Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00204/20.0BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:PAULO MOURA
Descritores:ARRESTO:
IMPUGNAÇÃO PAULIANA;
COMPETÊNCIA MATERIAL;
Sumário:
O tribunal tributário é materialmente incompetente para conhecer o pedido de arresto de bens ou créditos de terceiro na relação jurídico-tributária, o qual não seja passível de poder ser responsável solidário ou subsidiário.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA», interpõe recurso da sentença que ordenou o Arresto pedido pela Fazenda Pública de bens imóveis e rendas relativas a arrendamentos não habitacionais, por entender ter sido efetuada uma errada interpretação e aplicação do direito.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
1. A decisão recorrida deferiu a providência cautelar nos exatos termos requeridos e, em consequência, ordenou o arresto, além do mais, de bens da recorrente (2ª requerida), admitindo a possibilidade de o arresto ser instaurado também contra o adquirente dos bens do devedor, nos termos dos art. 6190, n0 2 do CC e 392º, nº 2 do CPC.
2. Contudo, o art. 136º, nº 1 do CPPT apenas consagra a possibilidade de o representante da Fazenda Pública requerer arresto de bens do devedor de tributos ou do responsável solidário ou subsidiário quando, simultaneamente, haja fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis e o tributo esteja liquidado ou em fase de liquidação.
3. A recorrente não é devedora; não é responsável solidária; não é responsável subsidiária, pelo que, não se admite o arresto de bens de sua propriedade, nesta sede.
4. O Tribunal recorrido fez uma errada interpretação e aplicação dos art. 1360, nº 1 e 139º do CPPT e dos art. 619º, nº 2 do CC e 392º, nº 2 do CPC, devendo a decisão recorrida ser revogada.
5. Quando assim se não entenda, sem prescindir, entendeu o Tribunal recorrido que a Fazenda Pública demonstrou, ainda que indiciariamente, os pressupostos de que depende o decretamento do arresto, nos termos do art. 136º do CPPT.
6. Desde logo, não consta do probatório qualquer alusão factual à invocada simulação ou aos requisitos de que depende a procedência da impugnação pauliana.
7. Nenhuma factualidade podia ter sido dada como indiciada, desde logo, porque, a mesma nem sequer vem alegada na p.i. (nem é verdade).
8. Assim, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do Direito, socorrendo-se de factualidade que não dá – nem pode dar - como indiciada para fundamentar, de Direito, a decisão recorrida, também em violação do art. 5º, nº 1 do CPC.
9. Tal qual errou na interpretação e aplicação que fez do art. 240º, nº 1 do C.C., e do art. 610º do C.C..
10. Por outro lado, sem prescindir, para que o recurso à tutela cautelar possa ser considerado justificado é ainda necessário que o periculum in mora seja atual e iminente – o que não sucede in casu.
11. O procedimento inspetivo promovido pela recorrida iniciou-se em 2017 e, durante mais de dois anos, esta inspecionou a 1ª requerida, tomou conhecimento da alienação de bens a favor da recorrente e só findo o procedimento inspetivo tomou a iniciativa de requerer a presente providência cautelar.
12. A tudo isto acresce que, dos factos indiciados E) a I) resulta que os prédios lá identificados foram penhorados, ou constituídas hipotecas voluntárias ou legais, a favor da Fazenda Pública, em momento anterior à inspeção vinda de referir.
13. Assim, o arresto deve ser levantado, porque injustificado, na medida em que, no momento da entrega do requerimento inicial não existia um qualquer dano atual, nem qualquer de exigência de índole cautelar, tendo a decisão sido proferida em violação do disposto no art. 136º, nº 1 e 4 do CPPT.

Termos em que, sempre com o mui Douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogada a sentença recorrida e revogado o arresto.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.
Oficiosamente ordenou-se a notificação das partes, para se pronunciarem sobre eventual incompetência material do tribunal tributário, para conhecer o pedido de arresto de bens de terceiro na relação jurídico-tributária.

Apenas a Recorrente se pronunciou no sentido da incompetência material do tribunal tributário para conhecer o arresto em apreço.

Dada vista do Digno Magistrado do Ministério Público, o mesmo emitiu parecer no sentido da incompetência material do tribunal tributário.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo [cf. artigo 36.º, n.º 1 – f) e n.º 2, do CPTA, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT, e artigo 135.º, n.º 1 – a), do CPPT].

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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

Compete apreciar a questão oficiosamente colocada que é a de saber se ocorre eventual incompetência material do tribunal tributário para conhecer o pedido de arresto de bens de terceiro, ainda que tenha sido adquirente dos bens do devedor tributário.
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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
A) Pela Ap. 19 de 09/10/2001, foi inscrito na Conservatória de Registo Comercial ... o contrato de sociedade e designação de membros de órgãos sociais da [SCom01...], SA, NIPC ...49, que tem como objeto a “industria e comércio de calçado, compra e venda e aluguer de máquinas industriais”, figurando aí como administrador único «BB», sendo necessário a assinatura do Administrador ou de um procurador para a vincular – cfr. doc. 3 junto aos autos (certidão permanente da 1.ª Requerida);
B) Pela Ap. 7 de 10/04/2006, foi registada na Conservatória do Registo Predial ... a aquisição, pela 1.ª Requerida, do prédio urbano sito em ..., na União de freguesias ... (...), ..., ..., ... e ..., do concelho ... e distrito ..., composto por casa de rés-do-chão com logradouro, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...59 – cfr. doc. 5 (cópia da certidão de registo predial do prédio urbano ...59);
C) Pela Ap. 1, de 05/03/2009, foi registada na Conservatória do Registo Comercial ... a alteração ao objeto do contrato da sociedade descrita em A), nos seguintes termos: “indústria e comércio de calçado. Compra e venda e aluguer de máquinas industriais. Empreendimentos imobiliários, designadamente construções, compra e venda de imóveis, revenda de adquiridos, urbanizações e alojamentos, administração e conservação de imóveis” – cfr. doc. 3 (certidão permanente da 1.ª Requerida);
D) Pela Ap. 1557, de 21/05/2009, foi registada na Conservatória do Registo Predial ... a aquisição, pela 1.ª Requerida, do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ... e distrito ..., sob o artigo n.º..22 – cfr. doc. 9 (certidão do registo predial do prédio n.º ...22);
Pela Ap. ...14, de 15/03/2012, foi registada na Conservatória do Registo Predial ..., a favor da Fazenda Pública e à ordem do PEF n.º ........................230 (no qual é Executada a 1.ª Requerida e exequenda a quantia de € 18.470,56), a penhora do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho ... e distrito ..., sob o artigo ..45, fração “...” – cfr. doc. 8 (cópia do registo predial do prédio urbano n.º ...45...);
F) Pela Ap. 2373, de 20/03/2012, foi registada na Conservatória do Registo Predial ... a hipoteca legal sobre o prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ... e distrito ..., sob o artigo n.º..22, para garantia da quantia exequenda exigida a “[SCom01...], SA”, NIPC ...49, no processo de execução fiscal no montante de 22.014,79 euros acrescido de juros de mora no montante de 122,56 euros, bem como das custas processuais no valor de 156,26 euros – valor global da dívida exequenda: 22.296,58 euros. Processo n.º ..........................617” – cfr. doc. 9 (certidão do registo predial do prédio rústico n.º ...22);
G) Pela Ap. 2003, de 02/10/2012, foi registada a favor da Fazenda Pública e à ordem do PEF n.º ...........................458 (no qual é executada a 1.ª Requerida e exequenda a quantia de € 29.842,12), a penhora do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho ... e distrito ..., sob o artigo ..45, fração “...” – cfr. doc. 8 (cópia do registo predial do prédio urbano n.º ...45...);
H) Pela Ap. 2611, de 14/05/2013, foi registada a penhora do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da União de freguesia ... (...), ..., ..., ... e ..., do concelho ... e distrito ..., sob o artigo ...59, figurando como exequente a Fazenda Pública e Executado a [SCom01...], no âmbito do PEF n.º ...........................458 (cuja quantia exequenda é de € 45.598,30) – cfr. doc. 5 (cópia da certidão de registo predial do prédio urbano ...59);
Pela Ap. 868, de 22/01/2014, foi registada a hipoteca voluntária do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da União de freguesia ... (...), ..., ..., ... e ..., do concelho ... e distrito ..., sob o artigo ...59, a favor da Fazenda Pública, para “garantia da dívida de € 19.408,46, resultante do processo de execução fiscal n.º .......................554 (dívida de IRC) que corre seus termos pelo Serviço de Finanças ...” - cfr. doc. 5 (c6pia da certidão de registo predial do prédio urbano ...59);
J) Pela Ap. 2, de 05/12/2014, foi registada, na Conservat6ria de Registo Comercial
de ..., a transformação da sociedade descrita na alínea anterior (aqui, 1.ª Requerida) em sociedade unipessoal por quotas, cuja quota única é titulada por «CC», ficando a gerência a cargo de «BB», NIF ...15 e obrigando-se com a intervenção de um gerente
– cfr. doc. 3, junto aos autos (certidão permanente da 1.ª Requerida);
K) Em 10/08/2015 foi comunicado à AT o contrato de arrendamento habitacional com o número ........7-1, com início em 21/07/2015, respeitante ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da União de freguesia ... (...), ..., ..., ... e ..., sob o artigo ...59, figurando como locador a 1.ª Requerida e locatário «BB» – cfr. doc. 14, junto com aos autos (modelo 2 comunicação do contrato de arrendamento em causa);
L) Pela Ordem de Serviço Externa de âmbito parcial (IRC e IVA) n.º OI2017......09 foi determinada a realização de uma ação de inspeção à 1.ª Requerida, a qual recaiu sobre o ano de 2013 – cfr. Relat6rio de Inspeção Tributária (RIT), identificado como doc. 2;
M) O procedimento de inspeção atinente à Ordem de Serviço n.º ...09 teve início em 28/12/2017– cfr. RIT, identificado como doc. 2;
N) Pelas Ordens de Serviço Externas de âmbito parcial (IRC e IVA) ...58 e OI2017.....59 foi determinada a realização de ações de inspeção à 1.ª Requerida, as quais recaíram, respetivamente, sobre os anos de 2014 e 2015 – cfr. Relat6rio de Inspeção Tributária (RIT), identificado como doc. 2;
O) O procedimento de inspeção atinente às Ordens de Serviço ...58 e OI2017.....59 teve início em 13/03/2018 – cfr. RIT, identificado como doc. 2;
P) Em 19/03/2018, «BB», na qualidade de representante legal da 1.ª Requerida, vendeu a «AA» o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias ... (...), ... e ..., concelho e distrito ..., sob o artigo ..57, fração ..., nos termos constantes do contrato de compra e venda assinado por ambos, junto aos autos como doc. 13, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – doc. 13 (cópia do contrato de compra e venda do prédio n.º ...75-Q e termo de autenticação junto);
Q) Pela Ap. 3530, de 19/03/2018, foi registada na Conservatória do Registo Predial ..., a aquisição, por «AA», do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias ... (...), Se e ..., concelho e distrito ..., sob o artigo ..57, fração ... – cfr. doc. 10 (certidão do registo predial do prédio n.º..57-..);
R) Em 23/04/2018, «BB», em representação da 1.ª Requerida, vendeu a «AA» o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho ... e distrito ..., sob o artigo ..45, fração “...”, e o prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ... e distrito ..., sob o artigo n.º..22, nos termos constantes do contrato de compra e venda assinado por ambos, junto aos autos como doc. 12, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. doc. 12 (contrato de compra e venda dos prédios n.º ...45... e ...22 e termo de autenticação junto);
S) Do contrato de compra e venda identificado na alínea anterior consta, entre o mais, o seguinte:
- Que sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho ... e distrito ..., sob o artigo ..45, fração “...”, “incidem dois registos de penhora a favor da Fazenda Pública, pelas apresentações dois mil quinhentos e catorze, de quinze de março e dois mil e doze e dois mil e três, de dois de outubro de dois mil e doze”;
- Que sobre o prédio rústico sito em ..., freguesia ..., concelho ..., composto por pinhal, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...22, encontra-se “registada uma hipoteca legal pela apresentação dois mil trezentos e setenta e três, de vinte de março de dois mil e doze” – cfr. doc. 12 (contrato de compra e venda dos prédios n.º ...45... e ...22);
T) Nos termos do contrato de compra e venda descrito nas duas alíneas precedentes, a compradora (a 2.ª Requerida), transferiu a favor da vendedora (a 1.ª Requerida), a quantia de € 4.000,00, mediante transferência bancária, executada por crédito na conta n.º ...83, domiciliada no Banco 1..., S.A. – cfr. doc. 12 (contrato de compra e venda dos prédios n.º ...45... e ...22);
U) Em 23/04/2018 foi outorgado o contrato de mútuo com hipoteca entre a 1.ª Requerida – no ato representada pelo seu representante legal, «BB» – e «AA», assinado por ambos, que figura nos autos como documento 6, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
V) Consta desse contrato de mútuo com hipoteca, com relevância:
- Que a 1.ª Requerida se confessou devedora à 2.ª Requerida da quantia de oitenta mil euros, que dela recebeu em empréstimo, nessa data, para a prossecução da sua atividade, e que, para garantia da quantia mutuada, a 1.ª Requerida constitui a favor da 2.ª uma hipoteca sobre o prédio urbano sito em ..., na União das Freguesias ... (...), ..., ..., ... e ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...59;
- Que “sobre o referido imóvel incide um registo de penhora pela apresentação dois mil seiscentos e onze de catorze de maio de dois mil e treze, e um registo de hipoteca pela apresentação oitocentos e sessenta e oito, de vinte e dois de Janeiro de dois mil e catorze”;
- Que a 2.ª Requerida aceita a confissão de dívida plasmada no documento e a hipoteca, nos termos aí exarados – cfr. doc. 6 (cópia do Mútuo com Hipoteca e termo de autenticação);
Essa hipoteca voluntária do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da União de freguesia ... (...), ..., ..., ... e ..., do concelho ... e distrito ..., sob o artigo ...59, a favor de «AA», descrita nas duas alíneas precedentes, foi registada na Conservatória do Registo Predial ..., pela Ap. 1801, de26/04/2018 – cfr. doc. 5 (cópia da certidão de registo predial do prédio urbano ...59);
X) Pela Ap. 2319, de 03/05/2018, foi registada na Conservatória do Registo Predial ... a aquisição à 1.ª Requerida, por «AA», do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho ... e distrito ..., sob o artigo ..45, fração “...” e do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ... e distrito ..., sob o artigo n.º..22 – cfr. doc. 8 (certidão predial do prédio ...45...) e doc. 9 (certidão do registo predial do prédio ...22);
Y) Em 13/10/2018 nasceu «DD», portadora do cartão de cidadão n.º ...15;
Z) «DD» é filha de «BB» e de «AA» – cfr. doc. 7 (registo civil e aplicação MGIR da AT);
AA) Em 13/05/2019, foi comunicado à AT o contrato de arrendamento
habitacional com o número ..., com início em 01/01/2017 e termo em 30/12/2018 (renovável), respeitante ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da União de freguesia ... (...), ..., ..., ... e ..., sob o artigo ...59, figurando como locador a 1.ª Requerida e locatária a 2.ª Requerida, por uma renda mensal de € 150,00 –
cfr. doc. 14, junto com aos autos (modelo 2 – comunicação do contrato de arrendamento em causa);
BB) Em 22/05/2019 foi comunicado à AT o contrato de arrendamento não habitacional com o número .........3 - 1, respeitante ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho ... e distrito ..., sob o artigo ..45, fração “...”, com data de início em 30/04/2019 e de termo em 30/11/2019 (renovável), figurando como locador «AA» e locatário a sociedade [SCom02...], Lda., por uma renda mensal de € 75,00, – cfr. doc. 15, junto com aos autos (modelo 2 – comunicação do contrato de arrendamento em causa);
CC) Em 22/05/2019, foi celebrado o contrato de arrendamento não habitacional com o número ........1 - 1, respeitante ao prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ... e distrito ..., sob o artigo ...22, com data de início em 30/04/2019 e de termo em 30/04/2039 (renovável), no qual figura como locador «AA» e locatário a 1.ª Requerida, e uma renda mensal de € 70,00 – cfr. doc. 16, junto aos autos (modelo 2 – comunicação do contrato de arrendamento em causa);
DD) Pela Ordem de Serviço Externa de âmbito parcial (IRC e IVA) n.º OI2019.....63, foi determinada a realização de ações de inspeção à 1.ª Requerida, a qual recaiu sobre o ano de 2016 – cfr. Relatório de Inspeção Tributária (RIT), identificado como doc. 2;
EE) O procedimento de inspeção relativo à n.º OI2019.....63 teve início em 22/05/2019 – cfr. RIT, identificado como doc. 2;
FF) Os prazos para a conclusão dos procedimentos inspetivos descritos em L), M), N), O), DD) e EE), encontram-se suspensos em virtude da instauração do processo de inquérito criminal n.º ....9/17.6IDPRT - cfr. RIT, identificado como doc. 2;
GG) Em 12/02/2020 foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária pelo Inspetor Tributário e Aduaneiro «EE», atinente aos procedimentos inspetivos descritos em L), M), N), O), DD) e EE, junto aos autos como doc. 2, cujo extenso teor, por razões de economia e celeridade processuais, se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. RIT, identificado como doc. 2;
HH) Em 27/01/2020, Inspetor Tributário e Aduaneiro «EE» elaborou a “Informação para pedido de arresto”, junta aos autos como “doc. 1”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, que consubstancia um resumo do RIT, nos seguintes termos, entre o mais:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
. (...) “ – cfr. doc. 1 (Informação para pedido de arresto);
.
. II) Em 20/02/2020, encontram-se registadas no sistema informático de gestão dos processos de execução fiscal da AT, em nome de «BB», as dívidas infra discriminadas, no valor global de € 313.772,92, relativas aos processos de execução fiscal (PEF) instaurados para cobrança coerciva dos impostos, pelos períodos e pelos valores que figuram discriminados nos quadros seguintes:
. [Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. doc. 4 (certidão de dívidas de «BB»);
.
JJ) Em 20/02/2020, encontra-se registado na Conservat6ria do Registo Automóvel de ... em nome da 1.ª Requerida, desde 25/08/2010, a propriedade do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de marca Renault, modelo Master, com a matrícula ..-AE-.., que tem um valor de mercado atual de valor de € 6.990,00 – cfr. doc. 11 (certidão do registo automóvel) e print junto pelos SIT;
KK) A 1.ª Requerida e titular de uma conta de depósitos à ordem n.º ...01, domiciliada no Banco 2... – cfr. informação prestada pelo SF de ...;
LL) E é titular ainda de uma conta de depósitos à ordem com o IBAN ...23, número ...83, domiciliada no Banco 1... – cfr. doc. 12 (contrato de compra e venda dos prédios n.º ...45... e ...22);
MM) O prédio urbano sito em ..., na União de freguesias ... (...), ..., ..., ... e ..., do concelho ... e distrito ..., composto por casa de rés-do-chão com logradouro, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...59, tem um valor patrimonial tributário (VPT) atual de € 77.028,35 – cfr. doc. 14 (cópia do contrato de arrendamento habitacional);
NN) O prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ... e distrito ..., sob o artigo n.º..22, tem um VPT atual de € 4,21 – cfr. doc. 16 (modelo 22);
OO) O prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho ... e distrito ..., sob o artigo ..45, fração “...”, tem um VPT atual de € 36.043,31 – cfr. doc. 15 (modelo 2);
PP) O prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias ... (...), Se e ..., concelho e distrito ..., sob o artigo ..57, fração ..., tem um VPT atual de € 37.749,84 – cfr. doc. 13 (cópia do contrato de compra e venda do predio) e doc. 1 (informação da AT);
QQ) Não são conhecidos bens patrimoniais, nem contas bancárias, dos quais seja titular «BB» – cfr. requerimento de arresto e doc. 1 (informação para pedido de arresto);
RR) Encontram-se instauradas contra a 1.ª Requerida as seguintes execuções fiscais, pelos valores discriminados no quadro seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. requerimento inicial e registo de penhoras e hipotecas voluntárias, na
Conservatória do Registo Predial ..., supra descritas;

SS) Durante 2014 e 2018 a 2.ª Requerida declarou à AT os seguintes rendimentos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. requerimento inicial e doc. 1 (informação para pedido de arresto).

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A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise crítica de todos os documentos juntos pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública, designadamente das cópias dos documentos autênticos e particulares (inscrições e registos constantes das respetivas Conservatórios do Registo Predial, Comercial e Automóvel, certidão permanente da 1.ª Requerida, certidão de dívidas, situação cadastral dos contribuintes, contratos de compra e venda, contratos de mútuo com hipoteca, cópia dos modelo 22 junto aos autos), bem como nas informações oficiais juntas, que se afiguram absolutamente credíveis, porquanto proficuamente fundamentadas, alicerçadas no conhecimento concreto e circunstanciado dos factos retratados pelos serviços de inspeção tributária da AT (plasmados, designadamente, na informação para pedido de arresto - doc. 1 - e no RIT - doc. 2) – cfr. artigo 115.º, n.º 2, do CPPT.
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Inexistem outros factos passíveis de importar para a decisão de mérito face às várias e plausíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, cumpra registar como provados ou não provados.

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Apreciação jurídica do recurso.

Compete apreciar a questão oficiosamente colocada, que é a de saber se o tribunal tributário é materialmente competente para conhecer um pedido de arresto de bens de terceiro adquirente desses bens, ao devedor originário.
O Arresto é uma providência cautelar, conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 135.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, bem como do Código de Processo Civil (CPC), uma vez que o Arresto se acolhe no Título IV do CPC, o qual trata das providências cautelares.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 364.º do CPC, o procedimento cautelar é dependente de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente da ação declarativa ou executiva.
Por sua vez, o n.º 2 do artigo 363.º do CPC, estabelece que o procedimento cautelar é instaurado perante o tribunal competente, depreendendo-se do n.º 2 do artigo 364.º do CPC, que o tribunal competente é aquele que deva receber a ação principal.
Segundo o disposto no artigo 138.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o arresto deve ser intentado no tribunal tributário de 1.ª instância da área do domicílio ou sede do executado.
Por sua vez, conforme determina o n.º 1 do artigo 136.º do CPPT, o Representante da Fazenda Pública pode requerer o Arresto de bens do devedor, do responsável solidário ou do responsável subsidiário.
Não atribuiu o CPPT capacidade ao Representante da Fazenda Pública para intentar no Tribunal Tributário a providência cautelar de Arresto, contra terceiro adquirente de bens do devedor. E, não obstante, se estar diante de uma ação de inspeção, o artigo 31.º do RCPITA – Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, refere que a Administração Tributária deve propor a providência cautelar de arresto prevista no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Ora, o Código de Procedimento e de Processo Tributário, apenas permite que se interponha no Tribunal Tributário, a providência cautelar de Arresto contra o devedor, o responsável solidário e o responsável subsidiário.
Contudo, não fica inviabilizada a possibilidade de a Administração Tributária intentar uma providência cautelar de Arresto, nos tribunais comuns, tal como decorre da interpretação que deve ser feita do n.º 1 do artigo 51.º da Lei Geral Tributária, segundo o qual a Administração Tributária pode, nos termos da lei, tomar providências cautelares para garantia dos créditos tributários.
A Fazenda Pública refere no requerimento inicial de Arresto, que alguns bens foram transmitidos à Recorrente já no decurso da inspeção tributária, invocando o seu direito de requerer o Arresto contra o adquirente, no âmbito da impugnação pauliana – vide, em especial, itens 81, 82, 88 e 89 do requerimento inicial. No entanto, nada diz sobre a ação principal que é obrigada a intentar quando se alega o regime da impugnação pauliana. Segundo a alínea a) do n.º 1 do artigo 78.º do CPC, o arresto pode ser requerido no tribunal onde deva ser proposta a ação respetiva, como no tribunal do lugar dos bens. Portanto, deve ser sempre intentada uma ação principal, não indicando a Fazenda Pública que vai intentar essa ação principal, nem em que Tribunal. O que se impugna, em face de não se estar diante de o Arresto puramente tributário, mas antes gizado segundo o regime civilista.
Aliás, vai nesse sentido a jurisprudência, segundo a qual na impugnação pauliana está em causa a tutela da integridade da garantia patrimonial com base no direito civil, ainda que o crédito que justifica a demanda do Arresto, possa ter fonte diversa da civilista – vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22/02/2021, tirado no processo n.º 13528/19.0T8PRT-A.P1 (em www.dgsi.pt).
Ora, o terceiro comprador de bens ao devedor tributário não têm nenhuma relação jurídica tributária para com a Administração Fiscal. Não tem, nem vai poder ter, na medida em que, a compradora não é responsável solidária, nem subsidiária pelas dívidas tributárias incorridas pelo devedor originário.
Nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, são os órgãos competentes para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
Conforme está bom de ver, a Recorrente, enquanto adquirente de bens ao devedor, não tem nenhum litígio direto com a Administração Tributária, na medida em que não é devedora de qualquer imposto, ou que esteja em vista a sua responsabilização solidária ou subsidiária pelas dívidas do devedor originário.
De tal forma, que a própria Fazenda Pública refere no requerimento inicial que o seu direito decorre da impugnação pauliana estabelecida no artigo 610.º do Código Civil e articula a sua causa de pedir, com invocação dos requisitos da impugnação pauliana. Portanto, invoca o regime do credor comum, uma vez que não detém nenhuma relação creditícia tributária para com a adquirente, aqui Recorrente.
Desta forma, o Tribunal Tributário, não é materialmente competente para apreciar o pedido de Arresto de bens de terceiro, ainda que os haja adquirido ao devedor tributário, no decurso de uma ação de inspeção, deferindo-se a competência à jurisdição comum, conforme decorre do disposto no artigo 64.º do Código de Processo Civil, assim como do estabelecido no artigo 40.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto e sucessivas alterações.
Face ao exposto, ainda que com diferentes fundamentos, julga-se procedente o recurso, revogando-se a decretação do arresto contra os bens da terceira adquirente, aqui Recorrente e julga-se o tribunal tributário materialmente incompetente para apreciar o Arresto de bens adquiridos por terceiro ao devedor tributário, sem que esse terceiro seja ou possa ser responsável solidário ou responsável subsidiário.
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Considerando a decisão sobre incompetência material do tribunal tributário sobre o arresto de bens de terceiro, fica prejudicado o conhecimento dos fundamentos do recurso, como seja, saber se a sentença efetuou uma errada interpretação e aplicação dos artigos 136.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 619.º, n.º 2 do Código Civil e 392.º, n.º 2 do Código de Processo Civil; assim como a questão subsidiária que é que a de saber se a sentença fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 240.º, n.º 1 e do artigo 610.º do Código Civil; bem como a de apreciar se estavam verificados os pressupostos para o decretamento do arresto.
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Tendo em consideração que o recurso acaba por ser procedente, ainda que por diferentes fundamentos dos alegados pela Recorrente, assim como devido ao facto de a Recorrida não ter contra-alegado, ficam as custas a cargo desta, sem prejuízo de não ser devida taxa de justiça nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado – vide artigos 527.º, nos. 1 e 2 e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
O tribunal tributário é materialmente incompetente para conhecer o pedido de arresto de bens ou créditos de terceiro na relação jurídico-tributária, o qual não seja passível de poder ser responsável solidário ou subsidiário.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso (ainda que por diferentes fundamentos), revogar a sentença recorrida no segmento em que ordena o Arresto de bens e rendas da Recorrente (2.ª Arrestada), assim como em julgar o tribunal tributário materialmente incompetente para conhecer o pedido de arresto em apreço nos autos contra a 2.ª Arrestada, deferindo-se a competência aos tribunais comuns.
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Custas a cargo da Recorrida, não sendo devida taxa de justiça nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado.
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Porto, 11 de abril de 2024.

Paulo Moura
Conceição Soares
Celeste Oliveira