cfr. ponto 3) do probatório]. 35. De igual modo, encontra-se demonstrada a preponderância da componente de mão-de-obra, atenta a percentagem de trabalhadores que auferem a RMMG [94%] e a representatividade dos custos com pessoal no valor global do contrato [90%] [cfr. ponto 4) do probatório]. 36. Quanto ao terceiro requisito, prende-se com a demonstração de um impacto substancial decorrente do aumento da RMMG. 37. Este requisito encontra-se documentalmente demonstrado através do relatório financeiro apresentado pela Recorrente que, conforme resulta do ponto 4 dos factos provados, evidencia um aumento mensal de custos de 869,02 €, totalizando um impacto anual de 10.428,19 €. 38. A questão mais complexa, e que constitui o cerne da divergência entre as partes, prende-se com o quarto requisito: a demonstração de que este impacto não está coberto pelos riscos próprios do contrato. 39. É aqui que assume particular relevância a interpretação da cláusula 7.3 do caderno de encargos, que prevê uma componente variável para "atualização do salário mínimo nacional". 40. Esta previsão contratual foi aceite pela Recorrente, que a integrou na sua proposta. 41. De facto, a proposta apresentada prevê, para os anos de 2020 e 2021, componentes variáveis específicas no montante de 4.024,96 € e 4.019,98 €, respetivamente. 42. Estes valores representam a concretização prática do mecanismo contratualmente previsto para acomodação das atualizações do salário mínimo nacional. 43. Todavia, o relatório financeiro apresentado pela Recorrente evidencia que o impacto total decorrente do aumento da RMMG ascende a 10.428,19 € anuais, valor substancialmente superior aos montantes efetivamente pagos ao abrigo da componente variável. 44. Esta disparidade resulta numa diferença não coberta de 6.408,21 €. 45. A existência desta diferença significativa entre o impacto total demonstrado e os montantes efetivamente pagos ao abrigo da componente variável constitui um elemento objetivo que permite aferir que parte do impacto decorrente do aumento da RMMG excedeu o âmbito da previsão contratual estabelecida para a sua acomodação. 46. Assim, não obstante a existência de uma previsão contratual específica para atualização do salário mínimo nacional, a demonstração objetiva de um impacto que excede significativamente os montantes pagos ao abrigo dessa previsão permite concluir pelo preenchimento do quarto requisito estabelecido pela Portaria n.º 605-B/2021, na medida do montante não coberto pela componente variável, ou seja, 6.408,21 €. 47. Em tais termos, é de reconhecer o direito da Recorrente à atualização extraordinária do preço, limitada ao remanescente não coberto pela componente variável, ou seja, ao montante de 6.408,21 €. 48. Mercê do exposto, impõe-se conceder parcial provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a presente parcialmente procedente, anular a decisão impugnada e condenar a Entidade Demandada a proferir nova decisão que reconheça o direito da Recorrente à atualização extraordinária do preço, limitada ao remanescente não coberto pela componente variável, ou seja, ao montante de 6.408,21 €. 49. Ao que se provirá no dispositivo. * * V – DISPOSITIVO Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da C.R.P., em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a presente ação parcialmente procedente e condenar a Entidade Demandada a proferir nova decisão que reconheça o direito da Recorrente à atualização extraordinária do preço, limitada ao remanescente não coberto pela componente variável, ou seja, ao montante de 6.408,21 €. Custas da ação e do recurso pela Autora/Recorrente e Réu/Recorrido, respetivamente, na proporção do respetivo decaimento e vencimento, fixado em 50%. Registe e Notifique-se. * * Porto, 21 de fevereiro de 2025, Ricardo de Oliveira e Sousa Luís Migueis Garcia – em substituição Tiago Afonso Lopes de Miranda |