Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:0057/22.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/27/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:ANA PAULA ADÃO MARTINS
Descritores:DECRETO-LEI N.º 117/2010, DE 25.10;
DIRECTIVA 98/34/CE;
BIOCOMBUSTÍVEL; LEGITIMIDADE; CONTRA-INTERESSADO; CUSTAS;
Sumário:
1- Em acção de impugnação do acto que determinou o pagamento de € 4.369.611,00, a título de compensação pelo incumprimento da obrigação de incorporação de biocombustíveis, conforme previsto no Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25.10, sendo as receitas resultantes das compensações direccionadas para o Fundo Ambiental, este possui um interesse contraposto ao da Autora.

2- O artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25.10, ao determinar que as percentagens de incorporação de biocombustíveis a observar pelas “entidades incorporadoras”, constituía uma “regra técnica”, na acepção do artigo 1.º, ponto 11, da Directiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22.06.1998, que só seria oponível aos destinatários particulares se o respectivo projecto tivesse sido comunicado à Comissão Europeia, nos termos previstos no artigo 8.º n.º 1 daquela Directiva.

3- Assim não tendo sucedido e na falta de idónea base legal substantiva, os actos praticados pela Entidade Nacional para o Sector Energético, EPE, ao abrigo do disposto no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25.10, são anuláveis por desconformes com o direito da União Europeia.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO

[SCom01...], LDA., melhor identificada nos autos, intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, acção administrativa contra a ENTIDADE NACIONAL PARA O SETOR ENERGÉTICO, E.P.E, tendo indicado como contrainteressados o FUNDO AMBIENTAL e o FUNDO DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA, todos com os demais sinais nos autos, pedindo a anulação do “acto que determinou a aplicação de compensação à Impugnante, nos termos do art.º 24.º, do Decreto-Lei n.º 117/2010, praticado pela ENSE, tudo com as necessárias consequências legais”.
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Por despacho saneador - sentença, de 31.01.2024, foi julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva dos contra-interessados, absolvendo-se estes da instância, e foi julgada procedente a acção, anulando-se o acto administrativo impugnado.
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Inconformada, a Entidade Demandada vem interpor recurso da decisão de 31.01.2024, concluindo assim as suas alegações:
1.ª Sendo as receitas resultantes das compensações direcionadas para o Fundo Ambiental, e sendo estas determinadas na decorrência do incumprimento das obrigações de incorporação, este possui um interesse contraposto ao da Autora.
2.ª Assim, o contrainteressado possui legitimidade processual passiva nos autos, pelo que a douta sentença incorre em erro quando julga procedente a exceção de ilegitimidade, absolvendo o contrainteressado da instância.
3.ª O ato administrativo impugnado não é ilegal, porquanto foi praticado ao abrigo de um diploma legal que à data se encontrava em vigor e que, atualmente, só não se mantém porquanto foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2022.
4.ª A Recorrente, sob pena de violação do princípio da legalidade, encontrava-se vinculada a proferir o ato administrativo em apreço.
5.ª Não estamos perante um problema de ilegalidade do ato administrativo, mas antes perante uma (eventual) questão de responsabilidade civil extracontratual do Estado Português por alegados danos decorrentes do exercício da função legislativa.
6.ª Assim sendo, a sentença ora recorrida padece de um erro de julgamento, porquanto o ato administrativo não padece de um vício gerador de anulabilidade, por violação do Direito da União Europeia.
7.ª O ato administrativo impugnado não padece de nenhum dos vícios de ilegalidade invocados pela Autora, ora recorrida, pelas razões desenvolvidamente expressas na contestação e que, por razões de economia processual, se dão por reproduzidas nas presentes alegações.
8.ª Deve a sentença ora recorrida ser reformada quanto às custas processuais, nos termos dos artigos 616º, n.º 1 e 666.º, n.º 1, ambos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1º do CPTA.
9.ª A Recorrente e o contrainteressado Fundo Ambiental encontram-se numa situação de litisconsórcio necessário passivo.
10.ª Por esse motivo, ao abrigo do disposto no artigo 528.º, n.º 1 do CPC, o contrainteressado que apresentara contestação deve responder pelas custas processuais, em partes iguais com a ora Recorrente.
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O Contra-interessado/Recorrido Fundo Ambiental apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. Nos termos do artigo 57º do C.P.T.A., são contrainteressadas as pessoas (ou entidades) a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado.
B. Na presente ação, a Autora pretende, somente, sindicar o ato administrativo que lhe determinou o pagamento de compensações, ao abrigo do decreto-lei 117/2010.
C. As entidades que beneficiam desse pagamento (seja o Fundo Ambiental, seja o Fundo de Eficiência Energética), nada têm que ver diretamente com o ato impugnado. Claro está que poderão receber mais, se mais forem as entidades a pagar as referidas compensações, mas do que, aqui, se trata não é do mero pagamento das compensações, mas da legalidade do ato que determina esse pagamento.
D. E quanto à legalidade do ato, apenas a Autora e a Ré têm interesse em esclarecer a sua legalidade. (Negrito nosso).
E. Aliás, já existem neste sentido sentenças dos Tribunais Administrativos, como é o caso da proferida pelo TAF de Braga em 02/08/2021, no âmbito do Processo 1164/16.7BEBRG.
F. Não sendo questionável que tais montantes integram as suas receitas, ponto é que não se trata de uma receita devida ou orçamentada, nem de montantes que já possuía antes de cada atuação da ENSE, EPE e dos quais deva despender num cenário de procedência da ação, mas sim de um acréscimo eventual que venha a ser recebido por força da atuação da ENSE, EPE, enquanto entidade com competências em matéria de compensações, nos termos do Decreto-Lei n.º 117/2010. (Destaques nossos).
G. A procedência da ação não se traduz num prejuízo, mas numa não captação de receita, captação esta que não é certa porquanto está dependente da atuação da ENSE, EPE (à qual é alheia) e da respetiva validade, resultando a sua esfera jurídica inalterada caso a ENSE, EPE determine, ou não, a cobrança daquelas compensações, respetivos termos/fundamentos e montantes (destaques nossos).
H. O Fundo Ambiental é uma entidade alheia ao procedimento administrativo, em nada intervindo na formação do ato, mas surgindo apenas num último momento, id est, o do recebimento dos montantes aplicados, através de transferência a efetuar pela ENSE, EPE. (Negrito nosso).
I. No que respeita à execução da sentença que fosse eventualmente favorável, e na esteira do vindo a dizer, veja-se que a intervenção (passiva, patrimonial) do Fundo Ambiental está ligada diretamente à validade do ato administrativo correspondente, e por esta limitada: caso o mesmo seja mantido na ordem jurídica, recebe os montantes (ou mantém-nos, caso entretanto tenham sido já transferidos); caso o mesmo seja anulado, não recebe os montantes (sem que se possa falar propriamente de um prejuízo. (Negrito nosso).
J. E na hipótese em que os montantes tivessem sido cobrados e transferidos para o Fundo Ambiental, em caso de procedência da ação onde teria que haver devolução dos mesmos, não se nos afigura que haja interesse processual, porquanto os montantes são transferidos pelo destinatário do ato administrativo para a ENSE, EPE, competindo a esta, em sede de execução de sentença, devolver os mesmos. (Negrito nosso).
K. Ainda, no caso de já se encontrem na esfera jurídica do Fundo Ambiental, compete à ENSE, EPE, proceder às devidas diligências para reaver tais montantes, mas sem que tal tenha interferência na esfera jurídica daquele a quem a decisão judicial foi favorável (o Autor) nem na do Fundo Ambiental. (Negrito nosso).
L. Mais recentemente veja-se a decisão proferida no douto Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto já transitada em julgado referente ao processo 58/22.1BEPRT:
M. “ Não se ignora que o Fundo Ambiental possa ter a sua opinião sobre a (i)legalidade de tais atos, nem que, como é do normal decorrer das coisas, possa ter interesse em receber um maior montante para as suas receitas (ou seja, ter um interesse patrimonial) – mas tal não se traduz, de per si, na existência de um interesse processual que legitime a sua intervenção em processo, nomeadamente na posição de contrainteressado, porquanto, como se viu, a sua esfera jurídica resulta inalterada qualquer que seja o sentido decisório da presente ação.”
N. Assim e salvo melhor e douta opinião, entendemos que a Decisão ora recorrida, ao decidir pela ilegitimidade passiva do Fundo Ambiental e do extinto Fundo de Eficiência Energética, absolvendo-os da instância, decidiu, a nosso ver, bem, não padecendo nem dos vícios apontados pela Recorrente, nem de nenhum outro.
O. Aliás, a Decisão recorrida, diga-se, é irrepreensível, já que fez uma correta interpretação da Lei, encontrando tal interpretação pleno suporte quer na letra e espírito da mesma, quer na jurisprudência e na doutrina, sendo forçoso concluir como concluiu a douta Sentença Recorrida.
P. Ainda que assim não se entendesse, o que por mera hipótese académica se vislumbra o seguinte:
Q. Nem o CPTA, nem o Regulamento de Custas Judiciais identificam ou regulam a figura do contrainteressado para efeito de responsabilidade pelo pagamento de custas.
R. Conforme alerta o Acórdão do TCA Sul de 04.10.2017, no processo 2389/16.0BELSB, que trata de forma minuciosa e exaustiva a problemática da responsabilidade dos contrainteressados pelas custas processuais: “quando a jurisprudência e doutrina caracterizam a posição processual dos contra-interessados como equivalendo a um litisconsórcio, fazem-no com o fim com que estes sujeitos “aparecem” no CPTA: para apreciação do pressuposto legitimidade e para garantir a eficácia da sentença. Portanto, ao proceder-se à caracterização da intervenção do contrainteressado como sendo em litisconsórcio, foi alheia a questão das custas e sua imputação às partes derrotadas num processo.”
S. Continuando na senda do Acórdão, “os contra-interessados, ainda que partes principais no litígio – ao lado da Administração – não gozam dos mesmos direitos que esta, ou não gozam de todos os direitos que são atribuídos a uma parte principal. Estão em litisconsórcio necessário passivo com a Administração, mas não podem accionar os mesmos poderes processuais que a Administração e têm de subordinar-se à posição processual que aquela apresenta em juízo. Na verdade, contrariamente ao que ocorre com o litisconsorte na acção cível, o contra-interessado não detém um interesse igual ao da Administração, não faz valer no processo um direito próprio, paralelo ao da Administração. Também comparando com o regime do processo civil, em termos de direitos processuais, os contra-interessados em sede de processo administrativo detém menos direitos que uma parte em litisconsórcio civil”.
T. Não tendo o Contrainteressado no processo administrativo uma capacidade de intervenção igual à da entidade demandada, não pode a condenação em sede de pagamento de custas ter a mesma proporção daquela. (Negrito nosso).
U. Com efeito, os princípios da justiça e da proporcionalidade, conjugados com “as regras da causa e do proveito que regem em sede de custas (cf. a este propósito. COSTA, Salvador - Regulamento das custas processuais: anotado e comentado. 2.ª ed. Coimbra: Almedina, 2009. ISBN: 9789724039886, pp. 46-51)”, a isso obrigam.
V. Prosseguindo com a jurisprudência do Acórdão do TCA Sul citado, “a aplicação da lei processual civil e do RCJ ao contencioso administrativo faz-se supletivamente, mas com as decidas adaptações, havendo de respeitar-se os princípios que estão subjacentes a qualquer tributação em custas: da justiça, da igualdade, da proporcionalidade, da causalidade e do proveito.”
W. Nestes termos, pensamos, que a regra geral do art.º 528.º, n.º 1, do CPC, da repartição de custas em partes iguais pelos litisconsortes não faz sentido no caso dos contrainteressados em processo administrativo.
X. Se os contra-interessados não fazem valer na acção um direito próprio, com autonomia face à Administração e se processualmente lhe estão subordinados, estão, há que entender-se que nunca tiram o mesmo proveito com a acção, nem poderão dar causa aos diversos actos processuais com a mesma amplitude com que o pode fazer a Administração. Igualmente, o acto, a norma ou a conduta impugnada não lhes será imputada directa e imediatamente, mas terá sempre de ser imputada à própria Administração. Sendo o acto , a norma ou a conduta sindicada imputada, em 1.ª linha, à Administração, é também sempre esta que dá causa à acção e nunca a conduta do próprio contra-interessado, por si só.
Y. Por conseguinte, haverá também de entender-se que os contrainteressados nunca ficam vencidos na acção nos mesmos termos em que o fica a Administração. Ou seja, o insucesso da sua pretensão tem sempre de se considerar numa proporção inferior ao da Administração.”.
Z. Em conclusão, “nos processos administrativos, a aplicação subsidiária do CPC e do RCJ, há que fazer-se com as devidas adaptações. Não sendo similar a posição do litisconsorte cível e a do contra-interessado, as regras civilísticas relativas à proporção da condenação em custas devem ser adequadamente lidas. O CPC não proíbe a atribuição de custas por vencimento, à Administração e ao contra-interessado, em diferentes proporções.
AA. Diferentemente, até o impõe por decorrência da regra geral do art.º 527.º do CPC e dos princípios que lhe estão subjacentes da proporcionalidade, da causa e do proveito.
BB. Sufragando o entendimento plasmado no referido Acórdão entende-se que, ainda que fosse o Fundo Ambiental considerado parte legítima, oq eu se admite apenas por mero dever de patrocinio, não deveriam, à luz da regra geral do art.º 527.º do CPC e dos princípios que lhe estão subjacentes da proporcionalidade, da causa e do proveito, as custas processuais ser fixadas em partes iguais.
CC. De tudo o anteriormente exposto, resulta que não devem proceder os argumentos aduzidos pela Recorrente, porquanto foi interpretado e aplicado corretamente o direito, não padecendo a Douta Decisão do Tribunal “a quo”, como já demonstrado, de qualquer vício.
DD. Donde não incorre a Douta Decisão, agora recorrida, em nenhum erro de julgamento.
EE. E a assim ser, a Decisão do Tribunal “a quo” não merece qualquer reparo.
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A Autora não contra-alegou.
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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 146º, nº 2 do CPTA, não emitiu parecer.
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Com dispensa de vistos, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, que delimitam o seu objecto, nos termos dos arts 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, são estas as questões decidendas:
a) Da legitimidade do contrainteressado;
b) Do erro de julgamento quanto à ilegalidade do acto administrativo impugnado;
c) Da não procedência dos demais vícios do ato administrativo impugnado;
d) Da reforma quanto às custas processuais.
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III – FUNDAMENTAÇÃO de FACTO

O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos, que, por não impugnados, se mantêm:

1. A Autora é uma sociedade comercial que tem como objeto social «transportes rodoviários de mercadorias por conta de outrem, o comércio de combustíveis, o comércio de lubrificantes, assim como serviços conexos e bem assim o aluguer de veículos pesados de mercadorias sem condutor; opera no mercado dos combustíveis rodoviários» – facto não controvertido;
2. A Autora é uma operadora certificada/autorizada para intervir no Sistema Petrolífero Nacional como comercializadora de produtos de petróleos – facto não controvertido;
3. Foi produzido um documento, datado de 01.08.2015 e designado por «Especificaciones de producto GASOLEO A», com a informação constante do documento n.º 7 junto com a petição inicial;
4. A Autora, em 29.02.2016, participou no «4.º Leilão de TdB» promovido pela Entidade Demandada, tendo apresentado proposta para aquisição de 3.562 TdB-D (TdB relativos ao gasóleo rodoviário), pelo valor unitário de € 340,00 – cfr. documento n.º 8 junto com a petição inicial;
5. As propostas apresentadas para a aquisição de títulos no âmbito do aludido leilão foram abertas no dia 29.02.2016, constando da respetiva ata, de entre o mais, o seguinte:
“(…) A proposta da R. [SCom01...], Lda. deu entrada na DGEG no dia 22 de fevereiro de 2016, tendo sido considerada válida do ponto de vista de data de entrega de propostas. No interior do invólucro exterior encontravam-se dois envelopes internos devidamente identificados fazendo referência a “Proposta” e ao 4º leilão de TdB, bem como menção a “original” e “cópia”. O conteúdo do envelope “original” compreendia a proposta com as páginas numeradas e assinadas bem como elementos necessários à sua validação previstos no programa do 4º leilão. O conteúdo do envelope “cópia” encontrava-se conforme o original.
A proposta apresentada licitava a quantidade de 3.562 TdB-D a 340 €/TdB-D;
(…)
A quantidade total de TdB licitados ultrapassou a quantidade de TdB colocada em leilão. Assim e tendo em atenção que, nos termos do artigo 6º do Programa do 4º Leilão, a atribuição de TdB deve ser realizada de acordo a proposta com o valor mais elevado, a totalidade dos TdB colocados em leilão foi arrematada pelas empresas:
➢ [SCom02...], SA: 10.000 TdB-D a 498,00€/TdB;
➢ [SCom03...], SA; 262 TdB-D a 470,00€/TdB (…)” – cfr. documento n.º 8 junto com a petição inicial;
6. Foi publicada uma notícia no Jornal «Público», datada de 21.09.2016, com o título «Biocombustíveis agravam preço do gasóleo até dois cêntimos em Janeiro» – cfr. documento n.º 9 junto com a petição inicial;
7. Em 01.03.2017, a Autora celebrou um «Contrato de suministro no en exclusiva de productos petrolíferos» com a sociedade «[SCom04...], S.A.» – cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial;
8. Do ofício do Instituto Português da Qualidade, datado de 19.05.2017, subordinado ao assunto «Processo n.º 3178/16.BEPRT – Pedido de Informação; Autor: [SCom01...], Lda.; Réu: ENMC – Entidade Nacional para o Mercado Combustíveis, E.P.E.», consta o seguinte:
“(…) Em cumprimento do solicitado no ofício em referência, informa-se V. Exa. que o projeto legislativo que deu origem ao Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, relativo aos “Critérios de sustentabilidade de produção e utilização de biocombustíveis e de biolíquidos e limites de incorporação”, não foi objeto de notificação à Comissão Europeia no âmbito do artigo 8º da Diretiva nº 98/34/CE, de 22 de junho de 1988, a qual foi, entretanto, revogada pela Diretiva n.º 2015/1535 do Parlamento Europeu e do Conselho de 9 de setembro de 2015. (…)” – cfr. documento n.º 12 junto com a petição inicial;
9. A [SCom04...], S.A. é titular dos certificados EU-ISCC-Cert-... e EU-ISCC-Cert-PL214-...21, válidos de 25.04.2017 a 24.04.2018 e 04.05.2021 a 03.05.2022, respetivamente, que certificam que cumpre com os requisitos do RED e do sistema de certificação ISCC EU (Sustentabilidade Internacional e Certificação de Carbono), e que se encontra certificada como trader – cfr. documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a petição inicial;
10. A [SCom05...] é titular do certificado EU-ISCC-Cert-PL214-...20, válido de 12.07.2020 a 11.07.2021, que certifica que cumpre com os requisitos do RED e do sistema de certificação ISCC EU (Sustentabilidade Internacional e Certificação de Carbono), e que se encontra certificada como Logistic Center – cfr. documento n.º 5 junto com a petição inicial;
11. Com datas de 28.01.2021 e 25.02.2021, foram produzidos dois documentos, constando no canto superior direito da página de cada um dos documentos a designação «[SCom05...]», e surgindo como «Expedidor/Cargador [SCom05...], S.A.», «Subministrador 1M11 [SCom04...]», «Operador 1M11 [SCom04...]», Destinatário «[SCom01...] LDA», «Transportista/Organizador del tpte. [SCom01...], LDA» e Produtos «Gasoleo A» e «Gasolina 95 Color Violeta D» – cfr. documento n.º 6 junto com a petição inicial;
12. Com data de 12.03.2021, foi produzido um documento, constando no canto superior direito da página a designação «exolum», e surgindo como «Expedidor/Cargador [SCom05...], S.A.», «Subministrador 1M11 [SCom04...]», «Operador 1M11 [SCom04...]», Destinatário «[SCom01...] LDA», «Transportista/Organizador del tpte. TRANSADR-JS-TRANS LDA» e Produtos «Gasoleo A», «Gasolina 95 Color Violeta D» e «Gasolina 98 Color Azul DIL» – cfr. documento n.º 6 junto com a petição inicial;
13. Por ofício datado de 24.06.2021, com a referência ...24..., subordinado ao assunto «Verificação do cumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis do 1.º Trimestre de 2021 – Processo n.º 15/DB/2021 – audiência prévia dos interessados», foi a Autora informada, mediante carta registada, do seguinte:
(imagem no original)
- cfr. págs. 8 a 12 de fls. 207 a 248 do SITAF;
14. Através de carta registada dirigida à Entidade Nacional para o Sector Energético, E.P.E., de 30.06.2021, a Autora exerceu o seu direito de audiência prévia, tendo a pronúncia sido subscrita pelo seu mandatário – cfr. págs. 12 a 20 de fls. 207 a 248 do SITAF;
15. Em 26.09.2021, a Entidade Demandada proferiu a Informação n.º ...26... e Relatório Final, dos quais consta o seguinte:
(imagem no original)
- cfr. págs. 21 a 30 de fls. 207 a 248 do SITAF;
16. Em 11.10.2021, sobre a informação e relatório referidos no ponto precedente, foi aposto despacho de concordância pelo Presidente do Conselho de Administração da Entidade Demandada – cfr. pág. 21 de fls. 207 a 248 do SITAF;
17. Por ofício datado de 12.10.2021, com a referência ...12..., subordinado ao assunto «Verificação do cumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis para o 1.º Trimestre de 2021 – decisão final do processo n.º 52/DB/2021», expedido em 13.10.2021, por correio registado (...25...) dirigido à Autora, foi esta informada do seguinte:
(imagem no original)
- cfr. págs. 31 a 41 de fls. 207 a 248 do SITAF;
Mais se provou que:
18. Foram produzidos documentos intitulados de «Obrigações: Resumo das quantidades introduzidas no consumo pela empresa», com a informação constante do documento n.º 10 junto com a petição inicial.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

a) Da legitimidade do contrainteressado

A Autora intentou acção, pedindo a anulação do acto que determinou a aplicação de compensação à Impugnante, nos termos do art.º 24.º, do Decreto – Lei n.º 117/2010, praticado pela ENSE.
Em causa está a decisão proferida pelo Presidente do Conselho de Administração da Entidade Demandada que, no âmbito do processo n.º 15/DB/2021, determinou à Autora o pagamento de compensações no valor de € 4.369.611,00 (quatro milhões, trezentos e sessenta e nove mil, seiscentos e onze euros) pelo incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis relativas ao 1.º trimestre de 2021.
Os Contrainteressados Fundo Ambiental e Fundo de Eficiência Energética excepcionaram a sua legitimidade nos presentes autos, aduzindo que, na presente acção, a Autora somente pretende sindicar o acto administrativo que determinou o pagamento de compensações, ao abrigo do Decreto Lei n.º 117/2010, e estes, que beneficiam desse pagamento, nada têm que ver directamente com o acto impugnado.
O Tribunal a quo decidiu-se pela ilegitimidade dos Contra-interessados, fazendo uso da seguinte motivação:

“Volvendo ao caso em apreço, a presente ação tem como objeto a decisão do Presidente do Conselho de Administração da Entidade Demandada que determinou o pagamento do montante de € 4.369.611,00 a título de compensação pelo incumprimento da obrigação de incorporação de biocombustíveis, conforme previsto no Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25.10.
Além da Entidade Demandada – Entidade Nacional para o Setor Energético, E.P.E. –, a Autora indicou como Contrainteressados o Fundo de Eficiência Energética e o Fundo Ambiental.
Contudo, os referidos Contrainteressados não constituem entidades a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado, e que possam ser identificados em função da relação material controvertida – situada à volta da validade do ato impugnado, um ato sancionatório –, ou dos documentos contidos no processo administrativo.
Com efeito, a única ligação do Fundo de Eficiência Energética e do Fundo Ambiental (anteriormente denominado Fundo Português de Carbono) prende-se com o facto da compensação em causa constituir uma das suas fontes de receita (cfr. artigo 27.º do DecretoLei n.º 117/2010, de 25.10).
Ora, tais benefícios assentam na legalidade do procedimento administrativo cujo ato se encontra em sindicância nos autos.
Dito de outro modo, o seu interesse patrimonial apenas existe na medida em que o ato que determina a existência da referida obrigação é legal, sendo, por conseguinte, meramente reflexo e eventual.
Para além disso, a presença dessas entidades na ação não é essencial para garantir a eficácia da sentença a proferir neste processo.”

A Recorrente não se conforma com o decidido e sustenta que o Fundo Ambiental possui um interesse contraposto ao da Autora porquanto as receitas resultantes das compensações são direccionadas para o Fundo Ambiental, sendo estas determinadas na decorrência do incumprimento das obrigações de incorporação.
Vejamos.
Nos termos do art.º 57º do C.P.T.A., para além da entidade autora do acto impugnado, “são obrigatoriamente demandados os contra-interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo.”
É unânime nos autos que as compensações previstas no artigo 27.º do Decreto-lei n.º 117/2010, de 25.10 constituem receitas do Contrainteressado/Recorrido.
Com efeito, conjugando o artigo 27.º do Decreto-lei n.º 117/2010, de 25.10, com o Decreto-lei n.º 8/2021, de 20.01, temos que o produto das compensações é distribuído em 70% para o Fundo Ambiental e em 30% para o Fundo de Eficiência Energética. Pelo Decreto-Lei n.º 114/2021, de 15.12, foi extinto o Fundo de Eficiência Energética, tendo sido realizada a sua fusão no Fundo Ambiental, que sucede nas suas atribuições, direitos e obrigações.
Assim, decidiu já este TCAN, em acórdão de 05.07.2024, proferido no processo nº 1162/22.1BEBRG, idêntico ao presente, que, “sendo as receitas resultantes das compensações direcionadas para o Fundo do Ambiente, e sendo estas determinadas na decorrência do incumprimento das obrigações de incorporação, este possui um interesse contraposto ao da Autora”.
Como aí se diz,” é indiscutível que o contrainteressado, quanto à receita devida pelas compensações, vê a sua posição jurídica definida pela validade e eficácia do ato administrativo em causa nos autos, pelo que, enquanto potencial beneficiário, possui um interesse contraposto ao da Autora.
Por outras palavras, a invalidade e ineficácia do ato administrativo impugnado é suscetível de lhe causar prejuízo, nomeadamente, o não recebimento do produto das compensações.
Apesar de, neste momento, estar em causa o incumprimento das obrigações previstas no Decreto-lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, o interesse como contrainteressado não pode surgir apenas no momento de cobrança efetiva das compensações, visto que é o (alegado) incumprimento que vem consolidar o direito do contrainteressado.
E tanto assim é, que, em várias ações administrativas e procedimentos cautelares semelhantes ao presente, em que ambas as entidades são parte, o contrainteressado tem, sucessivamente, sido considerado parte legitima.”
Termos em que procede este fundamento de recurso devendo a sentença ser revogada nesta parte, julgando-se parte legitima o Contra-interessado Fundo Ambiental.
*
b) Do erro de julgamento quanto à ilegalidade do acto administrativo impugnado

Por sentença proferida nos autos foi a acção julgada procedente e, consequentemente, anulado o acto impugnado que determinou o pagamento da quantia de € 4.369.611,00, a título de compensação pelo não cumprimento da obrigação de incorporação de biocombustíveis relativa ao 1.º trimestre do ano de 2021.
Considerou o Tribunal a quo que o acto em crise, praticado ao abrigo do artigo 11.º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25.10, viola o artigo 8.º da Directiva 98/34/CE do Parlamento europeu e do Conselho de 22.06.1998.
O que fez com apoio no acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), datado de 09.03.2023, que esclareceu questões prejudiciais formuladas pelo TAF de Braga, no âmbito do processo n.º 860/21.1BEBRG, concernentes à interpretação que deve ser dada a um conjunto de normas consagradas na Diretiva 98/34/CE, mormente os artigos 1.º, ponto 4, 1.º, ponto 11, conjugados com o artigo 8.º, n.º 1, o qual foi igualmente sufragado pelo STA no acórdão de 06.07.2023, proferido no processo n.º 02739/17.2BEBRG-A.
A Recorrente diverge, sustentando que o Tribunal a quo errou ao julgar que o acto administrativo impugnado viola o Direito da União Europeia; que o acto foi praticado ao abrigo de um diploma legal que, à data, se encontrava em vigor e que, actualmente, só não se mantém porquanto foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2022; razão pela qual, sob pena de violação do princípio da legalidade, se encontrava vinculada a proferir o acto administrativo em apreço.
Acrescenta que não estamos perante um problema de ilegalidade do acto administrativo, mas antes perante uma (eventual) questão de responsabilidade civil extracontratual do Estado Português por alegados danos decorrentes do exercício da função legislativa.
Adiante-se que não assiste razão à Recorrente.
O erro de julgamento imputado à sentença foi já repetidamente apreciado por este Tribunal Central Administrativo Norte no âmbito de recursos similares ao presente - cfr. acórdãos de datados
de 30.11.2023, proferidos nos proc.s n.ºs 2639/17.6BEBRG e 1584/21.5BEPRT, acórdãos de 01.03.2024, proferidos nos processos nºs: 1361/21.3BEBRG, 942/22.2BEBRG, 2813/17.5BEPRT e apenso 2928/17.0BEPRT (publicados em www.dgsi.pt) e 1161/22.3BEBRG, acórdãos datados de 15.03.2024, proferidos nos processos nºs 2438/16.2BEBRG, 579/18.0BEPRT, 1546/21.2BEPRT (publicados em www.dgsi.pt), 545/21.4BEPRT, 1606/16.1BEPRT, 2016/21.4BEPRT e 2015/21.6BEBRT, acórdãos de 19.04.2024 proferidos nos processos n.ºs 1189/22.3BEBRG (publicado em www.dgsi.pt) e 145/22.6BEBRG, acórdão de 17.05.2024, proferido no processo nº 739/18.4BEBRG, acórdão de 06.06.2024, proferido no processo n.º 1254/16.6BEBRG e acórdão de 05.07.2024, proferido no processo nº 1162/22.1BEBRG.
Reiteradamente tem decidido este TCAN que o disposto no artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25.10, ao determinar as percentagens de incorporação de biocombustíveis a observar pelas “entidades incorporadoras”, constituía uma “regra técnica” (na acepção do artigo 1.º, ponto 11, da Directiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, datada de 22.06.1998) a qual só seria oponível aos destinatários particulares se o respectivo projecto tivesse sido comunicado à Comissão Europeia, nos termos previstos no artigo 8.º n.º 1 daquela Directiva.
Assim não tendo sucedido, e na falta de idónea base legal substantiva, os actos praticados pela Entidade Nacional para o Sector Energético, EPE, ao abrigo do disposto no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25.10, são inválidos e contenciosamente anuláveis por violação de lei, por erro nos seus pressupostos de direito, atenta a sua desconformidade com o direito da União Europeia.
Por facilidade, na ausência de qualquer inovação que exija diferente fundamentação, reproduz-se a vertida no aresto deste TCAN, de 19.04.2024, no âmbito do proc. n.º 145/22.6BEBRG:

“De entre a jurisprudência do TJUE, auxiliar de tais Acórdãos e dos infra identificados, bem como da decisão recorrida, sublinha-se o Acórdão de 09-04-2023 (Terceira Secção), proferido no Proc. “Vapo Atlantic” (C-604/21, EU:C:2023:175), julgando, com interesse para a decisão a proferir, o seguinte: “[…]
1) O artigo 1.°, ponto 4, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação, conforme alterada pela Diretiva 2006/96/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006, deve ser interpretado no sentido de que: uma legislação nacional que fixa um objetivo relativo à incorporação de 10 % de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários introduzidos no consumo por um operador económico relativamente a um determinado ano é abrangida pelo conceito de «outra exigência» na aceção do artigo 1.°, ponto 4, da Diretiva 98/34, conforme alterada, e constitui assim uma «regra técnica» na aceção do artigo 1.°, ponto 11, da Diretiva 98/34, conforme alterada, a qual apenas é oponível aos particulares se o seu projeto tiver sido comunicado em conformidade com o artigo 8.º, n.º 1, da Diretiva 98/34, conforme alterada.
2) O artigo 8.º, n.º 1, da Diretiva 98/34, conforme alterada pela Diretiva 2006/96, deve ser interpretado no sentido de que: uma legislação nacional que visa transpor o artigo 7.°-A, n.º 2, da Diretiva 98/70/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 1998, relativa à qualidade da gasolina e do combustível para motores diesel e que altera a Diretiva 93/12/CEE do Conselho, conforme alterada pela Diretiva 2009/30/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, em consonância com o objetivo que figura no artigo 3.º, n.º 4, da Diretiva 2009/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE, não é suscetível de constituir uma mera transposição integral de uma norma europeia na aceção do artigo 8.º, n.º 1, da Diretiva 98/34, conforme alterada, e, por conseguinte, de se eximir à obrigação de comunicação prevista nesta disposição.
3) O artigo 4.º, n.º 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2009/30, deve ser interpretado no sentido de que: esta disposição não constitui uma cláusula de salvaguarda prevista num ato vinculativo da União, na aceção do artigo 10.º, n.º 1, terceiro travessão, da Diretiva 98/34, conforme alterada pela Diretiva 2006/96. […]”.
Considerando o apreciado e decidido pelo referenciado Acórdão do TJUE, o STA, julgando litígio substancialmente similar ao dos presentes autos, proferiu o Acórdão supra referido, de 06-06-2023, Proc. n.º 02739/17.2BEBRG-A, com o seguinte sumário que se transcreve por interesse para a decisão a proferir:
I - Do Acórdão do TJUE de 9/3/2023, “Vapo Atlantic”(C-604/21), proferido em reenvio prejudicial operado pelo TAF/Braga no processo 860/21.1BEBRG, resulta que o disposto no nº 1 do art.º 11.º do DL n.º 117/2010, de 25/10, nas suas sucessivas versões até à sua revogação pelo DL nº 84/2022, de 9/12, ao determinar as percentagens de incorporação de biocombustíveis a observar pelas “entidades incorporadoras”, constituía uma “regra técnica” (na aceção do art. 1º, ponto 11, da Diretiva 98/34) a qual só seria oponível aos destinatários particulares se o respetivo projeto tivesse sido comunicado à Comissão Europeia, nos termos previstos no art. 8º nº 1 daquela Diretiva (o que não sucedeu). Mais resulta do Acórdão do TJUE que aquela norma nacional não é suscetível de constituir uma mera transposição integral de uma ¯norma europeia‖, não se subsumindo, pois, à exceção prevista naquele art. 8º nº 1 da citada Diretiva, nem é suscetível de integrar uma “cláusula de salvaguarda”.
II – Esta jurisprudência interpretativa do TJUE impõe-se também no âmbito do presente processo, onde se discute questão idêntica, tornando inútil a manutenção do reenvio prejudicial aqui também operado (“Vapo Atlantic II”, C-413/22), em que foram colocadas ao TJUE questões suplementares, pois que, em face daquele seu Acórdão de 9/3/2023, resulta, por si, incontornável a procedência da impugnação contenciosa, aqui em apreciação, da ordem de pagamento fundamentada naquela legislação nacional tida como inoponível aos destinatários particulares (como a aqui Autora/Recorrente), sendo, pois, tal ato impugnado, inválido e contenciosamente anulável por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito (falta de base legal).”.
Para melhor compreensão da questão que nos ocupa, regista-se a jurisprudência deste TCAN que, até à data, se debruçou sobre a mesma, em conformidade com a jurisprudência comunitária e nacional [do STA], de forma uniforme e consistente: Acórdão de 04-09-2023, proferido no Proc. n.º 856/21.3BEBRG; Acórdãos de 30-11- 2023, proferidos nos Proc.s n.ºs 2639/17.6BEBRG, 1584/215BEPRT e 1460/21.1BEBRG, de 01-03-2024, proferidos nos Proc.s n.ºs 1361/21.3BEBRG, 942/22.2BEBRG, 2813/17.5BEPRT e apenso 2928/17.0BEPRT, e 1161/22.3BEBRG, os Acórdãos proferidos nos Proc.s n.ºs 2438/16.2BEBRG, 579/18.0BEPRTO, 2015/21.6BEPRT e 2016/21.4BEPRT e contemporâneos ao presente aresto, os Acórdãos proferidos nos Proc.s n.ºs 16/2017.8BEBRG e 3148/16.6BEPRT
Neste seguimento, e tendo presentes os referidos Acórdãos os quais, em face das questões neles suscitadas, conheceram matéria essencialmente igual à que ressalta dos autos, sem prejuízo das adaptações necessárias, mormente em sede dos inerentes contornos fácticos, e cuja jurisprudência por eles firmada acompanhamos por concordarmos totalmente com a argumentação nela expendida, e assim, em razão da fixação de uma interpretação e aplicação uniformes do direito, de acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, destacamos, em fundamento do presente Acórdão, parte da fundamentação do Acórdão de 30-11-2023, proferido no Proc. n.º 2639/17.6BEBRG, o qual, bem como os demais e a decisão recorrida, faz uma interpretação da normação convocada nos presentes autos, em sintonia com o julgado no Acórdão do TJUE de 9/3/2023, “Vapo Atlantic” (C-604/21), como segue:
***
“[…] No caso vertente, o ato administrativo impugnado determinou à A. o pagamento de compensações no valor de €142.000,00 (cento e quarenta e dois mil euros) pelo incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis relativas ao 1.º Trimestre de 2020.
Essas metas de incorporação resultam do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010 que, de acordo com o acórdão do TJUE supracitado, constituem normas técnicas.
Ora, se tais metas de incorporação constituem normas técnicas, deveriam ter sido comunicadas à Comissão Europeia, sob pena de serem inoponíveis e inaplicáveis aos particulares.
A comunicação prévia das regras técnicas encontra-se prevista no artigo 8.º da sobredita Diretiva, nos seguintes termos:
1.Sob reserva do disposto no artigo 10º, os Estados membros comunicarão imediatamente à Comissão qualquer projeto de regra técnica, exceto se se tratar da mera transposição integral de uma norma internacional ou europeia, bastando neste caso uma simples informação relativa a essa norma. Enviarão igualmente à Comissão uma notificação referindo as razões da necessidade do estabelecimento dessa regra técnica, salvo se as mesmas já transparecerem do projeto.
Não tendo sido efetuada tal comunicação, como resulta da matéria de facto provada nos presentes autos, concluímos que o referido ato administrativo, já que fundamentado no Decreto-Lei n.º 117/2010, padece de invalidade, devendo ser anulado, como, efetivamente, o foi pela sentença recorrida.
Acresce que, com relevância para os presentes autos, no âmbito do processo n.º 2739/17.2BEBRG-A, que tramitou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, e cujo objeto é idêntico ao dos presentes autos, designadamente, a impugnação de um ato administrativo praticado pela ora recorrente traduzido na aplicação de compensações à ora recorrida, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu Acórdão em 06 de julho de 2023, o qual julgou procedente, por provada, a ação administrativa da recorrente, determinando a anulação de tal ato [...]
[...]
Importa, transcrever, ainda, parte do teor deste acórdão do STA de 6/07/2023, que infirma totalmente as conclusões da recorrente:
“21. Deste Acórdão do TJUE, de 9/3/2023, resulta, pois, em conclusão, que o disposto no nº 1 do art. 11º do DL nº 117/2010, de 25/10, nas suas sucessivas versões até à sua revogação operada pelo DL nº 84/2022, de 9/12, ao determinar as percentagens de incorporação de biocombustíveis a observar pelas “entidades incorporadoras”, constituía uma “regra técnica” (na aceção do art. 1º, ponto 11, da diretiva 98/34), a qual só seria oponível aos destinatários particulares (como a aqui Autora) se o respetivo projeto tivesse sido comunicado à Comissão nos termos previstos no art. 8º nº 1 da Diretiva 98/34. Mais declarou o TJUE que tal norma nacional não é suscetível de constituir uma mera transposição integral de uma “norma europeia” (não se subsumindo, pois, à exceção prevista no art. 8º nº 1 da Diretiva 98/34), nem é suscetível de se integrar numa cláusula de salvaguarda.
Ora, este julgamento do TJUE, proferido em 9/3/2023 no âmbito daquele mecanismo de reenvio prejudicial (C-604/21) operado pelo TAF/Braga no âmbito do processo 860/21.1BEBRG, é decisivo, por si, para determinar a sorte deste nosso presente processo.
Na verdade, não sendo a norma contida no nº 1 do art. 11º do DL 117/2010, de 25/10, oponível aos destinatários particulares, ela não era, consequentemente, oponível à aqui Autora/Recorrente, pelo que o ato impugnado, praticado pela Ré/Recorrida “ENSE”, consistindo numa ordem de pagamento fundamentada num incumprimento daquela norma, queda-se sem fundamento legal, incorrendo, pois, em vício de erro nos pressupostos de direito (falta de base legal).
Dúvidas não pode haver que aquele julgamento do TJUE é plenamente aplicável no caso do presente processo, uma vez que a jurisprudência daquele tribunal europeu, quanto à interpretação fixada do direito da UE, designadamente em processo de reenvio prejudicial, torna-se obrigatório quer no âmbito da causa em que o reenvio foi operado quer em quaisquer outros processos em que seja pertinente a aplicação das mesmas normas interpretadas. Efetivamente, além de o tribunal nacional destinatário ficar vinculado pela interpretação dada, o Acórdão do TJUE vincula também os outros órgãos jurisdicionais a quem seja submetida uma questão idêntica.
Ora, no presente processo, estamos perante um litígio substancialmente idêntico, apenas variando a quantia da compensação a dever ser, alegadamente, paga pela Autora/Recorrente e o espaço temporal a que tal compensação se reporta (no nosso caso, o ano de 2016, a que, nos termos do aludido nº 1 do art. 11º do DL 117/2010, correspondia uma obrigação de incorporação de biocombustíveis na percentagem de 7,5% - cfr. alínea c). Sendo irrelevantes, quanto à manutenção dessa inoponibilidade, a variação das várias versões do DL 117/2010 até á sua revogação pelo DL 84/2022, de 9/12 (nomeadamente, as versões introduzidas pelos DLs. 6/2012, de 17/1, 69/2016, de 3/11 – em que se baseou o ato aqui impugnado, 152-C/2017, de 11/12 e 8/2021, de 20/1).
Em face do julgamento do TJUE, tornam-se, pois, inúteis as eventuais respostas às questões prejudiciais colocadas suplementarmente ao TJUE pelo reenvio prejudicial operado, à cautela, no âmbito deste nosso processo, uma vez que, independentemente dessas respostas, a já estabelecida inoponibilidade aos destinatários particulares (como a aqui Autora/Recorrente) da norma impositiva contida no nº 1 do art, 11º do DL 117/2010, impõe, por si, irremediavelmente, uma decisão de procedência da presente ação impugnatória, por força de vício do ato impugnado, por erro nos pressupostos de direito (falta de base legal) – o que se decide.”
Pelo exposto, temos que, não sendo a norma inserta no nº 1 do art. 11º do DL 117/2010, de 25/10, oponível aos destinatários particulares, ela não era, consequentemente, oponível à aqui Autora/Recorrente, pelo que o ato impugnado, praticado pela Ré/Recorrente “ENSE”, consistindo numa ordem de pagamento fundamentada num incumprimento daquela norma, fica sem fundamento legal, incorrendo em vício de erro nos pressupostos de direito (falta de base legal).
[...]
Note-se, ademais, que o citado Acórdão do TJUE, de 9/3/2023, ao declarar a inoponibilidade, aos destinatários/particulares, da legislação portuguesa em causa, já pressupõe preenchida uma das condições para que essa consequência seja possível: o “efeito direto” do relevante direito da UE. Isto é, a possibilidade de os particulares poderem invocar este direito europeu em ordem a salvaguardarem os seus direitos e interesses, eventualmente contra legislação nacional que o contrarie (cfr. Acórdão fundamental “Van Gend en Loos”, 26/62).
E, nos termos do Acórdão fundamental “CIA Security Service (C-194/94), aliás citado pelo TJUE no Acórdão interpretativo de 9/3/2023, «há que concluir que a Diretiva 83/189 deve ser interpretada no sentido de que a inobservância da obrigação de notificação acarreta a inaplicabilidade das “regras técnicas” em questão, de modo que não podem ser opostas aos particulares», sendo que ao juiz nacional «compete recusar a aplicação de uma “regra técnica” nacional que não tenha sido notificada em conformidade com a Diretiva”.
Não tendo sido assim considerado pelo Tribunal a quo, independentemente de qualquer outra invalidade, a sentença padece de erro de julgamento, no que, em concreto respeita à interpretação do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 117/2010, conjugado com os artigos 1.º, 8.º e 9.º, da Diretiva 98/34/CE, o que determina a revogação da sentença recorrida, com as demais consequências legais. [...]”
Posto o que, e em síntese, a solução jurídica obtida pelo Acórdão supra transcrito baseia-se, fundamentalmente, no julgamento de que no caso em questão estão em causa metas de incorporação obrigatórias previstas no artigo 11.º, n.º 1, do DecretoLei n.º 117/2010, enquadradas no conceito de regras técnicas – cfr. artigo 1.º, pontos 4. e 11. da Diretiva 98/34/CE – e que não foram previamente notificadas à Comissão Europeia, conforme o exige o regime da notificação prévia de processo legislativo previsto nos artigos 8.º e 9.º da Diretiva 98/34/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22-081998, alterada pela Diretiva 2006/96/CE do Conselho, de 20-11-2006.
Consequentemente, a norma ínsita no artigo 11.º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 117/2010, convocado no ato impugnado, não é oponível aos destinatários nela identificados – entidades que incorporam combustíveis no mercado para consumo final no sector dos transportes terrestres – in casu, à Autora/Recorrida.
Tendo-o sido, na medida em que a entidade decisora/Recorrente emitiu o ato administrativo impugnado, com base na normação legal referenciada, concretizado numa ordem para pagamento pela Autora de quantia monetária, a título de compensações pelo não cumprimento de obrigações/metas de incorporação de biocombustíveis relativas a período identificado, sem que, todavia, se tenha previamente cumprido a exigência prescrita na Diretiva Europeia de notificação das regras técnicas em causa, à Comissão Europeia, o TAF a quo decidiu corretamente ao anular o ato impugnado por vício de erro nos pressupostos de direito decorrente da violação de direito comunitário, e, assim, por falta de base/fundamento legal.
A tal não se opondo o sustentado pela Recorrente, no sentido de o Decreto-Lei n.º 117/2010, ao abrigo do qual o ato impugnado foi praticado, se encontrar à data em vigor, e deste modo, vincular a Demandada a aplicar aquele diploma ao caso vertente, sob pena de violação do princípio da legalidade.
Na verdade, a constatação de uma norma estar em vigor e do dever da Administração a aplicar em consonância com o principio da legalidade não invalida que o ato que a aplica esteja sempre livre de padecer de invalidade, desde logo, por desconformidade com o direito da União que igualmente integra o bloco legal que regula a atuação administrativa.
Termos em que, o Tribunal a quo não incorreu no invocado erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito convocado, improcedendo, nesta parte, o presente recurso jurisdicional.”

Aderindo integralmente à fundamentação transcrita, improcede o fundamento recursivo em análise.
*
c) Da não procedência dos demais vícios do acto administrativo impugnado

O conhecimento do presente argumento recursivo resta prejudicado pela procedência do anterior.
*
d) Da reforma quanto às custas processuais

Finalmente, argui a Recorrente que, ao abrigo do disposto no artigo 528.º, n.º 1 do CPC, o contrainteressado que apresentara contestação deve responder pelas custas processuais, em partes iguais com a ora Recorrente.
Vejamos.
A procedência do primeiro fundamento de recurso (legitimidade do contra-interessado) acarreta a procedência deste outro.
Nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, a decisão que julgue a acção condena em custas a parte que a elas houver dado causa, isto é, a parte vencida na proporção em que o for, ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
Estabelece ainda o artigo 528.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, que “Tendo ficado vencidos, na totalidade, vários autores ou vários réus litisconsortes, estes respondem pelas custas em partes iguais”.
Nos presentes autos, os Contra-interessados apresentaram contestação, na qual suscitaram a sua ilegitimidade e, no mais, aderiram ao aduzido pela Entidade Demandada em sede de contestação.
Assim sendo, tendo ficado vencidos a Entidade Demandada e o Contrainteressado, deverão ser condenados no pagamento das custas processuais devidas. Nesta linha, decidiu já este TCAN, em situações similares, mormente nos arestos de 19.04.2024 (proc. 145/22.6BEBRG), de 17.05.2024 (proc. 739/18.4BEBRG) e 05.07.2024 (proc. 1162/222.1BEBRG).
Mais, uma vez, por facilidade, socorremo-nos da fundamentação gizada no aresto proferido no processo nº 145/22.6BEBRG:

“(…) os CI estão no processo na qualidade de partes, em situação de litisconsórcio necessário passivo com a Entidade demandada, no caso a entidade autora do ato impugnado, e gozam do estatuto processual de parte (cfr. artigo 10.º, n.º 1 do CPTA), assistindo-lhes, em regra, os mesmos direitos e deveres processuais que a lei garante ou impõe àquela, incluindo a condenação em custas, quando, como ocorre nos autos, a posição dos Ci, exarada nas suas contestações é idêntica à sustentada pela Entidade demandada na medida em que defendem igualmente a manutenção na ordem jurídica do ato administrativo impugnado.
E, assim, mostrando-se in casu vencida a Entidade demandada, vencidas estão as posições/interesses ou razões defendidos pelos Ci para efeitos de satisfação da respetiva pretensão na manutenção do ato impugnado na ordem jurídica.
Deste modo, tendo os Contra-interessados supra identificados deduzido contestação quanto ao mérito da acção em alinhamento com a posição da Entidade demandada, face à situação jurídico-processual fundada em litisconsórcio necessário passivo, sido, tal como a Entidade demandada, vencidos na sua pretensão, julgamos que lhes assiste o correspetivo dever de pagamento das custas, em partes iguais, conforme o disposto no artigo 528.º, n.º 1 do CPC que estabelece que “Tendo ficado vencidos, na totalidade, vários autores ou vários réus litisconsortes, estes respondem pelas custas em partes iguais.”.
(…)
No sentido atrás sustentado se pronunciou o Ministério Público junto deste Tribunal no seu Parecer, o qual por manifesto interesse para fundamentação do decidido, se transcreverá, em parte, como segue:
“É inquestionável que os contrainteressados estão no processo na qualidade de parte demandada, em situação de litisconsórcio necessário passivo com a entidade autora do ato impugnado, e gozam do estatuto processual de parte (cfr. artigo 10.º, n.º 1 do CPTA), assistindo-lhes, por via de regra ou como posição de princípio, os mesmos direitos e deveres que a lei reconhece ou impõe àquela.
(…)
Decorre directa e claramente, da lei, que a taxa de justiça corresponde ao impulso processual de cada interveniente – cf. art.s 529.º n.º 2 CPC e 6.º n.º 1 do RCP, à luz do art. 9.º, particularmente n.º 2, do CC.
Essa é, sem qualquer dúvida, a regra básica adoptada pelo legislador.
Como decorre do citado art. 530.º n.º 1 do CPC, a taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente ou recorrido, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
O n.º 4 desse artigo prevê, contudo, que em caso de litisconsórcio o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes, donde nesta situação apenas será paga uma única taxa de justiça.
(…)
Decorrentemente, esta questão do impulso processual não deixa de estar presente na arquitectura do sistema legal das custas e, por isso, não pode deixar de ser levado em devida conta na interpretação do mesmo, rectius, é chamado a pagar quem provoca a intervenção do sistema de justiça, esteja, para esse efeito, em coligação ou em litisconsórcio.
E esta solução não deixa de ser defendida, directa ou indirectamente, pela própria doutrina e jurisprudência. Verbi gratia, Salvador da Costa in Regulamento das Custas Processuais Almedina, 2.ª Edição, 2009, página 51, escreve que “neste normativo [refere-se ao n.º 3 do artigo 446.º-A do anterior CPC, que passou para o nº 3 do artigo 528.º do actual, sobre o vencimento só parcial de algum dos litisconsortes] está ínsito o princípio da proporcionalidade, ou seja, a ideia de que, tendo sido desigual a participação de cada litisconsorte vencido no processo, por exemplo se algum dos réus não contestar a acção, tal particularidade deve reflectir-se na distribuição da responsabilidade quanto ao pagamento das custas pelos litisconsortes”; e em anotação ao artigo 6.º do RCP, a págs. 187: “Este artigo, sob a epígrafe regras gerais, reporta-se às regras gerais de fixação da taxa de justiça e constitui um ponto essencial do novo regime, na medida em que institui, nesta matéria, a figura do impulso inicial”; e a páginas 188: “… o que a lei pretende significar é que o interessado deve pagar a taxa de justiça devida no momento em que desencadeia a respectiva actividade processual”; e em anotação ao artigo 13.º do RCP, a páginas 240: “Não parece resultar da lei que em caso de pluralidade activa ou passiva de sujeitos processuais, cada um só seja responsável pela correspondente taxa de justiça desde que apresente articulado distinto …”.
(…)
E escreveu-se no Acórdão de 09 de Março de 2017, tirado no processo n.º 6311/13.8TBSTB-B.E1, citando jurisprudência do S.T.J.: “Atendendo ao princípio da proporcionalidade a que toda a actividade pública está sujeita, a taxa de justiça deverá ter tendencial equivalência ao serviço público prestado, concretamente, ao serviço de justiça a cargo dos tribunais, no exercício da função jurisdicional, devendo a mesma corresponder à contrapartida pecuniária de tal exercício.”
No final do processo, já o legislador preveniu de forma diversa em matéria de custas. De acordo com o nº 1 do art.º 528.º do CPC, em caso de vencimento, os vários autores ou réus litisconsortes, respondem pelas custas em partes iguais.
Com efeito, dispõe o artigo 528.º do Código de Processo Civil:
“1 - Tendo ficado vencidos, na totalidade, vários autores ou vários réus litisconsortes, estes respondem pelas custas em partes iguais.
(…).
3 - Quando o vencimento de algum dos litisconsortes for somente parcial, a responsabilidade por custas toma tal circunstância em consideração, nos termos fixados no Regulamento das Custas Processuais.
4 - Quando haja coligação de autores ou réus, a responsabilidade por custas é determinada individualmente nos termos gerais fixados no n.º 2 do artigo anterior.”
Como é sabido, a pluralidade de partes no processo poderá ocorrer por via de coligação e por via de litisconsórcio. E como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/03/2011, disponível em www.dgsi.pt “a doutrina tem entendido que o litisconsórcio e a coligação se distinguem porque nesta, há pedidos diferentes dirigidos por cada um dos autores discriminadamente contra uma pluralidade de partes; e naquele, unidade de pedido dirigido contra mais de uma parte, ou pluralidade de pedidos não discriminadamente dirigidos ou dirigidos discriminadamente se idênticos no seu conteúdo e fundamentos - cf. Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. II, págs. 256 e ss.”
De qualquer forma, quer nos casos de coligação, quer nos casos de litisconsórcio, a regra é de que as custas são sempre repartidas pelos diversos réus.
A única diferença lógica é que no caso de litisconsórcio as custas são repartidas em partes iguais e em caso de coligação serão naturalmente apuradas individualmente, consoante a condenação de cada uma das partes.
Mas em ambos os casos, a responsabilidade pelo pagamento de custas é sempre repartida e apurada para cada uma das partes. Pelo que fica dito, não aderindo ao sentenciado quanto à condenação das custas ínsita na sentença ora em sindicância, é nosso parecer que se impõe a sua revogação, ainda que e apenas, nesta parte. (…)”.

Termos em que, procede o pedido de reforma do segmento condenatório em matéria de condenação de custas.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
1. Revogar a decisão recorrida na parte em que julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva do Contra-interessado;
2. Julgar o contrainteressado Fundo Ambiental parte legítima;
3. Confirmar a decisão recorrida no segmento em que anulou o acto impugnado;
4. Revogar a decisão recorrida no segmento de condenação em custas, ficando as mesmas a cargo da Entidade demandada e do Contrainteressado, em partes iguais.
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As custas do recurso serão suportadas pela Recorrente/Entidade Demandada e pelo Recorrido/Contra-interessado, na proporção de 60% e 40% respectivamente.
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Registe e notifique.
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Porto, 27 de Setembro de 2024

Ana Paula Martins
Luís Migueis Garcia
Celestina Caeiro Castanheira