Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01196/22.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/15/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:COIMA PAGA ANTECIPADAMENTE;
SANÇÃO ACESSÓRIA;
LEI N.º 7/2021, DE 26 DE FEVEREIRO;
Sumário:
I - O pagamento antecipado da coima, de forma voluntária, quando legalmente admitido, determina, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 61.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, a extinção do procedimento por contra-ordenação e, extinto este, carece o arguido de interesse em agir, para efeitos de interposição de recurso judicial da decisão administrativa de aplicação de coima.
II - No entanto, o arguido poderá discutir a legalidade dessa decisão administrativa que o condenou na prática da contra-ordenação, a título incidental, como via de defesa relativamente a sanção acessória que lhe tenha sido aplicada.
III - Se a decisão administrativa que aplicou uma sanção acessória já teve em consideração as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, no Regime Geral das Infracções Tributárias, não deverá determinar-se que a autoridade administrativa reveja ou renove tal decisão em conformidade com essas alterações; acentuando-se que as normas do artigo 28.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, que regulam e indicam as sanções acessórias, não foram objecto de modificação por essa lei nova, inexistindo um novo quadro legal nesta matéria.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira – Alfandega do Aeroporto ... – através da Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal ..., proferida em 27/11/2024, que concedeu provimento ao recurso da decisão de aplicação de coima, anulando a decisão administrativa impugnada e determinando a remessa dos respectivos autos à autoridade administrativa, para que profira nova decisão, ponderando a lei mais favorável, impugnação que foi deduzida por «AA», no âmbito do processo de contra-ordenação n.º ...22, instaurado pelo Serviço da Alfândega do Aeroporto ..., pela prática de contra-ordenação prevista no artigo 3.º, n.º 1 do Regulamento (EU) n.º 2018/1672 e artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 61/2007, de 14 de Março, punida pelo artigo 108.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, tendo sido paga antecipadamente a coima mínima no valor de €1000,00 e aplicada sanção acessória de perda a favor do Estado Português do montante apreendido de €55.000,00.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“I – A sentença recorrida enferma de erro de escrita, porquanto onde se lê, em “V – DECISÃO” a fls. 9 da sentença “Serviço de Finanças”, deverá ler-se “Alfândega do Aeroporto ...”, conforme fls. 1 “I – RELATÓRIO” da sentença, o que deverá ser corrigido pelo Tribunal ad quem;
II – A sentença recorrida enferma de erro de escrita, que decorre da errada numeração da sentença, com omissão do separador III, numeração que deverá ser corrigida pelo Tribunal ad quem;
III – O Tribunal a quo incorreu em vários erros em sede de julgamento da matéria de facto:
IV – A sentença refere que a Representante (sic) da Fazenda Pública, notificada para oferecer prova complementar nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 81º do RGIT, silenciou, expressão da qual se conclui que não respondeu.
V - Há que concluir, pois, que ao afirmar que a Fazenda silenciou, no sentido em que não respondeu, apreciou erradamente a prova oferecida, porquanto,
VI - A Representante da Fazenda Pública (RFP) expediu para o Tribunal, sob o registo CTT ...91..., cujo aviso de receção foi carimbado pelo destinatário TAF em 2023-01-20, um ofício com o número 2023S000012104 sob a epígrafe “NOTIFICAÇÃO NOS TERMOS DO N.º 2 DO ARTIGO 81.º DO RGIT” acompanhado de um requerimento de prova e expediente que corresponde ao Despacho de Nomeação da RFP e a acontecimentos posteriores ao envio da petição de Recurso a Juízo, como seja a entrega do montante até € 10.000,00 solicitada pelo arguido, agora recorrente, por requerimento datado de 2022-07- 22, Despacho de 2022-08-01 que o analisou e termo de entrega do dinheiro que excede a sanção acessória, em 2022-08-08.
VII - Esse documento foi junto aos Autos sob o n.º 791933 em 2023-01-20, e é constituído por dezanove folhas tendo no SITAF o n.º 008309776, de fls. 261 a 279, ao qual o Tribunal a quo deveria ter feito referência.
VIII – Aquando da remessa da petição de Recurso a Juízo, fê-la acompanhar da cópia dos Autos e do Despacho de 2022-05-20 sustentando a Decisão e arrolando testemunhas, que se pode ler em doc SITAF 008119236 fls. 218 a 226, de com documentos anexos e ainda uma “pen drive”, com os elementos de prova produzidos, parte dos quais não passíveis de impressão convencional, como os ficheiros SAFT, ou comunicações de correio eletrónico, ao que o Tribunal a quo deveria ter feito referência.
IX – O Tribunal a quo incorreu em novo erro de julgamento de facto, na medida em que fixou o valor do processo no montante de EUR 65.000,00 por, segundo diz, ser o que corresponde ao valor das coimas e custas.
X - Consta dos Autos em vários documentos e finalmente na Decisão Final em crise que o valor da coima foi EUR 1000,00, acrescido de EUR 38,25 de custas (por exemplo, fls. 49, 59, 65 do doc SITAF 008119236)
XI – Esse valor corresponde ao pagamento antecipado da coima ao qual acresceu metade das custas prováveis nos termos do art. 75.º 1 do RGIT na redação dada pela Lei n.º 7/2021 de 26 de fevereiro (cfr. fls. doc SITAF 008119236, 47 a 59) e facto provado 16. da Decisão Final, em doc SITAF 008119236, fls. 177.
XII - O exercício do direito que a Lei confere ao arguido, de pagar a coima antecipadamente pelo mínimo estando regularizada, na medida do possível, a situação tributária, impede a Administração de fixar uma coima de acordo com o estipulado pelo artigo 27.º do RGIT.
XIII - O valor da coima não vem posto em causa pelo recurso do arguido, que inclusivamente requereu a entrega do dinheiro excedente da sanção acessória, que lhe foi entregue após o pagamento da coima e metade das custas. (doc SITAF 0083097776, fls. 265 e 277).
XIV - O arguido, agora recorrente, circunscreve o seu recurso à aplicação de sanção acessória de EUR 55 000,00, aplicada nos termos do n.º 2 do artigo 28.º do RGIT, efetuada em Decisão Final que não tinha outra finalidade, porquanto a coima já estava paga e não havia que a fixar. (Decisão Final a fls. 184 do doc SITAF 008119236.)
XV - É o que resulta da análise dos Autos e dos documentos, nomeadamente do teor do próprio recurso apresentado: o arguido apenas discute nesta sede a aplicação da sanção acessória de perdimento do dinheiro, sanção acessória que, nos termos do artigo 28.º n.º 2 do RGIT, ascendeu a € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) atenta a parte final da Decisão Final a fls. 184 do doc SITAF 008119236.
XVI -O Recorrente poderá, sim, discutir a legalidade da decisão administrativa que o condenou na prática da contraordenação, a título incidental, e como via de defesa relativamente à sanção acessória a que foi condenado.
XVII - Pagar a coima antecipadamente pelo valor mínimo, como permite atualmente o artigo 75.º 1 do RGIT, tornar-se-ia um expediente fácil de fraude ao escopo da norma legal, garantindo que o pagamento da coima era sempre feito pelo mínimo e depois, se em sede de instrução dos autos para análise da aplicação da sanção acessória ou mesmo em sede de recurso, ficasse garantido o impedimento de fixar a mesma de acordo com o artigo 27.º do RGIT.
XVIII - É o valor atribuído ao recurso pelo arguido, ora recorrente - € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) como vem a fls. 207 do doc SITAF 008119236 e fls. 250 do doc SITAF 008240153, que deveria ter sido fixado pelo Tribunal a quo.
XIX - O Tribunal a quo incorreu em novo erro de julgamento de facto, na medida em que remete para folhas do processo SITAF (173 a 185 e 228) cujo teor dá por integralmente reproduzido, mas não elenca os factos e documentos;
XX – Os factos dados como provados na Decisão Final, de fls. 176 a 178 do doc SITAF 008119236, estão elencados supra (de 1 a 22) em II - 2. a) 3 e respondem à pergunta de quem, como, quando a infração foi praticada, tendo em conta a matéria dada como assente face à análise dos documentos da acusação e da defesa que constam dos autos.
XXI - Os factos dados como provados na Decisão Final de aplicação de sanção acessória, de fls. 176 a 178 do doc SITAF 008119236, estão elencados supra (de 1 a 22) em II - 2. a) 3, respondem igualmente à forma da deteção do dinheiro, à forma como foi apreendido, ao pagamento antecipado da coima e à regularização tributária para fins de análise da culpa do infrator e da existência de dolo na conduta e fundamentação da aplicação de sanção acessória.
XXII - Constando da mesma Decisão (a fls. 173 do doc SITAF 008119236), sem que tenha sido impugnado, a data e a forma da notificação para produzir defesa, o teor da mesma e a numeração oficial da declaração que fora omitida e que tomou o n.º 2022PT0000200003.
XXIII – O Tribunal a quo continua a errar ao dizer que tendo em conta as disposições do Regime Geral das Infrações Tributárias que entraram em vigor no dia 01 de janeiro de 2022, (tal) necessariamente implica uma nova decisão administrativa de aplicação da coima.
XXIV – Da notificação do Despacho de Acusação (a fls. 52 do doc SITAF 008119236) constam os direitos concedidos e o prazo para os exercer de 30 dias seguidos – pagamento antecipado da coima, nos termos do art.º 75.º do RGIT acompanhado da entrega da declaração em falta e requerer a dispensa da coima nos termos do n.º 2 do artigo 29.º, ou pedir a atenuação especial da coima nos termos do artigo 32.º.
XXV - Consta dos Autos, na Decisão Final (2.º parágrafo de fls.184 do doc SITAF 008119236): “A coima foi paga pelo mínimo legal previsto na moldura contraordenacional (€ 1.000,00) nos termos do benefício do pagamento antecipado da coima autorizado pelo artigo 75.º n.º 1 do RGIT na redação dada pela Lei n.º 7/2021 de 26 de fevereiro, pelo que não se procede a fixação de coima, mas tão só à análise dos pressupostos de aplicação da sanção acessória, não havendo lugar à análise da situação económica do arguido, agora recorrente, para efeitos de fixação de coima, nos termos do artigo 27.º do RGIT.”
XXVI – O Tribunal a quo erra igualmente ao considerar que há que apurar, nomeadamente, da regularização da situação tributária, (…) o seu momento temporal, (…)”
XXVII - Consta dos Autos, na Decisão Final (facto provado n.º 17, a fls.177 do doc SITAF 008119236) que o arguido, ora recorrente entregou em 2022-02-10 formulário de declaração de dinheiro líquido preenchida, a qual foi objeto de registo pelo serviço de Sala de Bagagem de AAP tendo tomado o n.º 2022PT0000200003, que o Tribunal a quo deveria ter considerado.
XXVIII - O Tribunal a quo erra ainda ao considerar que a Autoridade Administrativa não teria analisado e avaliado, de acordo com o quadro legal vigente em 8 de fevereiro de 2022, a ocorrência ou não de situações anteriores de aplicações de coimas, atenuação/redução das coimas (verificando da eventual aplicação da contraordenação continuada) e dispensa a verificarem-se os pressupostos legais da sua aplicação.
XXIX – A ocorrência de situações anteriores que obstem à aplicação ao regime estabelecido pela redação da Lei n.º 7/2021 ao n.º 1 do artigo 29.º do RGIT é uma verificação feita pela Administração oficiosamente por consulta à uma aplicação informática SCO instalada centralmente pela Autoridade Tributária e Aduaneira e disponível na intranet mediante acesso justificado, em fase anterior à instauração do processo, tendo a mesma concluído que o ora recorrente havia beneficiado de uma dispensa de coima oficiosa em 2021 (documento junto por responder a questão nova suscitada pela sentença). O Tribunal a quo poderia, caso tivesse essa dúvida, ter solicitado a colaboração da AT para indicar se existem infrações anteriores, o que é usualmente feito.
XXX – A análise da infração como continuada não se coloca por ser a infração de comissão instantânea - a passagem pelo canal verde – nada a declarar (facto provado n.º 4 na Decisão administrativa) a infração de omissão do dever de declaração está consumada. Vejam-se os três últimos parágrafos da Decisão administrativa, na fls. 178 do doc SITAF 008119236, e assim não deveria o Tribunal a quo ter suscitado essa análise que extrapola os factos, pois,
XXXI - A análise da conduta do infrator após a consumação da infração, sendo tido em conta o Auto de Notícia, as declarações dos autuantes e do infrator, todas escalpelizadas na Decisão Final (doc SITAF 008119236 – Decisão Final – Auto de Notícia, a fls. 172, acusação a fls. 173, defesa de fls. 173 a 175, declarações dos autuantes, a fls 175 e 176, e factos provados de fls 176 a 178, apenas releva para aplicação ou não da sanção acessória na comissão dolosa.
XXXII – A atenuação/(…) das coimas (…) e ou mesmo dispensa, e atento o disposto no artigo 32.º 1 do RGIT para a Atenuação e no n.º 2 e 4 do artigo 29.º do RGIT para a Dispensa de coima, têm que ser requeridas pelo arguido, agora recorrente, e ele, para tal notificado, (fls. 52 do doc SITAF 008119236) nada requereu.
XXXIII - Já a redução de coima, é um direito que vem previsto no artigo 30.º do RGIT, expressamente afastado em caso de infração ao dever de declaração de dinheiro líquido à entrada da União, considerada a redação expressa do n.º 9 do artigo 108.º do RGIT conferida pela Lei 7/2021 de 26 de fevereiro, aplicável a infrações cometidas a partir de 1 de janeiro de 2022, como é o caso sub judice.
XXXIV - De tudo o exposto, resulta que a Autoridade Administrativa tramitou todo o processo de acordo com o Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 5 de junho, na redação dada pela Lei n.º 7/2021 de 26 de fevereiro, que entrou em vigor em 2022-01-01, e assim o Tribunal a quo deveria ter considerado.
XXXV – Não o tendo feito, todos estes erros acarretaram que o Tribunal a quo incorreu em erro em sede de julgamento da matéria de Direito, por equacionar que o procedimento tributário que conduziu ao pagamento de coima e custas e à prolação de Decisão Final de aplicação de sanção acessória por infração de Descaminho por violação do dever de declaração de dinheiro líquido em montante igual ou superior a EUR 10 000,00 à entrada da União Europeia, praticada em 8 de fevereiro de 2022, prevista e punida pelo n.º 6, 8 e 9 do artigo 108.º e 2 do artigo 28.º do RGIT, não aplicara a legislação em vigor à data da prática dos factos, o que não é verdade.
XXXVI - Todo o procedimento tributário que nos ocupa, e que desde a deteção da infração até à apresentação do recurso incluiu diversos atos e notificações, obedeceu na íntegra ao Regime Geral das Infrações Tributárias na redação que estava em vigor à data da prática da infração, que foi, como consta dos Autos logo a partir da folha 2 – Auto de Notícia – 8 de fevereiro de 2022, ou seja, com as alterações decorrentes da Lei n.º 7 de 2021, de 26 de fevereiro, aplicáveis na sua totalidade a partir de 1 de janeiro de 2022.
XXXVII - Pelo que ao decidir pela a necessidade de uma nova decisão administrativa que procedesse a nova graduação da coima aplicada em reapreciação para aplicação do novo regime, e que considerou uma questão prévia de conhecimento oficioso, o Tribunal a quo, errou.
XXXVIII – Ao invés, o Tribunal a quo deveria ter analisado os factos e documentos constantes dos autos por não ser devida a prolação de nova Decisão Final.
XXXIX - A sentença do Tribunal a quo ao conceder provimento ao recurso e anular a Decisão administrativa de aplicação de sanção acessória, errou na análise dos factos e na aplicação do Direito.
XL - Por constarem dos Autos as questões suscitadas pelo recurso apresentado pelo arguido, agora recorrente, os factos relevantes constantes da Decisão da Autoridade Administrativa, os documentos que estribam as conclusões e decisão desta e o enquadramento legal que a mesma fez dos factos, cabe ao douto Tribunal ad quem conhecer, em substituição, e a título incidental, as questões suscitadas, e cujo conhecimento foi – erradamente – considerado prejudicado pelo Tribunal a quo [cf. art. 665.º do CPC, aplicável ... ex vi art. 4.º CPP, ex vi art. 41.º RGCO, ex vi art. 3.º/ c) do RGIT].
Junta: 1 documento
Nestes termos e nos melhores de direito, e com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, deve ser revogada a Sentença recorrida que concedeu provimento ao recurso interposto pelo arguido, e mantida a Decisão Final administrativa, com as devidas consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA”
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O Recorrido apresentou resposta ao recurso, tendo concluído o seguinte:
“I. A douta sentença não merece reparo devendo a decisão da Alfândega do Aeroporto ... ser revista à luz da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro.
II. Caso assim não se entenda, e uma vez que a decisão ora em crise não se pronunciou de mérito deve a mesma ser declarada nula e ser determinada a baixa do processo ao tribunal recorrido, para prosseguir os seus termos subsequentes.
III. À cautela, porém, se esse Venerando Tribunal entender que o processo contém os elementos necessários, deverá apreciar os fundamentos invocados no recurso primitivo e, assim, apelam à douta apreciação de V. Exas do recurso interposto, cujas conclusões se deixaram supra transcritas.
Termos em que, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de Vossas Excelências:
a) deve o presente recurso ser o recurso julgado improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida,
Caso assim se não entenda, e subsidiariamente,
b) entendendo-se que faltam elementos de facto indispensáveis à apreciação das questões suscitadas em sede de ampliação do âmbito do recurso, requer-se a V. Exas que seja ordenada a baixa dos autos à 1.ª Instância, a fim de ser decidido o mérito do recurso primitivo, ou, em alternativa,
c) deve ser ordenada a ampliação do âmbito do recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 636.º do CPC, de modo a que seja apreciada a matéria de facto e de direito que foi tempestivamente objeto de recurso de apelação por parte do Recorrido para o Tribunal Administrativo e Fiscal ..., e que apenas não foi apreciado por ter ficado prejudicada pela anulação da decisão da A.A.P., assim se fazendo J U S T I Ç A!”
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Também o Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal ... respondeu, formulando as seguintes conclusões:
“1-º Quanto ao alegado erro em sede de julgamento da matéria de facto, efectivamente a Mª Juiz a quo, não considerou nenhum facto com relevância e interesse para a decisão da causa, não obstante ter feito a seguinte menção: “Assente que se mostra a factualidade com interesse para a decisão da causa cumpre, conhecer e decidir de meritis. Nos termos do artigo 608º, n.º 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2º, alínea e) do Código de Procedimento e Processo Tributário, compete ao Tribunal o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo da lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras.”
2º- Quanto aos alegados erros de escrita, subescreve-se, neste segmento o mencionado pela Recorrente, que ora se transcreve:
“II - 1 - Erros de escrita – II - 1.1. Há a realçar o erro de escrita na fls. 9 da sentença, que ressalta da concatenação (dos autos e) do escrito pelo Tribunal em I – Relatório e V - Decisão, que deverá ser corrigido pelo douto Tribunal ad quem: - Onde se lê, em “V – DECISÃO” a fls. 9 da sentença “Serviço de Finanças”; - Deverá ler-se “Alfândega do Aeroporto ...”, conforme fls. 1 “I – RELATÓRIO” da sentença. II - 1.2. Constata-se, igualmente, a errada numeração da sentença, com omissão do separador III: A sentença vem composta de I – RELATÓRIO, a fls. 1, é seguido de II – SANEAMENTO PROCESSUAL, a fls. 2, e de IV. FUNDAMENTAÇÃO, também a fls. 2 e finalmente V – DECISÃO, a fls. 9, numeração que deverá ser corrigida pelo douto Tribunal ad quem. II - 2. a) Erro em sede de julgamento da matéria de facto II - 2. a) 1. 1 – Erro em I – Relatório Vem escrito no último parágrafo da folha 1 da sentença, em I – RELATÓRIO: “Foi notificado o Representante (sic) da Fazenda Pública para oferecer prova complementar nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 81º do Regime Geral das Infrações Tributárias, tendo este silenciado.” 2 - “Tendo este silenciado” é salvo melhor opinião, expressão da qual se conclui que não respondeu. 3 - Salvo o devido respeito, que é muito, a Representante da Fazenda Pública (RFP) não “silenciou”. 4 - A RFP, expediu para o Tribunal, sob o registo CTT ...91..., cujo aviso de receção foi carimbado pelo destinatário TAF em 2023-01-20, um ofício com o número 2023S000012104 sob a epígrafe “NOTIFICAÇÃO NOS TERMOS DO N.º 2 DO ARTIGO 81.º DO RGIT” onde informa que “Considerando a notificação com a referência 008298523, de 2023-01-11, solicito a V.ª Ex.ª o favor de promover a junção aos autos do Requerimento, documentos e Despacho juntos” 5 - Esse documento foi junto aos Autos nesse mesmo dia sob o n.º 791933, e é constituído por dezanove folhas tendo no SITAF o n.º 008309776, de fls. 261 a 279. 6 - É composto, além do ofício já citado, - Por um requerimento de prova (Doc SITAF 008309776, fls. 262/263) onde o RFP reitera tudo o que alegou, na Decisão Final e bem assim aquando do envio da petição de Recurso a Juízo, (petição que fora acompanhada da cópia dos Autos e do Despacho de 2022-05- 20 sustentando a Decisão que se pode ler em doc SITAF 008119236 fls. 218 a 226, com documentos anexos e ainda uma “pen drive”, com os elementos de prova produzidos, parte dos quais não passíveis de impressão convencional, como os ficheiros SAFT, ou correio eletrónico). No requerimento de prova o RFP reitera igualmente a indicação de prova testemunhal já anteriormente arrolada. - Por expediente de fls. 214 a 224 dos autos administrativos (Doc SITAF 008309776, fls. 264/279), que correspondem ao Despacho de Nomeação da RFP e a acontecimentos posteriores ao envio da petição de Recurso a Juízo (a entrega do montante até € 10.000,00 solicitada pelo arguido, agora recorrente, por requerimento datado de 2022-07-22, Despacho de 2022-08-01 que o analisou e termo de entrega do dinheiro que excede a sanção acessória, em 2022-08-08, este último em Doc SITAF 008309776, fls. 277). 7 - Ora, estes serão documentos cuja análise crítica o Tribunal a quo afirma, na sentença, ter feito. 8 - Há que concluir, pois, que ao afirmar que a Fazenda silenciou, apreciou erradamente a prova oferecida”.
3º - Quanto ao alegado erro no valor atribuído ao recurso, considerando que o arguido, circunscreve o seu recurso à aplicação da sanção acessória de perdimento do dinheiro, deverá ser esse o valor atribuído ao recurso, que no caso dos autos é de € 55.000,00 e não de €65 000,00 atenta a parte final da decisão, nos termos do n.º 2 do artigo 28.º do RGIT, cfr. Fls. 184, 207 e 250, sitaf. É de facto o que resulta da análise dos autos e dos documentos, nomeadamente do teor do próprio recurso apresentado: o arguido, agora recorrente, apenas discute nesta sede a aplicação da sanção acessória de perdimento do dinheiro, sanção acessória que, nos termos do artigo 28.º n.º 2 do RGIT, ascendeu a € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) atenta a parte final da Decisão Final a fls. 184 do doc SITAF 008119236.
4º- Quanto aos demais erros de julgamento da matéria de facto, a decisão final, afirma efectivamente que o Tribunal a quo analisou criticamente os documentos e informações oficiais integrantes do processo não impugnados. Contudo limitou-se a remeter para folhas do processo SITAF (173 a 185 e 228). Deveria dar especificadamente como provados factos que resultam de documentos não impugnados, porquanto além da fórmula genérica citada, não existe qualquer ulterior referência aos ditos documentos e informações oficiais do processo.
Assim, temos com as mesmas referências de páginas da Decisão Final (que não coincidem com a sua apresentação no SITAF onde os factos considerados provados estão plasmados de fls. 176 a 178 do doc SITAF 008119236): (…) E ainda, constando da mesma Decisão (a fls. 173 do doc SITAF 008119236), sem que tenha sido impugnado (…) Como diz a Recorrente, entre o mais: “Acaso o Tribunal a quo tivesse elencado todos os factos, teria imediatamente concluído algo de grande importância: UM – A data da prática da infração foi 8 de fevereiro de 2022 pelas 07H45 horas. DOIS – A infração consubstanciou-se na omissão de declaração à Alfândega, à entrada da União Europeia, de um montante de dinheiro líquido superior a € 10.000,00 (dez mil euros). TRÊS – Após a notificação da acusação, o arguido, agora recorrente, pagou antecipadamente a coima pelo mínimo e entregou a declaração de dinheiro líquido em falta. O Tribunal a quo teria igualmente assente melhor a análise crítica dos documentos e informações oficiais concluindo de forma diversa do que fez, ao ler atentamente a notificação do Despacho de Acusação (a fls. 52 do doc SITAF 008119236) que reza (…)”
5º- Do alegado erro de julgamento da matéria de Direito
Tendo em consideração as alterações levadas a cabo pelos artigos 6.º e 7.º da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, designadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do RGIT, assim como o aditamento ao mesmo regime, nomeadamente, dos artigos 28.º-A e 32.º-A (com entrada em vigor a 1 de janeiro de 2022, nos termos do artigo 17.º, n.º 5 da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro), há que ponderar a necessidade de aplicação da lei mais favorável, face ao disposto no artigo 29.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, artigo 2.º, n.º 4 do Código Penal e artigo 3.º, n.º 2 do Ilícito de mera ordenação social, circunstância esta que é de conhecimento oficioso (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 01-03-2023, processo n.º 0640/21.4BEAVR e de 07-02-2024, processo n.º 0298/20.8BELRA, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt)
6º- Assim, face ao regime em vigor impõe-se necessariamente a graduação das coimas aplicadas, que tenham agora em conta as disposições do RGIT, o que necessariamente implica que na decisão administrativa de aplicação da coima, nomeadamente com cumprimento da imposição imposta pelo artigo 28º-A e verificação de determinados condicionalismos, havendo, que apurar, da regularização da situação tributária, o seu momento temporal, não ocorrência ou não de situações anteriores de aplicações de coimas para aferir da reincidência e, perante tais elementos, proceder à atenuação/redução das coimas e ou mesmo dispensa a verificarem-se os pressupostos legais da sua aplicação, o que implica uma aplicação do novo regime.
7º- Uma vez que, à data da prática da infração e subsequente decisão de aplicação da coima, as várias alterações ao RGIT já se encontravam em vigor, a decisão administrativa não se confrontou com qualquer questão de aplicação da lei no tempo, não fazendo sentido que tal questão seja suscitada na decisão judicial.
8º- Realce-se que a Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, entrou em vigor em 01-01- 2022, antes de proferida a decisão administrativa recorrida, e antes da prática dos factos, deu nova redacção a normas importantes, como as dos art.ºs 28.º-A, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 32.º-A, 70.º, 75.º, 79.º, 80.º, 83.º e 84.º do RGIT.
9º- Da leitura conjugada dos preceitos legais acabados de transcrever, e reportando-nos ao caso sub judice, temos que a Mmª Juíz a quo considerou que na decisão administrativa, não foi apurado a regularização da situação tributária, o seu momento temporal, a não ocorrência ou não de situações anteriores de aplicações de coimas para aferir da reincidência e, perante tais elementos, proceder à atenuação/redução das coimas (verificando da eventual aplicação da contraordenação continuada) e ou mesmo dispensa o que necessariamente implicava uma nova decisão administrativa de aplicação da coima a verificarem-se os pressupostos legais da sua aplicação, o que implica uma reapreciação para aplicação do novo regime.
10º- Não se poderá concordar com tal asserção. De facto, da decisão administrativa consta efectivamente a regularização da situação tributária e o seu momento temporal, cfr. Factos 16 e 17 da decisão administrativa.
11º- Quanto à averiguação dos pressupostos legais da aplicação da alegada reincidência (ocorrência ou não de situações anteriores de aplicações de coimas/ atenuação/redução das coimas e eventual aplicação da contraordenação continuada e ou mesmo dispensa) não se mostra necessária tal ponderação nem nova decisão administrativa para aplicação do novo regime, uma vez que o que está em causa nos autos é apenas a sanção acessória que lhe foi aplicada nos termos do disposto no n.º 2 do art. 28º do RGIT que dispõe o seguinte: “Sempre que a infracção prevista no n.º 6 do art.º 108º seja cometida a título de dolo e o montante de dinheiro liquido objecto da referida infração seja de valor superior a €10 000,00 é decretada, a título de sanção acessória, a perda do montante total que exceda aquele quantitativo”.
12º- Os antecedentes criminais/ registos de contra-ordenações anteriores só relevam para aplicação para a coima e não para a sanção acessória, que é única e que no caso versado corresponde à declaração de perdimento do montante total que exceda o quantitativo de dez mil euros.
Ter ou não ter antecedentes criminais/registos de contra-ordenações anteriores, nestes autos, qualquer relevância, por não haver graduação possível destas sanções acessórias, cuja aplicação depende apenas do carácter doloso da infração. Não tendo qualquer relevância os antecedentes criminais para a fixação da sanção acessória, como resulta do citado art.º 28 n.º 2 do RGIT.
13º- Mostrar-se-á inútil a averiguação da ocorrência ou não de situações anteriores de aplicação de contra-ordenações
14º- Pelas razões expostas, a decisão administrativa sindicada nos presentes autos, é de manter, desde logo, porque não deverá haver lugar à graduação da sanção acessória aplicada, nem ter de atender aos novos regimes de redução, dispensa e atenuação da pena.
15º- Por outro lado ainda, a decisão de aplicação da sanção acessória que está na origem dos presentes autos como, aliás, a decisão recorrida, foi tomada em momento posterior ao da entrada em vigor da nova Lei (01.01.2022), repercutindo-se inelutavelmente nela, como supra demonstrado, pelo que não se mostrava necessário a baixa dos autos, à Autoridade Administrativa para que esta tenha a oportunidade de a rever ou renovar, em conformidade com o novo quadro legal, uma vez que não é isso que está em causa.
16º- De tal resulta que, a Mº Juiz a quo mal andou em conhecer do objecto do presente recurso nos termos expostos, afigurando-se-nos, assim, que houve efectivamente as alegadas omissões que configuram as nulidades previstas nas disposições conjugadas nos artigos 379.º n.º 1 do CPP ex vi artigo 74.º n.º 4 do RGCO e artigo 3.º alínea b) do RGIT.
Termos em que Vossas Excelências Venerandos Desembargadores apreciando e deferindo os alegados erros de facto e deferindo o peticionado erro na aplicação de direito pelo Recorrente, concedendo totalmente provimento ao recurso farão dessa forma a sã e habitual Justiça!”
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Tendo os autos sido remetidos ao Ministério Público, nos termos das disposições conjugadas da alínea b) do artigo 3.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), do artigo 74.º, n.º 4 do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) e do n.º 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal (CPP), o digníssimo Magistrado junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.
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Dispensam-se os vistos nos termos das disposições conjugadas dos artigos 418.º, 419.º e 4.º do Código de Processo Penal e, supletivamente, do artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil ex vi alínea b) do artigo 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e n.º 4 do artigo 74.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, sendo o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

O presente recurso segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam do Regime Geral das Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS); pelo que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões [cfr. artigo 412.°, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP) ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGIMOS], excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso.
Assim, será ponderada a aplicabilidade a este procedimento de contra-ordenação da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01/01/2022, e se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao determinar a reponderação pela autoridade administrativa da decisão sancionatória impugnada, tendo em conta a lei mais favorável.
Previamente, será apreciado o valor fixado à causa, uma vez que o mesmo se mostra impugnado no presente recurso jurisdicional.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

No despacho prolatado em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“A) Em 25/03/2022, por despacho do Diretor da Alfândega do Aeroporto, foi aplicada ao arguido sanção acessória de perda a favor do Estado Português do montante que exceda EUR 10.000,00, no âmbito do processo n.º ...22, pela prática de contraordenação prevista no artigo 3.º, n.º 1 do Regulamento (EU) n.º 2018/1672 e artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 61/2007, de 14 de março punida pelo artigo 108.º do Regime Geral das Infrações Tributárias - (Cfr. fls. 173/185 do processo SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
B) Notificado da decisão referida em A), o Recorrente apresentou, em 04/05/2022, via postal, o presente recurso judicial- (Cfr. fls. 228 do processo SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

Factos não provados
Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para a decisão.
Motivação de facto
A convicção deste Tribunal assentou na análise crítica dos documentos e informações oficiais integrantes do processo não impugnados, conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório.”
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2. O Direito

Defende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro, na medida em que fixou o valor do processo no montante de €65.000,00 por, segundo afirma, ser o que corresponde ao valor das coimas e custas:
Fixa-se o valor do processo no montante de €65.000,00, por ser o que corresponde ao valor das coimas e custas (…)”
Com efeito, normalmente, o valor da causa, no âmbito de processos contraordenacionais, é determinado pelo valor da coima fixada e que se mostra impugnada.
Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta e, portanto, aos seus termos.
Não relevando o que é possível discutir, mas apenas o que a parte quis impugnar e o respectivo pedido.
Relativamente ao alegado erro no valor atribuído ao recurso da decisão administrativa sancionatória, o digníssimo Magistrado do Ministério Público junto do tribunal “a quo”, acompanhando o teor do presente recurso jurisdicional, pugnou da seguinte forma: “(…) considerando que o arguido, circunscreve o seu recurso à aplicação da sanção acessória de perdimento do dinheiro, deverá ser esse o valor atribuído ao recurso, que no caso dos autos é de € 55.000,00 e não de €65 000,00 atenta a parte final da decisão, nos termos do n.º 2 do artigo 28.º do RGIT, cfr. Fls. 184, 207 e 250, sitaf. É de facto o que resulta da análise dos autos e dos documentos, nomeadamente do teor do próprio recurso apresentado: o arguido, agora recorrente, apenas discute nesta sede a aplicação da sanção acessória de perdimento do dinheiro, sanção acessória que, nos termos do artigo 28.º n.º 2 do RGIT, ascendeu a € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) atenta a parte final da Decisão Final a fls. 184 do doc SITAF 008119236. (…)”
Porém, compulsando o teor da petição inicial do recurso apresentado da Decisão Final, resulta notório o inconformismo do arguido não só com a sanção acessória, mas também com a coima, como resulta dos seus artigos 2.º, 3.º e 69.º:
“(…) Condenando o arguido em coima pelo mínimo legal (já paga) e uma sanção acessória de perda a favor do Estado Português do montante que exceda os €10.000,00 em cumprimento do preceituado no n.º 2 do art. 28.º do RGIT.
Contudo, o arguido não concorda com a decisão final, e por conseguinte não se conforma com a coima nem com a aplicação da respetiva sanção acessória de perda a favor do Estado Português do montante que exceda os €10.000,00. (…)
Dúvidas não restam que o Arguido deve ser absolvido e deve-lhe ser entregue todo o montante da coima e dinheiro apreendido! (…)”
Nesta conformidade, verificamos a impugnação da decisão que aplicou sanção acessória. Mas, na petição do recurso pede-se a devolução de €55.000,00, bem como a restituição do valor da coima.
Consta dos autos, em vários documentos e na Decisão Final em crise, que o valor da coima foi €1000,00, acrescido de €38,25 de custas.
Esse valor corresponde ao pagamento antecipado da coima, ao qual acresceu metade das custas processuais prováveis, nos termos do artigo 75.º, n.º 1 do RGIT, na redacção dada pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro.
Portanto, não observamos propriamente a fixação de coima na decisão impugnada, mas a redução da coima para um valor igual ao mínimo legal, por força da disponibilidade do arguido para o pagamento antecipado da coima.
É verdade que o valor da coima não vem colocado em causa no recurso do arguido, mas não deixa de solicitar a devolução do montante da coima (que pagou) – cfr. artigo 69.º da petição inicial: “(…) deve-lhe ser entregue o montante da coima (…)”.
Nestes termos, o valor contestado no recurso judicial é o correspondente ao da coima (€1.000,00) e da sanção acessória (€55.000,00), dado serem esses valores que se pretendem ver anulados e devolvidos.
Logo, substitui-se o valor da causa, fixando-se, então, em €56.000,00 (cinquenta e seis mil euros).

De todo o modo, é importante deixar a seguinte nota, que vai ao encontro da argumentação da Recorrente:
O arguido não pode impugnar a coima, por já a ter pago, ainda que antecipadamente pelo valor mínimo legal.
Estando reunidos os requisitos de aplicação do regime de pagamento antecipado da coima previsto no artigo 75.º do RGIT (que não se mostram questionados nos autos), a aplicação do mesmo tem por consequência a declaração de extinção do procedimento contra-ordenacional e o arquivamento dos autos, que não a anulação da decisão de aplicação de coima, contrariamente ao solicitado pelo arguido - cfr. artigos 61.º, alínea c), e 77.º, do RGIT; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, in Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.438; João Ricardo Catarino e Nuno Victorino, in Direito Sancionatório Tributário, Anotações ao Regime Geral, Almedina, 2020, pág.524.
Com efeito, o pagamento voluntário da coima, quando legalmente admitido, determina, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 61.º do RGIT, a extinção do procedimento por contra-ordenação e, extinto este, carece o arguido de interesse em agir, para efeitos de interposição de recurso (judicial) da decisão administrativa de aplicação de coima – cfr. Acórdão do STA, de 09/06/2021, proferido no âmbito do processo n.º 030/20.6BEBJA.
No entanto, atento o teor da decisão final administrativa sancionatória, o arguido poderá discutir a legalidade dessa decisão administrativa que o condenou na prática da contra-ordenação, a título incidental, como via de defesa relativamente à sanção acessória que lhe foi aplicada (condenando-o à perda do dinheiro que não declarou superior a €10.000,00).
Nesta conformidade, o arguido já não verá ser-lhe entregue o montante mínimo da coima que pagou antecipadamente, ao contrário do que seria a sua pretensão nos presentes autos; resumindo-se a prossecução dos mesmos e da presente análise recursiva relativamente à sanção acessória, dado que na decisão final impugnada se considerou provado o dolo do agente, determinando a perda a favor do Estado Português do montante de €55.000,00, pois, dos €65.000,00 não declarados, corresponde à parte que excede €10.000,00, em cumprimento do disposto no artigo 28.º, n.º 2 do RGIT.

O despacho recorrido julgou o recurso judicial procedente, anulando a decisão administrativa impugnada e determinando a remessa dos respetivos autos à autoridade administrativa, para que profira nova decisão.
Para assim julgar, motivou da seguinte forma: “(…) impõe-se proceder a questão prévia e de conhecimento oficioso supra referida e determinar a baixa dos autos e respetivos apensos à autoridade administrativa para que esta proceda a nova graduação da coima aplicada, tendo em conta as disposições do Regime Geral das Infrações Tributárias que entraram em vigor no dia 01 de janeiro de 2022, o que necessariamente implica uma nova decisão administrativa de aplicação da coima, havendo que apurar, nomeadamente, da regularização da situação tributária, o seu momento temporal, não ocorrência ou não de situações anteriores de aplicações de coimas para aferir da reincidência e, perante tais elementos, proceder à atenuação/redução das coimas (verificando da eventual aplicação da contraordenação continuada) e ou mesmo dispensa a verificarem-se os pressupostos legais da sua aplicação, o que implica uma reapreciação para aplicação do novo regime. (…)”
A decisão recorrida refere-se à aplicabilidade a este procedimento de contra-ordenação da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01/01/2022, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e aditando o artigo 28º-A ao mesmo diploma, sendo ostensivo que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao determinar a reponderação da decisão sancionatória pela autoridade administrativa, tendo em conta a lei mais favorável.
Uma vez que, à data da prática da infracção e da subsequente decisão impugnada, as várias alterações ao RGIT já se encontravam em vigor, a decisão administrativa não se confrontou com qualquer questão de aplicação da lei no tempo, não fazendo sentido que tal questão seja suscitada na decisão judicial.
Salientamos que a Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, entrou em vigor em 01/01/2022, antes de proferida a decisão administrativa recorrida e previamente à prática dos factos, dando nova redacção a normas como as dos artigos 28.º-A, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 32.º-A, 70.º, 75.º, 79.º, 80.º, 83.º e 84.º do RGIT.
A decisão da matéria de facto apresenta-se muito deficitária e insuficiente, nem sequer dando conta do momento em que foi praticada a infracção pelo arguido, somente se referindo à decisão final impugnada nos autos: Em 25/03/2022, por despacho do Diretor da Alfândega do Aeroporto, foi aplicada ao arguido sanção acessória de perda a favor do Estado Português do montante que exceda EUR 10.000,00, no âmbito do processo n.º ...22, pela prática de contraordenação prevista no artigo 3.º, n.º 1 do Regulamento (EU) n.º 2018/1672 e artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 61/2007, de 14 de março punida pelo artigo 108.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.
Ora, compulsando o teor da decisão final impugnada, facilmente se constata que a autoridade administrativa já teve em consideração a redacção dada pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, às normas do RGIT aplicáveis, pelo que se apresenta destituído de sentido determinar que essa autoridade repondere o acto tendo em vista a lei mais favorável.
Efectivamente, na fundamentação da decisão final pode ler-se que a coima foi paga pelo mínimo legal de €1000,00 nos termos do benefício do pagamento antecipado da coima autorizado pelo artigo 75.º, n.º 1 do RGIT, na redacção dada pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, pelo que não se procede à fixação da coima, mas tão só à análise dos pressupostos de aplicação da sanção acessória, não havendo lugar à análise da situação económica do arguido para efeitos de fixação de coima, nos termos do artigo 27.º do RGIT. Relativamente à sanção acessória, uma vez que ficou provado o dolo, determinou-se a perda a favor do Estado Português no montante que exceda €10.000,00, em cumprimento do preceituado no n.º 2 do artigo 28.º do RGIT.
Portanto, por um lado, como vimos supra, já não é possível discutir a legalidade da própria coima, uma vez que esta foi paga antecipadamente, de forma voluntária, pelo mínimo legal, não havendo que a graduar ou determinar a medida concreta da coima (sendo que o pagamento antecipado foi realizado nos termos do artigo 75.º, n.º 1 do RGIT, na redacção dada pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro), e, por outro lado, a norma aplicada, prevista no artigo 28.º do RGIT, referente às sanções acessórias, não foi alterada pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, aliás, já não é modificada desde a Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, permanecendo, o n.º 2 do artigo 28.º, com a seguinte redacção:
Sempre que a infração prevista no n.º 6 do artigo 108.º seja cometida a título de dolo e o montante de dinheiro líquido objeto da referida infração seja de valor superior a (euro) 10 000, é decretada, a título de sanção acessória, a perda do montante total que exceda aquele quantitativo.
Atendendo a estas duas ordens de razões, não vislumbramos qualquer utilidade na remessa do procedimento contraordenacional à autoridade administrativa, tanto mais que é destituído de sentido reponderar o que já foi ponderado à luz da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, pois que já foi aplicada esta lei nova, como ressalta da decisão impugnada, ao referir-se ao artigo 75.º do RGIT; constituindo, ainda, um erro de julgamento determinar a remessa do processo à autoridade administrativa para que esta reveja ou renove tal decisão em conformidade com as alterações em vigor, introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, se as normas do artigo 28.º do RGIT, que regulam e indicam as sanções acessórias, não foram objecto de modificação por essa lei nova, inexistindo um novo quadro legal nesta matéria.
Nesta conformidade, a decisão recorrida não pode manter-se no ordenamento jurídico.
Apesar de todos os erros de escrita imputados à decisão recorrida pela Recorrente se verificarem, é despiciendo debruçarmo-nos, em concreto, sobre cada um deles, uma vez que a decisão recorrida será eliminada, no seu todo, como veremos e determinaremos no dispositivo.
Na verdade, como já sinalizámos supra, a decisão da matéria de facto é de tal forma parca que não permite ponderar os fundamentos do recurso judicial aventados pelo arguido.
Este, na petição inicial, pretende demonstrar a relação dos €65.000,00 em dinheiro, que transportava e não declarou, com a actividade comercial desenvolvida, no Brasil, pela empresa, de que é sócio gerente. Apresentando facturas que justificariam transacções num correspondente montante. No fundo, o arguido pretende nesta acção demonstrar o nexo de causalidade entre o dinheiro e a empresa, que acabou por ser afastado na decisão administrativa impugnada, devido a discrepâncias nos valores, nas menções a pronto pagamento ou a crédito, verificação de facturas pagas e outras não pelos mesmos clientes, tentando desmontar as insuficiências detectadas pela AT e pretendendo fazer a respectiva prova do total nexo de causalidade com o negócio da empresa.
Num segundo momento, o arguido, na petição de recurso, foca-se na abordagem da culpa, dado que a decisão administrativa impugnada o considerou conhecedor da lei, concluindo ter tido intenção de não declarar o dinheiro na Alfândega do Aeroporto .... Mais uma vez, a factualidade invocada destina-se a desmontar que o dinheiro estivesse dissimulado em várias divisórias internas da mochila que transportava ou que estivesse propositadamente escondido, contra-argumentando que o dinheiro, em várias notas, não cabia num único compartimento. Pretendendo, ainda, provar que foi inconscientemente que negou, por diversas vezes, que tivesse mais dinheiro além do que foi sendo encontrado, estando na sua mira demonstrar que foi muito cooperante, face ao tom julgador do inspector tributário, alegando cansaço, “estupidez” revelada na sua atitude e que ia depositar os €65.000,00 no banco, sendo pertencentes à empresa que identifica.
Tudo se resume ao propósito de revelar que não está preenchido o requisito do dolo previsto no artigo 28.º, n.º 3 do RGIT, dado que a decisão administrativa impugnada parte do pressuposto de que o arguido sabia da obrigação de declarar o dinheiro e, por isso, mentiu às autoridades alfandegárias. Porém, defende que a prova de que o arguido agiu com dolo se apresenta meramente subjectiva e opinativa, baseada nas percepções dos inspectores; que agora pretende produzir prova e explicar as razões para a sua reacção perante as autoridades.
Ora, todos os intervenientes processuais ofereceram meios probatórios, como se pode observar através da acusação deduzida pelo Ministério Público, que indicou duas testemunhas, o arguido arrolou cinco testemunhas e a AT, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 81.º, n.º 2 do RGIT, ofereceu vários elementos complementares de prova, documentos, duas testemunhas e uma pendrive contendo mensagens entre a AT e o arguido e fotos da sala de desembarque do Aeroporto ....
O tribunal recorrido, equacionando a decisão que acabou por proferir e que implicou julgar prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no recurso judicial, propôs ao arguido decidir por simples despacho, nos termos do artigo 64.º, n.º 2 do RGIMOS.
Todavia, perante a abundante prova sugerida por todos os intervenientes processuais, julgamos prudente que seja produzida em sede de audiência contraditória, para que todos tenham oportunidade de produzir prova e contra-prova da factualidade inerente à infracção em apreço (com vista a aferir da legalidade da aplicação da sanção acessória), mostrando-se, portanto, ajustado que o caso seja decidido mediante audiência de julgamento, principalmente por a norma aplicada exigir a prática da infracção com dolo por parte do agente – cfr. artigo 28.º, n.º 2 do RGIT – sendo importante não perder de vista os fins que a mesma visa proteger.
Por tudo o exposto, com especial importância para a falta de julgamento da matéria de facto, haverá que anular a decisão recorrida e devolver o processo ao tribunal recorrido, para permitir a produção de prova em sede de audiência contraditória e proferir nova decisão acerca do recurso judicial, se a tal nada mais obstar – cfr. artigo 75.º, n.º 2, alínea b) do RGIMOS.

Conclusões/Sumário

I - O pagamento antecipado da coima, de forma voluntária, quando legalmente admitido, determina, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 61.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, a extinção do procedimento por contra-ordenação e, extinto este, carece o arguido de interesse em agir, para efeitos de interposição de recurso judicial da decisão administrativa de aplicação de coima.
II - No entanto, o arguido poderá discutir a legalidade dessa decisão administrativa que o condenou na prática da contra-ordenação, a título incidental, como via de defesa relativamente a sanção acessória que lhe tenha sido aplicada.
III - Se a decisão administrativa que aplicou uma sanção acessória já teve em consideração as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, no Regime Geral das Infracções Tributárias, não deverá determinar-se que a autoridade administrativa reveja ou renove tal decisão em conformidade com essas alterações; acentuando-se que as normas do artigo 28.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, que regulam e indicam as sanções acessórias, não foram objecto de modificação por essa lei nova, inexistindo um novo quadro legal nesta matéria.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso jurisdicional, anular a sentença recorrida e determinar a devolução do processo ao tribunal recorrido, para os fins indicados supra, se a tal nada mais obstar.
Altera-se, ainda, o valor da causa, fixando-se em €56.000,00 (cinquenta e seis mil euros).

Não se condena em custas, por, nesta fase processual, inexistir norma que o determine – cfr. artigo 66.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e 94.º, n.º 3 e n.º 4 do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social.

Porto, 15 de Maio de 2025

Ana Patrocínio
Cláudia Almeida
Vítor Salazar Unas