Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01213/17.1BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/23/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO. PRESCRIÇÃO. INFRACÇÃO PERMANENTE.
Sumário:I) – Como se sumaria em Ac. deste TCAN, de 15-07-2014, “A prescrição de infracção permanente - que se distingue da infracção instantânea de efeitos permanentes - só corre desde dia em que cessar a consumação.”.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:L., Lda
Recorrido 1:Ministério Público
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:n/a
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
*

L., Ldª (Rua (…)) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Aveiro, que julgou improcedente recurso de contra-ordenação.

A recorrente conclui:

1. A douta sentença é nula atenta a clara contradição na sua fundamentação, de acordo com as disposições conjugadas dos art. 374º nº 2 e art. 379º nº 1 ali. a) do CPP, porquanto ora considera que o ilícito contraordenacional discutido nos autos é um ilícito instantâneo com efeitos duradouros e ao mesmo tempo considera que é um ilícito permanente.
2) A contraordenação em causa, p.p. pelo art. 75º nº 2 ali. j) do DL nº 169/2012 de 01.08, cujo tipo parapenal reside no "inicio da exploração" é uma contraordenação instantânea com efeitos duradouros, que se produziu na data daquele "inicio", pelo que se encontra prescrita nos termos dos art. 27º b) e 28º nº 3 do RGCO.

O Mº Pº contra-alegou, concluindo:

1.º O objecto do recurso, aferido à luz das conclusões formuladas pela recorrente, é, desde logo, a verificação, ou não, do vício previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. b) do C.P.P. – contradição insanável da fundamentação, e o conhecimento, ou não, da prescrição da contraordenação.
2.º No caso dos autos, a fundamentação da sentença pese embora assevere inicialmente, certamente por lapso, que a utilização de um edifício para uma actividade comercial ou industrial sem licença é um ilícito instantâneo com efeitos duradouros, o certo é que faz, de seguida, todo um excurso doutrinário aplicável à constatação de que esse comportamento consubstancia, outrossim um ilícito permanente, rebatendo a tal propósito o argumentário da arguida, que esbate qualquer contradição de raciocínio e de clareza do que foi decidido.
3.º Aliás, a assim não se considerar, sempre tal circunstância não determinaria o arquivamento da contraordenação, mas sim o reenvio dos autos à primeira instância, onde, sem necessidade de se proceder a novo julgamento, uma vez que os autos já dispõem de prova bastante, a decisão recorrida seria substituída por ora, igualmente, condenatória e nunca absolutória.
4.º E, estando o conhecimento da prescrição em conexão com o que se acabou de referir, e porque a contraordenação referida integra um ilícito permanente, como aliás é consensual na jurisprudência, enquanto não cessar a utilização sem licença não corre sequer o prazo da prescrição.
5.º Assim, e pelo exposto, entendemos que bem andou o Mmº Juiz ao condenar a arguida pela prática da contraordenação em causa e ter concluído pela não verificação da prescrição, não merecendo tal decisão qualquer reparo, até porque fez a correcta interpretação e aplicação do direito.
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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Os factos:
A) Em 12/06/2016, foi levantado o seguinte auto de notícia por contraordenação, que deu origem ao competente processo com o n.º 96/2016/CO:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. fls. 1 e ss, SITAF.
B) Em 23/09/2016, foi remetido ofício ao Recorrente, dando-lhe conhecimento do auto de notícia acima identificado (cfr. fls. 1 e ss. SITAF);
C) A Recorrente detém em funcionamento na Rua (…), um estabelecimento industrial cuja atividade principal é fabricação de mobiliário metálico para outros fins – Admitido.
D) Para a laboração de tal estabelecimento a recorrente tomou de arrendamento, por contrato celebrado em 02/12/1996, o local onde se encontra a funcional o estabelecimento industrial identificado no ponto anterior – (cfr. fls. 1 e ss. SITAF)
E) Sendo que, desde então, ali tem em funcionamento o mesmo estabelecimento – admitido.
D) Com data de 31/07/2017, foi emitida proposta de decisão no Processo de Contraordenação n.º 96/2016/CO, nos seguintes termos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. fls. 1 e ss (SITAF)
F) Em 26/10/2017, a recorrente foi notificada da decisão a que se alude no ponto antecedente deste probatório – cfr. fls. 1 e ss. SITAF.
- # -
Adita-se (cfr. fls 29 proc. fls.):
G) – A decisão recorrida tem seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
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A apelação:
A nulidade.

A recorrente imputa nulidade da sentença “de acordo com as disposições conjugadas dos art. 374º nº 2 e art. 379º nº 1 ali. a) do CPP”; disposições que prescrevem que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” (art.º 374º, nº 2, do CPP) e que é nula a sentença “ Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F” (art.º 379º nº 1, al. a), do CPP).

E isto “porquanto ora considera que o ilícito contraordenacional discutido nos autos é um ilícito instantâneo com efeitos duradouros e ao mesmo tempo considera que é um ilícito permanente.”.
O que não integra a tipificada nulidade apontada.

Ainda assim, não incorrendo em semelhante hipótese, vejamos.
Situemos primeiro que a recorrente foi condenada pela prática do ilícito de mera ordenação social previsto e sancionado nos termos dos artigos 12.º, 33.º 34.º e Anexos I e II , n.º3, n.º 2, alínea j) do artigo 75.º DL 169/2012, de 01 de Agosto, na coima de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).

O artigo 12.º do Decreto Lei n.º 169/2012, de 1/8, estabelece que:
“A instalação e a exploração de estabelecimento industrial ficam sujeitas aos seguintes procedimentos:
a) Autorização prévia, que pode assumir as modalidades de autorização prévia individualizada ou de autorização prévia padronizada, para os estabelecimentos industriais incluídos no tipo 1;
b) Comunicação prévia com prazo, para os estabelecimentos industriais incluídos no tipo 2;
c) Mera comunicação prévia, para os estabelecimentos industriais incluídos no tipo 3.”.

Por sua vez o artigo 33.º do mesmo diploma legal determina:
“1 - A exploração de estabelecimento industrial de tipo 3 está sujeita ao regime de mera comunicação prévia.
2 - O cumprimento da obrigação de mera comunicação prévia é feito através da apresentação, à respetiva entidade coordenadora competente, de formulário e respetivos elementos instrutórios, nos termos definidos em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da economia, do emprego, da agricultura e do ambiente.
3 - A mera comunicação prévia significa a aceitação de termo de responsabilidade, disponibilizado ao requerente no «Balcão do empreendedor», no qual declara conhecer e cumprir as exigências legais aplicáveis à sua atividade em matéria de segurança e saúde no trabalho e ambiente, bem como, quando aplicável, as exigências em matéria de segurança alimentar e os limiares de produção previstos na parte 2-A do anexo i ao SIR.
4 - Sempre que a atividade ou operação a exercer no estabelecimento industrial de tipo 3 esteja abrangida por licença ou autorização padronizada nos domínios do ambiente, da segurança e saúde no trabalho, segurança alimentar e segurança contra incêndio em edifícios, a mera comunicação prévia significa a aceitação de termo de responsabilidade, disponibilizado ao requerente no «Balcão do empreendedor», no qual declara conhecer e cumprir todas as exigências constantes das licenças ou autorizações padronizadas em causa.
5 - A exploração dos estabelecimentos de tipo 3 está sujeita às exigências legais em vigor e aplicáveis ao imóvel onde está situado, bem como aos condicionamentos legais e regulamentares aplicáveis à atividade industrial, designadamente em matéria de ambiente, segurança e saúde no trabalho, segurança alimentar e segurança contra incêndio em edifícios.”

E o artigo 34.º deste mesmo diploma legal consagra:
“1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o comprovativo eletrónico de submissão da mera comunicação prévia no «Balcão do empreendedor», acompanhado do comprovativo do pagamento das taxas eventualmente devidas, constituem título bastante para o exercício da atividade.
2 - A exploração de atividade agroalimentar que utilize matéria-prima de origem animal não transformada que exija vistoria prévia à exploração, nos termos dos regimes legais aplicáveis, só pode ser iniciada após vistoria das autoridades responsáveis, no prazo máximo de 15 dias, findo o qual o requerente poderá recorrer a vistoria por entidade acreditada, nos termos do SIR, e iniciar a exploração após a comunicação prevista no n.º 11 do artigo seguinte.”

E quanto ao regime sancionatório, prescreve o mesmo Decreto Lei n.º 169/2012, de 1/8, na sua alínea j), n.º 2, do artigo 75.º, o seguinte:
“Constitui contraordenação punível com coima de (euro) 250 a (euro) 2500, tratando-se de uma pessoa singular, ou de (euro) 2500 a (euro) 44 000, tratando-se de pessoa coletiva:
(…)
j) O início da exploração de estabelecimento industrial de tipo 3, em violação do disposto no artigo 34.º”.

Na sentença o Mmº Juiz discorreu:
«(…)
Quanto à prescrição do procedimento contraordenacional:
Entende a recorrente que o procedimento contraordenacional nos presentes autos e no qual lhe foi aplicada coima por ter a arguida dado início a exploração de estabelecimento industrial tipo 3, em 1992 e o prazo máximo de prosseguimento deste processos extinguiu-se no final do ano de 1997 e, mesmo que assim se não entenda, esmo considerando que o inicio da exploração se deva conter na data em que entrou em vigor o Decreto Lei n.º 169/2012, de 01/08, 1 de setembro de 2012, já decorreu o prazo de 3 anos para a prescrição do procedimento criminal.
Com relevância para a decisão a proferir cabe conhecer o disposto nos artigos 27.º, 27.º-A e 28.º, do Regime Geral das Contraordenações.
Artigo 27.º
Prescrição do procedimento
O procedimento por contraordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido os seguintes prazos:
a) Cinco anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a € 49.879,79;
b) Três anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a € 2.493,99 e inferior a € 49.879,79;
c) Um ano, nos restantes casos.
Artigo 27.º-A
Suspensão da prescrição
1. A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do art. 40º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso;
2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.
Artigo 28.º
Interrupção da prescrição
1. A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2. (...).
3. A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
Cabe ainda conhecer o regime sancionatório, prescrevendo o Decreto Lei n.º 169/2012, de 01 de agosto, na sua alínea j), n.º 2, do artigo 75.º, o seguinte:
“Constitui contraordenação punível com coima de (euro) 250 a (euro) 2500, tratando-se de uma pessoa singular, ou de (euro) 2500 a (euro) 44 000, tratando-se de pessoa coletiva:
(…)
j) O início da exploração de estabelecimento industrial de tipo 3, em violação do disposto no artigo 34.º”.(…)

Assim, atendendo à moldura abstrata da coima aplicável à infração praticada pelo Recorrente, é de quatro anos e meio o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional – cfr. artigo 75.º, n.º 2, alínea j), do Decreto Lei n.º 162/2012, de 01 de agosto, conjugado com o indicado artigo 27º, alínea b), e artigo 28.º, n.º 3, do Regime Geral das Contraordenações.

Vejamos, por isso.
A utilização de um edifício para uma atividade comercial ou industrial, como no caso dos autos, sem licença é um ilícito instantâneo com efeitos duradouros e não um ilícito permanente.

Segundo o artigo 5º do DL n.º 433/82, de 27 out., “O facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido”.

Importa agora fazer referência aos ilícitos permanentes, aqueles em que há a criação de um estado antijurídico, mantido e querido no tempo pelo agente, até à cessação do facto censurável.
Nos crimes permanentes a infração renova-se constantemente com todos os seus elementos constitutivos.

Nos ilícitos permanentes o estado antijurídico é mantido pelo agente e a sua permanência gera a realização ininterrupta do tipo, renovada por ação da vontade do agente, o que distingue estes ilícitos das infrações instantâneas, mas de efeitos duradouros ou permanentes, em que o agente se liberta da ação inicial sucedendo-se os efeitos mas à margem de qualquer resolução criminosa.

Diz Eduardo Correia que “Na estrutura dos crimes permanentes distinguem-se duas fases: uma, que se analisa na produção de um estado antijurídico, que não tem aliás nada de característico em relação a qualquer outro crime; outra, e esta propriamente típica, que corresponde à permanência, ou, vistas as coisas de outro lado, à manutenção desse evento, e que, para alguns autores, consiste no não cumprimento do comando que impõe a remoção, pelo agente, dessa compreensão de bens ou interesses jurídicos em que a lesão produzida pela primeira conduta se traduz”.

“Nos crimes permanentes, realmente, o primeiro momento do processo executivo compreende todos os actos praticados pelo agente até ao aparecimento do evento, isto é, até à consumação inicial da infracção; a segunda fase é constituída por aquilo a que certos autores fazem corresponder uma omissão, que ininterruptamente se escoa no tempo, de cumprir o dever, que o preceito impõe ao agente, de fazer cessar o estado antijurídico causado, donde resulta, ou a que corresponde, o protrair-se da consumação do delito. Desta forma, no crime permanente haveria, pelo menos, uma acção e uma omissão, que o integrariam numa só figura criminosa”.

O regime geral das contra-ordenações não indica qual o início do prazo da prescrição, pelo que ao abrigo do disposto no artigo 32º do DL 433/82, teremos de recorrer ao estabelecido no artigo 119º do Código Penal. Nos crimes permanentes, o prazo de prescrição só corre desde o dia em que cessar a consumação - n.º 2, al. a). Atendendo à moldura abstrata da coima aplicável à infração praticada pela arguida, é de 3 anos o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional – artigo 27º, al. b) do DL 433/82.

Dos autos não resulta que, entretanto, a recorrente haja obtido a competente licencia de utilização ou, sequer efetuado a comunicação prévia.

Daí que, não resulte dos autos qualquer ação da parte da recorrente pela qual faça cessar a permanência ilícita da sua omissão.
Pelo que, não se pode concluir pela prescrição do procedimento criminal.
(…)»

Na arguição de nulidade da recorrente vem identificada uma aparente contradição na indagação do direito, quando em fundamentação se arranca duma primeira afirmação que percepciona afirmação de “um ilícito instantâneo”, para depois se extrair toda uma subsequente narrativa de discurso que se encarou estar perante uma infracção permanente.

A situação não integra os vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, que aí se tratam de vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, o que não é caso.

Poderíamos pensar em nulidade por contradição entre fundamento e decisão ou “ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”, conforme alínea c), do nº 1, do art. 615º do CPC.

Mas «Segundo o entendimento comumente aceite (cfr., por exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 08/02/2018, proc. nº 633/15.0T8VCT.G1.S1, in www.dgsi.pt) ambígua será a decisão à qual seja razoavelmente possível atribuírem-se, pelo menos, dois sentidos díspares sem que seja possível identificar o prevalente e obscura será a decisão cujo sentido seja impossível de ser objectivamente apreendido.» (Ac. do STJ, de 06-06-2019, proc. n.º 967/14.1TVLSB.L1.S1), em que “o exato sentido do julgado não pode alcançar-se com segurança, de modo a resolver o litígio existente” (Ac. do STJ de 2012-2017, proc. n.º 792/13.7TBFLG.P1.S1).

Ora, é bom de ver que não obstante a dita primeira afirmação que poderia conduzir a um outro enredo e solução, foi antes outro enquadramento que vingou, e sem dúvidas de sentido.
E, afinal, sendo essa a sobrevivência de fundamento, é de concluir que se encontra de harmonia para o que foi decidido, portanto sem contradição.

De fundo: prescrição.

Sustenta a recorrente que “A contraordenação em causa, p.p. pelo art. 75º nº 2 ali. j) do DL nº 169/2012 de 01.08, cujo tipo parapenal reside no "inicio da exploração" é uma contraordenação instantânea com efeitos duradouros, que se produziu na data daquele "inicio", pelo que se encontra prescrita nos termos dos art. 27º b) e 28º nº 3 do RGCO”.
Mas sem razão.

O regime contra-ordenacional tem múltiplas ligações ao direito penal e processual penal; positiva o art.º 32.º do RGCOC o direito penal como direito subsidiário; o art. 41.º, do mesmo regime também remete subsidiariamente para os preceitos reguladores do processo criminal, devidamente adaptados.

E assim acontece relativamente à prescrição, advindo do decurso do tempo razão suficiente para que o direito se abstenha de intervir ou de punir.
Cfr. Ac. do STJ, de 14-05-2019, proc. n.º 927/13.0TBMCN.P1.S1:

«Como refere Jescheck[19], é de suma importância prática a distinção entre consumação formal e consumação material ou terminação. Há crimes cuja consumação formal não coincide com a consumação material ou terminação, como é o caso dos crimes de consumação antecipada (crimes de intenção, de perigo e de empreendimento), crimes em que a consumação se caracteriza pela sua estrutura interactiva (crimes permanentes, crimes em dois actos e com pluralidade de actos individuais), crimes em que o resultado final ou global se obtém através de acções que não correspondem em sentido formal à descrição do respectivo tipo (destruição completa de edifício incendiado, colocação a salvo do objecto contrabandeado depois da passagem da fronteira), e crimes de unidade natural de acção e de acção continuada, sendo que o prazo para a perseguição penal (denúncia, queixa), tal como para efeitos de prescrição do crime, não se inicia enquanto não se verificar a sua terminação, ou seja, a consumação material.».

A nível do direito penal, observa a este respeito o Prof. Figueiredo Dias, que “O crime não será instantâneo, mas antes duradouro (também chamado, embora com menor correcção, permanente) quando a consumação se prolongue no tempo, por vontade do autor. Assim, se um estado antijurídico típico tiver uma certa duração e se protrair no tempo enquanto tal for vontade do agente, que tem a faculdade de por termo a esse estado de coisas, o crime será duradouro. Nestes crimes, a consumação, anote-se, ocorre logo que se cria o estado anti-jurídico; só que ela persiste (ou dura) até que um tal estado tenha cessado. O sequestro (art. 158º) e a violação de domicílio (art. 190º-1) são exemplos desta espécie de crimes” - Direito Penal”, Parte Geral, tomo I, pág. 314.

A propósito da consumação das contra-ordenações e do prazo de prescrição, escrevem os Conselheiros António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral que «Conquanto a lei refira que o prazo de prescrição se conta a partir da prática da contra-ordenação, a verdade é que, em regra, a contagem do prazo de prescrição não deve nem pode ser feita a partir do momento da prática da contra-ordenação, tal como vem definido no artigo 5.º deste Regime Geral, mas antes a partir do momento (dia) em que o facto se tiver consumado ou terminado (concluído), de acordo com o disposto no artigo 119.º, números 1 e 4, do Código Penal (…). Por outro lado, certo é que relativamente às contra-ordenações não consumadas ou tentadas, bem como às contra-ordenações permanentes e continuadas, há que ter em atenção, também, as regras de contagem estabelecidas no número 2, do artigo 119.º do Código Penal, aqui aplicáveis subsidiariamente (art.32.º).». Escrevem os mesmos autores que «contra-ordenação permanente é aquela em que o momento de consumação perdura por um tempo mais ou menos longo e, enquanto dura essa permanência, o agente encontra-se a cometer a contra-ordenação. Assim, tempo da comissão da contra-ordenação permanente é todo o espaço que vai até à terminação do facto (consumação material).» - Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2.ª edição, págs. 78/9.

Confronta-nos, pois, uma infracção permanente, em que perdura o estado antijurídico típico.

Não será, pois, o “início da exploração” a marcar termo inicial de prescrição.

Como se sumaria em Ac. deste TCAN, de 15-07-2014, “A prescrição de infracção permanente - que se distingue da infracção instantânea de efeitos permanentes - só corre desde dia em que cessar a consumação.”.

A prescrição “só corre” “nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação” (art. 119º, nº 2, a), do CP).

A sentença recorrida por aqui se guiou.
Pelo que é de confirmar.

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Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
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Custas: pela recorrente.
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Porto, 23 de Abril de 2021.

Luís Migueis Garcia
Frederico Branco
Nuno Coutinho