Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01225/11.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/14/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:OPOSIÇÃO, FACTOS DO PROBATÓRIO, PRESCRIÇÃO E SUSPENSÃO, FUNDAMENTAÇÃO DO DESAPCHO DE REVERSÃO
Sumário:1 – O juiz leva ao probatório os factos que considera necessários para apreciação das questões que lhe são colocadas e não todos os factos que constam do processo.

2 – As causas de suspensão do prazo de prescrição do devedor originário são extensivas ao responsável subsidiário (art. 48º, nº 2 da LGT), independentemente do momento em que ocorra a citação deste, logo o período de suspensão da prescrição derivado de factos denominados como causas de suspensão de prescrição em relação ao devedor principal será também um período de suspensão em relação ao devedor subsidiário, mesmo que ele venha a ser citado passados cinco anos a contar do acto de liquidação.

3- Tendo a reversão por fundamento o disposto no art. 24º, nº 1, al. b) da LGT, compete ao oponente revertido provar que não teve culpa na insuficiência do património da devedora originária para solver as dívidas tributárias.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Seção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

A., melhor identificada nos autos, inconformada com a sentença proferida no TAF de Braga, que julgou improcedente a oposição judicial por si intentada no âmbito do processo de execução fiscal nº 3476200401019449 e apensos, instaurado contra a sociedade “C., Lda.” por dívidas de IVA dos anos de 2003 a 2005, IRC dos anos de 2002, 2004 a 2007 e IRS de 2005 e contra si revertidas, vem apresentar recurso formulando para o efeito as seguintes conclusões.

“CONCLUSÕES:
Alteração da matéria de facto provada
A.- Foram considerados como elementos de prova documentos constantes do PA apenso aos autos principais.
B.- Igualmente deveria ter sido considerado provado os pagamentos no valor total de 8.959,60 € efectuados pela sociedade revertida por conta do processo executivo dos autos (3476200401019449) - fIs 9 a 26 do PA apenso.
C.- Factos que devem ser considerados provados sob pena de a oponente poder ter que que pagar duas vezes a mesma quantia, além de que a Fazenda Pública na reversão efectuada não fez qualquer abatimento da referida quantia paga, reclamando a totalidade da quantia, quando sabia e resulta provado dos autos que houve pagamentos por conta da quantia ora em execução e que a não serem considerados levará a um pagamento injustificado e ilegítimo em duplicado.
Prescrição
D.- Estabelece o art° 48 da Lei Geral Tributária o prazo de prescrição de 8 anos da dívida exequenda.
E.- E quanto aos responsáveis subsidiários, nos termos do n° 3 do mesmo art°, aquele prazo de prescrição corre sempre sem as interrupções do art° 49 da LGT se este for citado após o 5° ano subsequente ao da liquidação.
F.- Ora, entre as dívidas em causa nos autos temos uma autoliquidação de IRC do ano de 2002, sendo que a ora oponente apenas em 12.05.2011 foi citada para os presentes autos, ou seja muito depois do 5 ano subsequente à liquidação.
G- Assim, em Maio de 2011 já que tinha decorrido o prazo de prescrição de 8 anos da dívida exequenda relativa ao IRC de 2002.
H.- Por outro lado, o n° 2 do art° 48 da LGT diz que as causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor subsidiário.
I.- Assim, não faz sentido que no caso de interrupção da prescrição tal não produza efeitos em relação do devedor subsidiário e a simples suspensão já produza efeitos.
J.- Claramente tem que ser procedente a prescrição invocada pelo ora recorrente.

Falta de Fundamentação da Reversão
K.- Verifica-se que, como fundamento da reversão, é referido "Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários".
L.- Nada é dito sobre o valor atribuído aos bens penhorados nem em que medida são insuficientes.
M.- Nada foi dito pela Fazenda Pública nos autos na fundamentação da insuficiência do património da executada sobre o valor atribuído às 8 (oito) viaturas em causa, pelo que há falta de fundamentação.
N.- A que acresce o facto de não ter sido considerado os montantes de cerca de 100.000,00 € que a devedora originária é credora.
O.- Claramente há falta de fundamentação do motivo da reversão, a mesma não é clara, congruente e suficiente como defendido na douta sentença em recurso.

Violação do Direito de Audição
P.- Quando exerceu o seu direito de audição prévia, a ora oponente pediu o prazo de 5 dias para juntar aos autos certidões relativas aos processos que a devedora originária tinha a correr termos na Vara Mista de Guimarães na qualidade de A. e nos quais reclamava o pagamento de quantias de 100.000,00 da E., Lda.
Q.- O Chefe do Serviços de Finanças todavia não deu qualquer relevância aquele pedido.
R.- Apenas referindo que "tal facto alegado pelos requerentes, carreado pela primeira vez para os autos, não é susceptível de determinar o arquivamento dos autos, sendo que nem sequer se junta qualquer tipo de prova".
5.- Não apresentou o Chefe das Finanças qualquer motivo justificativo para indeferir o pedido de prazo para entrega dos documentos, antes alegou que não foi junta qualquer tipo de prova.
T.- A verdade é que a ora oponente não podia juntar no prazo concedido para exercer o seu direito de audição prévia as referidas certidões, tendo em conta que estava a decorrer o período de férias judiciais e apesar de ter requerido as certidões a 18.04.2011 uma apenas foi passada em 2.05.11 e a outra em 15.05.2011.
U.- E o chefe de finanças logo em 3.05.2011 proferiu despacho de reversão, sem conceder à ora oponente o direito de juntar prova do alegado.
V.- Foi pois a oponente prejudicada no seu direito de audição prévia motivo justificado, sendo uma violação do direito de audição prévia que cerca sem conduz à nulidade da reversão, contrariamente ao defendido na douta sentença em recurso., havendo uma clara violação do disposto no art° 6°, n°5 5 e 7 da LGT.

Culpa da Revertida/Ilegitimidade
X.-A Fazenda pública e da douta sentença em recurso imputaram a reversão na previsão da alínea b) do n° 1, do artigo 24° da LGT, que ocorre quando a falta de pagamento é imputável às pessoas com funções de administração ou gestão.
A prova de que essa falta de pagamento não lhe é imputável compete ao contribuinte revertido".
Y.- Entendemos que a reversão devia imputar-se na previsão da al° a) do n° 1 do art° 24 da LGT, ou seja pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo.
Z.- Neste caso, a culpa tem que ser provada pela fazenda pública.
A.A.- Não vem provado na decisão de reversão que o património do devedor se tornou insuficiente por culpa da gerente de direito que não de facto, conforme alínea a) do n° 1 do art° 24 da LGT, nem tal ficou provado nos autos.
AB.- Em parte alguma do despacho de reversão e da matéria provada são elencados factos para que se possa considerar que foi por culpa do oponente que o património da sociedade se tornou insuficiente para satisfação das dívidas revertidas, ou seja, que o responsável subsidiário, culposamente, dissipou ou malbaratou o património social.
AC.- Ora, dos autos e dos documentos juntos ao PA apenso resulta:
- que houve um requerimento para pagamento prestacional de dívida exequenda em 36 prestações mensais da devedora originária, entregue no Serviço de Finanças de Guimarães 2 em 20.08.2004 - fIs 3 e 4 do PA apenso;
- que houve um pedido de audiência a realizar com o Chefe de Finanças - fIs 180 do PA apenso por parte da oponente em representação da devedora originária;
- vários pagamentos por conta das quantias em divida entre 2008 e 2010 - f Is 9 a 26 do PA;
- Declaração de insolvência da devedora originária foi contestada e anulada.
AD.- Factos classificadores do grau de culpa ou da não existência de culpa da ora oponente na insuficiência de bens da devedora originária.
AE.- Independentemente da opinião que se adopte, a alínea b) deverá ser interpretada no sentido de que a responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores só se desencadeia quando há uma actuação, ou omissão culposa que por sua vez impeçam o pagamento dos tributos à custa dos bens da sociedade. Vigora aqui uma presunção da culpa e não da ilicitude. A lei apenas exige uma actuação culposa (culpa efectiva tal como decorria do art.13° do Código do Processo Tributário (CPT), e não é exigida uma culpa funcional como decorria do art.16° do Código de Processo das Contribuições e Impostos (CPCT) no incumprimento para imputar a dívida tributária e deverá, a culpa verificada no caso concreto ser avaliada tendo como pontos de referência, quer os danos sofridos pela administração tributária, quer a insuficiência patrimonial da sociedade, que ocasionou ao chamamento do devedor subsidiário. Poderá ser afastada a culpa se o gestor não dispondo dos meios económicos da sociedade para efectuar as diligências do pagamento no período em que este deveria operar, quando essa diminuição não foi causada pelo próprio gestor
AF.- Contrariamente à douta sentença em recurso claramente resulta que a oponente actuou sem culpa e é por isso parte ilegítima.

Termos em que
Dando provimento ao presente recurso, revogando a douta sentença proferida, declarando-se a não reversão da dívida sobre a oponente, farão V.ªs. Excªs a devida JUSTIÇA !
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A Entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
As questões suscitadas pela Recorrente são delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (nos termos dos artigos 660º, nº 2, 684º, nº s 3 e 4, actuais 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT), sendo a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, erro de julgamento de direito e, ainda, se ocorre a prescrição da dívida relativa ao ano de 2002.
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3. JULGAMENTO DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

A) Foi instaurado processo de execução fiscal nº 3476200401019449 e aps contra a sociedade, C. Lda., por dividas de IVA dos anos de 2003, 2004 e 2005 e IRC dos anos de 2002, 2004, 2005, 2006, 2007,e IRS de 2005 no valor de € 74.343,84- fls 18 do PA;
B) Por sentença proferida em 17.08.2005 no processo nº 4838/05.4TBGMR, do 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães, foi a executada originária “C., Lda” declarada insolvente - fls 45 do PA;
C) Por despacho datado de 23.08.2005 foram suspensos os processos de execução fiscal;
D) A suspensão referida em C) decorreu no período de 17.08.2005 a 10.01.2006;
E) A executada originária “C., Lda.” foi citada a 12.09.2006 – fls 194 ;
F) Em 13.04.2011 pelo ofício nº 3827 foi a aqui oponente notificada, para querendo exercer o direito de audição prévia- fls 211;
G) A oponente exerceu o seu direito de audição em 26.04.2011- fls 214;
H) Foi proferido despacho de reversão contra a oponente em 03.05.2011 – fls 224 do PA apenso;
I) A oponente foi designada gerente da executada originária “C., Lda” desde a sua constituição, conjuntamente com o sócio R., sendo que para obrigar a sociedade era necessária a intervenção de ambos – certidão da Conservatória do Registo Comercial de Guimarães, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, fls 125 a 128 do PA apenso;
J) A oponente é beneficiária e consta qualificada desde 01.08.2002 como membro de órgão estatutário na entidade empregadora “C., Lda” com remunerações nessa qualidade de Janeiro de 2003 a Outubro de 2005- fls 179 do PA apenso;
K)A assinatura da oponente na qualidade de sócio-gerente consta em diversos documentos:
- requerimento para pagamento prestacional de dívida exequenda em 36 prestações mensais da devedora originária, entregue no Serviço de Finanças de Guimarães 2 em 20.08.2004 – fls 3 e 4 do PA apenso;
- no pedido de audiência a realizar com o Chefe de Finanças – fls 180 do PA apenso;
- certidão de citação da executada originária – fls 194 do PA apenso;
- declarações de alterações de IVA – fls 160 a 169 do PA apenso;
- no processo de execução comum nº 1341/04.3TBGMR do 2º juízo Cível – fls 129 a 134 do PA apenso;
- procuração passada à mandatária da sociedade executada originária – fls 147 a 149 do PA apenso;
L) A executada originária não dispunha de bens susceptíveis de penhora – fls 184 a 192 do PA apenso;
m)A oponente foi citada em 12.05.2011 – fls 235 do PA apenso;
n) A presente oposição deu entrada no Serviço de finanças de Guimarães 2 em 13.06.2011 – fls 7;
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Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto baseia-se, essencialmente, nos documentos e informações constantes do processo.
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4 – O DIREITO
A Recorrente começa por pedir a alteração da matéria de facto (conclusões A) a C) do recurso), com base nos documentos que constam do processo administrativo apenso aos autos (fls. 9/26 do PA), por entender que resulta provado que a primitiva devedora efectuou vários pagamentos no valor global de €8.959,60, no âmbito do processo executivo em apreço nestes autos, factos que devem se considerados como provados sob pena de lhe ser exigido esse montante, o que levará a um pagamento injustificado e ilegítimo em duplicado.
Antes do mais diga-se que o juiz do tribunal a quo levou ao probatório os factos considerados necessários para apreciar as questões que lhe foram colocadas pela Recorrente na petição inicial.
De facto, não existe a obrigação de levar ao probatório todos os factos que constam dos autos, mas apenas aqueles que são necessários para a decisão da causa.
Manifestamente os factos que a Recorrente pretende ver aditados ao probatório não têm qualquer influência sobre a decisão da causa e de per si não levam à conclusão que a Recorrente formula de que a AT não levará em atenção todo e qualquer pagamento que tenha sido feito por conta da dívida exequenda.
Assim, improcedem estas conclusões do recurso.
Apreciemos, agora, o recurso que nos vem dirigido, sendo que a Recorrente começa por invocar a prescrição da dívida relativa ao IRC do ano de 2002.
Vejamos, pois, se ocorreu a prescrição da dívida (conclusões D) a J) do recurso).
A prescrição é o instituto pelo qual se extingue a obrigação tributária, justifica-se por razões de certeza, de segurança e de paz jurídica (Benjamim Rodrigues, A Prescrição no Direito Tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, 1999, pag. 262/263)
Com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária (LGT) em 01/01/1999, o prazo de prescrição, nos termos do disposto no art. 48º, nº 1, passou a ser de 8 (oito) anos, contados nos impostos periódicos a partir da data em que o facto tributário ocorreu (na versão em vigor até 31/12/2004), tendo a Lei nº 55-B/2004, de 30/12, alterado as regras de contagem da prescrição ao criar uma excepção para o imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos de retenção na fonte a título definitivo, caso em que o prazo se conta a partir do início do ano seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
Nos termos do art. 48º, nº 1 da LGT a citação interrompe o prazo de prescrição, sendo certo que a executada originária foi citada em 12/09/2006 (al. E) da factualidade) e a oponente em 12/05/2011 (al. M) da factualidade).
Assim, com a citação o prazo de prescrição interrompe-se, ficando inutilizado todo o prazo entretanto decorrido, começando a correr novo prazo a contar daquela data, tal como decorre do art. 327º, nº 1 do Código Civil.
Atente-se que, tal como decorre do disposto no art. 48º, nº 2 e 3 da LGT “As causa de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários”, mas, “a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5º ano posterior ao da liquidação”, é precisamente o caso dos autos em que a oponente foi citada após o 5º ano posterior ao da liquidação, logo, a citação da primitiva devedora não produziu quanto à oponente/Recorrente qualquer efeito interruptivo da prescrição.
Todavia, já não podemos dizer o mesmo quanto às causas de suspensão, pois que a subordinação da extensão ao responsável subsidiário dos efeitos dos actos praticados em relação ao devedor primitivo prevista no art. 48º, nº 3 da LGT, apenas está prevista quanto aos actos interruptivos da prescrição e não também quanto às causas de suspensão da prescrição, como tal denominadas, designadamente as previstas no nº 3 do art. 49º da LGT na redacção inicial. Quanto a estes factos com efeito suspensivo da prescrição, aplica-se a regra do art. 48º, nº 2 da LGT de que as causas de suspensão em relação ao primitivo devedor produzem efeitos em relação ao devedor subsidiário, independentemente do momento em que ocorrer a citação deste Neste sentido cfr. Jorge Lopes de Sousa in “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária - Notas Práticas”, 2008, pag. 111..
É certo que a Recorrente questiona esta jurisprudência, todavia ela mostra-se pacifica nos tribunais superiores e na doutrina, pelo que não lhe assiste razão.
Assim, o período de suspensão da prescrição derivado de factos denominados como causas de suspensão da prescrição em relação ao devedor principal, será também um período de suspensão em relação ao responsável subsidiário, mesmo que ele venha a ser citado apenas passados cinco anos a contar do ano da liquidação.
In casu, resulta apurado que o PEF esteve suspenso entre 17/08/2006 e 10/01/2006 (4 meses e 26 dias) por causa da declaração de falência, sendo esta suspensão válida tanto para o devedor originário como para a oponente/Recorrente, pois que, como acima já dissemos, o art. 48º, nº 3 da LGT reporta-se exclusivamente à interrupção da prescrição Cfr. neste sentido o Acd. do STA de 04/03/2009, processo nº 1079/08, disponível in: www.dgsi.pt. .
Portanto, acrescentando ao prazo normal de prescrição (8 anos) o período de suspensão (4 meses e 26 dias), facilmente se concluiu que a prescrição apenas de completaria em 26/05/2011, pelo que, ocorrendo a citação da Recorrente em 12/05/2011, nessa data não se tinha consumado a prescrição, sendo certo que a citação da oponente interrompeu o prazo de prescrição.
A citação da executada, ora Recorrente, constituía um acto interruptivo de efeito duradouro, ou seja, que não permite que novo prazo comece a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (art. 326º e 327º do Código Civil).
Conclui-se, assim, contrariamente ao defendido pela Recorrente, que a dívida não está prescrita.
Pugna a Recorrente pela falta de fundamentação da reversão (conclusões K) a O) do recurso), mas em antecipação podemos adiantar que lhe falece a razão.
Vejamos.
A reversão é a decisão do órgão da execução fiscal pelo qual é chamado ao processo executivo alguém que não consta do título executivo como devedor.
É pela reversão que se efectiva a responsabilidade subsidiária, ou seja, o chamamento à execução fiscal dos responsáveis subsidiários (cfr. artigo 23.º, n.º 1, da LGT).
Dispõe no n.º 2 do art. 23º da LGT que «a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão»; e o n.º 3 prescreve-se que «caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei».
Por sua vez, o n.º 2 do artigo 153.º do CPPT preceitua que «o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido».
As normas supra citadas estabelecem os pressupostos da reversão, o momento em que ela deve ocorrer e as condições em que pode ser suspensa, tendo por ponto de partida a salvaguarda do benefício da excussão.
Do carácter subsidiário da responsabilidade tributária, imposto no nº 3 do artigo 22º da LGT, decorre que a execução fiscal só pode ser revertida contra o responsável subsidiário depois de excutidos os bens do devedor originário. Daqui resulta, por um lado, que o órgão de execução fiscal está obrigado a exigir a prestação tributária em primeiro lugar ao devedor originário ou aos eventuais responsáveis solidários, satisfazendo o crédito somente à custa dos seus bens, e apenas pode exigi-la do devedor subsidiário no caso de se provar a inexistência ou insuficiência de bens daqueles e, por outro, que o devedor subsidiário pode recusar o cumprimento da dívida tributária enquanto não tiverem sido excutidos todos os bens daqueles devedores.
Impõe-se, assim, que o nº 2 do artigo 153º do CPPT seja lido em conjugação com o artigo 23º da LGT, o que condiciona a reversão à verificação de uma das seguintes situações: (i) inexistência de bens penhoráveis na esfera patrimonial do devedor originário; (ii) fundada insuficiência dos bens do devedor originário para satisfação da dívida exequenda.
Logo, verificando-se que os devedores (principal e solidário) não têm bens, o órgão de execução fiscal pode e deve reverter imediatamente a execução contra os responsáveis subsidiários, pois nada há para excutir.
Questão diversa e que suscita maior dificuldade surge quando os bens desses devedores, apesar de existirem, não são suficientes para pagar a dívida exequenda e acrescido.
Como é sabido, o órgão de execução fiscal está vinculado a fazer uma investigação aprofundada sobre a existência de bens no património do devedor originário ou dos eventuais responsáveis solidários, porém no decurso desse apuramento pode prognosticar-se que o produto da venda dos bens penhoráveis ou penhorados (créditos, rendas, saldos bancários, etc.) não chega para liquidar a totalidade da dívida exequenda Neste sentido cfr. Acd. do TCAN proferido em 04/07/2019, processo nº 00013/16.0BEMDL.
A decisão de reversão deve, por isso, obedecer a todos os requisitos das decisões administrativas, designadamente, às exigências de fundamentação impostas pelo artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, pelo artigo 77.º da LGT e, especificamente no caso de reversão, pelo artigo 23.º, n.º 4, da LGT, que dispõe: «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e de declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».
É, pois, inequívoca a exigência da fundamentação da reversão.
Assim, no que concerne ao acto de reversão da execução fiscal, a lei é expressa a determinar, no n.º 4 do art.º 23. ° da LGT, que: “A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.” (destacado nosso).
É também indiscutível que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido. A determinação do âmbito da declaração fundamentadora pressupõe, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, num sentido amplo, o suficiente para suportar formalmente a decisão administrativa. (Acórdão do STA n.º 0624/12 de 14.02.2013).
Sobre a questão da fundamentação do despacho de reversão, a jurisprudência do STA é pacífica, sendo dela revelador o acórdão de 29.10.2014, proferido no processo 0925/13 que, por isso, aqui parcialmente se transcreve:
….não sofre dúvida que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do art. 23.º da LGT) e que este despacho de reversão, sendo um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (art. 268.º n.º 3 da CRP; arts. 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).
E sendo pressupostos da responsabilidade subsidiária (arts. 23.º n.º 4 e 24.º n.º 1, da LGT) a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (art. 23.º n.º 2 da LGT; art. 153.º n.º 2 do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou da respectiva entrega (art. 24.º n.º 1 da LGT), então o despacho de reversão, enquanto acto administrativo tributário, deve, em termos de fundamentação formal, incluir a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (nº 1 do art. 77.º da LGT), e deve incluir, igualmente, a declaração daqueles pressupostos e referir a extensão temporal da responsabilidade subsidiária (art. 23º nº 4 LGT). Daí que, em consonância com este normativo, se tenha afirmado, no acórdão do Pleno desta Secção do STA, proferido em 16/10/13, 0458/13, que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.» (cfr., igualmente, os acórdãos desta Secção do STA, de 31/10/2012, proc. nº 580/12 e de 23/1/2013, proc. nº 953/12).”.
Acerca desta questão a sentença recorrida apresenta o seguinte discurso fundamentador: “No caso em apreço, o despacho de reversão confirma a existência da fundamentação de facto que, pelo facto de ser sucinta, não deixa de ser clara e congruente e contém globalmente a constelação dos dispositivos aplicáveis à reversão.
Não colhe portanto a argumentação da oponente quando refere que o despacho não contém qualquer referência à insuficiência parcial ou total do património da executada originária para solver os créditos fiscais, pois como se extrai do projecto de despacho de reversão e do despacho de reversão e anexos, constam devidamente descriminados os nºs de processos executivos instaurados contra a executada originária, a proveniência das dividas, a identificação do documento que lhe deu origem, o período de tributação, a data limite de pagamento voluntário, o imposto em divida, o montante de cada um dos impostos e o montante total da divida exequenda. O despacho de reversão também refere que das diligências realizadas pelo Serviço de finanças de Guimarães 2, devidamente indicadas resulta que a executada originária não tem bens penhoráveis.”
Dito isto, temos que a questão fulcral a apreciar por este Tribunal ad quem, é a de saber se é correcta a conclusão da sentença recorrida de que o despacho de reversão se encontra devidamente fundamentado.
Ora, ante o discurso fundamentador da sentença recorrida, que a Recorrente não coloca verdadeiramente em crise, assim como a factualidade que resulta da alínea L) do probatório, que remete para fls. 184 a 192 do PA, onde se analisa a questão das aventadas viaturas e insuficiência do seu valor, resta apenas concluir que improcedem as conclusões do recurso neste vício.
A Recorrente invoca, ainda, a violação do direito de audição e a ilegitimidade na vertente da culpa (conclusões P) a AF) do recurso).
No que tange à violação do direito de audição cumpre referir que a mesmo não se verifica, porquanto a Recorrente foi devidamente notificada para se pronunciar em sede de audição ao despacho de reversão, possibilidade que exerceu, tendo a AT ponderado no despacho de reversão que emitiu (cfr. al. H) da factualidade, que se sustenta no despacho que consta de fls. 224 do PA) todas as circunstâncias invocadas pela Recorrente em sede de audição.
Efectivamente, confrontado o despacho de reversão proferido pela AT, ali se constata que em relação à alegada dívida da “E., Lda.”, no valor de €100,000,000, a AT refere que “Tal facto alegado pelos requerentes, carreado pela primeira vez para os autos, não é susceptível de determinar o arquivamento dos mesmos, sendo que nem sequer se junta qualquer tipo de prova.”.
Paralelamente, na informação da AT que acompanha a subida da presente oposição e de acordo, também, com os documentos que acompanham a P.I., tal alegado crédito da primitiva devedora sobre a sociedade “E., Lda.” encontra-se em discussão na Vara Mista de Guimarães, não sendo susceptível de produzir no PEF em apreço o efeito que a Recorrente pretende.
Destarte, também não lhe assiste razão no que concerne à alegada violação do direito de audição.
Prosseguindo.
No que tange à ilegitimidade por inexistência de culpa da Recorrente pela falta de pagamento das dívidas exequendas, a sentença recorrida avança da seguinte forma:
Estabelece o art. 24º da LGT:
“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
(…)”.
No caso, as dívidas são enquadráveis na alínea b) porquanto o prazo legal de pagamento ou entrega do imposto terminou no período de exercício do cargo da Oponente e, como tal, presume-se a sua culpa.
Assim, é á Oponente que cabe ilidir essa presunção legal. À administração tributária apenas cumpre alegar os pressupostos fácticos de que deriva a presunção: os períodos do imposto e a gerência do responsável subsidiário nesses períodos.”
Se bem entendemos as alegações do recurso, a Recorrente limita-se a discordar do enquadramento da reversão pela alínea b) do art. 24º da LGT, defendendo que a reversão deveria ter operado pela alínea a) do art. 24º da LGT.
Sucede que dos autos resulta de forma muito clara que o prazo legal de pagamento ou entrega do imposto terminou no período em que a Recorrente exercia o seu cargo, daí que nada haja a obstar à reversão nos termos da alínea b) do art. 24º da LGT, motivo pelo qual o ónus da prova da culpa na insuficiência do património societário para o pagamento das dívidas tributárias cabia ao contribuinte e não à Administração Tributária como pugnado pela Recorrente.
O art. 24º, nº 1, al. b) da LGT é inequívoco ao estabelecer uma presunção legal de imputabilidade do não pagamento das dívidas no momento em que terminou o prazo legal de pagamento dessas mesmas dívidas, pelo que, para que o oponente/Recorrente se desobrigue da responsabilidade subsidiária terá de demonstrar que a falta de pagamento do imposto não lhe é imputável.
Todavia, no caso sobre que nos debruçamos tal prova não resulta feita sendo certo que a mesma incumbia à Recorrente e não à Recorrida, tal como resulta da sentença sob recurso.
Aqui chegados, e atenta a alínea pela qual foi efectivada a reversão, bem como à prova reunida em sede de reversão e confirmada pela sentença recorrida, de que a Recorrente exerceu de facto a gerência da devedora originária, impunha-se que a Recorrente tivesse provado que não foi por culpa sua que o património societário se tornou insuficiente para saldar as dívidas tributárias, o que não sucedeu.
Em conclusão improcedem em toda a linha as conclusões do recurso, estando o mesmo votado ao insucesso.
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5 – DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, e em consequência, manter sentença recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente.
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Porto, 2021-01-14

Maria Celeste Oliveira
Maria do Rosário Pais
Tiago de Miranda