Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00448/20.4BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:PAULA MOURA TEIXEIRA
Descritores:FATURAS FALSAS; IVA;
ÓNUS DA PROVA; INDÍCIOS DE FATURAÇÃO FALSA;
ERRÓNEA QUANTIFICAÇÃO ;
Sumário:
I. Com efeito, nos termos do n.º1 do art.º 74.º da LGT é à Administração que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua atuação, e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos.

II. Da interpretação conjunta dos art.º 74.º da LGT e do art.º 240.º e 241.º do Código Civil, administração tributária não precisa de demonstrar acordo simulatório ou falsidade das faturas bastando-lhe evidenciar, indícios sérios, objetivos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada, de que as faturas não titularem operações reais.

III. Tendo a Administração Tributária carreado para o procedimento de inspeção que as referidas faturas não correspondiam a verdadeiras operações (ou que correspondiam a operações simuladas) recaia sobre a impugnante/Recorrida o ónus de provar que, apesar dos indícios recolhidos quanto à simulação das operações, as faturas titulavam efetivas e reais operações.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, [SCom01...] LDA., NIPC ...58, melhor identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente ao ano de 2016, acrescidas de juros compensatórios no valor total de € 478 580,37.

A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
1) Falta de pronuncia sobre as alegações finais produzidas pela recorrente nos termos do artigo 120° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
2) O Juiz do Tribunal a quo deve conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, sob pena de, não o fazendo, a Sentença ficar ferida de nulidade (artigo 125° do C.P.P.T. e 660°, n° 2 e 645°, n° 1, alínea d) do C.P.C.).
3) O Juiz do Tribunal a quo considerou como provados os factos constantes no Ponto 1) a 52) da Matéria de facto dada como provada, páginas 3 a 65 da Douta Sentença recorrida, considerando no Ponto 45 como verdadeiro tudo o que vem alegado no Relatório Final da Inspeção Tributária, fazendo mesmo um "copy past" do Relatório da Inspeção Tributária, sendo certo que a Autoridade Tributária e Aduaneira é parte neste processo e ainda parte contrária à Impugnante, aqui recorrente.
4) Mais, no Relatório Final da Autoridade Tributária e Aduaneira elaborado à Impugnante, apenas constam "partes" dos alegados Relatórios elaborados aos referidos fornecedores, contudo tais documentos, ou seja, os Relatórios dos emitentes em causa não foram juntos ao Relatório Final da Impugnante, nem ao Processo Administrativo (PA), pelo que nada do que consta dos mesmos pode servir de prova para o que quer que seja, pois consubstanciam prova inexistente nestes autos e que não foi valorada como prova em Audiência de Julgamento.
5) Pelo que, o Tribunal a quo não poderia ter considerado provado os Pontos 1 a 52 da Fundamentação Fáctica, páginas 3 a 65 da Douta Sentença recorrida, fazendo um "copy past ", no Ponto 45, das páginas do Relatório da Inspeção Tributária, que por seu turno, alegadamente fez cópia de "partes" dos Relatórios que terão sido elaborados aos emitentes.
6) Contudo, tais alegados Relatórios dos emitentes não constam destes autos.
7) Por outro lado, como demonstram os autos, não existe qualquer omissão ao volume de negócios declarado com referência ao exercício de 2016, ou seja, a Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou que a contabilidade da Impugnante reflectiu o resultado efetivamente obtido em relação aos proveitos/vendas no ano de 2016, no valor de 1.927.008,45 €.
8) Pelo que, para a Impugnante, aqui recorrente, ter um resultado obtido em relação aos proveitos/vendas no ano de 2016, no valor de 1.927.008,45 €, necessariamente teve de comprar mercadoria e nos valores constantes das faturas dos seus fornecedores, pois não pode vender, sem comprar mercadoria.
9) Ora, a Inspeção Tributária nenhuma correção fez às vendas declaradas pela impugnante, aqui recorrente, aceitando as mesmas como verdadeiras, pois tributou tais vendas e nenhuma correção fez em termos de IRC.
10) Nesta conformidade, o Juiz do Tribunal a quo não se pronuncia sobre este facto, ou seja, como é possível a Impugnante, aqui recorrente, vender quase 2 milhões de cortiça e rolhas a clientes, se as suas compras de cortiça e rolhas não são verdadeiras ???!!!

11) E quanto a esta questão não há qualquer pronuncia por parte do Juiz do Tribunal a quo, constituindo falta de pronuncia sobre as alegações finais produzidas pela recorrente nos termos do artigo 120° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
12) Mais, a Inspeção Tributária nenhuma diligência fez para apurar a verdade e no decorrer do procedimento administrativo de inspeção não fez qualquer inspeção à actividade económica e produtiva da impugnante, aqui recorrente. Até porque, quando iniciou o procedimento administrativo inspetivo em 14 de Junho de 2019, a Impugnante já tinha cessado a sua atividade em 17-10-2016 (Facto 1 dado como provado na Douta Sentença de que se recorre), ou seja, há mais de 3 anos.
13) No caso sub judice, a Autoridade Tributária e Aduaneira não demonstra a falta de correspondência entre o teor da declaração Modelo 22 suportada com base na contabilidade e a realidade económica, uma vez que a Inspeção Tributária não procedeu à inventariação das existências com referência ao ano de 2016, tendo aceite como correto o valor das vendas.
14) Pelo que, é evidente que no caso sub judice a Autoridade Tributária e Aduaneira não cumpriu o seu ónus probatório imposto por lei, e o Juiz do Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, pois a prova documental existente nos autos comprova a existência de relações comerciais entre a Impugnante e os seus fornecedores, não tendo sido ilidida a presunção de verdade da contabilidade, pelo que a decisão do Juiz do Tribunal a quo só podia ter sido de anulação das liquidações adicionais de IVA impugnadas.
15) A Impugnante, aqui recorrente fez prova do pagamento através da documentação que consta dos autos (faturas, cheques, transferências bancárias, recibos), documentos estes que não foram impugnados, e portanto, fazem prova plena das referidas transações entre os fornecedores e a Impugnante, aqui recorrente. (Ponto 14, 15 e 16 da matéria dada como provada na Douta Sentença de que se recorre). Pelo que, deveria ter sido dada como matéria provada na Douta Sentença que as faturas correspondem a verdadeiras transações.
16) Mais, o facto do Ponto 16 da matéria dada como provada na Douta Sentença de que se recorre se referir que alguns dos recibos têm data de emissão anterior às datas dos cheques, tem uma razão muito simples, são cheques pré-datados, e que passam no dia da emissão do recibo para a posse do fornecedor, sendo um comportamento padrão neste ramo de actividade.
17) Reitera-se, as aquisições de bens tituladas pelas faturas em causa foram relevadas na contabilidade da impugnante, estão corretamente documentadas e pagas e gozam da presunção de verdade, pelo que deveriam ter sido consideradas provadas pelo Juiz do Tribunal a quo, pois resultam notoriamente provados pela prova documental exaustiva junta aos autos pela própria Inspeção Tributária no Relatório Final e seus Anexos.
18) A realidade económica é que para vender, a impugnante, aqui recorrente, teve que comprar, pelo que as faturas aqui em causa titulam verdadeiras transações comerciais e os documentos de suporte a essas transações não foram impugnados nestes autos e constam dos Anexos ao Relatório, sendo que tais documentos comprovam que as faturas em causa foram pagas aqueles fornecedores que estão em causa nos autos, por cheque ou transferência bancária (Ponto 14, 15 e 16 da matéria dada como provada na Douta Sentença de que se recorre).
19) Assim, a Douta Sentença do Tribunal a quo é contraditória entre os fundamentos e a decisão.
20) O Juiz do Tribunal a quo refere que os indícios de simulação reportam-se a elementos recolhidos quer aos emitentes das faturas, quer diretamente à Impugnante. E a recorrente questiona: Que elementos são esses recolhidos, quer aos referidos emitentes das faturas, quer diretamente à Impugnante ???!!!
21) É que, no que respeita à Impugnante, nenhuma análise foi feita aos registos contabilísticos e respetivos documentos de suporte, mormente à estrutura de vendas e compras, nenhuma irregularidade, indício ou prova foi recolhida pela Autoridade Tributária e Aduaneira que demonstrasse que aquelas transações tituladas em cada uma das faturas em causa, não ocorreram.
22) E não se diga que a Impugnante, aqui recorrente, não exibiu a contabilidade, pois a própria Inspeção Tributária estava na posse desses elementos que apreendeu junto do Contabilista Certificado da empresa Impugnante, aqui recorrente.
23) A Autoridade Tributária e Aduaneira limita-se vagamente a lançar na generalidade, sem qualquer fundamento, que os alegados elementos recolhidos são índices, todavia não concretiza nenhum, em nenhuma fatura aqui em causa.
24) Portanto, no caso sub judice, não há qualquer fundamento de facto e de direito expressos pela Autoridade Tributária e Aduaneira que sustentem ou sejam suficientes para sustentar a emissão dos actos de Liquidação impugnados.
25) Mais resulta dos autos que a empresa Impugnante e as empresas fornecedoras aqui em causa estavam a laborar no sector da Cortiça em 2016 e é do conhecimento comum e geral no sector da cortiça que para um fornecedor de cortiça que seja comerciante, para ele transacionar cortiça ou rolhas não é necessário ter uma estrutura empresarial, nem capacidade produtiva, pois apenas comercializa, poderá apenas precisar de alugar um camião ou carrinha e ir buscar as rolhas ás fábricas ou a cortiça de mato às herdades, carregando os fardos de cortiça que se encontram nos terrenos a céu aberto nas herdades diretamente para as fábricas compradoras da matéria prima ou descarregam os fardos de cortiça nas caldeiras que cozem a cortiça e que servem muitas vezes de estaleiro da mesma.
26) Assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira não cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia no sentido da fundamentação substancial do acto que a lei exige para legitimar a correcção da matéria tributável declarada, correcção essa que se afigura, assim, desconforme com a lei.
27) Pelo que, o Juiz do Tribunal "a quo" nunca poderia concluir no caso sub judice que a administração tributária valorou os indícios de simulação resultantes do cruzamento de elementos recolhidos da própria Impugnante e dos sujeitos passivos emitentes das faturas em causa.
28) Pois, na realidade, não houve "cruzamento de elementos recolhidos" relativamente a cada uma das concretas faturas aqui em causa.
29) E, quanto aos fornecedores em causa, o Juiz do Tribunal a quo baseou a sua convicção em documentos inexistentes nos autos, ou seja, considerou provado o Ponto 45 da matéria dada como provada (Factos provados), fazendo um copy past do Relatório Final da Impugnante, aqui recorrente, cujo o conteúdo são determinadas "partes" de alegados Relatórios dos emitentes, que foram usados pela parte em "partes" pelo Senhor Inspector Tributário no Relatório Final da Impugnante.
30) E, salvo o devido respeito, sendo aberrante em termos jurídicos e uma afronta aos mais elementares princípios de direito, o Juiz do Tribunal a que, na mais completa violação do Princípio da Igualdade consignado no artigo 55° da Lei Geral Tributária, ainda baseou a sua convicção nas "partes" dos Relatórios dos emitentes escolhidas arbitrariamente pelo Senhor Inspector Tributário, ou seja, nas "partes" da parte neste processo, considerando tudo verdadeiro, sem sequer conhecer os referidos documentos, Relatórios, na integra e sem que os mesmos tivessem sido anexados como prova aos presentes autos, constituindo prova materialmente inexistente.
31) Ora, a Impugnante, aqui recorrente, não pode conformar-se com o entendimento constante da Douta Sentença recorrida, pois possuindo os Relatórios dos emitentes das faturas aqui em causa a natureza de informações oficiais (artigo 111° do Código de Procedimento e de Processo Tributário), por virtude do princípio da igualdade e do contraditório tinham de ter sido notificados do seu teor integral à impugnante, aqui recorrente, por imperativo do nº 3 do artigo 115° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
32) No caso sub judice, a Autoridade Tributária e Aduaneira é contraditória, pois aceita as vendas e não quer aceitar os custos. Sendo certo que, a Autoridade Tributária e Aduaneira não demonstra, nem faz qualquer prova, que aquelas concretas faturas em causa não correspondem a verdadeiras aquisições de mercadoria. Pelo que, no caso sub judice, não foi abalada a presunção de verdade de que goza a contabilidade da impugnante, aqui recorrente, nos termos do artigo 75° da Lei Geral Tributária.
33) Mais, no caso sub judice era fundamental apurar e verificar se nos Relatórios dos emitentes das faturas em causa, aquelas faturas terão ou não sido consideradas como proveitos/vendas, uma vez que na sede do utilizador foram consideradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira como reputadas de falsas.
34) Daí ser essencial à Impugnante, aqui recorrente, exercer o seu contraditório relativamente aos Relatórios Finais dos emitentes, afim de analisar um todo e não "partes" escolhidas arbitrariamente pela Inspeção Tributária, não conhecendo a Impugnante, aqui recorrente, o seu conteúdo integral e se a própria inspeção tributária aceitou aquelas faturas como verdadeiras vendas/proveitos na esfera do emitente.
35) A Douta Sentença recorrida ao julgar improcedente a impugnação judicial, com base no ónus da prova, sem que tenha ordenado à Fazenda Pública a junção aos autos dos Relatórios da Inspeção Tributária alegadamente realizados a estes emitentes cias faturas em causa, afronta, clamorosamente, o princípio do inquisitório pleno, enquanto princípio estruturante do processo judiciário tributário.
36) A Douta Sentença recorrida afrontou ainda, o princípio da Igualdade processual previsto no artigo 98° da Lei Geral Tributária, ao dar como provado "cegamente" tudo o que consta do Relatório Final da Inspeção Tributária e não ordenar a junção aos autos dos Relatórios de Inspeção Tributária relativos aos emitentes das faturas postas em causa, na mais completa violação do artigo 98° da Lei Geral Tributária, constituindo tal facto preterição de formalidade legal essencial e vício de violação de lei, e isto, porque as partes dispõem no processo tributário de iguais faculdades e meios de defesa, pois nos termos do n° 2 do artigo 20° da Constituição da Republica Portuguesa, todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas.
37) Pelo que, o Tribunal deve assegurar, ao longo do processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente, no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de comunicações, e isto, por força da alínea d) do artigo 2° da Lei Geral Tributária, o que não ocorreu no caso sub judice.
38) Assim, não tendo sido concretamente impugnados os documentos constantes da contabilidade da impugnante, aqui recorrente, e, consequentemente, não tendo sido ilidida a presunção de verdade dos elementos constantes da contabilidade da Impugnante, não se compreende que o Juiz do Tribunal "a quo" não tenha anulado as liquidações adicionais.
39) Ora, a verdade é que, a decisão recorrida viola o disposto no artigo 100° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, porque compete à Autoridade Tributária e Aduaneira e não ao contribuinte, tal como entende o Tribunal a quo, demonstrar a existência do facto tributário, bem como a quantificação.
40) Ora, é o próprio Juiz do Tribunal a quo nos Pontos 14 e 15 da matéria provada da Douta Sentença que confirma que as aquisições estão devidamente documentadas e formalmente corroboradas nas transferências bancárias e pagamentos mediante cheques.
41) Pelo que, a prova de que as faturas em causa são verdadeiras já estava junta aos autos, não faria sentido a Impugnante juntar cópias das faturas, recibos, comprovativos de pagamento (cheques e transferências bancárias), extratos de contas correntes, documentos de transporte, extratos de bancários, quando esses documentos comprovativos das transações tituladas nas faturas já estavam juntos aos autos e no Procedimento Administrativo.
42) Pelo que, a impugnante, aqui recorrente, ao contrário do que é dito na Douta Sentença recorrida, fez prova da veracidade das faturas, através dos documentos cheques e transferências bancárias, anexos ao Relatório, e que fazem parte integrante dos elementos constantes da sua contabilidade, pelo que não tendo sido tais documentos impugnados por ninguém, fazem prova plena da veracidade das transações.
43) Pelo que, incorreu em erro o Juiz do Tribunal a quo ao dar como provado as conclusões não fundamentadas do Senhor Inspector Tributário no Relatório Final da Inspeção Tributária, dando como provado tudo o que consta do referido Relatório, incluindo as referências a ações inspectivas realizadas aos emitentes, cujos Relatórios a que faz referência não constam destes autos, nem tão pouco o seu teor integral, sendo prova inexistente nestes autos.
44) Assim, é notório que as correções efetuadas em sede de IVA, com referência ao exercício de 2016, constituem um acto ilegal, abusivo e desproporcional por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, na mais completa violação do artigo 266°, n° 2 da Constituição da Republica Portuguesa e ainda artigo 19°, n° 2 do Código do IVA.
45) Acresce que, no caso de "correções técnicas", a Autoridade Tributária e Aduaneira está vinculada à lei, por imposição do Princípio da Legalidade previsto no artigo 55° da Lei Geral Tributária e artigo 266°, n° 2, da Constituição da Republica Portuguesa, e, por isso, esta há-de ser para a Autoridade Tributária e Aduaneira, o parâmetro e o cânone que preside à tributação.
46) Sendo, pois, ilegítimas e infundadas as correções efetuadas em sede de IVA para os exercício de 2016, devendo as liquidações impugnadas, por ilegais, serem anuladas.
47) É que face ao Princípio da Legalidade consagrado no artigo 55° da Lei Geral Tributária e artigo 266°, n° 2 da Constituição da Republica Portuguesa, não existe hoje qualquer apoio numa alegada presunção de legalidade do acto tributário para fazer recair sobre o contribuinte o ónus da prova da ilegalidade do acto tributário.
48) Pelo que, a alegada suspeição de faturação falsa lançada sobre os emitentes pelo Senhor Inspector Tributário no Relatório Final da impugnante, carece totalmente de fundamentação, pois não basta alegar e lançar suspeições sobre os emitentes, é necessário fazer prova concreta de que aquelas concretas faturas em causa e em particular, não são verdadeiras. O que não resulta minimamente do Relatório da Inspeção Tributária que subjaz às correções aqui em causa, nem da Douta Sentença de que se recorre.
49) Parece, aliás, que no caso sub judice a fiscalização pretendeu apenas pôr em causa a credibilidade dos emitentes (por estarem envolvidos em processos crimes conexos com faturação falsa) mas, como referia o Prof. Saldanha Sanches (in "A Quantificação da Obrigação Tributária", p. 361) a ausência de credibilidade subjectiva dos sujeitos não constitui fundamento da avaliação administrativa. Até, porque, se o perfil fiscal do sujeito passivo pudesse, em si mesmo, fundamentar as correções, isso implicaria que a presunção do artigo 75° da Lei Geral Tributária só valeria para os sujeitos passivos que nunca tivessem tido algum litígio com a administração tributária, o que não tem respaldo no texto da lei (Neste sentido, Acórdão do TCAN de 30/09/2014, Processo 313/06.8BEPNF).
50) "Na verdade, a circunstância de esta sociedade estar referenciada noutra ação de inspeção como emitente de faturas falsas não significa que as operações tituladas pelas faturas aqui em causa não correspondam a operações reais. É que um determinado sujeito passivo pode estar referenciado como emitente de faturas falsas e efectivamente emitir faturas que não têm subjacente qualquer operação económica e, simultaneamente, dedicar-se à actividade económica para que está colectado, prestando os correspondentes serviços ou fornecimentos. O que está em causa não é saber se essa sociedade emitiu ou não faturas que não correspondem a operações reais, mas sim saber se as operações que constam das faturas aqui em causa, reportadas ao ano de 2003, correspondem ou não a operações reais " (in, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em Porto, 7 de Novembro de 2019, no Recurso interposto no Processo de Impugnação N° 807/08.0BEVIS, página 19 do Acórdão).
51) Por último, revelam os autos que existe Errónea quantificação das liquidações adicionais de IVA 2016, pois ao contrário do defendido pela Fazenda Publica de que se trata de "acertos" nas Declarações periódicas de IVA, tal não corresponde à verdade, nem o Juiz do Tribunal a quo devia ter dado razão à "explicação" dada pela Fazenda Publica.
52) Pois, no caso sub judice a errónea quantificação é notória e aberrante!
53) Com efeito, comparando os valores das liquidações adicionais de NA, ano 2016, emitidas pela Autoridade Tributária - área da cobrança - Imposto sobre o Valor Acrescentado, a saber:
Liquidação nº ...33, 06-03-2020, Período 201603T, Valor 144.076.62 €
Liquidação nº ...44, 06-03-2020, Período 201606T, Valor 180.074,42 €
Liquidação nº ...48, 06-03-2020, Período 201609T, Valor 100.372,33 €
_____________________________________________________________________________
Total Liquidações Adicionais de IVA: 424.523,37 €
com os valores constantes da página 1 do Relatório Final, verifica-se que os valores constantes das liquidações emitidas no valor global de 424.523,37 €, não estão emitidas de acordo com os valores constantes do Relatório Final, ou seja, com o valor do IVA alegadamente em falta no valor de 378.707,00 £.
54) Com efeito, comparando os valores emitidos com os valores que constam do Relatório Final, verifica-se que, efectivamente, as liquidações adicionais de IVA, emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira - Área da Cobrança, relativas aos períodos 2016-03T, 2016-06T e 2016-09T estão inquinadas de Erro de quantificação.
55) Sendo que, com referência ao período 2016-09T foram liquidados a mais 62.478,57 € e emitida Liquidação adicional no valor de 100.372,33 €, em notório prejuízo da Impugnante, aqui recorrente.
56) E, também as liquidações dos juros compensatórios, a saber:
Liquidação nº ...33, 06-03-2020, Período 201603T, Valor 21.489,12 €
Liquidação nº ...44, 06-03-2020, Período 201606T, Valor 25.042,67 €
Liquidação nº ...48, 06-03-2020, Período 201609T, Valor 7.725,21 €
______________________________
Total Juros: 54.057,00 €
______________________________

57) Estão notoriamente errados na sua quantificação, sendo um autêntico absurdo a Autoridade Tributária e Aduaneira calcular juros referentes a liquidações adicionais de IVA 2016 totalmente erradas, de onde resulta erradamente o montante excessivo e abusivo de juros no valor de 54.057,00 € (Juros usurários!!!).
58) Assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira - Área da Cobrança, ao emitir as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios com base em valores que não foram relevados no Relatório Final da Inspeção Tributária, consubstancia um erro grave e falta de fundamentação das Liquidações impugnadas.
59) Da referida comparação de valores, resulta notório que a Autoridade Tributária e Aduaneira, com referência aos períodos 2016-03T, 2016-06T e 2016-09T, não seguiu o critério de liquidar, apenas e só, o IVA mencionado nas faturas reputadas por si de falsas.
60) Pelo que, existindo erro de quantificação, só per si, deverão ser anuladas todas as liquidações adicionais de IVA aqui impugnadas referentes ao ano 2016, assim como as liquidações adicionais de juros compensatórios, por violação do artigo 100°, n° 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com base em erro de quantificação nos valores constantes das liquidações de IVA.
61) Foram violados os artigos 55°, 58°, 77°, n° 1 e 2, artigo 45°, n° 1 e 98° e 99° da Lei Geral Tributária, 13°, 45°, n° 1, 98°, n° 1, alínea b), 115°, n° 3 e 125° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e ainda artigos 13°, 20°, 103°, 266°, n° 2 e 268º, n° 3 da Constituição da Republica Portuguesa.

Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V.Exas., deverá o presente Recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, se revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegal as liquidações adicionais de IVA, ano de 2016, objecto dos autos, a bem da JUSTIÇA..(…)”

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF, dispensa-se os vistos do Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, com o seu consentimento, submetendo-se à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se a sentença recorrida incorreu em: (i) Nulidade, por omissão de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão; (ii) em erro de julgamento de direito e facto ao considerar que a Administração Fiscal recolheu indícios credíveis e suficientes para sustentar a não dedução do IVA.; (iii) erro na quantificação da matéria tributável; (iv) e erro na quantificação das liquidações de IVA e juros face aos valores apurados no Relatório de inspeção.

3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)
1. Entre 04.01.2016 e 17.10.2016, a Impugnante esteve registada para o exercício da atividade de comércio por grosso de cortiça, com o CAE 46213, tendo por objeto social o comércio por grosso de cortiça em bruto e fabricação de rolhas de cortiça;
2. Nesse período de atividade, a Impugnante esteve enquadrada, em sede de IRC, no regime geral e, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral;
3. A Impugnante teve o capital social inicial de € 5.000,00, sendo € 250,00 detidos por «AA» e € 4.750,00 por «BB»;
4. Durante todo o período de atividade, a Impugnante teve como gerente «BB» e como contabilista certificado «CC»;
5. A Impugnante não tinha instalações próprias nem declarou o pagamento de rendas, tendo declarado como sede fiscal, no início da atividade, a Rua ..., em ..., que corresponde a um armazém de pequenas dimensões e, posteriormente, a Rua ..., também em ...;
6. Em 03.10.2016, no âmbito do processo de inquérito n.º...3/16.1IDAVR, as instalações da Impugnante, situadas na Rua ..., em ..., foram objeto de buscas, durante as quais foram identificadas as seguintes existências em armazém: 150 quilogramas de apara broca; 55 quilogramas de apara especial; quatro fardos de cortiça 10x12; 12 redes com bocados de cortiça; 38 redes, cada uma com 5.500 rolhas de calibre 12x21; 23 sacos, cada um com 15.000 rolhas de calibre 12x21; 100 milheiros de rolhas de calibre 12x21;
7. Durante as mesmas buscas, foi identificado o seguinte equipamento em armazém: um empilhador; duas rabaneadeiras; quatro brocas semiautomáticas, estando uma delas desativada; duas brocas a pedal; uma lixadeira; uma máquina de escolher rolhas; um elevador; uma máquina de contar rolhas e um tapete;
8. A Impugnante declarou gastos com pessoal relacionados com vencimentos de quatro funcionários, com as seguintes funções e remunerações: «AA», broquista com o vencimento médio de € 265,00, referente a 90 horas mensais; «DD», broquista com o vencimento médio de € 265,00, referente a 90 horas mensais; «EE», com a função de manobra e o vencimento médio de € 530,00; e «FF», broquista com o vencimento médio de € 265,00, referente a 90 horas mensais;
9. No ano de 2016, a Impugnante contabilizou faturas timbradas em nome das sociedades [SCom02...] Lda, [SCom03...] Lda e [SCom04...] Unipessoal Lda no valor total de € 1.686.867,23, acrescido de IVA no valor de € 383.942,03, assim discriminadas:
a. no primeiro trimestre, € 685.722,40, acrescido de IVA no total de € 157.716,20, sendo € 131.826,95 da [SCom03...] Lda e € 553.895,45 da [SCom04...] Unipessoal Lda;
b. no segundo trimestre, € 818.835,08, acrescido de IVA no valor de € 188.332,07, sendo € 22.761,00 da [SCom02...] Lda, € 3.900,00 da [SCom03...] Lda e € 792.174,08 da [SCom04...] Unipessoal Lda;
c. no terceiro trimestre, € 182.309,75, acrescida de IVA no valor de € 37.893,76, sendo € 7.824,00 da [SCom03...] Lda e € 174.485,75 da [SCom04...] Unipessoal Lda;
10. As faturas indicadas no ponto anterior mencionam os seguintes valores e quantidades totais, discriminados por tipo de mercadoria:
a. Cortiça: 1.020 fardos, no valor global de € 335.332,00, 61 paletes, no valor global de € 225.900,00, e 171.430 quilogramas, no valor global de € 333.466,18;
b. Rolhas: 17.783,80 milheiros, no valor global de € 615.251,10;
c. Apara: 299.019 quilogramas, no valor global de € 176.917,95;
11. No ano de 2016, com base nas faturas timbradas em nome das sociedades [SCom03...] Lda e [SCom04...] Unipessoal Lda, a Impugnante contabilizou compras de apara, cortiça e rolhas, nos seguintes valores:
a. da [SCom04...] Unipessoal Lda, o total € 1.520.555,28, sendo € 140.497,20 de apara, € 840.211,98 de cortiça e € 539.846,10 de rolhas;
b. [SCom03...] Lda, o total de € 143.550,95, sendo € 36.420,75 de apara, € 31.725,20 de cortiça e € 75.405,00 de rolhas;
12. Nas faturas e nos documentos de transporte emitidos pelas sociedades [SCom02...] Lda, [SCom03...] Lda e [SCom04...] Unipessoal Lda e dirigidas à Impugnante, é sempre mencionado como local de descarga da mercadoria as instalações da Impugnante situadas na Rua ..., em ... – cfr. faturas e guias de remessa, de fls. 269 a 547 e 550 a 591;
13. A Impugnante era titular de três contas bancárias, sedeadas no Banco 1..., no Banco 2... e no Banco 3..., as quais podiam ser movimentadas por «BB» – cfr. documentos bancários, a fls. 190, 192, 193, 195, 197 e 199;
14. Nas três contas bancárias da Impugnante foram efetuados movimentos a crédito, correspondentes a pagamentos de clientes realizados sob a forma de depósitos bancários ou de transferências bancárias, e movimentos a débito, correspondentes a transferências para contas bancárias das sociedades [SCom03...] Lda e [SCom04...] Unipessoal Lda e cujo valor global representa a maior parte do valor total das faturas emitidas por estas sociedades para a Impugnante;
15. A Impugnante também realizou pagamentos às sociedades [SCom03...] Lda e [SCom04...] Unipessoal Lda através de cheques bancários, a maior parte dos quais de valor inferior aos das respetivas faturas;
16. Os recibos emitidos pelas sociedades [SCom03...] Lda e [SCom04...] Unipessoal Lda para a Impugnante têm valor correspondente ao valor total da respetiva fatura e a maior parte dos mesmos tem data de emissão anterior às datas em que a Impugnante emitiu os correspondentes cheques ou transferências bancárias, mencionados nos dois pontos anteriores;
17. No ano de 2016, a Impugnante emitiu faturas referentes a vendas de cortiça, rolhas e apara, no valor total de € 1.919.549,11, acrescido de IVA no valor total de € 435.843,79, assim discriminadas:
a. Cortiça: 746 fardos, no valor global de € 308.475,00, 83 paletes, no valor global de € 400.890,00, e 145.963 quilogramas, no valor global de € 247.528,10;
b. Rolhas: 20.250,30 milheiros, no valor global de € 737.693,78;
c. Apara: 316.202 quilogramas, no valor global de € 224.962,23;
18. As faturas mencionadas no ponto anterior, totalizam os seguintes valores, por período:
a. No primeiro trimestre: € 627.022,10, acrescido de IVA no valor de € 144.215,09;
b. No segundo trimestre: € 807.804,00, acrescido de IVA no valor de € 185.794,92;
c. No terceiro trimestre: € 460.977,51, acrescido de IVA no valor de € 100.372,33;
d. No quarto trimestre: € 23.745,50, acrescido de IVA no valor de € 5.461,45;
19. As referidas faturas emitidas pela Impugnante totalizam os seguintes valores líquidos, discriminados por destinatário:
a. [SCom05...] Lda: € 1.219.125,00;
b. [SCom06...] Unipessoal Lda: € 127.076,28;
c. [SCom07...] Unipessoal Lda: € 88.474,50;
d. [SCom08...] – Unipessoal Lda: € 64.440,50;
e. [SCom09...] Lda: € 62.998,90;
f. [SCom10...] Lda: € 56.986,80;
g. [SCom11...] Unipessoal Lda: € 51.195,00;
h. [SCom12...]: € 50.935,00;
i. [SCom13...] Lda: € 40.628,15;
j. [SCom14...] Lda: € 27.324,00;
k. [SCom15...] Unipessoal Lda: € 22.894,10;
l. [SCom16...]: € 18.819,00;
m. [SCom17...] Lda: € 14.272,50;
n. [SCom18...]: € 12.500,00;
o. [SCom19...]: € 12.232,50;
p. [SCom20...] Lda: € 11.627,28;
q. [SCom21...] Unipessoal Lda: € 6.330,00;
r. [SCom22...]: € 6.030,00;
s. [SCom23...] Lda: € 5.829,60;
t. [SCom24...]: € 5.750,00;
u. [SCom25...]: € 5.150,00;
v. [SCom26...]: € 4.400,00;
w. [SCom27...]: € 2.760,00;
x. [SCom28...]: € 1.860,00;
20. Com exceção das faturas n.°s 10, 11, 84, 95, 96, 257 e 259, as faturas emitidas pela Impugnante foram criadas nas datas de emissão constantes das mesmas;
21. Das faturas n.°s 95 e 96, ambas de 04.04.2016, n.° 155, de 01.06.2016, n.°s 162 e 163, ambas de 13.06.2016, e n.°s 185 e 186, ambas de 29.06.2016, emitidas pela Impugnante e todas dirigidas à sociedade [SCom05...] Lda, consta a menção de que a respetiva mercadoria foi carregada e entregue ao cliente na caldeira de [SCom17...] Lda, situada em ...;
22. A Impugnante não contabilizou qualquer fatura referente a serviços de cozedura de cortiça prestados pela sociedade [SCom17...] Lda ou por outras empresas com caldeira;
23. A Impugnante não comunicou à Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer documento de transporte mencionando como destino as instalações da sociedade [SCom17...] Lda em ... ou de outra empresa com caldeira;
24. A Impugnante comunicou à Autoridade Tributária e Aduaneira 363 documentos de transporte, dos quais um indicava como destinatária [SCom19...], dois a [SCom15...] Unipessoal Lda, sete a [SCom14...] Lda, 10 a [SCom20...] Lda, 10 a [SCom17...] Lda, 12 a [SCom07...] Unipessoal Lda, 17 a [SCom08...] Unipessoal Lda, 21 a [SCom06...] - Unip. Lda, 31 a [SCom10...] Lda, 49 a [SCom13...] Lda, 73 a [SCom05...] Lda, 93 a [SCom09...] Lda e as restantes 37 indicavam outros destinatários;
25. Dos 363 documentos de transporte mencionados no ponto anterior, 76 foram comunicados após a data e hora de início do transporte indicada no respetivo documento, sendo que 59 desses documentos indicavam como destinatárias as sociedades [SCom05...] Lda ou [SCom09...] Lda;
26. No dia 27.01.2016, entre as 09 horas e 10 minutos e as 09 horas e 16 minutos, a Impugnante comunicou à Autoridade Tributária e Aduaneira 19 documentos de transporte, fazendo menção a transportes ocorridos nos dias 11, 13, 15, 18, 21, 22, 25 e 26 de janeiro;
27. Em todos os documentos de transporte emitidos pela Impugnante consta como local de carga a Rua ..., em ...;
28. Em 14.10.2016, a Impugnante emitiu as faturas n.°s 264 e 265, ambas dirigidas à sociedade [SCom29...] Unipessoal Lda, relativas à venda de ferramentas ligeiras, um compressor, duas viaturas e um empilhador, pelo montante total € 7.459,34, acrescido de IVA no valor de € 1.715,64;
29. As duas viaturas mencionadas no ponto anterior são viaturas ligeiras de mercadorias, uma com a matrícula ..-..-IP, do ano de 1997, de marca Volkswagen e peso bruto de 3.500 quilogramas, e outra com a matrícula ..-BV-.., do ano de 2006, de marca Mitsubishi e peso bruto de 3.500 quilogramas, e foram ambas adquiridas pela Impugnante, no início da sua atividade, à sociedade [SCom30...] Unipessoal Lda;
30. A Impugnante registou no diário de pagamentos quatro recibos emitidos pela sociedade [SCom30...] Unipessoal Lda, no montante total de € 32.090,00, que estão associados a notas de lançamento bancárias relativas a transferências a favor daquela sociedade, assim discriminados por registo:
a. n.° 1, em janeiro, no valor de € 12.000,00;
b. n.° 3, em fevereiro, no valor de € 7.750,00;
c. n.° 15, em março, no valor de € 8.300,00;
d. n.° 16, em março, no valor de € 4.040,00;
31. Em 07.04.2016, a Impugnante entregou a declaração periódica de IVA referente ao primeiro trimestre de 2016, na qual inscreveu:
a. no campo 90, base tributável no total de € 627.022,10;
b. no campo 91, imposto a favor do sujeito passivo no total de € 157.854,67;
c. no campo 92, imposto a favor do Estado no total de € 144.215,09;
d. no campo 96, excesso a reportar para o período seguinte no valor de € 13.639,58; – cfr. declaração periódica, a fls. 94/95;
32. Em 17.07.2016, a Impugnante entregou a declaração periódica de IVA referente ao segundo trimestre de 2016, na qual inscreveu:
a. no campo 61, excesso a reportar do período anterior no valor de € 13.639,58;
b. no campo 90, base tributável no total de € 807.804,00;
c. no campo 91, imposto a favor do sujeito passivo no total de € 202.457,12;
d. no campo 92, imposto a favor do Estado no total de € 185.794,92;
e. no campo 96, excesso a reportar para o período seguinte no valor de € 16.662,20 – cfr. declaração periódica, a fls. 96/97;
33. Em 21.11.2016, a Impugnante entregou a declaração periódica de IVA referente ao terceiro trimestre de 2016, na qual inscreveu:
a. no campo 61, excesso a reportar do período anterior no valor de € 16.662,20;
b. no campo 90, base tributável no total de € 460.977,51;
c. no campo 91, imposto a favor do sujeito passivo no total de € 54.555,96;
d. no campo 92, imposto a favor do Estado no total de € 100.372,33;
e. no campo 93, imposto a entregar ao Estado no valor de € 45.816,37 – cfr. declaração periódica, a fls. 98/99;
34. Em 21.11.2017, a Impugnante apresentou a declaração de rendimentos Modelo 22 referente ao exercício de 2016, na qual declarou proveitos no total de € 1.927.008,45 e um lucro tributável de € 202.493,89;
35. Na Declaração Anual, a Impugnante indicou gastos com Fornecimentos e Serviços Externos no total € 5.514,92, assim discriminados por categorias:
a. Trabalhos Especializados = € 130,00;
b. Vigilância e segurança = € 96,00;
c. Conservação e Reparação = € 564,52;
d. Outros Serviços = € 213,00;
e. Ferramentas e Utensílios = € 395,78;
f. Livros e Documentação = € 28,37;
g. Artigos de Oferta = € 976,50;
h. Combustíveis = € 1.198,83;
i. Deslocações e Estadas = € 738,70;
j. Comunicação = € 11,10;
k. Seguros = € 917,12;
l. Contencioso e Notariado = € 245,00;
36. A Impugnante não contabilizou encargos relacionados com serviços prestados pelo contabilista «CC»;
37. Na demonstração dos resultados do exercício de 2016, a Impugnante declarou como custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas o valor de € 1.686.867,23;
38. Mediante correio registado em 10.05.2019, os serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças ... dirigiram à Impugnante, para a morada na Rua ..., ..., ..., uma carta-aviso para comunicação prévia ao início do procedimento externo de inspeção, a realizar ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2019.....6 e incidindo sobre IVA e IRC do ano de 2016 – cfr. ordem de serviço, ofício e comprovativo de registo, a fls. 672, 675 e 676;
39. Mediante correio registado em 28.05.2019, acompanhado de aviso de receção, que foi assinado por «BB», os serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças ... comunicaram ao representante legal da Impugnante que esta deveria comparecer no dia 14.06.2019, às 09 horas e 30 minutos, no serviço de finanças da Feira 3, em ..., para se dar início à ação inspetiva e apresentar os registos auxiliares e informáticos, designadamente o ficheiro SAFT-PT da contabilidade, e o processo de documentação fiscal – cfr. ofício, documentos de notificação, comprovativo de registo, aviso de receção e informação extraída do registo civil, de fls. 93 e 681 a 685;
40. No dia 14.06.2019, entre as 09 horas e 30 minutos e as 11 horas e 15 minutos, não compareceu no serviço de finanças da Feira 3 qualquer representante da Impugnante nem foram apresentados os elementos da contabilidade da mesma;
41. Mediante correio registado em 18.06.2019, remetido para a morada na Rua ..., ..., ..., e acompanhado de aviso de receção, que foi assinado por «AA», os serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças ... dirigiram ao representante legal da Impugnante um ofício para comunicar que o procedimento inspetivo teve início no dia 14.06.2019, remetendo cópia da ordem de serviço n.º OI2019.....6 – cfr. ofício, comprovativo de registo e aviso de receção, a fls. 687, 688 e 691;
42. Mediante correio registado em 28.11.2019, os serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças ... dirigiram à Impugnante, para a morada na Rua ..., ..., ..., um ofício para comunicação da decisão de prorrogação do prazo da ação de inspeção – cfr. ofício e comprovativo de registo, a fls. 677 e 678;
43. Mediante ofício remetido por correio registado em 10.01.2020, remetido para a morada na Rua ..., ..., ..., foi comunicado à Impugnante que, no prazo de 15 dias, poderia exercer o direito de audição sobre o projeto de relatório de inspeção – cfr. ofício, anexo e comprovativo de registo, de fls. 667 a 671;
44. Mediante correio registado em 29.01.2020, a Impugnante apresentou exposição dirigida ao Diretor de Finanças ..., pugnando pela não concretização das correções enunciadas no projeto de relatório – cfr. exposição e comprovativo de registo, de fls. 650 a 655;
45. Em 06.02.2020, foi elaborado o relatório de inspeção, propondo a realização de correções de natureza meramente aritmética em sede de IVA, para o ano de 2016, com fundamento na dedução indevida de imposto constante de faturas qualificadas como falsas, no valor total de € 378.707,00, sendo € 157.716,20 referente ao primeiro trimestre, € 183.097,04 ao segundo trimestre e € 37.893,76 ao terceiro trimestre, e no qual ficou expressa a seguinte fundamentação:
“[...]
II.3.5. Resumo das declarações apresentadas
[...] não obstante algumas declarações terem sido entregues fora do prazo, no plano declarativo a empresa [SCom01...] procedeu ao cumprimento das obrigações fiscais relativamente ao exercício de 2016.
[...]
Do confronto dos valores declarados em sede de IVA com os valores das operações ativas e passivas em sede de IR, não se apuraram divergências. O total da base das operações ativas confere com o volume de negócios declarado na Declaração Anual (anexo 2), bem como os valores registados no e-fatura (anexo 6). Relativamente ao IVA dedutível, cerca de 98% do imposto deduzido está justificado com faturas timbradas no nome das empresas [SCom04...] Unipessoal, Lda., NIF ...54 e [SCom03...], Lda., NIF ...04. Estas empresas foram criadas e geridas pelo CC «CC», que conforme será analisado no decurso da presente informação, temos fortes indícios de que estas faturas não titulam operações reais.
Em termos globais é de notar que os valores declarados podem ser divididos em duas partes:
· 1° Semestre de 2016: declarações submetidas atempadamente, operações ativas em montantes elevados, que estão associadas a margens brutas negativas (IVA dedutível de existências superior ao IVA liquidado) e situação de crédito permanente com origem no IVA dedutível de existências;
· 2° Semestre de 2016: declarações submetidas fora do prazo, redução substancial das operações ativas e uma quebra brutal do IVA dedutível das existências. Estes valores refletem margens de comercialização elevadas e levaram ao apuramento de imposto a pagar que até à presente data não foi entregue nos cofres do Estado;
Este contraste de valores e de cenários está diretamente relacionado com as buscas realizadas no dia 03.10.2016 no âmbito do Processo de Inquérito n.º 83/16. Com esta diligência os sujeitos processuais, incluindo a empresa [SCom01...], tomaram conhecimento, que estava em curso uma investigação criminal relacionada com a emissão e utilização de faturas falsas, o que levou à paragem da prática continuada do crime (pelo menos com estes intervenientes processuais), conforme se encontra evidenciado nos seguintes factos:
· O citado CC «CC», constituiu, e assumiu as funções de gerente e contabilista certificado das seguintes sociedades:
Nome […] Constituição Cessação
[SCom31...] - Unipessoal, Lda. […] 05-05-2014 12-12-2014
[SCom32...], Lda. […] 07-11-2014 05-11-2015
[SCom04...] Unipessoal, Lda. […] 25-03-2015 10-10-2016
[SCom03...], Lda. […] 26-11-2015 09-09-2016
· Na contabilidade da [SCom01...] surgem como principais fornecedores a [SCom04...] e a [SCom03...];
· À data das buscas, a única empresa criada e gerida pelo CC «CC» em atividade era a [SCom04...] - principal ‘fornecedor’ do SP. Depois das buscas a [SCom04...] não criou mais nenhum documento de venda e passados sete dias cessou a atividade para efeitos de IVA;
· Conforme será analisado na presente informação, regra geral os documentos de compra da [SCom04...] e [SCom03...] são criados depois da data de emissão constante nos mesmos, e também são criados depois da data de emissão constante nos documentos de venda emitidos pela empresa [SCom01...];
· Ou seja, a [SCom01...] emitiu documentos de venda e só depois da data de emissão destes documentos, é que o suposto fornecedor – [SCom04...] e /ou [SCom03...], procedeu à criação do documento de compra, atribuindo a este documento unia data de emissão anterior à da criação, de modo a dar o aval à respetiva vendas;
· É este desfasamento temporal entre a criação dos documentos de compra e venda, que permite justificar o diferencial entre o IVA dedutível e liquidado evidenciado nas DP's de IVA do 2º semestre de 2016, o que levou ao apuramento do imposto a pagar;
· Como as buscas ocorreram antes do fim do prazo da entrega da DP de IVA do 3.º trimestre, o SP ainda não tinha na sua posse a totalidade dos documentos de compra, e consequentemente o imposto liquidado foi superior ao dedutível;
· Depois das buscas o SP [SCom01...] emitiu apenas 9 faturas no valor total de 31.204,84€ (base tributável da DP de IVA do 4' trimestre). As datas de emissão das faturas estão compreendidas entre 3 a 18 de outubro e são relativas à venda de apara, uma carga de cortiça e de imobilizado;
· Não obstante o SP não ter registado na contabilidade compras de imobilizado, antes de cessar ‘transmite’ os bens para a nova empresa – [SCom29...] Unipessoal, Lda. NIF ...10, que é a continuação da atividade do SP;
Com esta ‘paragem’ a [SCom01...] deixou de utilizar faturas da [SCom04...], o que ‘empolou’ os resultados brutos e começou a apurar imposto a pagar, uma vez que deixou de ter documentos de compra de existências para abater ao IVA liquidado.
A Modelo 22 do exercício de 2016 foi entregue fora do prazo em 21.11.2017 com um lucro tributável de 202.493,89€, o que levou ao apuramento de IRC a pagar no montante de 43.948,66€. Até à presente data este imposto não foi entregue nos cofres do Estado. Da análise da Declaração Anual, sabemos que este resultado está associado a uma margem bruta de comercialização de 14% [...]
Em termos globais a empresa [SCom01...] cumpriu com as obrigações declarativas com a declaração de resultados consideráveis, que em nada contribuíram para o erário público, uma vez que sempre que apurou imposto a pagar ao Estado, este não foi regularizado. Declarou operações ativas e passivas em montantes elevados que estão diretamente relacionadas com a prática danosa de emissão e utilização de faturas falsas. A realização das buscas em 03.10.2016 pôs fim a esta prática levando à cessação da atividade.
II.3.6. Estrutura da empresa
O início da atividade da empresa [SCom01...] (01.01.2016) tem fortes conexões com o fim da atividade da [SCom30...] Unipessoal, Lda., NIF ...23 (31.01.2016):
· O mesmo sócio gerente – «BB»;
· As mesmas instalações – Rua ..., em ...;
· Os funcionários da [SCom30...] transitaram para a [SCom01...];
· As viaturas da [SCom30...] passaram para o património [SCom01...];
· O mesmo Contabilista Certificado – «CC»;
· Recorrendo ao Saft de faturação da empresa [SCom30...], sabemos que em 26.01.2016 esta empresa criou as faturas n.°s 3 e 4 no nome da [SCom01...], com data de emissão de 11.01.2016, sendo relativas à venda de existências e de equipamento no montante total de 32.090€:
[...]
· Não encontramos estas duas faturas nas pastas de contabilidade da [SCom01...] e como não tivemos acesso ao Saft da contabilidade não temos prova da sua contabilização. No entanto do confronto desta informação com a Declaração Anual, documentos de suporte e os extratos bancários, verificamos que:
- As compras de existências no montante total de 15.590€ não entraram no cômputo do custo das existências das vendidas. Na Demonstração dos Resultados, o custo das existências no montante de 1.686.867,23€ (anexo 2) é igual à totalidade das compras justificadas com documentos timbrados no nome das empresas [SCom04...], [SCom03...] e [SCom02...], Lda. (anexo 11);
- Em 14.10.2016 a [SCom01...] emitiu as faturas 264 e 265 no nome da empresa [SCom29...], sendo relativas à venda de equipamento (ferramentas ligeiras, compressor, viaturas e empilhador) pelo montante total 7.459,34€, acrescido de IVA à taxa normal. Esta venda foi declarada para efeitos de IVA e está incluída no volume de negócios apresentado na Declaração Anual. Como esta venda ocorreu na semana seguinte da realização das buscas atrás referidas, a [SCom01...] deixou de ter ativos fixos tangíveis, permitindo-lhe que até hoje esta não tenha pago as duas dívidas tributárias;
- A conta de outros gastos e perdas apresenta na Declaração Anual um saldo de 16.528,98€, podendo este valor incluir o custo de aquisição do equipamento justificado com a fatura n.° 2016/4 emitida pela [SCom30...] no valor total de 16.500€, e desta forma fazer face à venda do equipamento para a empresa [SCom29...];
- O SP registou no diário de pagamentos recibos emitidos pela empresa [SCom30...] no montante total de 32.090€. Estes recibos estão associadas a notas de lançamentos emitidas pelo banco relativas às respetivas transferências a favor da empresa [SCom30...]:
[...]
· Não obstante o suposto pagamento da totalidade das faturas da [SCom30...], estes factos indiciam que a [SCom01...] terá contabilizado apenas as faturas de imobilizado no montante total de 16.500€;
· Mas, independentemente de não termos tido acesso a estas faturas emitidas pela [SCom30...] nem a uma prova segura da respetiva contabilização, é de referir que a empresa [SCom30...], inicialmente, criou e emitiu a fatura n.º 2016/2 no nome do SP relativamente à venda de equipamento no montante total de 16.500€, acrescido de IVA à taxa de 23%, e uns dias depois esta fatura foi anulada dando origem à fatura n.º 2016/4 com o mesmo descritivo e o mesmo valor, mas sem liquidação de IVA;
· A não liquidação do IVA poderá ser justificada com o disposto no n.º 4 do artigo 3' do Código IVA, estando subjacente uma transmissão da totalidade do património da [SCom30...] suscetível de constituir uma atividade independente na nova empresa – [SCom01...];
Na declaração mensal de remunerações de dezembro de 2015, a empresa [SCom30...] declarou que pagou rendimentos de trabalho dependente [...]
· No mês seguinte, em janeiro de 2016, a empresa [SCom01...] apresentou a Declaração Mensal de Rendimentos com os mesmos funcionários com a exceção do sócio gerente «BB», que deixou de ser remunerado;
· Ou seja, em dezembro de 2015 o pessoal trabalhou para a [SCom30...] e no mês seguinte, o mesmo pessoal, passou a trabalhar para a [SCom01...], incluindo o responsável «BB», que não obstante não receber vencimento, continuou a exercer funções como gerente;
· É de notar que a opção de não remuneração do sócio gerente «BB» poderá não ser alheia ao facto de em 2016 este responsável ter começado a auferir rendimentos da Segurança Social;
· Os principais fornecedores de existências da [SCom30...] são entidades diversas criadas e geridas pelo CC «CC». No ano de 2015 destaca-se as empresas [SCom32...], [SCom04...] e [SCom03...]. A empresa [SCom32...] cessa a atividade no final do ano de 2015, dando ‘lugar’ aos ‘fornecimentos’ das empresas [SCom04...] e [SCom03...]. Com a cessação da atividade da [SCom30...] no início do ano de 2016, estas duas últimas empresas passaram a ‘fornecer’ a [SCom01...];
· Os principais clientes da [SCom30...] foram as empresas [SCom33...], Lda., NIF ...47 e a empresa [SCom34...] Unipessoal, Lda., NIF ...79. A [SCom01...] continuou a vender para [SCom33...] e o principal cliente passou a ser a empresa [SCom05...], Lda, com a particularidade desta última ser uma continuação da atividade da [SCom34...];
Os factos descritos permitem-nos concluir que a empresa [SCom01...] foi criada para continuar a exercer atividade da empresa [SCom30...], uma vez que estamos na presença dos mesmos responsáveis, instalações, funcionários, contabilista, equipamento, fornecedores e clientes.
No seguimento dos elementos a que tivemos acesso, a estrutura empresarial da [SCom01...] pode ser caracterizada do seguinte modo:
O SP não tem instalações próprias nem declarou o pagamento de rendas. No início da atividade imputou a sede fiscal à Rua ... em ..., que corresponde a um pequeno armazém;
No âmbito do Processo de Inquérito n.º ....3/16.11DAVR, no dia 03.10.2016, a sede fiscal da empresa foi objeto de busca. Nesta data o SP tinha em armazém as seguintes existências:
- 150 Kg Apara Broca;
- 55 Kg Apara Especial;
- 4 Fardos de cortiça 10X12;
- 12 Redes de Cortiça (bocados);
- 38 Redes Rolhas de calibre 12X21, com 5.500 rolhas cada;
- 23 Sacos de rolhas de calibre 12X21, com 15.000 cada;
- 100 Milheiros de rolhas de calibre 12X21;
· Nesta mesma data a [SCom01...] tinha em armazém o seguinte equipamento básico: empilhador, 2 rabaneadeiras, 4 brocas semi-automáticas, estando uma desativada, 2 brocas a pedal, 1 lixadeira, 1 máquina de escolher rolhas, 1 elevador, 1 máquina de contar rolhas e um tapete;
· Em termos globais o SP tinha em armazém equipamento básico que abrange a totalidade do processo produtivo de rolhas, no entanto este equipamento encontrava-se bastante depreciado, constituindo um factor bastante limitativo da capacidade de produção;
· O SP foi titular de 2 viaturas ligeira de mercadorias (as quais, como já referimos, transitaram da [SCom30...] e foram depois transmitidas para a [SCom29...]):
- ..-..-IP (ano da matricula – 1997): Volkswagen com um peso bruto de 3.500Kg;
- ..-BV-.. (ano da matricula – 2006): Mitsubishi com um peso bruto de 3.500Kg;
· Da análise da Declaração Mensal de Rendimentos sabemos que os gastos com pessoal estão relacionados com vencimentos de 4 funcionários [...]
· Da análise dos respetivos recibos verificamos que os vencimentos dos broquistas «AA», «DD» e «GG» são relativos a cerca de 90 horas de trabalho / mês, o que indicia um trabalho a tempo parcial;
· Se cruzarmos o equipamento básico com o pessoal ao serviço da empresa, verificamos que existem mais brocas do que funcionários, para além deste mesmo ter uma capacidade produtiva bastante limitada;
[...]
· Não obstante não termos tido acesso ao saft da contabilidade, da análise dos documentos de suporte, podemos caracterizar a estrutura de gastos de serviços da seguinte forma:
- O principal gasto é relativo à rubrica de combustíveis que inclui aquisições de gasóleo e de gás; - O SP não declarou gastos com a eletricidade nem com a água;
- Uma grande parte dos fornecimentos é relativo a despesa de conservação e reparação das instalações (materiais de construção) e do equipamento básico e transporte;
- Os trabalhos especializados são relativos a serviços de assistência informática e valores pagos à Ordem dos Contabilistas Certificados, que poderá estar relacionado com a licença de utilização do saft da contabilidade e de faturação;
- Não há evidência de encargos suportados com o serviço prestado pelo CC «CC», apesar das pastas de contabilidade terem sido apreendidas nas instalações do referido contabilista e de existirem documentos de suporte relativos a operações efetuadas pelo CC «CC» no nome da [SCom01...], como os pagamentos ao Instituto de Registos, à Segurança Social e à Ordem dos Contabilistas;
- A rubrica de seguros inclui o seguro das viaturas, de acidentes de trabalhos e outros de valor residual;
· Em termos globais é de notar que os fornecimentos têm um peso diminuto no total das vendas, representando menos de 0,5%, o que de certa forma é incoerente e incompatível com elevado volume de negócios declarado. No seguimento da análise acima efetuada, tudo indica que haverá omissão de gastos, nomeadamente a energia e a água, mas o tipo de gastos declarado está inequivocamente associado a uma unidade produtiva pequena e envelhecida, que está longe de justificar a produção e a venda de elevadas quantidades de rolhas;
Face aos factos expostos é de concluir que a [SCom01...] é uma pequena unidade empresarial que se dedica essencialmente à compra e venda de apara. Tendo em atenção que os fornecimentos de apara estão justificados com documentos de compra timbrados no nome das empresas [SCom03...] e [SCom04...] que correspondem a faturas falsas conforme será analisado na presente informação, tudo indica que a [SCom01...] compra apara sem fatura a empresas produtoras de rolhas. Esta apara (essencialmente apara de broca) é recolhida porta-a-porta e entregue nas instalações de empresas clientes da [SCom01...], que dedicam-se essencialmente ao comércio por grosso de apara. Desta forma a [SCom01...] surge como uma empresa intermediária que compra sem fatura e vende com fatura.
Os principais clientes da apara – [SCom13...], Lda., NIF ...47, [SCom10...], Lda., NIF ...21 (atual [SCom35...], Lda.) e [SCom33...], Lda., NIF ...47 (anexo 11), são sobejamente conhecidas no setor da cortiça, pelo que os produtores de rolhas poderiam vender o desperdício da produção - a apara diretamente a estas empresas, sem utilizar a figura do intermediário. Porém, este cenário obrigaria os produtores de rolhas à faturação da apara e ao fim da existência de um fundo - saco azul para suportar despesas não declaradas como gastos pessoais dos sócios, remunerações, compras de existências, etc. De modo a ‘ultrapassar este problema’ os produtores de rolhas optam por vender a apara, sem fatura, a um intermediário como a empresa [SCom01...], que por sua vez não tem qualquer problema de comprar apara sem fatura, uma vez que é prática corrente utilizar faturas falsas.
Por outro lado, tendo em atenção o equipamento, os gastos correntes com a atividade e o pessoal ao serviço, tudo indica de que a [SCom01...] tem uma capacidade de produção bastante reduzida. Esta realidade juntamente com a contabilização de faturas falsas de compras de rolhas não permite justificar nem dar o aval às vendas de quantidades elevadas de rolhas. Ainda neste contexto, relativamente à venda de cortiça deparamo-nos com um cenário idêntico, uma vez que praticamente todas as compras estão justificadas com documentos da [SCom04...] e [SCom03...], para as quais temos fortes indícios de que não sustentam transações reais, assim, também temos toda a legitimidade para questionar a veracidade dos documentos de venda de cortiça.
Resumindo, a empresa [SCom01...] é uma continuação da atividade da empresa [SCom30...], que se dedicou essencialmente à compra e venda de apara. Tem uma estrutura produtiva pequena, que relacionada com as compras falsas de existências, os gastos correntes e os gastos com pessoal, não permite justificar nem dar o aval às elevadas quantidades de existências vendidas, pelo que tudo indica, que estamos perante uma empresa que utiliza e emite faturas falsas.
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
[...]
III.2. COMPRAS DE EXISTÊNCIAS
Na análise dos elementos da contabilidade e do confronto dos valores declarados em sede de IVA e IR verificamos que no exercício de 2016 a empresa [SCom01...] registou compras de existências que por período ascenderam aos seguintes montantes (anexo 11):
‘Fornecedores’ 1º Trim 2º Trim 3º Trim Total Geral
[SCom02...] 22.761,00 22.761,00
[SCom03...] 131.826,95 3.900,00 7.824,00 143.550,95
[SCom04...] 553.895,45 792.174,08 174.485,75 1.520.555,28
Compras de Existências 685.722,40 818.835,08 182.309,75 1.686.867,23
IVA Dedutível 157.716,20 188.332,07 37.893,76 383.942,03
O valor das "Compras de Existências" apurado no montante de 1.686.867,23 €, corresponde ao valor total das compras declaradas pelo SP na IES:
[...]
Cerca de 99% das compras estão justificadas com documentos timbrados no nome das empresas [SCom04...] e [SCom03...]. As compras são relativas a apara, cortiça e rolhas. [...]
Estes supostos fornecedores foram criados e geridos pelo CC «CC» e apresentam uma estrutura empresarial muito similar, sendo de destacar entre outros factos, o capital, sede fiscal, instalações, inexistência de equipamento e o pessoal, para além de que os valores declarados também assentam no mesmo padrão: vendas de elevadas existências associadas a compras falsas e a margens de comercialização muito reduzidas, que são responsáveis pelos baixos resultados declarados em sede de IRC e a situação permanente de crédito de IVA.
É de referir que este modus operandi começou a ser ‘definido’ no ano de 2013 e manteve-se até meados de 2016. O CC «CC» criou e geriu diversas entidades, estas tinham um período de duração curto e a cessação de uma dava lugar ao início de outra, tendo sempre por base uma conduta ilícita e dolosa, o que levou à abertura do Processo de Inquérito n.º...3/6.1IDAVR.
Por fornecedor e por período os valores em causa reportam-se aos seguintes documentos (anexos 12 e 14):
[...]
Todos os documentos [timbrados em nome das empresas [SCom04...] e [SCom03...]] estão arquivados nas pastas da contabilidade da [SCom01...], que foram apreendidas nas buscas ao gabinete de contabilidade do CC «CC» realizadas no âmbito do Processo de Inquérito n.º...3/16.1IDAVR, com exceção das faturas timbradas no nome da [SCom04...] n.°s 174, 175, 176, 177, 178 e 179, que têm data de emissão de 15 e 16 de setembro, mas que só foram efetivamente criadas em 27 e 28 de setembro de 2016. No entanto, encontramos cópia destes documentos nas pastas de contabilidade da empresa [SCom04...] no âmbito das referidas buscas, pelo que juntamos cópia dos mesmos à presente informação (anexos 13 e 15).
Conforme já referido, o valor total do IVA constante nos documentos timbrados no nome das empresas [SCom04...] e [SCom03...] confere rigorosamente com o total do IVA dedutível de existências declarado pela [SCom01...].
No âmbito do cruzamento da informação, é de notar que a [SCom04...], depois da realização das buscas já anteriormente referidas, entrou num estado de incumprimento declarativo e, consequentemente, não apresentou a DP do 3° trimestre ficando por declarar e liquidar o imposto constante nas respetivas faturas de vendas, que relativamente aos documentos a favor da [SCom01...] corresponde a IVA no montante total de 36.094,24€.
Nesta relação de factos, é de repetir novamente de que o responsável e o CC da [SCom04...] é o CC da [SCom01...], e quando em 21.11.2017 este CC submeteu, fora do prazo, a DP de IVA da [SCom01...] do 3° trimestre de 2016 onde deduziu o IVA constante nas faturas da [SCom04...] no montante total 36.094,24€, sabia perfeitamente que a [SCom04...] não declarou nem entregou este imposto. Este facto tem por base uma conduta ilícita e fraudulenta.
Os supostos fornecedores [SCom03...] e [SCom04...] foram objeto de procedimentos inspetivos. De seguida iremos proceder à análise dos factos apurados de modo a definir o modos operandi do CC «CC», especificando depois a atuação das referidas empresas.
III.2.1. Diligências realizadas no âmbito de procedimentos inspetivos a entidades relacionadas com o CC «CC»
III.2.1.1. Modus Operandi de CC «CC»
O CC «CC» está diretamente relacionado e implicado com uma série de entidades que foram criadas e cessadas no decurso dos exercícios de 2013, 2014, 2015 e 2016. Esta relação passa por laços familiares, gerência e execução da contabilidade [...]
Estas entidades foram objeto d[e ...] procedimentos inspetivos [...]
Em termos globais a estrutura e a atividade destas entidades pode ser caraterizada do seguinte modo:
1. O CC «CC» é o gerente de facto e/ou de direito de todas as entidades. A este respeito, «HH», irmão do CC «CC», declarou que inscreveu-se como empresário em nome individual e constituiu as empresas [SCom36...] e [SCom37...] a pedido do irmão contabilista «CC» com o objetivo de ganhar uns trocados. O seu discurso evidencia um total desconhecimento sobre o funcionamento do sector corticeiro e da empresa. As declarações de «II», mãe de «CC», são muito similares: inscreveu-se como empresária a pedido do filho, nunca exerceu qualquer atividade, não sabe como é que funciona o sector corticeiro, não conhece fornecedores nem clientes e na sua residência em ... nunca entrou nem saiu existências de cortiça. Assim, independentemente de algumas entidades terem sido criadas no nome de familiares diretos de «CC», tudo indica que a gestão e o controlo das mesmas esteve sempre a cargo de «CC».
2. As entidades coletivas são constituídas com um capital social muito reduzido, sendo completamente insuficiente para fazer face à primeira ‘compra’ de existências;
3. Regra geral, as entidades relacionadas com «CC» têm um curto período de duração e a cessação de uma dá lugar à criação de uma outra entidade que funciona nos mesmos moldes, tendo sempre como responsável máximo o CC «CC», sendo exemplo a [SCom31...], que teve uma duração inferior a um ano e quando cessou a atividade em 12.12.2014, a empresa que lhe sucedeu - [SCom32...], já tinha iniciado a atividade em 07.11.2014.
4. A sede fiscal e a atividade das entidades geridas pelo CC «CC» aparece relacionada com os seguintes locais:
4.1. Casa dos pais do CC «CC» na Travessa ... em ... – Os inspetores «JJ» e «KK» visitaram o local e constataram de que se trata de uma residência com uma pequena garagem sem qualquer tipo de condições para armazenar existências de cortiça e sem espaço para instalar máquinas para produzir rolhas. Neste âmbito a mãe de «CC» declarou relativamente a estas ‘instalações’ de que ‘reside há mais de 30 anos, nunca existiu qualquer negócio de cortiça, nunca lá tendo laborado as empresas ‘[SCom37...]’, ‘[SCom36...]’, ou quaisquer outras, ou empresários em nome individual, com negócios de cortiça. Nessa morada residem presentemente os declarantes e o seu outro filho «HH».º;
4.2. Avenida ..., em ... - Segundo o cadastro da AT esta morada está associada ao domicílio fiscal do CC «CC». Trata-se de um apartamento T1 com cozinha, quarto, sala e casa de banho, que é utilizado como gabinete de contabilidade tendo à entrada uma placa da ordem dos CC com a identificação do CC «CC». Nos últimos 10 anos, vários inspetores tributários ao serviço da DFA, foram ao gabinete do CC «CC» no âmbito de diligências inspetivas a empresas com contabilidade sob a responsabilidade deste técnico e nunca se depararam com existências de cortiça, até porque no espaço em causa era fisicamente impossível desenvolver qualquer atividade industrial ou comercial desta natureza;
4.3. A partir do ano de 2015, as empresas criadas pelo CC «CC» ([SCom32...], [SCom04...] e [SCom03...]), passaram a ter sede fiscal na Travessa ... em .... No início do ano 2016 e no âmbito do Processo de Inquérito n.º...3/16.1IDAVR, a subscritora do presente relatório e o IT «KK», deslocaram-se a este local, tendo apurado que se trata de um prédio habitacional com rés-do-chão e 3 andares inserido numa rua sem saída numa zona habitacional perto do centro de ... [...]
A sede fiscal das empresas corresponde ao rés-do-chão esquerdo. O espaço tem duas entradas: a da frente não é de acesso fácil devido às escadas de ligação à entrada do prédio e a das traseiras, junto às garagens do prédio com um acesso um pouco mais amplo, que não obstante algumas limitações (grades e pouco espaço para manobras) permitiria apenas a utilização de uma viatura ligeira de mercadorias.
Os residentes do prédio informaram-nos de que não têm conhecimento de que neste local tenha existido ou funcionado alguma empresa comercial nem industrial do setor da cortiça, nunca viram nenhuma viatura ligeira / pesada de mercadorias a carregar ou a descarregar existências de cortiça, para além de que este local (rés-do-chão esquerdo), encontrava-se encerrado e sem movimento há já alguns anos. Estas informações foram confirmadas pelos proprietários de um café que fica no jardim em frente à sede, pelo carteiro responsável pelo giro da rua em questão e pelo sócio gerente da empresa de administração do condomínio.
No âmbito dos procedimentos inspetivos das empresas [SCom32...], [SCom04...] e [SCom03...] tivemos acesso a documentos que provam que o CC «CC» requisitou junto dos CTT o serviço de reencaminhamento da correspondência para a sede fiscal do CC «CC» em ..., situação que demonstra que, tal como tínhamos apurado no terreno, em nenhum momento lá esteve, de facto, a laborar alguma das várias empresas criadas pelo citado contabilista.
Os factos apurados permitem-nos concluir que as empresas [SCom32...], [SCom04...] e a [SCom03...] não funcionaram nem nunca laboraram na Travessa ..., e que neste espaço nunca existiu uma empresa de cortiça. Tudo indica, que a morada de ... foi utilizada pelo CC «CC» apenas para aí domiciliar empresas, e consequentemente, afastar a atuação dos Serviços de Inspeção de ....
4.4. A partir do final do ano de 2015, os documentos de compras e vendas das empresas [SCom04...] e [SCom03...] passaram a imputar o local de descarga e carga à Rua ... em .... Tratam-se de dois pequenos armazéns contínuos arrendados com uma área aproximada de 120 m2 e segundo os documentos da atividade, nestes armazéns alegadamente ocorreram grandes movimentações de existências de cortiça (fardos, paletas, toneladas de cortiça, sacos de rolhas e apara) que implicariam entradas e saídas de camiões TIR, que a ser verdade não passaria despercebido ao senhorio nem aos vizinhos. Da deslocação ao local os IT «JJ» e «KK» constataram que nunca ninguém viu um camião a entrar ou a sair com cortiça e as pessoas contactadas descreveram uma realidade oposta aos grandes valores dos documentos de compras e vendas. Nos armazéns não havia máquinas, nem existências de cortiça, nem funcionários, nem viaturas, a existir alguma atividade esta seria muito reduzida, pois segundo o senhorio passavam-se dias e semanas sem que se visse movimento no armazém. Ainda neste contexto é de referir que tivemos acesso às faturas de eletricidade da [SCom04...] relativas ao período de 02.12.2015 a 12.05.2016, tendo sido apurado um consumo efetivo de energia de 27Kwh. Trata-se de um consumo muito reduzido que constitui um forte indício da inatividade das empresas [SCom04...] e [SCom03...] e que põe em causa as supostas descargas e cargas de elevadas existências de cortiça.
Os factos expostos permitem-nos deduzir que as entidades geridas e controladas pelo CC «CC» estão relacionadas com locais / instalações onde não há evidências do exercício de uma atividade comercia e/ou industrial.
5. No e-fatura não há evidências de compras de equipamento. No seguimento das diversas diligências realizadas aos locais sabemos que, em tempos, na garagem da casa dos pais em ... havia uma máquina de fazer rolhas (broca), mas esta não estava completa e nunca funcionou. Do mesmo modo, no fim do contrato de arrendamento dos armazéns em ..., o senhorio deitou ao lixo uma broca que não trabalhava;
6. Na análise dos valores de venda e compras declarados pelas diferentes entidades relacionadas com o CC «CC» verificamos que por exercício, e num curto espaço de tempo, estas assumem valores muito significativos [...]
O elevado volume de negócios declarado pelas diferentes entidades está praticamente todo justificado com alegadas compras de existências de cortiça, rolhas e apara a uma empresa não declarante cuja contabilidade era da responsabilidade do CC «CC». Por questões de sigilo tributário (artigo 64.º da Lei Geral Tributária) e de simplificação de linguagem, doravante este suposto fornecedor será designado pela Empresa A.
A Empresa A teve, até determinada altura, uma estrutura empresarial pequena e limitada que é caraterizada pela inexistência: instalações, equipamento produtivo, capacidade financeira, pessoal, stocks, compras de existências, gastos correntes, etc. Com estas condições é impossível e impraticável de que esta empresa tenha alegadamente vendido existências num espaço de 4 anos no montante de 9,5 milhões às entidades relacionadas com o CC «CC». Da análise dos elementos a que tivemos acesso sabemos que nos anos 2013/2014 este suposto fornecedor tinha uma viatura de mercadorias com mais de 30 anos que utilizava na compra de apara a pequenos produtores (sem documento) que era de imediato vendida a conhecidas empresas de apara (com documento). Ou seja, a efetiva atividade da Empresa A consistia na realização de pequenos negócios de compra e venda de apara, que tinham origem em compras sem documento, no entanto a omissão de compras nunca foi problemática porque o mesmo não declarava as vendas.
Sabemos ainda que em meados do ano de 2014, o sócio gerente Empresa A terá ido viver para o Brasil, no entanto as entidades relacionadas com o CC «CC» continuaram a registar na contabilidade faturas do mesmo para justificar compras. Os factos indiciam de que estes documentos (faturas emitidas pela Empresa A) estão diretamente relacionados com o CC «CC», uma vez que existem provas que este responsável pagou a licença do programa de faturação do suposto fornecedor, para além de que este programa foi utilizado unicamente na emissão de faturas para as diversas entidades relacionadas com o CC «CC».
Da análise dos safts de faturação das "vendas" da Empresa A detetamos anomalias que evidenciam de que os documentos foram emitidos muito depois da data de emissão constante nos mesmos, o que impede que os mesmos tenham acompanhado as existências entre os locais de carga e descarga, descredibilizando por completo o circuito físico das existências e consequentemente a veracidade das mesmas.
Nas diversas empresas geridas, de forma direta ou indireta, pelo CC «CC» apuramos margens brutas de comercialização negativas ou muito reduzidas, ou seja, frequentemente, as supostas vendas destas entidades não são suficientes para arcar com as compras. Do ponto de vista económico trata-se de um facto absurdo e impraticável, mas são estas margens negativas que permitem sustentar o processo fraudulento de utilização e emissão de faturas falsas. Como as compras são ligeiramente superiores às vendas, em sede de IVA, regra geral, estas entidades apuraram crédito imposto, e em sede de IR as margens negativas levam ao apuramento de prejuízos fiscais.
O aumento exponencial do volume de negócios, deste ‘grupo’ de empresas relacionadas com o CC «CC», cessou em 2016. Este facto que está diretamente relacionado com a realização das buscas no início de outubro de 2016 no âmbito do Processo de Inquérito n.º...3/16.1IDAVR, que pós um travão à emissão e utilização de faturas falsas.
Nesta data a única empresa relacionada com o CC «CC» que estava a ‘funcionar’ era a [SCom04...] e com as buscas ocorre uma ‘paragem forçada’ de emissão de papel falso uns dias antes do termo da data para entrega da DP de IVA do 3° trimestre de 2016, o que deixou o ‘processo de emissão de faturas falsas’ desequilibrado e incompleto. Com esta ‘paragem’ a [SCom04...] deixou de ter ‘compras’, e, consequentemente, no 3' trimestre de 2016 passou a não ter inputs para justificar as vendas, o que levou a um aumento do imposto apurado em sede de IVA e à existência de uma margem de comercialização positiva.
O processo de utilização e emissão de faturas falsas é conseguido à custa de margens brutas de comercialização muito reduzidas ou mesmo negativas. No caso da [SCom04...], no ano de 2016 a AT apurou uma margem de comercialização ‘extraordinária’ na ordem dos 14%, porque «CC» não teve ‘tempo’, em virtude da factualidade atrás descrita, para criar e juntar faturas de compras de modo a diminuir os resultados e o imposto a entregar ao Estado.
Se compararmos os valores totais das vendas com as compras verificamos que os valores encontram-se no mesmo nível, o que comprova a prática de margens de comercialização negativas ou muito reduzidas [...]
Ou seja, estamos perante entidades que declaram elevados volumes de negócio, têm um período de duração muito curto, que se sucedem umas às outras. Nestas entidades não é conhecida capacidade financeira nem logística compatível com o volume de negócios declarado, para além de que os inputs estão justificados com compras a um único fornecedor cujo sócio-gerente se encontra associado, de há muitos anos a esta parte, à prática de fraude fiscal qualificada pela emissão de faturas falsas e que tendo em conta os indícios recolhidos, muito provavelmente não estaria em Portugal durante a totalidade ou parte substancial dos períodos em que a sua empresa faturou 9,5 milhões de euros.
7. Não obstante o elevado volume de negócios declarados pelas diferentes entidades relacionadas com o CC «CC», estas nunca tiveram ao serviço qualquer funcionário, que não fosse o próprio CC. Não pondo em causa a capacidade de trabalho de «CC», parece-nos que o quadro de pessoal é manifestamente insuficiente para a realização de tarefas básicas como o carregar e descarregar existências de cortiça, para além do exercício da sua atividade de contabilista certificado. Neste contexto é de referir que na contabilidade das empresas [SCom04...] e [SCom03...] encontramos recibos de vencimento de um manobrador, mas do contacto com o mesmo verificamos que se trata de um empresário em nome individual cuja contabilidade era da responsabilidade de «CC». Este suposto manobrador nunca exerceu funções para nenhuma das empresas de «CC», conforme o próprio nos admitiu, tendo sido inscrito como funcionário de uma empresa de cortiça do «CC» apenas por razões ligadas a descontos da Segurança Social. Ou seja, associado a esta empresa temos compras falsas, vendas falsas e até mesmo funcionários falsos.
8. Regra geral, as entidades relacionadas com o CC «CC» cumprem com as obrigações declarativas procedendo atempadamente à entrega das DP’s de IVA e às Declarações de Rendimento, no entanto estas apresentam valores mínimos, contribuindo muito pouco para o erário público, o que está diretamente relacionado com as margens de comercialização reduzidas e nulas.
9. No âmbito das buscas procedemos à apreensão de documentos que são apontamentos manuscritos pelo CC «CC», que indiciam uma conduta dolosa. Estes documentos podem ser divididos em 2 grupos:
· Conselhos para o exercício de uma atividade ilícita, que inclui expressões do tipo ‘Substituir faturas da Empresa A por fornecedores do Sul’, ou ‘Ir ao sul comprar qualquer coisa, para poder falsificar faturas’ ou ‘Arranjar mais fornecedores’ ou ainda ‘Investir em máquinas, mão-de-obra, publicidade, matérias-primas, viaturas’. Estes conselhos têm por base criar um cenário de uma estrutura empresarial credível que sustente e ofusque a atividade ilícita;
· Ainda neste âmbito o CC «CC» ‘aconselha’ a criar empresas com atividades não relacionadas com o sector da cortiça: ‘comércio por grosso de outra coisa’ dando o exemplo do ‘CAE 46.470 — Comércio por grosso de móveis’;
· O CC «CC» sabe que o sector da cortiça é um sector de risco devido à prática enraizada de utilização e emissão de faturas falsas, e que a criação de uma empresa nova neste setor dá origem a procedimentos de controlo de atividade por parte da AT. Em contrapartida, se a nova empresa for criada com outra atividade o ‘risco do controlo’ dos Serviços de Inspeção é menor;
· Esta ‘técnica’ de obstar a atuação dos Serviços de Inspeção, bem como a de não registar a sede fiscal das empresas no distrito ..., evidencia conhecimento do modo de atuação dos Serviços de Inspeção e revela uma conduta direcionada a tentar contornar os mecanismos de prevenção existentes na AT sobre entidades que se coletam pelo exercício de atividade de risco;
· Comissão – Remuneração da atividade ilícita: no decurso da execução de mandado de busca e apreensão emitido no âmbito do processo de inquérito já referido, foram apreendidos documentos (que se encontravam na posse do citado CC) relativos a diversos alegados clientes, onde está expresso de uma forma clara a cobrança de uma comissão sobre os valores falsos faturados. Estes documentos também são auxiliares de memória do CC «CC» no controlo do pagamento das comissões das faturas falsas. Regra geral nestes documentos é possível identificar ‘cliente’, o objeto – fatura falsa, o ganho – comissão e se este já foi regularizado;
· Neste contexto, é de referir que um destes documentos é uma relação das faturas emitidas pela empresa [SCom03...] a favor da empresa [SCom30...] (empresa que antecedeu a [SCom01...]), onde é evidente que as mesmas foram sujeitas a uma comissão de 2%.
Nestas faturas constam datas de emissão de 4, 10 e 12 de dezembro de 2015, no entanto da análise do saft da faturação da [SCom03...] verificamos que as mesmas só foram criadas em 15 dezembro de 2015 e 12 e 13 de janeiro de 2016, o que constitui um forte indício de que estamos na presença de faturas falsas;
· Estes ‘apontamentos’ apontam para uma prática contínua junto de diversos clientes, sobre os quais se aplicam comissões diferentes. Neste contexto é de referir ainda que a ‘comissão’ mais baixa aplica-se ao maior cliente das diversas entidades relacionadas com o «CC», o que de certa forma nos garante que esta ‘comissão’ nunca poderá ser considerada ou tratada como um desconto comercial ou financeiro, pois se assim fosse não se iria atribuir o benefício mais baixo ao melhor cliente.
Do exposto resulta que o processo a montante e a jusante das diferentes entidades relacionadas com o CC «CC» é o mesmo, a diferença passa pela rotatividade intencional das empresas instrumentais geridas pelo CC «CC» [...]
Na origem aparece, como já referimos, a Empresa A com um comportamento tipicamente não declarante, sendo o principal ou único fornecedor das diferentes entidades relacionadas com o CC «CC» e nas operações ativas entre outras empresas destacam-se as empresas [SCom30...] e [SCom01...]. Ou seja, no caso da [SCom01...], pese embora esta declare que teve dois grandes fornecedores ([SCom04...] e [SCom03...]), na prática toda essa imensidade de bens proviria, afinal, da Empresa A, à qual não é conhecida, instalações, funcionários, compras ou despesas, sendo-lhe apenas conhecida uma viatura velha, que os serviços de inspeção tributária encontraram, no dia 03.10.2016, com sinais evidentes de abandono [...]
Tudo indica que estamos na presença de esquema fraudulento de emissão e utilização de faturas falsas no sector da cortiça que passa pela posição intermediária e instrumental das entidades relacionadas com o CC «CC», onde este assume um papel primordial na organização e na aplicação do esquema fraudulento, para além de dar conselhos aos utilizadores das faturas falsas.
O processo inicia-se com contribuintes relapsos (Empresa A), que nunca declaram nem entregaram o IVA liquidado nos documentos de venda emitidas no nome das entidades relacionadas com o CC «CC», estas faturas são relevadas como compras na contabilidade de empresas ou contribuintes individuais meramente instrumentais, sem qualquer atividade real ou com uma atividade meramente residual (entidades criadas e/ou geridas pelo CC «CC»), que por sua vez emitiram faturas para o nível seguinte da rede por operações igualmente inexistentes ([SCom30...], [SCom01...] e outros) e que por sua vez ainda poderão emitir para um nível superior faturas a que não correspondem operações reais.
Ainda neste contexto é de notar que quando o CC «CC» na sede das empresas instrumentais deduziu o IVA de existências, ele tinha perfeito conhecimento que este imposto nunca foi declarado nem entregue pela Empresa A, porque o CC «CC» também era responsável pela contabilidade do suposto fornecedor de existências e tem pleno conhecimento das declarações de IVA entregues e/ou em falta. Não obstante esse inegável conhecimento, não há evidência de que o CC «CC» tenha dado cumprimento, como seria sua obrigação, ao estabelecido no artigo 76.º do ESTATUTO DA ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS, aprovado pela Lei n.º 139/2015 de 7 de setembro (os contabilistas certificados devem participar ao Ministério Público e à Ordem os factos de que tomem conhecimento no exercício da sua atividade que constituam crimes públicos). Este facto constitui um forte indício do comportamento doloso e fraudulento do CC «CC».
A perceção destes factos levou em 08.03.2016 à instauração do Processo de Inquérito n.º...3/16.1IDAVR e nesta linha de atuação, em 03.10.2016 houve diversas ações de buscas aos domicílios e instalações profissionais dos diversos intervenientes do processo inquérito, incluindo o domicílio fiscal do CC «CC», do sócio gerente da Empresa A e a sede fiscal da empresa [SCom01...].
III.2.1.2. [SCom04...], NIF ...54
A empresa [SCom04...] foi fiscalizada, pela subscritora do presente relatório, aos exercícios de 2015 e 2016 ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI2017....25 e OI2017....26. Da análise da informação cumpre-nos informar dos seguintes factos:
· A empresa foi constituída em 19 março de 2015 e registou-se para o exercício da atividade industrial de preparação de cortiça (CAE 16.293). É titular de uma capital social no montante de 2.000€ totalmente detido por «CC». Este capital é desajustado das elevadas operações ativas e passivas declaradas, por exemplo, no início da atividade este capital (2.000€) não é suficiente para fazer face às primeiras compras de existências de rolhas e apara (20.900€);
· O sócio «CC» acumula o exercício das funções de gerência e de contabilista;
· A estrutura e o funcionamento da empresa [SCom04...] podem ser caracterizados da seguinte forma:
- A sede fiscal localiza-se m ... e não há evidências de ter sido utilizada no âmbito da atividade da indústria de preparação da cortiça ou da comercialização de existências;
- Não tem equipamento produtivo nem de transporte;
- Não tem compras de existências de cortiça credíveis: todas as faturas de compra estão justificadas com documentos timbrados no nome de um conhecido emitente de faturas falsas – Empresa A,
- Não tem serviços relacionados com atividade da empresa como comunicações, eletricidade, transportes de mercadorias, material de escritório, etc.;
- Tem um património financeiro muito limitado: a empresa é titular de 4 contas bancárias, que em termos globais evidenciam entradas de clientes que são seguidas de levantamentos em numerário;
- Margens brutas reduzidas, sendo bastante frequente venderem por um preço inferior ao que comprou;
- Anomalias no saft da faturação sendo de repetir que, regra geral, os documentos foram criados muito depois da alegada data de emissão constante nos mesmos, o que descredibiliza por completo a prova do transporte e consequentemente a veracidade do próprio documento;
· No final do ano de 2015 a [SCom04...] arrendou umas instalações em ..., e o circuito das existências, que segundo os papéis de compra e venda, passava pelo gabinete de contabilidade e/ou pela casa dos pais do CC «CC» em ..., passou para este armazém em .... Ou seja, as elevadas quantidades adquiridas à Empresa A e vendidas a terceiros, passaram a ser alegadamente descarregadas e carregadas nestas instalações. A ser verdade, a ocorrência destas operações implicaria a entrada e a saída de camiões TIR, pessoas a carregar e a descarregar, empilhadores, stocks de existências, etc., mas nunca ninguém observou tal azáfama, para além de que o consumo de energia é muito reduzido, o que constitui mais um sinal de inatividade. Assim, tudo indica de que se nestas instalações houve alguma atividade esta foi esporádica e de diminuta dimensão, sendo absolutamente incompatível com a situação retratada nas faturas emitidas;
· Nas pastas da contabilidade existem documentos que apontam para a contratação de um funcionário com a função de ‘Manobra’, no entanto à data dos factos, este suposto funcionário geria, a tempo inteiro, um quiosque no centro de ..., cuja contabilidade era da responsabilidade do CC «CC». Em auto declarações este suposto funcionário garantiu que nunca trabalhou de facto para nenhuma empresa do «CC»;
· Estes factos vazios de conteúdo foram usados para a empresa [SCom04...] refletir uma determinada estrutura e, consequentemente, dar aval à emissão de faturas falsas, para além de que estão em consonância com os ‘apontamentos’ de «CC» quando aconselha os utilizadores de faturas falsas a investir em equipamentos, nos fornecedores e no pessoal, etc.
· No âmbito do Processo de Inquérito n.º...3/16.1IDAVR no dia 3 de outubro de 2016 procedeu-se a buscas nos domicílios dos diversos agentes processuais, que incluíram o gabinete de contabilidade de «CC», e desta forma este responsável teve conhecimento de que estava em curso uma investigação criminal relacionada com a emissão de faturas falsas. Sete dias depois das buscas, a empresa [SCom04...] apresentou uma declaração de cessação de atividade para efeitos de IVA e a partir desta data deixou de cumprir com as obrigações fiscais declarativas como o envio da DP de IVA, Modelo 22 e a IES;
· À data das buscas, a [SCom04...] era única empresa relacionada com «CC» que estava ‘ativa’. Depois das buscas a ‘fornecedora’ Empresa A e a [SCom04...] deixaram de emitir faturas, para além de que alguns clientes deste sistema, nomeadamente a empresa [SCom01...], cessaram a atividade, pelo que tudo indica que o processo de emissão de faturas em torno do CC «CC» terá cessado com as buscas realizadas no início de outubro de 2016;
· As buscas afetaram os valores globais declarados e/ou apurados da atividade ilícita da [SCom04...], senão vejamos:
- No ano 2015 os valores declarados apresentam um padrão muito similar às restantes entidades relacionadas: compras e vendas de montantes quantitativos e qualitativos elevados, associadas a margens brutas de comercialização muito reduzidas e impraticáveis, que levaram ao apuramento de um resultado fiscal negativo e permitiram uma situação de crédito de 1VA permanente;
- No segundo semestre do ano de 2016 a situação declarativa é completamente diferente. No 3º trimestre de IVA a AT apurou imposto a pagar na ordem dos 52.000€ e do confronto das operações ativas e passivas apurou-se uma margem na ordem dos 14%. Os factos apurados garantem-nos que os resultados não estão associados a uma melhoria da atividade da empresa, mas sim com as buscas, uma vez que não houve tempo para emitir as faturas de compra da Empresa A e consequentemente anular o imposto a pagar em sede IVA e a reduzir a margem;
· No controlo quantitativo global das existências também existem 2 momentos distintos que estão diretamente relacionados com as buscas:
- No final do ano de 2015 o controlo quantitativo apresenta divergências muito pouco relevantes, mas estes resultados estão viciados com a utilização e emissão de faturas falsas: se a empresa emite uma fatura falsa de 10 toneladas de cortiça ou um milhão de rolhas, então terá a necessidade de ter uma fatura falsa de compra com a mesma grandeza de valores. Ainda neste contexto, é de referir que verificamos que no decurso do ano, muitas vezes, este controlo é feito à posterior, ou seja, primeiro a [SCom04...] ‘vende’ grandes quantidades e só depois é que ‘compra’ à Empresa A;
- No ano de 2016 o controlo das existências leva-nos a resultados completamente diferentes: stocks negativos de montantes elevados. Estas divergências revelam uma prática impossível, uma vez que significam que a [SCom04...] andou a vender elevadas quantidades de existências que não comprou.
Estas divergências estão diretamente relacionadas com as buscas, uma vez que estas travaram o processo de emissão de faturas falsas.
Do exposto resulta que a [SCom04...] é mais uma entidade criada e gerida pelo CC «CC», que, tal como as outras entidades, teve por objeto a emissão de faturas falsas.
III.2.1.3. [SCom03...], NIF ...20
A empresa [SCom03...] foi fiscalizada, pela subscritora do presente relatório, aos exercícios de 2015 e 2016 ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI2017....50 e OI2017....51. Da análise da informação cumpre-nos informar dos seguintes factos:
· A empresa [SCom03...] iniciou a atividade em 26.11.2015 tendo como objeto o comércio por grosso de cortiça (CAE 46.213) e apresentou uma declaração de cessação no início de setembro de 2016, alegando a inexistência de bens nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 34° Código de IVA. Era titular de uma capital social no montante de 5.000€, sendo 80% detido por «CC» e o restante por «LL», irmão de «CC». Nesta empresa o sócio «CC» acumula as funções de gerente e contabilista. A empresa tem sede fiscal em ..., que conforme referido na seção anterior corresponde a um pequeno armazém no rés-do-chão de um prédio habitacional, não existindo condições nem evidências do exercício de uma atividade comercial e/ou industrial do setor da cortiça, nem há conhecimento por parte de vizinhos e de terceiros de qualquer utilização do espaço no exercício de tais atividades;
· Esta empresa tem um volume de negócios elevado com margens brutas reduzidas, que permitiram apuramento de resultados fiscais negativas e de crédito de IVA;
· A totalidade das compras de existências da [SCom03...] está justificada com documentos emitidos no nome da Empresa A, que não é mais de um não declarante que nos anos 2015 e 2016 se dedicou exclusivamente à emissão de papel falso, tendo como contabilista o próprio «CC». Estamos na presença de entidades com inter-relações que refletem o envolvimento do CC «CC» no processo de emissão de faturas falsas, uma vez que, em sede da [SCom03...] o CC «CC» deduziu o IVA das existências constante nas faturas da Empresa A, tendo este responsável conhecimento que este imposto não foi declarado nem entregue em sede da Empresa A;
· Ainda neste contexto é de referir que todos os documentos de compras da Empresa A emitidos no nome da [SCom03...] foram criados depois da data constante nos mesmos, existindo uma diferença que varia entre 23 e 91 dias. Concretizando, os últimos documentos de compra relativos aos meses de julho e agosto de 2016, foram todos criados em 14.09.2016, e do cruzamento desta data com a data de emissão constante nos mesmos apuramos diferenças de 76 e 32 dias, com a particularidade destes documentos terem sido criados 1 dia depois do CC «CC» ter registado no Portal da Justiça e extinção da [SCom03...]. Este facto constitui um forte indício de que as compras à Empresa A não sustentam transações reais e consequentemente permitem-nos por em causa a veracidade das vendas;
· No ano de 2015 e num espaço de um mês, a [SCom03...] vendeu existências de cortiça na ordem dos 360.000€ e no ano seguinte as vendas ultrapassaram os 600.000€. Ou seja, num espaço de cerca de 9 meses a empresa vendeu quase um milhão de euros e não se conhece compras credíveis que permitam justificar estas operações ativas;
· No controlo global das entradas e saídas de existências não encontramos divergências de montantes relevantes. Por exemplo, no ano de 2016, a [SCom03...] alegadamente comprou 10.296,48 milheiros de rolhas e faturou a quantidade 10.296,10, dando origem a uma diferença irrisória de 380 rolhas, no entanto no decurso do ano de 2016 a evolução do stock apresenta um cenário completamente diferente: uma evolução inconstante e negativa. O contraste das divergências de stocks apuradas no decurso de um período de tempo contra o stock final ‘exato’ é devido única e exclusivamente à utilização e emissão de faturas falsas;
· Da análise dos safts da faturação, dos documentos de transporte, de compras e de vendas verificamos que, regra geral, as existências são alegadamente descarregadas e carregadas nas instalações de .... Tendo em atenção de que estamos na presença de grandes quantidades, esta prática a ser verdade implicaria visibilidade, no entanto as pessoas contactadas junto destas instalações nunca viram chegar um único camião TIR carregado de cortiça ou de apara;
· No ano de 2016 a [SCom03...] contabilizou gastos com pessoal no montante total de cerca de 1.000€, no entanto este suposto funcionário, que, também foi ‘funcionário da [SCom04...]’, na data dos factos era um empresário em nome individual que nunca trabalhou para as empresas do CC «CC». Mais uma vez, estamos na presença de gastos fictícios que tem por base diminuir o pequeno resultado fiscal e, sobretudo, "dar aval" à estrutura empresarial da [SCom03...];
· A empresa [SCom03...] é titular de 3 contas bancárias e regra geral estas apresentam um saldo médio diminuto devido aos levantamentos em numerário realizados pelo CC «CC» depois das entregas dos clientes ficarem disponíveis. Esta ‘técnica’ permite simular o pagamento de uma fatura falsa e simultaneamente impede a identificação do efetivo beneficiário da fatura falsa;
A empresa [SCom03...] pode ser caracterizada pela ausência e/ou inexistência: equipamento, máquinas, viaturas, compras de existências reais, disponibilidades, pessoal, serviços correntes diretamente relacionados com a atividade como o consumo de energia e da água, despesas de transporte, combustíveis, etc., pelo que estamos perante uma estrutura empresarial completamente desajustada com o volume de negócios declarado.
III.2.2. Diligências realizadas no âmbito do presente procedimento inspetivo
III.2.2.1. Saft faturação dos supostos fornecedores
Os supostos fornecedores [SCom04...] e [SCom03...] utilizaram o programa de faturação da Ordem dos CC —Toconline (Sistema de faturação eletrónica certificado pela Autoridade Tributária através do Certificado AT Nº 1662/AT de 21-12-2012) para emitir os documentos de venda e de transporte. No âmbito do Processo de Inquérito 83/16.1IDAVR e através da Ordem dos CC, tivemos acesso ao saft da faturação (transportes e faturas) dos referidos fornecedores. Recorrendo à Portaria 274/2013 de 21/88, procedemos à análise do conteúdo dos seguintes campos do saft:
· InvoiceDate – Campo de índice 4.1.4.6. que corresponde à data de emissão do documento de venda;
· TaxPointDate – Campo de índice 4.1.4.18.8. que corresponde à data de envio da mercadoria ou da prestação de serviço. Deve ser preenchido com a data da guia de remessa associada, se existir;
· DeliveryDate – Campo de índice 4.1.4.14.2. que corresponde à data de entrega;
Nem sempre os campos taxpointdate e deliverydate foram preenchidos, mas quando foram, a data constante nestes campos é igual à data de emissão do documento (anexo 16). O que significa que, na data de emissão do documento [invoicedate] a mercadoria foi enviada [taxpointdate] e entregue [deliverydate] ao cliente – [SCom01...] (anexo 16).
O ficheiro Saft contém campos de informação sobre o momento em que o documento de compra ou de transporte foi criado e/ou alterado [Campos com o formato do tipo data e hora: AAAA-MM-DDThh:mm:ss]:
· SystemEntryDate – Campo de índice 4.1.4.11. que corresponde à data de criação / gravação do documento no momento da assinatura (código Hash);
· InvoiceStatusDate – Campo de índice 4.1.4.2.2. que corresponde à data da última gravação do documento. Campo com o formato do tipo data e hora: AAAA-MM-DDThh:mm:ss;
No caso dos documentos emitidos pelas entidades relacionadas com o CC «CC» no nome da empresa [SCom01...] a data de criação do documento (SystemEntryDate) é rigorosamente igual à data da última gravação (InvoiceStatusDate), pelo que doravante nos testes de controlo e análise trabalharemos apenas com a data de criação do documento – SystemEntryDate (anexo 17).
No cruzamento das faturas e guias de remessa emitidas pelos supostos fornecedores [SCom04...] e [SCom03...] deparamo-nos com duas situações:
i. As faturas não têm origem em documentos de transporte e regra geral nos documentos consta a seguinte informação:
- A data de emissão é igual à data de envio e à data da entrega, ou seja, na data de emissão do documento de compra as existências foram enviadas e entregues à [SCom01...].
- A menção de que ‘Os artigos/serviços faturados foram colocados à disposição do adquirente na data do documento (Alínea f) do N.° 5 do Art.° 36 CIVA)’;
Como não há documentos de transporte, estas faturas teriam que ter sido utilizadas como documentos de transporte e acompanharem a mercadoria entre os locais de carga e descarga [possibilidade permitida pelo n.° 11 do artigo 5.° do Regime dos Bens em Circulação, que estabelece que nos casos em que a fatura serve também de documento de transporte e seja emitida pelos sistemas informáticos previstos nas alíneas a) a d) do n.° 1, fica dispensada a comunicação prévia, devendo a circulação dos bens ser acompanhada da respetiva fatura emitida.]
No entanto, na análise da data em que a fatura foi efetivamente criada [SystemEntryDate] verificamos que todos os documentos de compra timbrados no nome das empresas [SCom04...] e [SCom03...] a favor da empresa [SCom01...] foram criados depois da data de emissão constante nos mesmos [...]
Não obstante no documento de compra constar que mercadoria foi enviada e entregue na data de emissão é materialmente impossível, que este documento tenha sido utilizado como documento de transporte e que tenha acompanhado as existências entre os locais de carga e descarga, uma vez que na suposta data da entrega (ou de envio ou de emissão) o documento de compra não existia. Se as faturas correspondessem a efetivas transações teriam de ter sido criadas com a data de emissão do dia em que a suposta mercadoria foi entregue à [SCom01...].
Neste contexto, é interessante analisar o modo como algumas faturas de compras de existências foram criadas de forma ‘intensiva’. Concretizando, no dia 04.02.2016, o suposto fornecedor [SCom04...] criou 22 faturas no nome da [SCom01...] com datas de emissão de 8 e 11 de janeiro. Em pouco mais de meia hora o fornecedor criou faturas que permitiram à [SCom01...] criar custos fictícios superiores a 220.000€ e a dedução indevida de IVA na ordem dos 52.000€ [...]
No dia seguinte (05.02.2016), o suposto fornecedor criou ainda mais 2 faturas com a data de emissão de 11.01.2016, sendo relativas a ‘compras’ de cortiça e rolhas, que com inclusão do IVA, ultrapassam os 10.000€.
Estas faturas, bem corno todas as outras, nunca acompanharam a mercadoria entre os locais de carga e descarga.
ii. As faturas têm origem num ou mais documentos de transporte (guias de remessa) e nestes documentos consta a seguinte informação (anexos 19 e 20):
· A informação sobre a hora e local de carga, hora e local de descarga e a identificação da viatura faz parte da guia de remessa;
· Regra geral a guia de remessa tem data de emissão igual à da fatura, existindo alguns casos com uma diferença de 1 a 2 dias;
· A fatura pode ter subjacente uma ou mais guias de remessa;
[...] o exemplo da fatura 113 da [SCom04...] relativamente à venda 92 fardos de cortiça, que
teve por base a emissão de 4 guias de remessa (anexo 20) [...]
Segundo estes documentos, no dia de 19 de abril de 2016, da parte da tarde e com a utilização de viaturas da [SCom01...], ‘realizaram-se’ 4 transportes de fardos de cortiça. A mercadoria foi carregada nas instalações do fornecedor em ... e descarregada nas instalações da [SCom38...].
Quando comparamos a data de emissão com a data de criação dos respetivos documentos deparamos com [...] divergência temporal (anexo 20) [...]
Neste exemplo as guias e a respetiva fatura foram criadas 1 mês depois da alegada data de emissão constante nas mesmas, tendo o fornecedor necessitado de cerca de 6 minutos para a criação dos 5 documentos, tendo estes sido criados de uma forma sequencial. Assim, na suposta data de entrega das existências (19.04.2016) os documentos de transporte não existiam, pelo que é materialmente impossível admitir que as guias de remessa acompanharam a mercadoria entre os locais de carga e descarga. É de notar ainda de que as guias de remessa foram comunicadas cerca de 1 hora depois da criação do documento e um mês depois do suposto transporte ter sido iniciado, o que constitui uma infração ao disposto do n.° 5 do Regime de Bens em Circulação, onde consta que as guias devem ser comunicadas à AT antes do início do transporte.
Ainda neste contexto, importa referir que existem documentos emitidos pelas entidades relacionadas com o CC «CC» que foram criados ao domingo, situação que atesta bem o modo como tais documentos foram produzidos. [...]
Os exemplos acima apresentados são bastante representativos do modo como os documentos de compra e de transporte emitidos pelos supostos fornecedores da [SCom01...] foram criados [...]
Em termos globais, os supostos fornecedores faturaram mais de 1,6 milhão de euros e não há um documento de transporte nem um documento de compra que tivesse sido criado na data de emissão constante nos mesmos, para além de que alguns destes foram criados ao domingo, o que nos garante que estes documentos não acompanharam as mercadorias entre os locais de carga e descarga, descredibilizando por completo o circuito físico das existências, e consequentemente pondo em causa a veracidade dos documentos.
Segundo o CIVA, as faturas devem ser emitidas, no máximo, até ao 5° dia útil seguinte ao momento em que o imposto é devido, que nos termos do artigo 7° do CIVA corresponde ao momento em que os bens são colocados à disposição do adquirente, logo, o fornecedor tem um prazo de cinco dias úteis para emitir a respetiva fatura. Mas, independentemente do cumprimento deste requisito legal, a data que deve constar no documento de venda e no de transporte – data de emissão, tem que ser igual à data de criação do registo e não com qualquer outra data.
No âmbito da análise do conteúdo dos documentos de transporte e de compra verificamos que regra geral o local de carga das existências supostamente adquiridas às empresas [SCom03...] e [SCom04...] corresponde às instalações situadas na Rua ... em ..., existindo algumas exceções, que imputam o local de carga à casa dos pais do CC «CC» em ... (anexos 16 e 18).
Conforme já referido e analisado na presente informação nestes 2 locais – casa dos pais e o armazém em ... não há evidências do exercício de qualquer atividade do setor da cortiça, para além de que a residência em ... não têm condições nem capacidade para o armazenamento de existências de cortiça.
III.2.2.2. Controlo de Existências
III.2.2.2.1. Dados
Independentemente dos factos detetados sobre as faturas de compra emitidas pelas entidades relacionadas com o CC «CC», que constituem fortes indícios de que estamos na presença de faturas falsas de compras de existências, consideramos importante proceder ao controlo quantitativo das entradas e saídas de existências na empresa [SCom01...].
Os testes de controlo assentam na recolha e no tratamento das compras e vendas declaradas no exercício de 2016. Nesta análise procedemos à elaboração dos seguintes mapas de trabalho:
· Anexo 9 – Relação das compras ordenada por data, com informação sobre o n.º registo da contabilidade, identificação do documento (número, data), identificação do fornecedor (nome e NIF), identificação da existência adquirida (tipo, descritivo, quantidade, medida), valoração das existências (custo unitário, base tributável e IVA) e outras informações (transporte, locais de carga e descarga, etc.);
· Anexo 10 – Relação das compras, ordenada por existência (cortiça, rolhas e apara). [...]
Anexo 7 – Relação das vendas, ordenada por data, com informação sobre o n.º registo da contabilidade, identificação do documento (número, data), identificação do cliente (nome e NIF), identificação da existência vendida (tipo, descritivo, quantidade, medida), valoração das existências (preço de venda unitário, base tributável e IVA) e outras informações (transporte, locais de carga e descarga, etc.);
· Anexo 8 – Relação das vendas, ordenada por tipo de existências – cortiça, rolhas, e apara. [...]
III.2.2.2.2. Controlo quantitativo global
Neste teste trabalhamos com os seguintes pressupostos de análise:
· O SP tem por atividade principal a compra e a venda de apara. Mas, tendo em atenção o equipamento que estava nas instalações aquando das buscas realizadas em outubro de 2016 e a contratação de funcionários com a função de broquista, vamos admitir que o SP também se dedicou à produção de rolhas. Dado o estado de depreciação do equipamento e o n.º de broquistas ao serviço, tudo leva a crer que trata-se de uma produção residual, com um pequeno peso no total da atividade;
· Segundo os documentos de compra e de venda, a empresa [SCom01...] comprou e vendeu cortiça em fardos, paletes e quilos, e paralelamente, tudo indica que terá existido uma pequena atividade de produção de rolhas. Assim, sendo, poderá ter havido compras de fardos e/ou de paletas que foram incorporados no processo produtivo. Esta hipótese obriga-nos a que no controlo quantitativo da cortiça tenhamos que utilizar a mesma unidade de medida, pois só assim obtemos valores comparáveis;
Dadas as características da cortiça e as medidas frequentemente utilizadas, optamos por converter os fardos e as paletes a quilos [...]
· Desta forma, em termos totais, apuramos que no exercício em análise a empresa [SCom01...] comprou e vendeu cortiça nos montantes 293.680Kg e 264.163Kg, respetivamente;
[...]
· Tendo em atenção que o SP iniciou e cessou a atividade no decurso do exercício de 2016, a variação de existências é nula. É de reforçar de que quando em 17.10.2016 a empresa [SCom01...] cessou atividade para efeitos de IVA justificou tal facto nos teremos da alínea b) do n.º 1 do artigo 33º do CIVA, o que significa de que nesta data o SP não tinha existências em armazém.
· Tendo por base da informação constante no site da [SCom39...] vamos aceitar que uma tonelada de cortiça permite, em média, a produção de 66,7 milheiros de rolhas (anexo 22);
· Tendo por base da informação constante no site da [SCom39...] vamos aceitar que, em média, apenas 25% da cortiça é que dará rolhas, sendo que os restantes 75% geram desperdício – apara (anexo 22);
Se às quantidades adquiridas de cortiça adquirida retirarmos as vendidas, obtemos 29.517 Kg de cortiça disponível para ser incorporada no processo produtivo [...]
Se os valores contabilizados e declarados forem reais, então a diferença apurada na cortiça no montante de 29.517Kg, significa que foi incorporada no processo produtivo, tendo daqui resultado cerca 2.500 milheiros de rolhas de e cerca de 17.000Kg de apara.
Confrontando esta premissa de análise com os pressupostos de analise verificamos que:
· Os 29.517Kg de cortiça permite a produção de cerca de 1,968 milheiros de rolhas [=29,517/66,70], o que significa que o SP não tinha cortiça suficiente para produzir os 2,5 milhões de rolhas;
· Os 29.517Kg de cortiça permite a produção de 22.138Kg de apara [=75% de 29.517], o que nos leva a concluir que, se as compras (de apara e de cortiça) e as vendas (de apara e de cortiça) fossem reais, que, então, houve produção de apara que não foi faturada no montante aproximado de 5.000Kg [=22.138­17183]
As divergências obtidas não são de montante elevado, mas estes resultados, conforme será analisado na seção seguinte, não podem ser dissociados dos fortes indícios que têm vindo a ser relatados na presente informação sobre o facto de o SP utilizar e emitir faturas falsas.
III.2.2.2.1. Compras versus Vendas
No confronto das relações de compras e de vendas, através do descritivo dos documentos, da data de emissão e dos valores unitários, verificamos que existem operações de natureza exclusivamente comercial, uma vez que, segundo os documentos, a compra é precedida da venda, sem que haja evidências de qualquer tipo de transformação, conforme se encontra evidenciado nos seguintes exemplos:
· No início do ano a [SCom01...]’ 3.670Kg de cortiça 12/16 à empresa [SCom04...] (fatura n.º 6) e no final do mês, esta mesma mercadoria foi ‘vendida’ ao cliente [SCom06...] Unipessoal, Lda. com uma margem de 12% (fatura n.º 9);
· No dia 16 de maio de 2016, a [SCom01...]’ à [SCom04...] 2.620Kg de apara especial (fatura n.° 121), que no mesmo dia foi faturada ao cliente [SCom10...] (fatura 140), com uma margem bruta de 29%;
· No dia 16 de setembro a [SCom04...] ‘vendeu’ à [SCom01...] 57 milheiros de rolhas 45X24 raça (fatura 179) e passado uns dias estas mesmas rolhas foram faturadas ao cliente [SCom40...] (fatura 252).
Desta forma procedemos à criação de uma amostragem com 16 casos de operações de natureza comercial, exemplos retirados dos anexos 7 e 9, onde incluímos as diversas mercadorias adquiridas e vendidas de cortiça, rolhas e apara, realizadas no decurso do exercício de 2016 [...]
Da análise dos elementos da amostragem verifica-se que em termos globais, a mercadoria é ‘adquirida’ e depois passado 2 a 3 semanas a mesma é ‘vendida’. No entanto existem dois extremos: a mercadoria que é ‘vendida’ no mesmo dia da compra, que é o caso da operação relativa a 2.620Kg de apara especial que supostamente ocorreu 16.05.2016 e, no outro lado, temos o caso das rolhas 31X26 Bom que, são vendidas depois de um mês da mercadoria ter ‘entrado’ nas instalações do SP.
Ou seja, segundo os documentos contabilizados estamos perante um comportamento padrão: a mercadoria ‘entra’, fica uns dias e depois ‘sai’ para o cliente. Continuando com a leitura direta destes documentos, verificamos que existem casos em que quando a mercadoria, nomeadamente a cortiça, é ‘vendida’, esta é ‘carregada’ e ‘entregue’ na caldeira. Esta situação está representada na amostra com as operações associadas aos documentos de venda n.°s 96 e 186, ambos emitidos no nome do cliente [SCom40...], onde consta ‘esta mercadoria foi vendida nesta data na caldeira matias e neves, em ...’ ou ‘vendidas na caldeira matias e neves’.
Efetivamente, muitos negócios da cortiça são ‘feitos’ na caldeira. Regra geral, a cortiça vem diretamente do fornecedor e depois fica em ‘stock’ e ‘disponível’ na caldeira para o cliente ver, escolher e comprar (e cozer). Confrontando esta prática com os documentos da [SCom01...] e as bases de dados da AT, apuramos os seguintes factos:
· Nas aquisições de cortiça efetuadas às empresas [SCom03...], [SCom04...] e [SCom41...] o local de descarga da cortiça corresponde sempre às instalações do [SCom38...] (instalações essas que como já vimos são incompatíveis com a movimentação de grandes quantidades de cortiça);
· Nas pastas da contabilidade não encontramos documentos relativos à prestação de serviços de cozedura de cortiça que possam ser imputados à empresa [SCom17...] ou de outra empresa com caldeira. Não obstante este facto, na plataforma do e-fatura a empresa [SCom17...] registou uma fatura a favor da [SCom01...] com a data de 23.09.2016;
· No decurso do exercício de 2016 a [SCom01...] comunicou 10 transportes onde a empresa [SCom17...] é identificada como destinatário. Estes serviços estão associados às guias de remessa de remessa n.°s 5, 7, 8, 236, 243, 244, 254, 265, 268 e 269, que foram emitidas para o transporte de rolhas, dando lugar à emissão das faturas n.°s 6, 169, 172 e 176. O que indicia que a [SCom01...] vendeu rolhas à empresa [SCom17...];
· Não há comunicações de transporte de cortiça entre a sede da [SCom38...] e as instalações da [SCom17...] em ... ou de outra empresa com caldeira;
· Por outro lado, a empresa [SCom17...] comunicou 2 transportes a favor da [SCom01...], cujos bens foram descarregados nas instalações da [SCom38...] [...]
· Pelo descritivo dos bens transportados, o serviço pode estar relacionado com a cozedura da cortiça, mas não sabemos como é que esta cortiça foi levada para a caldeira da empresa [SCom17...]. Mas, em contrapartida, estas comunicações indiciam que a cortiça não ficou na caldeira, mas sim que terá voltado às instalações da [SCom01...];
· Da análise do e-fatura sabemos ainda, que o fornecedor [SCom17...] emitiu apenas uma fatura em setembro de 2016 no nome da [SCom01...] pelo valor total de 130€ acrescido de IVA à taxa normal (fatura n.° 231 de 23.09.2016). Dada a proximidade das datas, esta fatura poderá estar relacionada com a comunicação de 02.09.2016 e não poderá ser relacionada com os documentos de venda n.°s 96 e 186 de abril e junho de 2016, respetivamente, onde consta que a cortiça foi vendida na caldeira;
Não obstante esta prática corrente de comprar e vender na caldeira, não temos uma única prova que possa colocar as compras de cortiça da empresa [SCom01...] nas instalações de [SCom17...] ou de uma outra caldeira, o que fragiliza o circuito físico das existências adquiridas e vendidas.
Relativamente à margem bruta sobre o custo das existências dos casos da amostra, se excluirmos a margem negativa de 65%, os valores apurados variam entre 2% e 33%, com uma média na ordem dos 13%, que não se afasta dos valores declarados em sede de IR – 14%. Neste contexto é interessante analisar a exceção da margem negativa. Segundo o documento de compra emitido pela empresa [SCom04...], a empresa [SCom01...] 40X30 fracas por 135€/milheiro, e passado 9 dias vendeu as mesmas por apenas 47,5€. Para uma rolha ‘fraca’ o custo de aquisição é muito elevado e superior a rolhas de melhor qualidade, como por exemplo rolha 45X25, superior, que supostamente foi adquirida a 110,4€/milheiro ou ainda a rolha 23X26, bom, que foi "adquirida" a 65€/milheiro. Estas diferenças são completamente inverosímeis, levantando a hipótese da existência de um erro de ‘simpatia’ na digitação do preço unitário da rolha 40X30, fraca: o fornecedor faturou um preço unitário de 135€/milheiro, mas provavelmente o que ‘pretenderia’ seria registar um preço unitário de 35€, o que levaria a uma margem bruta de 36%.
Conforme analisado na seção III.2.2.1., todos os documentos de compra timbrados no nome das empresas [SCom04...] e [SCom03...] a favor da [SCom01...] não foram criados na data de emissão constante nos mesmos, o que, por si só, constitui um forte indício de que estamos perante faturas que não suportam transações reais. Recorrendo aos exemplos inicialmente apresentados, sabemos que as faturas da [SCom04...] n.º 6, n.º 121 e n.º 179 não foram criadas nas datas de emissão 6 janeiro, 16 de maio e 15 de setembro, respetivamente, mas sim 26, 21 e 12 dias depois, respetivamente (anexo 17). Relativamente aos documentos de venda, da análise do Saft da [SCom01...] verificamos que, regra geral, estes foram emitidos na data de emissão constante nos mesmos com a exceção de 7 documentos: 10, 11, 84, 95, 96, 257 e 259 (anexo 21).
Perante esta realidade, é necessário analisar se existe alguma co-relação entre a data de criação do documento de compra e a data de criação do documento de venda (por parte da [SCom01...]). Continuando com a amostragem verificamos que todos os documentos de compra foram criados depois da data de emissão do documento de venda, com a exceção da fatura da [SCom04...] n.º 174 que foi criado no mesmo dia do documento de venda – 27 de setembro de 2016 [...]
Especificando um pouco mais os exemplos iniciais:
· Quando em 28 de janeiro a empresa [SCom01...] emitiu a fatura n.º 9 relativamente à venda de 3.670Kg de cortiça, ela não tinha em seu poder o correspondente documento de compra, que só veio a ser criado 4 dias depois em 1 de fevereiro;
· Teoricamente no mesmo dia - 16 de maio de 2016, a [SCom01...] ‘compra’ e ‘vende’ 2.620Kg, no entanto o documento de compra só passou a existir passado 21 dias depois;
· O documento de compra - fatura n.º 179 utilizado para justificar as supostas vendas da fatura n.º 254, só foi criado um dia depois da fatura de venda;
Na amostra apresentada e analisada verifica-se que, regra geral, a empresa [SCom01...] emite o documento de venda e um ou dois dias depois é que o documento de compra é criado, permitindo desta forma ‘justificar’ a respetiva venda. Ainda neste contexto é interessante analisar a ‘exceção’ a esta regra: a fatura de compra n.º 174 e a fatura de venda n.º 252 foram criadas no mesmo dia – 27 de setembro de 2016, mas se reparamos na hora do registo dos documentos, podemos deduzir que não se trata de uma ‘exceção’ verdadeira, uma vez que efetivamente o documento de compra foi criado cerca de 4 horas depois da criação do documento de venda.
Esta tendência, documento de venda seguido do de compra, é uma inversão dos acontecimentos de operações reais, o que por si só, constitui um forte indício de que estamos na presença de faturas falsas, uma vez que, em condições de normalidade, primeiro surge o contrato de compra e só depois é que vem a operação de venda. É de notar ainda que os documentos de compra e de venda contabilizados na escrita da [SCom01...] ‘refletem’ esta normalidade, uma vez que a data de emissão constante no documento de compra é anterior ao documento de venda, dando a ideia de que primeiro a [SCom01...]’, a mercadoria ‘entrou nas instalações’ e depois ‘saiu com a venda’, quando efetivamente os documentos de compra foram criados à posterior.
Esta inversão dos acontecimentos também explica as divergências pouco significativas apuradas no controlo quantitativo global, explanado na seção anterior. Se a empresa [SCom01...] emite uma fatura de venda de um milhão de rolhas ou de 20 paletes de cortiça, então precisa de uma fatura de compra com a mesma grandeza de valores. E com este controlo feito à ‘posterior’, no sentido de que primeiro ‘vende’ e depois ‘compra’, a empresa [SCom01...] facilmente consegue cruzar as ‘entradas’ e das ‘saídas’ de existências, bem como da respetiva margem bruta de comercialização. Daí que o controlo quantitativo global não apresente grandes anomalias porque este controlo assenta em documentos de entrada e saída de existências falsos, onde nota-se que houve o cuidado de no final do exercício a quantidade vendida estar em consonância com a adquirida.
III.2.2.3. Pagamento das faturas de compra
Da análise dos documentos de suporte da contabilidade da empresa [SCom01...], verificamos que regra geral o pagamento das faturas da [SCom04...] e da [SCom03...] é feito através de transferências bancarias a favor do respetivo fornecedor, não obstante de existirem alguns pagamentos associados a cheques. Contabilisticamente estes pagamentos passam pelo caixa e estão associados aos seguintes registos:
· Diário de bancos – o pagamento é justificado com a nota de lançamento emitida pela respetiva entidade bancária onde dá conta da ordem de transferência a favor dos respetivos fornecedores;
· Diário de pagamentos – o pagamento é justificado com o recibo emitido pelo respetivo fornecedor relativo ao valor total da fatura;
· Não tivemos acesso aos registos da contabilidade, mas tendo em atenção o documento de suporte associado a cada diário, tudo indica que a transferência é registada em caixa que depois é anulada com o recibo por contrapartida da conta corrente do fornecedor;
Junto de alguns recibos emitidos pelos alegados fornecedores encontramos cópia de cheques da [SCom01...] e de clientes e que foram usados para justificar o pagamento das faturas da [SCom03...] e da [SCom04...]. Regra geral o valor do cheque é inferior ao valor da fatura, mas na cópia do cheque consta a notação de que o resto foi pago em numerário.
Mas, conforme referido o grosso dos pagamentos foi realizado através de transferências bancárias. Inicialmente, estas eram pelo valor total da fatura, pelo que era possível associar o pagamento à fatura e ao respetivo recibo, mas depois começaram a predominar transferências em montantes ‘certos’, que contabilisticamente, podem ser equiparados a pagamentos por conta, sendo impossível imputá-los à respetiva fatura, uma vez que não existe qualquer referência.
Relativamente aos recibos, verifica-se que nem sempre este respeita o modo como o documento de compra foi regularizado. Regra geral o recibo tem data de emissão da fatura e corresponde ao valor total da mesma, ou seja, os alegados fornecedores [SCom04...] e da [SCom03...] emitem, geralmente, o documento de quitação antes mesmo dos alegados pagamentos, situação que só se entende à luz do que temos vindo a retratar: mera emissão de faturas, sem que às mesmas esteja subjacente qualquer efetiva transação de bens entre as partes e, como tal, qualquer pagamento.
Do confronto do diário de bancos com o pagamentos apuramos divergências de valores, que estarão diretamente relacionadas pela prática de registar o recibo pelo valor total da fatura, quando efetivamente as entregas (cheques e transferências) são de montante inferior. Na declaração anual, a classe de fornecedores no balanço tem um valor de 27.996,03€, e se compararmos este crédito com o valor total das compras de existências, com IVA incluído, que ascendeu a 2.079.809,26€ (anexo 11) obtemos um rácio na ordem dos 1,3%. Trata-se de um valor residual, o que nos permite aferir que contabilisticamente a [SCom01...] ‘pagou’ praticamente tudo às empresas [SCom03...] e à [SCom04...].
Não obstante este cenário contabilístico ‘regularizado’, a principal prova de ‘pagamento credível’ a que tivemos acesso corresponde às transferências bancárias. No entanto, como demonstraremos de seguida, trata-se tão só de mais uma operação (tal como sucedeu com as comunicações de transportes) tendente a tentar que a aparência documental se aproxime o mais possível da que existe nas operações reais.
A [SCom01...] é titular de 3 contas bancárias: Banco 4..., Banco 1... e Banco 3..., que em termos globais funcionam da seguinte:
· O movimento a crédito corresponde a pagamentos de clientes, sob a forma de depósitos bancários e de transferências bancárias. Nestas operações destacam-se os clientes [SCom40...], [SCom42...], [SCom14...], [SCom10...] e [SCom08...];
· Quando o crédito fica disponível, ocorrem transferências com a designação ‘TRF P/P DE FATURAS’ com valores muito próximos das transferências dos clientes. Estas transferências correspondem aos pagamentos das faturas de compra da [SCom03...] e da [SCom04...];
· Os restantes movimentos são relativos a despesas bancárias e a pequenos pagamentos.
Não obstante a conta do Banco 4... ter mais movimentos do que as outras, em termos globais, as contas bancárias da [SCom01...] apresentam um padrão de registo muito básico e repetitivo, que assentam na entrada de receitas de clientes, que são seguidas de transferências para as contas da [SCom03...] e da [SCom04...], existindo um saldo médio reduzido, uma vez que tudo o que entra na conta sai de imediato.
Perante os fortes indícios de utilização e emissão de faturas falsas temos que obrigatoriamente analisar o que é que aconteceu ao dinheiro que foi transferido para as contas das empresas do CC «CC». No âmbito do Processo de Inquérito n.º...3/16.1IDAVR, sabemos que quando as transferências da [SCom01...] ficaram disponíveis nas contas da [SCom03...] e da [SCom04...], o dinheiro foi levantamento ao balcão pelo CC «CC». [...]
É de notar que desde sempre, a emissão e a utilização de faturas falsas esteve relacionada com levantamentos e/ou pagamentos em numerário porque é a maneira mais simples e eficaz do utilizador reaver retorno do pagamento simulado, sem deixar qualquer tipo de ‘rasto’, uma vez que o dinheiro não fala. No entanto, o processo de simulação tem vindo assumir contornos mais elaborados, deixando de haver uma relação única e direta entre o emitente e o utilizador e passando pela participação de diversas entidades, o que leva a uma extensão do circuito da fatura falsa.
Não obstante as entradas e as saídas nas contas bancárias da [SCom01...] estarem praticamente todas identificadas, efetivamente esta informação não é de grande utilidade, uma vez que não é possível saber quem é efetivo beneficiário do dinheiro que entrou nas contas da [SCom01...], porque ‘ciclo’ termina com levantamentos ao balcão.
[...]
III.3. CONCLUSÃO
No decurso do exercício de 2016, a empresa [SCom01...] registou na contabilidade documentos de compras de existências de apara, cortiça e rolhas que estão justificadas com documentos timbrados no nome das empresas [SCom04...] e [SCom03...]. No seguimento do exposto nas seções anteriores da presente informação existem fortes indícios de que estes documentos de compra não sustentam transações reais, sendo de destacar os seguintes factos:
· Os supostos fornecedores de existências são utilizadoras e emitentes de papel falso;
· Os supostos fornecedores têm uma estrutura empresarial muito reduzida incapaz de responder e justificar o elevado volume de negócios declarado;
· As compras dos supostos fornecedores estão justificados com faturas timbradas no nome da empresa A, que é um conhecido emitente de faturas falsas, cuja execução da contabilidade, também, é da responsabilidade de «CC»;
· Os supostos fornecedores não tém equipamento produtivo nem funcionários;
· Não existem provas credíveis da realização do circuito físico das existências;
· Os documentos de compra e de venda dos supostos fornecedores identificam locais de cargas e descargas, nos quais não há evidências de tais movimentações;
· As contas bancárias das entidades relacionadas apresentam saldos médios muito reduzidos devido aos levantamentos em numerário, que ocorrem quando as entregas dos clientes ficam disponíveis;
· Todas as faturas de venda emitidas pelas empresas [SCom04...] e [SCom03...] no nome da empresa [SCom01...] foram criadas depois da data de emissão constante das mesmas, o que nos permite pôr em causa a veracidade do circuito físico das existências entre os locais de carga e descarga;
· A [SCom01...] vendeu cortiça que supostamente encontrava-se na caldeira, no entanto não há evidências nem provas do transporte de existências para a caldeira;
· Relacionando a data de criação do documento de compra com o de venda verifica-se que, regra geral o documento de compra é criado 1 ou 2 dias depois do documento de venda. Ou seja, quando a [SCom01...] emitiu e criou o documento não tinha em seu poder o documento de compra, porque nesta data este documento não existia, não obstante exibir uma data de emissão anterior à data de venda;
· A empresa [SCom01...] realizou transferências para simular o pagamento dos documentos de compra timbrados no nome das empresas [SCom04...] e [SCom03...]. Estas transferências foram seguidas de levantamentos em numerário;
Todos estes factos permitem-nos por em causa a veracidade dos documentos de compra timbrados no nome das empresas [SCom04...] e [SCom03...] a favor da empresa [SCom01...], que foram contabilizados no decurso do exercício de 2016. O valor total dos documentos de compras ascendeu a 1.664.106,23€ e permitiu a dedução indevida de IVA no montante total de 378.707€ [...]
Perante os fortes indícios de utilização de faturas falsas de compras de existências, a dedução deste imposto constitui uma infração ao n° 3, do artigo 19° do Código do IVA. Estamos na presença de negócios simulados que inserem-se no âmbito da prática de crimes fiscais de fraude qualificada nos termos do artigo 104° do RGIT.
Conforme analisado ao longo da presente informação os factos apurados indiciam que a empresa [SCom01...] emitiu documentos de venda para os quais existem fortes indícios de que não suportam transações reais. Porém, tal não desobriga o SP a entregar nos cofres do Estado o montante do IVA liquidado e constante nas referidas faturas. Nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 2° do CIVA, as entidades que em fatura ou documento equivalente mencionem indevidamente IVA também são sujeitos passivos de imposto, pelo que estão obrigados a entregar o IVA indevidamente liquidado nos termos do disposto no número 2 do artigo 27° do CIVA.
Do mesmo modo e tendo por base este suporte legal, mantemos os valores declarados de IVA liquidado nas respetivas DP’s submetidas pelo SP, uma vez que o imposto mencionado em faturas falsas é devido aos cofres do Estado.
Este entendimento também está presente no direito comunitário, uma vez que na faturação indevida de imposto, em que o respetivo emitente tenha agido de má-fé, o imposto liquidado é devido nos termos do art.° 21.° n.° 1 alínea c) da Sexta Diretiva e, por outro lado, não confere, ao destinatário, direito à dedução, nos termos do artigo 17.° da Sexta Diretiva.
[...]
VIII. OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES
VIII.1. A SITUAÇÃO EM SEDE DE IRC
No seguimento dos factos expostos na presente informação, sabemos que no exercício em análise a empresa [SCom01...]:
· Contabilizou faturas de compras de existências de cortiça, rolhas e apara, para as quais temos fortes indícios de que não suportam transações reais;
· O controlo das existências apresenta anomalias que põem em causa a veracidade dos documentos de compra e de venda das existências;
· Não há prova credível do circuito físico das existências entre os locais de carga e descarga;
Todos estes factos garantem-nos que os valores declarados e contabilizados não refletem a exata situação patrimonial da empresa [SCom01...], pelo que nos termos da alínea b), do número 1, do artigo 87.º e da alínea b) do artigo 88.º, da LGT, para os efeitos previstos nos artigos 87.º a 89.º, do citado diploma legal, por remissão do artigo 57.º do Código do IRC, encontram-se reunidas as condições para a determinação do resultado do exercício de 2016 através da aplicação de métodos indiretos.
Em 21.11.2017, a empresa [SCom01...] submeteu voluntariamente, fora do prazo, a Declaração de Rendimentos – Modelo 22 do exercício de 2016 com um resultado fiscal de 202.493,89€, associado a uma rentabilidade fiscal de 10,5%.
Dada a natureza das infrações detetadas, a rentabilidade fiscal [Resultado Fiscal / Vendas] seria o rácio mais indicado para presumir o resultado tributável do exercício de 2016. No entanto os valores disponíveis na base de dados da AT ficam aquém dos valores declarados voluntariamente pela empresa [SCom01...], pelo que não propomos qualquer correção aos valores declarados em sede de IRC.
VIII.2. INDÍCIOS DE EMISSÃO DE FATURAS FALSAS
Os factos expostos e analisados na presente informação indiciam de que a empresa [SCom01...] é uma pequena unidade empresarial, que se dedica essencialmente à compra e venda de apara e à produção, em muito menor escala, de rolhas. O exercício destas atividades associado à utilização e contabilização das faturas falsas emitidas pelas empresas [SCom04...] e [SCom03...] permitiu dar cobertura à emissão de um vasto conjunto de faturas falsas, destacando-se entre os destinatários das mesmas a sociedade [SCom05...], Lda. pelo elevadíssimo valor da faturação que lhe foi emitida (anexo 2) [...]
Sobre as vendas declaradas pela [SCom01...] que não sejam relativas à apara de cortiça (particularmente apara de broca) e a pequenas quantidades de rolhas (devido à reduzida capacidade produtiva), recaem fortíssimos indícios de que não sustentam operações reais. No âmbito desta análise é de destacar os seguintes indícios de emissão de faturas falsas:
i. No decurso do exercício de 2016 a empresa [SCom01...] contabilizou compras num montante superior a 1,6 milhões de euros e cerca de 98,7% destas compras estão justificadas com documentos falsos timbrados no nome das empresas [SCom04...] e [SCom03...], sobrando apenas cerca de 22.000 € de compras de cortiça, o que não permite avalisar as vendas declaradas pela [SCom01...], que ultrapassaram 1,9 milhões de euros (mais IVA).
ii. Do confronto do volume de negócios com os gastos com o pessoal deparamo-nos com valores incoerentes com a atividade exercida. Em termos globais e absolutos o SP vendeu mais de 1.900.0000€ e só suportou remunerações com o pessoal na ordem dos 15.600€. Em termos relativos, estes valores patenteiam um elevado rendimento de pessoal que ascendeu a 123,26 pontos [R18 – R.Pessoal = Volume de negócios/Remunerações], o que significa que por cada unidade de custo com o pessoal o SP consegue vender mercadorias e/ou produtos acabados na ordem dos 123€ [...]
Na comparação dos valores declarados pelo SP com os do sector da atividade do comércio por grosso de cortiça em bruto deparamo-nos com indicadores com valores muito diferentes. Ou seja, enquanto os rácios do setor dizem que 1€ de gastos com o pessoal traduz-se em vendas/prestações de serviço variáveis entre 15,03€ e os 19,21€, no caso da [SCom01...], traduz-se em vendas/prestações de serviço de 123,26€.
Ainda neste contexto, se analisarmos os outros CAE's relacionados com o setor corticeiro, chegamos exatamente às mesmas conclusões [...]
Ou seja, no conjunto destes três rácios, o valor mais alto é de 19,21, completamente distante dos 123,26 declarados pela [SCom01...]. Deste modo, conclui-se, sem qualquer margem de dúvida, que o volume de negócios declarado é completamente desajustado da mão-de-obra disponível, facto este que constitui mais um fortíssimo indício de emissão de faturas falsas.
iii. Nos termos dos n.°s 5 e 6 do artigo 5° do Decreto Lei n.° 147/2003 de 11/7 a empresa [SCom01...] procedeu à comunicação de 363 documentos de transporte (anexo 23) e mais de 70% das comunicações foram emitidas no nome dos clientes [SCom06...], [SCom10...], [SCom43...] e [SCom33...] [...]
[...] verifica-se que houve 76 comunicações que ocorreram após a data de início do alegado transporte, sendo de destacar os seguintes factos:
· Cerca de 78% das comunicações realizadas após o início de transporte [76] estão associadas ao nome dos clientes [SCom40...] e [SCom33...] [59];
· Cerca de 41% das comunicações de transporte para o cliente [SCom40...] ocorreram após o inicio de transporte, estando em causa uma divergência temporal que vão desde 5 minutos a mais de 3 horas;
· Cerca de 31% das comunicações de transporte para o cliente [SCom33...] ocorreram após o início de transporte, estando em causa uma divergência temporal de minutos, horas e dias;
[...]
[...] as datas de emissão e criação dos documentos, bem como as datas de comunicação e início de transporte reportam-se ao mesmo dia, no entanto no momento em que o suposto de transporte é iniciado os documentos – guias e faturas, não existiam. O confronto destes factos põe em causa a veracidade das guias e das faturas, bem como o circuito físico das existências. Ainda neste contexto é de referir que no [...] GR 311 e FT 210, existe incoerência quanto ao local de carga:
· Na comunicação do transporte associada à GR 311 consta que a mercadoria foi carregada na sede fiscal da [SCom01...] na Rua ... em ...;
· Na fatura n.º 210 consta que o conteúdo da mesma foi ‘importado da GR 2016/...1 de 29.07.2016’, pelo que teoricamente a mercadoria foi carregada nas instalações da [SCom01...], no entanto na parte de baixo da fatura, acrescentou-se a informação de que as paletes ‘foram vendidas na caldeira matias e neves’.
Quanto à empresa [SCom33...] os documentos de venda são relativos a apara e da análise do saft da faturação da [SCom01...] verifica-se que existem várias guias de remessa associada à mesma fatura, no entanto nestes documentos não existe informação suficiente para proceder ao cruzamento dos mesmos. Desta forma, procedemos à análise do conteúdo das guias de remessa. A situação da [SCom33...] é idêntica à da [SCom40...], cerca de 31 % das comunicações a favor deste cliente ocorreram após o início do suposto transporte, com a agravante do desfasamento temporal ir até aos 16 dias [...]
Tal como na [SCom40...], nos exemplos acima apresentados, rio início de transporte a guia de remessa não existia. Nas guias 1 e 6 a diferença é pequena, mas em contrapartida o SP só comunicou o transporte muito mais tarde. Nos restantes casos, a diferença entre o inicio de transporte e a criação do documento é considerável, o que constitui um forte indício de que no suposto início de transporte a guia não existia.
Os exemplos apresentados põem, naturalmente, em causa a efetiva ocorrência de tais transportes, uma vez que nos termos do artigo 5 do Decreto-Lei n.º 147/2003 o condutor se tem de fazer acompanhar do documentos e/ou do código comunicado pela AT para o exibir caso tal lhe seja solicitado durante o percurso.
iv. Os factos descritos no ponto anterior, indiciam que na realidade tais transportes não ocorrem, tendo sido comunicados para credibilizar as alegadas vendas da [SCom01...]. Analisando em pormenor essas guias, é possível demonstrar que no dia 27.01.2016, entre as 9:10 e as 9:16 a [SCom01...] comunicou 19 guias de transporte, referente a alegados serviços ocorridos nos dias 11, 13, 15, 18, 21, 22, 25 e 26 de janeiro [...]
v. Em todas as guias de remessa emitidas pela [SCom01...] consta como local de carga ‘Rua ... – ...’. As instalações situadas nesse local não permitem o armazenamento de grandes quantidades de cortiça e muito menos o manuseamento das mesmas [...]
A efetiva utilização dessas instalações foi aferida no dia 03.10.2016, quando no âmbito do Processo de Inquérito n.º...3/16.1IDAVR, se verificou que no referido local se encontravam as seguintes existências:
- 150 Kg Apara Broca;
- 55 Kg Apara Especial;
- 4 Fardos de cortiça 10X12;
- 12 Redes de Cortiça (bocados);
- 38 Redes Rolhas de calibre 12X21, com 5.500 rolhas cada;
- 23 Sacos de rolhas de calibre 12X21, com 15.000 cada;
- 100 Milheiros de rolhas de calibre 12X21;
Nesta mesma data a [SCom01...] tinha em armazém o seguinte equipamento básico: empilhador, 2 rabaneadeiras, 4 brocas semi-automáticas, estando uma desativada, 2 brocas a pedal, 1 lixadeira, 1 máquina de escolher rolhas, 1 elevador, 1 máquina de contar rolhas e um tapete.
Ora, esta situação diverge bastante da situação retratada nas faturas emitidas pela [SCom01...], pois, por exemplo, em setembro de 2016 faturou mais de 292 mil euros (mais IVA). E ainda assim, muito inferior aos mais de 486 mil euros faturados em fevereiro desse ano.
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO
[...]
Da análise do direito de audição (anexo 24) somos obrigados a tecer as seguintes observações:
A. Nos pontos 1, 2, 3 e 4 o SP faz uma reflexão sobre o conteúdo e aplicabilidade princípio de legalidade aos órgãos da Administração Pública, com alusão ao n.° 5 do artigo 2° e ao artigo 3° do Código do Procedimento Administrativo. Trata-se de uma matéria não suscetível de discussão e com a qual concordamos plenamente: os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhe sejam atribuídas e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos;
B. No ponto 5 o SP continua com as considerações legais alegando que a declaração do contribuinte é a base da determinação da matéria coletável, ‘presumindo-se a veracidade dos dados apuramentos operados, caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei comercial e fiscal’, fazendo referência aos artigos n.°s 59°, n° 1 n° 2 e 75°, n° 1 da LGT). Na sequência direta do postulado, e tendo em atenção que a empresa possui contabilidade regularmente organizada segundo a lei comercial e fiscal’ (ponto 6), o SP considera que a AT não pode, sem qualquer prova concreta, alegar que existem fortes indícios da existência de faturas falsas (ponto 7).
Nesta matéria, também, concordamos plenamente com o contribuinte, pois até prova em contrário presume-se que a declaração do contribuinte é verdadeira. No entanto é necessário ter em atenção os seguintes factos:
i. No início do procedimento inspetivo o contribuinte foi notificado para apresentar os registos da contabilidade/Saft, mas até à presente data os registos da contabilidade não foram exibidos. No âmbito do Processo de Inquérito n.º...3/16.1IDAVR tivemos acesso aos documentos de suporte da contabilidade, que juntamente com os valores declarados em sede de IVA e IR, plataforma do e-fatura, saft de faturação e cruzamento de informação junto de terceiros foi possível apurar os factos descritos no projeto. Mas, efetivamente, não tivemos acesso à contabilidade pelo que não sabemos se a [SCom01...] possui contabilidade regularmente organizada segundo a lei comercial e fiscal;
ii. Nos termos da alínea a) do n.° 2 do artigo 75° da LGT, a presunção da veracidade dos valores declarados cessa quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
Ora, conforme explanado na secção III.2. do projeto relatório apuramos fortes e contundentes factos que indiciam que a empresa [SCom01...] registou faturas timbradas no nome das empresas [SCom04...] e [SCom03...], que não se referem a transações reais, sendo, entre outros factos, de destacar:
· A inexistente estrutura empresarial dos supostos fornecedores, que não obstante possuírem instalações em ..., não se conhecem máquinas, viaturas, compras efetivas, gastos fixos como por exemplo energia, funcionários (com a exceção do CC «CC»), para além de que nunca ninguém viu a entrar e a sair deste armazém as grandes quantidades de existências de cortiça supostamente transacionadas com a [SCom01...] e outros clientes;
· As guias de remessa e as faturas não foram criadas na data de emissão constante nas mesmas, o que descredibiliza por completo o circuito físico das existências adquiridas entre os locais de carga (...) e descarga (...);
· Do confronto das compras com as vendas deparamos com documentos de compra criados depois da data de emissão dos respetivos documentos de venda;
· Praticamente todos os pagamentos das "compras" às empresas [SCom04...] e [SCom03...], são seguidos de levantamentos em numerário pelo CC «CC», perdeu-se o rasto do efetivo beneficiário da fatura falsa.
Estes e outros factos analisados no projeto relatório indiciam de que as compras e as vendas declarados pela [SCom01...] não apresentam qualquer coerência entre eles, e consequentemente as compras e as vendas declaradas não correspondem às operações efetivamente realizadas pelo SP.
Nestes termos, fica afastada a presunção de veracidade do declarado pelo sujeito passivo, nos temos da alínea a), do nº 2, do artigo 75º da LGT.
[...]
C. Nos pontos 9 e seguintes o SP põe em causa as conclusões do projeto relatório tendo por base os seguintes argumentos:
· Ponto 9: (...) ‘as faturas em causa (...) reúnem todos os requisitos do artigo 36° do Código IVA’ – Efetivamente este artigo enumera os requisitos formais do documento necessários para validar a dedução de imposto e do custo, mas, por si só, não são suficientes para garantir a veracidade da operação representada;
· Ponto 10: A ‘qualidade’ dos emitentes das faturas desacompanhada de elementos concretos de prova é manifestamente insuficiente de só por si ilidir a presunção da veracidade de que goza a contabilidade do comprador (...)’ – Os factos descritos sobre os supostos fornecedores [SCom04...] e [SCom03...] na seção III.2.1. são consistentes, sérios, objetivos e indiciadores de que são emitentes de faturas falsas. Mas o projeto não se limita a estes factos, sendo acrescentar a análise do saft de faturação, o controlo de existências e a análise dos elementos bancários;
· Ponto 11: ‘(...) afirmações desacompanhadas (...) de documentos que as comprovem (...), pois apenas foram feitas referencias no Projeto Relatório a alegadas ações inspetivas (...) cujos os relatórios não foram juntos (...)’ – Ao abrigo do sigilo fiscal os projetos relatórios dos supostos fornecedores não foram anexados, no entanto a justificação do SP não identifica as afirmações desacompanhadas;
D. No ponto 13 o contribuinte aborda a problemática da prova de pagamento alegando que a sociedade ‘(...) fez transferências bancárias e emitiu cheques no nome dos fornecedores (...)’.
Efetivamente os extratos bancários da [SCom01...] e dos supostos fornecedores apontam para esta realidade: no decurso do exercício de 2016, a empresa [SCom01...] emitiu cheques e ordenou transferências a favor das empresas [SCom04...] e [SCom03...].
Mas, os referidos extratos também evidenciam de que quando os cheques e as transferências ficam disponíveis nas contas dos supostos fornecedores, o CC «CC» procede a levantamentos em numerário em montantes aproximados aos dos cheques e das transferências, perdendo-se o rasto do dinheiro, e do efetivo beneficiário final.
Relativamente a estes levantamentos, no ponto 20, o contribuinte alega que este comportamento dos fornecedores ‘é da livre vontade dos mesmos, não sendo responsabilidade do sujeito passivo’.
Tendo em atenção de que estes pagamentos/levantamentos tem por base documentos para as quais temos fortes indícios de que não suportam transações reais (descritos e analisados no capitulo III.2. do projeto relatório), então os cheques e as transferências foram realizados com o intuito de simular o pagamento de faturas falsas. Por sua vez, a simulação do pagamento exige o retorno, daí a existência dos levantamentos em numerários, permitindo de uma forma rápida e ‘limpa’ o retorno das verbas.
Perante o envolvimento da [SCom01...] neste circuito financeiro utilizado para simular o pagamento de faturas falsas, o comportamento da [SCom01...] não é isento de responsabilidades.
E. A partir do ponto 15 o contribuinte apresenta uma série de argumentos vagos e imprecisos, como se encontra evidenciado nas seguintes transcrições:
· Ponto 15: ‘nada de concreto foi apurado’, ‘meras conclusões pessoais (...) sem qualquer fundamentação de facto e de direito’;
· Ponto 16: O relatório ‘não goza de relevo probatório desacompanhado de outros elementos de prova’;
· Ponto 18: ‘nada está provado e documentado’;
· Ponto 19: ‘não existem documentos e elementos que permitam à Inspeção Tributária dizer que (...) tenha existido um acordo simulatório com vista a enganar terceiro (...)’;
Concluindo que a veracidade das operações não pode ser posta em causa, cabendo à AT fazer prova dos factos constitutivos do direito que invoque.
Ao contrário do que o sujeito passivo refere, no projeto de relatório procedeu-se à descrição e análise de vários factos e elementos, recolhidos junto dos emitentes e da [SCom01...], que põem em causa a veracidade das operações. Mas no direito de audição, nenhum destes factos foi objeto de uma análise objetiva e crítica.
Ainda neste contexto é de referir que a jurisprudência tem vindo a considerar que a AT não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório no intuito de enganar terceiros, mas sim demonstrar a factualidade que coloca em causa a presunção de veracidade das operações e legitima a desconsideração dos valores corrigidos [...].
F. No ponto 21 o contribuinte acusa a AT de não ter efetuado ‘qualquer controlo quantitativo da produção e das matérias-primas consumidas no exercício de 2016 (...) nem colocou em causa o custo das existências vendidas no ano de 2016, no valor de 1.686.867,23€ (conforma consta no quadro da página 8 do projeto relatório.º. E na sequencia destes factos, o SP conclui no ponto 22, que ‘a Inspeção Tributária não demonstrou e não provou que as operações tituladas nas faturas não ocorreram.º.
O quadro da página 8 é um resumo dos valores declarados pelo contribuinte na Declaração Anual do ano de 2016, que são referidos no âmbito de uma análise global do comportamento fiscal do contribuinte.
No entanto, nesta fase inicial, chama-se, desde logo, a atenção do leitor do projeto relatório para o facto dos valores declarados estarem diretamente relacionados com a prática danosa de emissão e utilização de faturas falsas.
Na seção III.2.2.2. – Controlo de existências procedeu-se à explanação da análise de diversos controlos quantitativos de existências, que põem em causa as compras e as vendas declaradas e consequentemente o custo das existências vendidas no ano de 2016, pelo que não se entende o teor e o alcance da argumentação apresentada, uma vez que não colhe e é absolutamente refutável com a leitura e análise desta seção do projeto relatório.
G. Nos últimos pontos da petição o contribuinte conclui que as propostas de correção são ilegítimas e infundadas porque constituem uma completa violação do n.º 2 do artigo 104º da Constituição da Republica (...) segundo o qual a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real e, também, porque constituem uma completa violação dos princípios da Legalidade e da Proporcionalidade.
A petição do SP termina da mesma forma como começou, referenciando postulados jurídicos sobre os quais não temos quaisquer dúvidas sobre o seu teor e a sua aplicabilidade no procedimento inspetivo. No entanto nesta conclusão, como ao longo da petição, o SP omitiu e não analisou os factos que, no seu entendimento, levaram à ‘violação’ de tais postulados, pelo que consideramos que os argumentos apresentados são justificações gratuitas sem qualquer tipo fundamento.
Conclusão:
No direito de audição o SP expressa a sua discordância com as correções propostas em sede de IVA, argumentando que ‘as faturas em causa titulam operações comerciais reais’ mas não analisa os fortes indícios de utilização e emissão de faturas falsas nem faz prova das suas convicções. Desta forma, é de concluir que o direito de audição não contesta os factos apurados nem apresenta factos novos, pelo que mantemos as correções propostas em sede de IVA no projeto relatório.
[...]”
– cfr. teor do relatório de inspeção, de fls. 103 a 183;
46. Em 11.02.2020, foi proferido despacho concordante com o teor do relatório de inspeção – cfr. despacho, a fls. 103;
17. Em 12.02.2020, mediante correio registado com aviso de receção, os serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças ... dirigiram à Impugnante, na pessoa do seu representante legal, «BB», e para a morada na Rua ..., ..., ..., um ofício para comunicação do teor do relatório de inspeção e respetivos anexos e da nota de diligência referente à conclusão da ação inspetiva – cfr. ofício, comprovativo de registo, aviso de receção e nota de diligência, de fls. 662 a 666;
48. A comunicação referida no ponto anterior foi devolvida ao remetente – cfr. sobrescrito a fls. 664/665;
49. Mediante correio registado em 18.02.2020, acompanhado de aviso de receção, que foi assinado por «AA», os serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças ... dirigiram à Impugnante, na pessoa do mesmo representante legal e para a mesma morada, novo ofício para comunicação do teor do relatório de inspeção e respetivos anexos e da nota de diligência referente à conclusão da ação inspetiva – cfr. ofício e comprovativo de registo e nota de diligência, a fls. 656, 657, 660 e 666;
50. Com base nas correções propostas do relatório de inspeção, os serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira processaram os documentos de correção referentes ao primeiro, ao segundo e ao terceiro trimestres do ano de 2016, os quais, face aos valores constantes das declarações entregues pela Impugnante, mencionadas nos pontos 31 a 33, contêm as seguintes alterações:
a. para o primeiro trimestre, no campo 91, imposto a favor do sujeito passivo no total de € 138,47 e, no campo 93, imposto a entregar ao Estado no valor de € 144.076,62;
b. para o segundo trimestre, no campo 91, imposto a favor do sujeito passivo no total de € 5.720,50 e, campo 93, imposto a entregar ao Estado no valor de € 180.074,42;
c. para o terceiro trimestre, no campo 91, imposto a favor do sujeito passivo no total de € 0,00 e, no campo 93, imposto a entregar ao Estado no valor de € 100.372,33 – cfr. documentos de correção, de fls. 693 a 697;
51. Na sequência, os serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira emitiram em nome da Impugnante as seguintes liquidações adicionais de IVA:
a. n.° ...33, referente ao primeiro trimestre de 2016, com o valor a pagar de € 144.076,62;
b. n.° ...44, referente ao segundo trimestre de 2016, com o valor a pagar de € 180.074,42;
c. n.° ...48, referente ao terceiro trimestre de 2016, com o valor a pagar de € 100.372,33;
– cfr. demonstrações de liquidação e de acerto de contas, de fls. 36 a 40;
52. A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu também as seguintes liquidações de juros compensatórios:
a. n.° ...93, referente ao primeiro trimestre de 2016, com o valor a pagar de € 21.489,12;
b. n.° ...94, referente ao segundo trimestre de 2016, com o valor a pagar de € 25.042,67;
c. n.° ...95, referente ao terceiro trimestre de 2016, com o valor a pagar de €
7.525,21;
– cfr. demonstrações de liquidação e de acerto de contas, de fls. 41 a 45.
*
Não se deram como provados ou não provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
Os factos enunciados nos pontos 1 a 4, 6, 7, 14 a 16, 22, 23, 27, 29, 30 e 34 a 37 foram dados como provados por referência ao teor do relatório de inspeção e atendendo a que os mesmos não foram colocados em causa pela Impugnante.
Quanto ao ponto 5, os factos enunciados na primeira parte e na parte final foram dados como provadas por referência ao teor do relatório de inspeção e atendendo a que os mesmos não foram colocados em causa pela Impugnante. O facto relativo à morada da primeira sede da Impugnante foi dado como provado por referência a diversa documentação constante dos autos, mormente de faturas e guias de remessa emitidas por várias entidades, das quais consta como morada da Impugnante a Rua ..., em ... (cfr. faturas e guias de remessa, de fls. 269 a 547 e 550 a 591). Embora no relatório de inspeção seja mencionado, em algumas passagens, que as instalações da Impugnante se situam nessa mesma rua, mas no n.° 136 ou até no n.° 124, considera-se que essas menções ocorreram por mero lapso de escrito.
Os factos constantes dos pontos 9 a 11 foram dados como provados por referência ao teor: do relatório de inspeção; dos mapas, de fls. 249 a 260, 263, 265 a 268 e 549; e das faturas, constantes dos conjuntos de documentos de fls. 269 a 547 e 550 a 591; e atendendo a que os mesmos não foram colocados em causa pela Impugnante.
A factualidade constante dos pontos 17 a 19 e 28 foi dada como provada por referência ao teor do relatório de inspeção e dos mapas, de fls. 210 a 221, 244 a 247, 261 e 262, e atendendo a que a mesma não foi colocada em causa pela Impugnante.
A factualidade enunciada no ponto 20 foi dada como provada por referência ao teor do relatório de inspeção e do mapa, de fls. 636 a 642, e atendendo a que a mesma não foi colocada em causa pela Impugnante.
Por sua vez, deram-se como provados os factos indicados no ponto 21 por referência ao teor do relatório de inspeção e do mapa, de fls. 233 a 238, e atendendo a que a mesma não foi colocada em causa pela Impugnante.
Deu-se como prova a factualidade constante dos pontos 24 a 26 por referência ao teor do relatório de inspeção e do mapa, de fls. 646 a 649, e atendendo a que a mesma não foi colocada em causa pela Impugnante.
A factualidade enunciada no ponto 40 foi dada como provada por referência ao teor do termo de ocorrência, a fls. 686, e atendendo a que a mesma não foi colocada em causa pela Impugnante.
Os restantes factos foram dados como provados com base na análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório, sempre por referência à numeração do sitaf. (…)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. Nulidade de sentença
4.1.1. Nas conclusões 1, 2 e 11, a Recorrente alega que existe falta de pronúncia sobre as alegações por si produzidas nos termos do artigo 120° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pois o Juiz do Tribunal a quo deve conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, sob pena de, não o fazendo, a sentença ficar ferida de nulidade (artigo 125° do C.P.P.T. e 660°, n° 2 e 645°, n° 1, alínea d) do C.P.C.).
Com efeito os artigos 125.º do CPPT e art.º 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC preveem como causa de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou conheça questões de que não pode tomar conhecimento.
Prevê o artigo 120.º do CPPT, que finda a produção de prova ordenar-se-á a notificação dos interessados para alegar por escrito no prazo fixado pelo juiz que não será superior a 30 dias.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, in Código do Procedimento e do Processo Tributário, Anotado, II volume, 6ª edição 2011, pag 297 “As alegações no processo de impugnação judicial são facultativas, pois mesmo que não sejam apresentadas, o processo segue os seus termos como se constata pelo artigo 121.º.
(…)
Nas alegações, em regra, apenas é admissível a apreciação crítica das provas e a discussão das questões de direito suscitadas na petição de impugnação, não sendo possível utilizá-las para invocar novos factos ou suscitadas novas questões de ilegalidade do ato impugnado.”
A omissão de pronúncia está relacionada com o dever que é imposto ao juiz pelo artigo 608.º, n.º 2 do CPC, onde se prevê que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, ressalvando aquelas que forem prejudicadas pela solução dada a outra, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A nulidade da sentença, por omissão de pronúncia verifica-se quando existe uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
É entendimento pacífico e reiterado da jurisprudência que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
Portanto, a nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. (Cfr. acórdãos do STA n.ºs 574/11 de 13.07.2011 e 01200/12 de 12.02.2015 e do TCAN nos acórdãos n.ºs 01903/12.5 BEBRG de 26.09.2013, 1481/08.0BEBRG de 10.10.2013 e 02206/10.5BEBRG de 16.10.2014).
Nesta conformidade, o tribunal a quo tem de resolver as questões equacionadas na petição inicial, não estando obrigado, a pronunciar sobre as alegações, nem mesmo os argumentos aí deduzidos, pelo que improcede a alegada nulidade.

4.2 A Recorrente alega que não poderia ter sido considerado provados os pontos 1 a 52 fazendo um “copy paste” no ponto 45, das páginas de relatório de inspeção tributária que por seu turno alegadamente, fez cópia de parte dos relatórios que terão sido elaborados pelos emitentes.
Tem vindo a jurisprudência deste TCAN, a entender que é no relatório de inspeção que reside toda a factualidade que consubstancia a declaração fundamentadora do ato de liquidação impugnado, é essencial conhecer-se a motivação do ato impugnado, de modo a que o tribunal a possa sindicar, pelo que tal fundamentação pode [e deve] integrar o probatório.
E é à luz de tal fundamentação do ato impugnado [vertida no relatório de inspeção tributária] que o Tribunal tem de sindicar se a administração tributária demonstrou os pressupostos que a legitimam a proceder às correções à matéria tributável aqui em causa.
Na verdade, as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando devidamente fundamentadas e se sustentam em critérios objetivos (art. 76º, nº 1 da LGT). O que significa, desde logo, que a Fazenda Pública não tem que repetir em juízo o esforço instrutório e probatório que desenvolveu em sede de procedimento administrativo. Ou seja, por força do art. 76º, nº 1 da LGT a Fazenda Pública pode valer-se em sede judicial da factualidade que apurou no procedimento administrativo, sem ter de reproduzir essa prova em tribunal.
No entanto, isto não significa que se os factos aí afirmados forem impugnados na petição inicial (nomeadamente por desconhecimento ou por oposição), o tribunal esteja dispensado de valorar a respetiva prova (é que uma coisa é dar como provado que a administração tributária realizou os atos de inspeção descritos no probatório e recolheu as informações aí referidas e outra, distinta, é dar como provado o que aquela concluiu). O facto de os fundamentos aduzidos no relatório de inspeção tributária constarem do probatório em nada colide com a eventual prova que a Impugnante possa fazer nos autos, em sentido contrário àqueles.
Em regra, o local apropriado para se efetuar tal juízo será na subsunção dos factos ao direito em que o Juiz (depois de dar como assente, na resposta à matéria de facto, que a administração tributária concluiu o que concluiu) aprecia a qualidade do respetivo discurso fundamentador e confirma se houve ou não erro sobre a suficiência dos pressupostos de facto da tributação. Quando a impugnação do facto afirmado for feita por oposição, “o juízo sobre a ocorrência do facto afirmado pelos serviços de inspeção tributária depende da prova que for feita dos factos materiais que forem alegados pelo impugnante e da sua idoneidade para abalar os juízos de facto que o relatório ou as suas conclusões exprimam. Sendo tais factos alegados na petição e relevantes para a decisão, deve o juiz formular o juízo sobre a sua existência na resposta à matéria de facto e sobre a sua idoneidade na aplicação do direito aos factos” (cf. Acórdãos deste TCAN n.ºs 79/04.6 BEPNF, de 06.06.2012, 1140/05 de 22.03.2018 e n.º 475/16.6 BEAVR de 13.05.2021.)
Nesta conformidade, no ponto 45.º da matéria de facto provada, consta excertos relevantes do Relatório de Inspeção à Recorrente, porém não colide com a eventual prova que a Impugnante/Recorrente possa fazer nos autos, em sentido contrário àqueles.
O facto de os relatórios das inspeções dos emitentes das faturas não terem sido juntos ao Relatório da Inspeção da Recorrente, também não pode vingar, uma vez que, as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando devidamente fundamentadas e se sustentam em critérios objetivos (art. 76º, nº 1 da LGT).
Assim, a sentença recorrida ao relevar a factualidade que consta do relatório de inspeção tributária (e em que se fundamenta a liquidação impugnada) nos termos que constam da sentença recorrida, e independentemente da demais prova produzida nos autos, não incorreu em erro de julgamento que lhe vem imputado.
Nas conclusões 15.º a 18, a Recorrente ensaia uma leve tentativa de impugnar a matéria de facto provada, sem, contudo, dar cumprimento ao disposto no art.º 640.º do CPC.
Nesta conformidade improcede a pretensão da Recorrente.

4.2. A Recorrente na conclusão 19.ª alega que a sentença recorrida é contraditória entre os fundamentos e a decisão, sem explanar as incongruências por si percecionadas.
Dispõe o artigo 615º, nº 1, al. c) do C.P.C. “é nula a sentença quando (…) os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…)”.
É pacífico na doutrina e jurisprudência o entendimento segundo o qual a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la: a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente (cf. nesse sentido, na doutrina Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, , Vol. V, pág. 141, Coimbra Editora, 1981, Amâncio Ferreira, Manual de Recursos no Processo Civil, 9ª edição, pág. 56 e Lebre de Freitas e Isabel Alexandra, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª edição, pág. 736-737)
É igualmente pacífico o entendimento de que a divergência entre os factos provados e a decisão não integra tal nulidade reconduzindo-se a erro de julgamento.
Analisadas as motivações das alegações bem como as conclusões, não vislumbramos os motivos que levam a Recorrente a entender que a sentença recorrida estejam em oposição com a decisão.
A nulidade apontada pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente entre a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la.
Todavia, analisado todo o percurso e fundamentação da sentença recorrida não ocorre qualquer contradição pelo que improcede a referida nulidade.

4.3. A Recorrente, apesar de ter sido convidada a aperfeiçoar as suas conclusões, não fez um esforço de síntese e de clarificação dos erros de julgamento que no seu entendimento ocorriam, continuando as mesmas obscuras e complexas.
Se bem interpretamos as conclusões, a questão principal do presente recurso que cumpre decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que a Administração fez prova, como lhe competia, da existência de indícios sérios e consistentes, suscetíveis de permitir a conclusão de que os documentos contabilizados pela Impugnante /Recorrente não correspondem a reais operações, bem como determinar se a Recorrente logrou demonstrar a materialidade dessas operações.
Vejamos:
O art.º 20º, n.º 1, do CIVA preceitua que “Só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos (…) pelo sujeito passivo (…)
A Administração Tributária fundou a sua atuação no n.º 3 do art.º 19º CIVA não aceitando a dedução do IVA.
No caso em apreço como supra se referiu está em discussão as liquidações de IVA, e respetivos juros compensatórios do ano de 2016, no qual a Administração Fiscal não aceitou a dedução do IVA, em faturas, emitidas pelas sociedades [SCom03...] § [SCom44...] Lda. e [SCom04...] Unipessoal Lda.
Dispõe o n.º 1, do art.º 74.° da LGT, que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Sobre a administração recai o ónus de provar a ocorrência de factos de que deriva o direito à liquidação do IVA e o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que se arroga a Administração.
É jurisprudência firmada do Supremo Tribunal Administrativo - cfr. acórdão 026635 de 17.04.2002 - no que concerne ao IVA recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado.
Neste sentido, vide jurisprudência do STA nos acórdãos nº 0871/02 de 09.10.2002; 001483/02 de 20.11.2002; 001480/03 de 14.01.2004; 0241/03 de 30.04.2003, bem como a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo do Norte, nos acórdãos n.º 01834/04, de 24.01.2008; 00166/04, de 03.02.2005, 00167/04 de 04.11.2004 e 00143/04 de 11.11.2004, in www.dgsi.pt.
Isto por que é o sujeito passivo que se arroga ao direito à dedução e a administração fiscal põe em causa o facto tributário.
No entanto esta regra só funciona após a Administração ter invocado a existência de indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu.
Como consta do acórdão n.º 026635 de 17.04.2002, “ a lei basta-se com um juízo administrativo de adequação entre os factos e valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida, e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei.(…)”
Com efeito, nos termos do n. º1 do art.º 74.º da LGT é à Administração que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua atuação, e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos.
Não obstante vigorar o princípio da veracidade da contabilidade, nos termos do art.º 75.º da LGT, tal presunção cessa, quando “...embora a escrita ou contabilidade esteja organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexactidões, ou haja, indícios fundados de que apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva” – como refere o acórdão do STA - Pleno da Secção do CT, Recurso nº 01026/02, de 07.05.2003.
Refere este acórdão que: Tendo a Administração Fiscal, por considerar não se terem efectivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na escrita do contribuinte, obstado à dedução do IVA que daquelas facturas consta, ao abrigo do disposto no artigo 19º nº 3 do CIVA, cabe ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da Administração, a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”
Prossegue o mesmo acórdão dizendo que: “…. é aquele que correntemente se vem chamando de “facturas falsas”, isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correcta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem, na verdade, não tiveram lugar.
E, aqui, a lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles “fundados indícios”. (destacado nosso).
Importa referir ainda que se tem entendido de forma pacífica e uniforme pela jurisprudência, que “(…)não será necessário que a AT prove os pressupostos da simulação previstos no art. 240º do Código Civil (a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros), sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios, objectivos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada, de que as facturas não titulam operações reais, pois de contrário seria praticamente impossível atingir o objectivo legal de tributação do rendimento real e de combate à fraude fiscal. (Acórdão do TCAN no processo n.º 2887/04-Viseu de 24.01.2008).
Nesta conformidade, da interpretação conjunta dos art.º 74.º da LGT e do art.º 240.º e 241.º do Código Civil, administração tributária não precisa de demonstrar acordo simulatório ou falsidade das faturas bastando-lhe evidenciar, indícios sérios, objetivos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada, de que as faturas não titularem operações reais.
No caso em apreço a sentença recorrida considerou que atendendo aos elementos apurados em sede de inspeção entre si conjugados, que a Administração Fiscal fez prova dos pressupostos legais que legitimam a correção e subsequente liquidação impugnada.
Desde já se diga que a sentença recorrida não nos merece censura, uma vez que, fez um julgamento sério e ponderado dos indícios recolhidos pela Administração Fiscal constantes do relatório.
Como decorre da sentença recorrida e sustentada no Relatório de inspeção foram efetuadas correções de natureza meramente aritmética em sede de IVA, para o ano de 2016, com fundamento na dedução indevida de imposto, no valor total de € 378.707,00, sendo € 157.716,20 referente ao primeiro trimestre, € 183.097,04 ao segundo trimestre e € 37.893,76 ao terceiro trimestre.
Os serviços de inspeção procederam à análise dos elementos contabilísticos da Impugnante/Recorrente e todo o circuito económico, tendo verificado:
a) a dinâmica dos valores constantes das declarações fiscais apresentadas, sublinhando uma discrepância entre o primeiro e o segundo trimestres;
b) à estrutura da empresa, incluindo a ligação dessa estrutura à sociedade que a antecedeu e à que a sucedeu, e sublinhado a diminuta capacidade de produção, a inconsistência dos indicadores de rentabilidade em relação aos gastos declarados e o volume de compras declarado associado quase exclusivamente a dois fornecedores;
c) à desadequação dos locais de carga declarados para o armazenamento e manuseio das quantidades de mercadoria declaradas, bem como a sua incoerência com os registos de comunicações de transporte;
d) à emissão de documentos de venda em datas anteriores à emissão dos documentos de compra da mesma mercadoria;
e) à discrepância entre as quantidades de mercadoria faturadas e as existências reais;
f) às divergências entre os pagamentos realizados e os valores dos recibos:
g) a Impugnante não apresentou os elementos contabilísticos solicitados, pelo que a verificação inspetiva foi realizada sobre elementos apreendidos no âmbito de processos de inquérito criminais, que incidiram sobre factos imputados à própria Impugnante, ao seu contabilista e às sociedades emitentes das faturas contabilizadas.
Relativamente aos emitentes -[SCom03...] § [SCom44...] Lda. e [SCom04...] Unipessoal Lda.- os serviços de inspeção também apuraram indícios relevantes, nomeadamente:
a) estrutura empresarial, incompatível com o volume de faturação;
b) a prática de margens de comercialização reduzidas;
c) incoerências entre as datas de emissão mencionadas nos documentos de faturação e as datas da sua efetiva criação;
d) incumprimento das obrigações declarativas e de pagamento;
e) levantamentos em numerário em quantias semelhantes às transferências bancárias realizadas pela Impugnante;
f) contabilização de faturas emitidas por uma sociedade indiciada como emitente de faturas falsas;
g) inexistência de evidências de movimentação física das mercadorias;
h) Os serviços de inspeção recolheram elementos relativos ao contabilista certificado da Impugnante, que é igualmente contabilista das sociedades emitentes das faturas, tais como:
a) a criação e gestão de diversas sociedades, com curtos períodos de atividade e que se sucediam entre si, com estrutura empresarial inexistente ou incoerente com o volume de negócios declarado, incumpridoras das obrigações declarativas e de pagamento e indiciadas por condutas ilícitas e fraudulentas;
b) a elaboração de manuscritos contendo conselhos para atuações ilícitas por parte dessas sociedades;
c) a cobrança de comissões sobre os valores das faturas emitidas.
Em síntese, e como refere a sentença recorrida “(…) No que respeita os elementos recolhidos pela administração especificamente relacionados com a Impugnante, ficaram demonstrados nos autos os seguintes indícios de que as faturas emitidas pelas sociedades [SCom03...] Lda e [SCom04...] Unipessoal Lda não correspondem a reais transações comerciais:
A) A contrastante estrutura de compras e vendas declaradas quando comparados os dois primeiros trimestres do ano de 2016 com o terceiro trimestre, como se pode, de modo evidente, extrair do conteúdo das respetivas declarações periódicas de IVA apresentadas pela Impugnante. Com efeito, no primeiro e segundo trimestres, a Impugnante declarou operações ativas em montantes elevados – € 627.022,10 e € 807.804,00, respetivamente –, que se traduziram em imposto a favor do Estado nos valores de € 144.215,09 e € 185.794,92, respetivamente, mas declarou IVA dedutível em valores superiores: € 157.854,67 e € 188.817,84, respetivamente; circunstância que colocou a Impugnante em situação de crédito de imposto nos dois períodos. Pelo contrário, no terceiro trimestre, a Impugnante declarou operações ativas em montante significativamente mais reduzido – € 460.977,51 –, que se traduziu em imposto a favor do Estado no valor de € 100.372,33, e declarou IVA dedutível em valor significativamente inferior: € 27.893,76; circunstância que, apesar da dedução do crédito de imposto reportado dos dois períodos anteriores, colocou a Impugnante numa situação de imposto a entregar ao Estado. A administração tributária relaciona esta alteração estrutural dos valores declarados com as buscas realizadas em 03.10.2016 no âmbito do processo de inquérito n.º...3/16.1IDAVR e, portanto, com a tomada de conhecimento pelos responsáveis da Impugnante de que estavam a ser investigados factos relacionados com a emissão e contabilização de faturação falsa. Este argumento é plausível, na medida em que as referidas buscas, embora realizadas após o termo do terceiro trimestre, ocorreram antes da entrega da declaração periódica desse trimestre, a qual, aliás e ao contrário do que aconteceu com as anteriores, foi entregue fora do prazo legalmente previsto. Note- se, ainda, que a Impugnante não enunciou qualquer explicação para a referida alteração da estrutura de valores declarados em sede de IVA.
B) A estrutura empresarial da Impugnante revela uma diminuta capacidade de produção, inconsistente com os volumes de compras e de faturação declarados. Essa diminuta capacidade de produção é evidenciada pelos gastos declarados, mormente com pessoal, mas também pela generalidade dos gastos com Fornecimentos e Serviços Externos. Com efeito, a Impugnante declarou o pagamento de vencimentos a apenas quatro funcionários, três dos quais a tempo parcial, e não contabilizou encargos relacionados com remuneração do gerente nem com serviços prestados pelo seu contabilista certificado. Por outro lado, a Impugnante não declarou quaisquer gastos com fornecimentos de eletricidade ou água e o montante global dos custos com Fornecimentos e Serviços Externos representa menos de 0,5% do total da faturação, o que se revela desadequado ao volume de faturação declarado. Acresce que o volume de compras declarado está quase exclusivamente associado aos dois fornecedores cujas faturas vêm indiciadas como não correspondendo a efetivas transações comerciais.
C) A documentação analisada evidencia inconsistências quanto aos locais de carga da mercadoria faturada. Com efeito, algumas faturas emitidas pela Impugnante mencionam que a respetiva mercadoria foi carregada e entregue ao cliente [SCom05...] Lda na caldeira de [SCom17...] Lda, situada em ...; sucede que a Impugnante não contabilizou qualquer fatura referente a serviços de cozedura de cortiça prestados pela sociedade [SCom17...] Lda, nem por outras empresas com caldeira, nem comunicou qualquer documento de transporte mencionando como destino as instalações daquela sociedade ou de outra empresa com caldeira. Por outro lado, 76 dos 363 documentos de transporte foram comunicados pela Impugnante após a data e hora de início do transporte indicada no respetivo documento, o que é inconsistente com a obrigação legal de comunicar os documentos de transporte em momento anterior ao início dos respetivos transportes. Tal circunstância é ilustrada com a emissão, no dia 27.01.2016, e num período de sete minutos, de 19 documentos de transporte, com a menção a transportes todos eles ocorridos em datas anteriores. Esta factualidade constitui um indício de que pelo menos parte da mercadoria não foi efetivamente transportada para os destinatários constantes das faturas emitidas pela Impugnante.
D) As existências verificadas em armazém, nas buscas realizadas no dia 03.10.2016 – 150 quilogramas de apara broca; 55 quilogramas de apara especial; quatro fardos de cortiça 10x12; 12 redes com bocados de cortiça; 38 redes, cada uma com 5.500 rolhas de calibre 12x21; 23 sacos, cada um com 15.000 rolhas de calibre 12x21; 100 milheiros de rolhas de calibre 12x21 – não são coerentes com o volume de compras declaradas e de mercadoria faturada no decurso do ano de 2016 – que, neste último caso, totalizaram 746 fardos, 83 paletes e 145.963 quilogramas de cortiça; 20.250,30 milheiros de rolhas; e 316.202 quilogramas de apara.
E) Os recibos emitidos pelos alegados fornecedores são divergentes dos concretos movimentos financeiros realizados, na medida em que são emitidos pelo valor total das respetivas faturas e em datas anteriores às da emissão dos cheques ou das transferências bancárias. Fica assim patente que os documentos de quitação não têm correspondência, quer nas datas, quer nos valores, com os alegados pagamentos realizados, circunstância que demonstra que os mesmos não traduzem a realidade dos movimentos financeiros realizados.(….)”
Como supra se disse a lei não impõe à Administração Fiscal a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente refletem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte.
A Recorrente firma a sua defesa, argumentando que, a Autoridade Tributária e Aduaneira não demonstra, nem faz qualquer prova, que aquelas concretas faturas em causa não correspondem a verdadeiras aquisições de mercadoria, não abalando a presunção de verdade de que goza a contabilidade da impugnante/Recorrente, nos termos do artigo 75° da Lei Geral Tributária.
Como supra se disse, não recai sobre a AT, o ónus de demonstrar ou provar, que aquelas concretas faturas em causa não correspondem a verdadeiras aquisições de mercadorias ou são reais, compete-lhe somente apresentar indícios sérios e credíveis para formar um juízo sério e consistente de que as mesmas não correspondem a verdadeiras e efetivas aquisições/transações e ou prestações de serviços.
No que concerne à presunção de verdade de que goza a contabilidade da impugnante/Recorrente, nos termos do artigo 75° da Lei Geral Tributária há que relembrar que no fenómeno que vulgarmente é designado de “facturas falsas”, normalmente a contabilidade trata de forma contabilisticamente correta, os documentos emitidos na forma legal, (verificando-se coincidências das faturas, guias transportes, pagamentos etc.) mostrando-se o circuito contabilístico e documental com credibilidade, todavia não tem correspondência com realidade, porque as operações que era suposto refletirem, na realidade, não tiveram lugar.
Por tudo o exposto, e face aos factos provados, nos pontos 4 a 9, 12 a 17, 22 a 29, 35 a 37 e 45, não impugnados, teremos de concluir pela existência de indícios sérios de que as faturas – emitidas pelas sociedades [SCom03...] Lda e [SCom04...] Unipessoal Lda - não correspondem a operações reais.
Destarte, tendo a AT, recolhido indícios sérios e credíveis a presunção de verdade de que goza a contabilidade fica afastada.
Pelas razões atrás expostas, estamos perante indícios que traduzam uma probabilidade elevada que as faturas em causa não titularem operações reais, ou seja, de que os apontados emitentes não tenham fornecido a cortiça, em qualidade e quantidade referida nas mencionadas faturas.
Assim, secundando o decidido pela sentença recorrida, entendemos que a Administração Fiscal coligiu, quer junto dos emitentes das faturas, quer junto do utilizador, bem como outras entidades indícios sérios e credíveis que, ponderados criticamente e no seu conjunto, são suficientes para formar um juízo sério e consistente sobre a probabilidade de as faturas contabilizadas pela Impugnante/Recorrente não corresponderem à realidade, sendo que à Administração Tributária cabia precisamente fazer esta prova – e não a prova de que as operações eram, com toda a certeza, simuladas.
Há que concluir, que a sentença recorrida fez uma correta interpretação dos artigos 74.º e 75.º da LGT e 19.º nº 3 do CIVA, bem como da matéria das regras de repartição do ónus da prova, pelo que não incorreu em erro de julgamento.
Importa referir que tendo a Administração Tributária carreado para o procedimento de inspeção que as referidas faturas não correspondiam a verdadeiras operações (ou que correspondiam a operações simuladas) recaia sobre a impugnante/Recorrente o ónus de provar que, apesar dos indícios recolhidos quanto à simulação das operações, as faturas titulavam efetivas e reais operações.
Analisada a petição inicial nela a Recorrente alheia desta obrigação, centrando a sua defesa, em erros formais e preterição de formalidade legais reforçando que as operações são efetivas por que estão comprovadas por documentos, nomeadamente, cheques, faturas, transferências bancárias e documentos contabilísticos, sem cuidar de provar que aquele circuito documental corresponde a verdadeiras e reais transações de mercadorias.
Analisada a matéria de facto dada como provada, dela não resulta que as faturas utilizadas pela Recorrente na sua contabilidade, correspondam a efetivas operações reais.
Nesta conformidade improcede a pretensão da Recorrente.

4.4 A Recorrente alega que se verificou a violação do principio do inquisitório, principio da igualdade processual (art. 55.º , 98.º , n.º2 do art.º 20 da CRP e da LGT) da proporcionalidade (art.º 266.º n.º 2 da CRP e 55.ºda LGT) e da legalidade. (art.º 266.º n.º 2 da CRP).
Confrontando a petição inicial da impugnação alega que não foi notificada dos relatórios da inspeção relativa às sociedades emitentes das faturas o que configura uma violação dos princípios da igualdade imparcialidade do contraditório.
A sentença recorrida decide que : “(…) Não abala esta conclusão a circunstância de a Impugnante não ter sido notificada do teor dos relatórios de inspeção referentes aos emitentes das faturas, porquanto, como resulta da matéria de facto provada, a Impugnante foi notificada, quer para exercício do direito de audição sobre o projeto de relatório de inspeção, quer do teor do relatório final da ação inspetiva, no qual são explicitados os elementos relevantes recolhidos nas ações inspetivas realizadas àquelas entidades. Assim, para efeitos de exercício do direito ao contraditório e do direito de defesa, mostrar-se-ia irrelevante notificar a Impugnante do teor dos relatórios de inspeção referentes aos emitentes das faturas, uma vez que daí não decorreria qualquer acréscimo para o exercício do seu direito de defesa.
Em suma, uma vez que a Impugnante foi notificada para o exercício do direito de audição, bem como do teor do relatório final, o qual inclui a integralidade dos fundamentos de facto e de direito que suportaram as liquidações impugnadas, verifica-se que a administração cumpriu com as formalidades legalmente exigíveis e, assim, respeitou o princípio do contraditório, razão pela qual, também nesta questão, não assiste razão à Impugnante. (…)”
Assim, as questões equacionadas, referentes à violação dos referidos princípios, configuram questões novas, sobre as quais o Tribunal a quo não se pronunciou.
Dispõe o n.º 1 do art.º 627.º do CPC (ex . art.º 676.º ) que “[a]s decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”, ou seja, o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in Recurso no Novo Código de Processo Civil, 2.ª ed., 2014, Almedina, pp. 92 “(…) A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão, determina uma importante limitação ao objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal a quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados à reapreciar as decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo se quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…)“(grifado nosso).
Assim da conjugação do n.º 1 do art.º 627.º do CPC º o tribunal de recurso fica impedido de conhecer questões que não tenham sido anteriormente apreciadas.
Assim, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas sendo que dele não se conhece.

4.5. Nas conclusões 52.º a 60.º a Recorrente alega errónea quantificação nos valores das liquidações adicionais de IVA do ano de 2016 e dos juros compensatórios.
A sentença recorrida, na parte final da sentença decidiu a questão tendo concluído que: “Ou seja, as correções em cada um dos períodos em causa têm efeitos não apenas nesse mesmo período, mas também no período ou períodos subsequentes, em função da lógica de conta-corrente em que o IVA assenta. Por esse motivo, as liquidações adicionais de IVA refletem, não apenas as correções propostas para cada um desses períodos, mas também as correções que a administração realizou relativamente aos períodos anteriores, mormente no que respeita aos valores de excesso a reportar para o período seguinte e, portanto, de excesso a reportar do período anterior.
Neste sentido, os valores das liquidações adicionais resultam da conjugação das correções propostas no relatório de inspeção, do qual a Impugnante foi notificada, com o conteúdo das declarações periódicas por si apresentadas, mormente dos valores de excesso a reportar aí indicados.
A interpretação conjugada destes elementos, que são do conhecimento da Impugnante, possibilita a qualquer destinatário normalmente diligente a perceção das razões subjacentes, quer à emissão das liquidações adicionais, quer dos concretos valores nelas apurados.
Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, deverá também improceder este
fundamento da presente impugnação. (…)”
Se atentarmos nas alegações de recurso, são a transcrição Ipsi verbis das alegações 14.º a 21.º da petição inicial, sem qualquer preocupação de atacar ou contradizer o que foi decidido na sentença recorrida.
A Recorrente não questiona a sentença recorrida, ignorando o que nela foi decidido. Não contraria os fundamentos e a posição sustentado pelo MMº juiz a sentença, sustentando na generalidade o foi dito na petição inicial, como se a questão não tivesse sido objeto de apreciação judicial.
Importa referir que o objeto do recurso, nos termos do n. º1 do art627. º do CPC são as decisões judiciais e não os atos administrativos e tributários praticados pela Administração Fiscal.
O recurso terá de demonstrar a sua discordância com a decisão proferida, ou melhor, os fundamentos por que a Recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie.
A Recorrente terá de convocar argumentos contra os vários fundamentos desfavoráveis sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada.
Nesta conformidade, não sendo a questão em causa de conhecimento oficioso, não vindo questionado o julgamento em que assentou, não pode este Tribunal conhecer agora essa questão, pelo que o recurso nunca poderia obter provimento nesta parte.

4.6. E assim formulamos as seguintes conclusões:
I. Com efeito, nos termos do n.º1 do art.º 74.º da LGT é à Administração que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua atuação, e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos.

II. Da interpretação conjunta dos art.º 74.º da LGT e do art.º 240.º e 241.º do Código Civil, administração tributária não precisa de demonstrar acordo simulatório ou falsidade das faturas bastando-lhe evidenciar, indícios sérios, objetivos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada, de que as faturas não titularem operações reais.
III. Tendo a Administração Tributária carreado para o procedimento de inspeção que as referidas faturas não correspondiam a verdadeiras operações (ou que correspondiam a operações simuladas) recaia sobre a impugnante/Recorrida o ónus de provar que, apesar dos indícios recolhidos quanto à simulação das operações, as faturas titulavam efetivas e reais operações.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, negar provimento ao recurso, mantendo-se sentença recorrida.

Após trânsito em julgado do presente acórdão dê-se conhecimento ao processo de n.º inquérito n.º...3/16.1IDAVR (Ministério Público – Departamento de Investigação e Ação Penal – 1.a Secção de ...), melhor identificada nos autos.

Custas pela Recorrente termos dos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Porto, 21 de março de 2024

Paula Maria Dias de Moura Teixeira (Relatora)
Serafim José da Silva Fernandes Carneiro (1.º Adjunto)
Paulo Moura (2.º Adjunto)