Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00101/19.1BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:08/16/2019
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; ALTERAÇÃO DO EFEITO DO RECURSO; ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA DA EXISTÊNCIA DO PERICULUM IN MORA; DISPENSA DE PROVA TESTEMUNHAL.
Sumário:I- Para aferir se uma providência deve ser decretada, há que determinar, cumulativamente, (i) se há um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a Requerente visa assegurar no processo principal [periculum in mora], (ii) se é provável que a pretensão formulada no processo principal pela Requerente seja julgada procedente [fumus boni iuris] (n.º 1), e, caso a resposta seja positiva, (iii) devem ser ponderados os interesses em presença quanto aos danos que resultariam do decretamento da providência e do seu não decretamento [n.º 2].

II- A alegação e prova da existência do periculum in mora incumbe ao requerente da providência cautelar, não podendo a falta de alegação de factos concretos suscetíveis de o demonstrar ser suprida através de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, por corresponder ao incumprimento de um ónus que incumbe em exclusivo ao requerente; nem havendo lugar, nesse caso, à determinação de um período de produção de prova, por o mesmo se revelar inútil ou desprovido de objeto.

III- De entre estes parâmetros, não se deteta nenhum erro de julgamento de direito ao nível da inverificação do requisito do periculum in mora, pois (i) não foram especificados pela Requerente factos capazes de fundar o justo receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar no processo principal, sendo, por isso, totalmente inútil produzir prova testemunhal; (ii) o ato suspendendo nada altera na esfera jurídica da requerente, na medida em que apenas impõe o cumprimento dos horários (já) constantes do alvará de utilização, sendo, por isso, insuscetível de criar uma situação de facto consumado ou importar a produção de prejuízos irreparáveis na esfera jurídica da Requerente; (iii) não é aceitável, nem admissível, que a presente providência cautelar crie ou mantenha uma situação contrária à lei somente para tutelar a expectativa que a Recorrente invoca.*
* Sumário elaborado pelo relator
Data de Entrada:08/16/2019
Recorrente:P.P. - P. Q. UNIPESSOAL, LDA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE L...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Pº 101/19.1BEPNF 19 de 19
Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *
I – RELATÓRIO
P.P. - P. Q. UNIPESSOAL, LDA, com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel [doravante T.A.F. de Penafiel], datada de 04 de junho de 2019, proferida no âmbito da Providência Cautelar de Suspensão de Eficácia de Ato Administrativo intentada pela Recorrente contra o MUNICÍPIO DE L..., também com os sinais dos autos, que indeferiu o decretamento da providência cautelar requerida.
Em alegações, a Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso:
(…)
A.
- Efeito Suspensivo do Recurso, à luz do disposto no artigo 143° CPTA;
B.
- O pressuposto do “Periculum in mora" encontra-se preenchido, na medida em que foi devidamente alegado os danos decorrentes do não decretamento da providência cautelar, cujo a prova foi apresentada e o tribunal a quo eximiu-se a produzi-la (Prova Testemunhal);
C.
- O pressuposto do "fumus boni iuris" também se encontra preenchido na medida que ficou claramente demonstrada a preterição de formalidades essenciais;
Nestes termos e nos melhores de Direitos, deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado e consequentemente ser proferido acórdão que revogue o despacho recorrido e decrete a providência cautelar requerida;
Caso assim não se entenda, se revogue o despacho recorrido e se determine a designação de data para produção de prova;
(…)”.
*
Notificada que foi para o efeito, o Recorrido não contra-alegou.
*
O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, que não vincula este Tribunal Superior [cfr. artigo 641º, nº. 5 do CPC].
*
O Ministério Público neste Tribunal não emitiu o parecer a que alude o artigo 146º, nº.1 do CPTA.
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Com dispensa de vistos prévios – artigo 36.º n.º 2 do C.P.T.A. – cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
* *
II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se (i) deve ser alterado o efeito devolutivo atribuído ao presente recurso, bem como (ii) determinar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
* *
III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
“(…)
A) A requerente é uma sociedade que se dedica à Panificação e Pastelaria, com fabrico e venda, sendo a mesma constituída em 18.12.2009 (facto admitido por acordo);
B) O exercício da atividade da requerente encontra-se autorizado por via do Alvará de Utilização n.° 9/12, de 25/01/2012, concedido pelo Município de L... ao estabelecimento comercial da requerente (documento nº1 junto à oposição e cujo teor se dá por reproduzido);
C) De acordo com o supra referido Alvará, o horário de funcionamento autorizado para o estabelecimento comercial da requerente para o exercício da sua atividade situa-se entre as 07h00m e as 23h00m, sem encerramento no período do almoço ou encerramento semanal (documento n°1 junto à oposição);
D) No seguimento de várias reclamações apresentadas quanto ao funcionamento da requerente no período noturno e no que se refere ao exercício da atividade de fabrico, o requerido solicitou uma medição acústica para avaliar o critério de incomodidade à luz do art. 13° n° 1 b) do Regulamento Geral do Ruído (RGR) (documentos juntos afls.11, 12 e 14 do processo físico);
E) Em 23-11-2018 a empresa A. realizou a Medição dos níveis de pressão sonora — Critério de incomodidade determinado pelo requerido nos termos referidos em D), tendo apresentado o respetivo relatório e do qual consta, além do mais, o seguinte (documento junto a fls.13/21 do processo físico e cujo teor se dá por reproduzido)- [imagem que aqui se dá por reproduzida];
F) Em 04-12-2018 foi elaborada pelos serviços do requerido a seguinte informação (fls.12 do processo físico);
“(…)
INFORMAÇÃO
Por despacho de 09/05/2018, no seguimento da informação do Gabinete Jurídico de 17/04/2018. com os objetivos de aferir e reunir prova se o funcionamento do estabelecimento visado com alvará de utilização n.° 9/12 para estabelecimento de bebidas com fabrico próprio de panificação, respeita (ou não) o estipulado no Regulamento Geral do Ruído, foi realizado relatório de medição dos níveis de pressão sonora em período noturno - fora do horário autorizado de funcionamento, tendo em conta que é durante este período que existe incomodidade, conforme queixa que deu origem ao procedimento.
Com efeito, relativo ao critério de incomodidade (alínea b) do n.° 1 do art.° 13° do RGR, o referido relatório, rececionado a 29/11/2018, conclui o seguinte:
- Verificou-se que os resultados obtidos, para o local amostrado, encontram-se acima dos valores limite para o período de referência noturno.
Nestes termos, reunida a prova técnica, elaborada por entidade devidamente acreditada, que o estabelecimento P. á P. P. Q. Unipessoal. Lda. cujo exercício da atividade noturna, encontra-se em incumprimento dos limites estabelecidos no RGR, considera-se estarem reunidos os pressupostos de facto e de direito, para que o município tome as medidas adequadas para o controlo e minimização dos incómodos causados pelo ruído proveniente do referido estabelecimento, designadamente, a cessação da atividade em período noturno que, como referido, se encontra fora do horário estabelecido no respetivo alvará de utilização n.° 9/12 (das 07h00 às 23h00).
Anexo: Relatório de medição dos níveis de pressão sonora - Critério de incomodidade.

O técnico
04-12-2018
(12335) Á. R.
Face aos dados do relatório de avaliação acústica junto, deverá proceder-se á Instauração do processo de contraordenação por violação do Regulamento Geral do Ruído.
O exercício da atividade de fabrico no estabelecimento no horário noturno, não cumpre com os limites fixados no artigo 11.° do Regulamento Geral do Ruído.
Considerando o referido propõe -se a aplicação da medida cautelar de suspensão da atividade prevista no artigo 27.° n.° 2 do Regulamento Geral do Ruído, medida que se considera imprescindível face aos resultados do relatório de avaliação acústica para evitar a produção de danos graves para a saúde humana e bem-estar das populações.
Assim, deverá notificar-se o Interessado para apresentar pronúncia em sede de audiência prévia sobre a aplicação da medida cautelar de suspensão da atividade de fabrico no período noturno. Considerando a urgência da decisão, deverá conceder-se um prazo de 5 dias para a apresentação de pronuncia em sede de audiência previa, conforme o previsto no artigo 27.° n.° 3 do RGR.
(…)”.
G) Em 21-12-2018, sobre a informação supra, recaiu o seguinte despacho do Sr. Presidente da Câmara de L... (fls. 12v do processo físico):“(…) Concordo. Proceda-se em conformidade com o proposto pela Chefe da DAJ. O Presidente da Câmara, em 31-12-2018, (com competência delegada por deliberação de 27-10-2017) (…)”;
H) Por ofício datado de 04-01-2019, o requerido comunicou à requerente o seguinte (fls.11 do processo físico):
“(…)
V/Ref. n°
N/Ref. n° 000016 19-01-04
Assunto; Queixa
Processo n.° 580/17
Exmos. Senhores,
Por solicitação do Município de L... foi realizada por uma entidade acreditada, conforme determina o artigo 34.° do Regulamento Geral do Ruído (doravante RGR), uma medição acústica para avaliar o critério de incomodidade à luz do artigo t3.°, n.º 1 b) do RGR, relativamente ao funcionamento do estabelecimento “P. à P.”, sito na Rua (…). A necessidade da realização desta ação de fiscalização decorreu da existência de inúmeras reclamações quanto ao funcionamento deste estabelecimento no período noturno, no que se refere ao exercício da atividade de fabrico.
Este tipo de ensaio permite verificar se o funcionamento de uma determinada atividade leva a um acréscimo sonoro superior aos limites legais estipulados para atividades ruidosas permanentes.
No caso, do relatório da avaliação acústica que foi efetuada consta que os resultados obtidos, para □ local amostrado, encontram-se acima dos valores limite para o período de referência noturno. Assim verifica-se o incumprimento legal, do critério de incomodidade (alínea b) do n.º 1 do artigo 13° do RGR).
Para além de tal violação dar origem a um processo de contraordenação visto que o exercício de atividades ruidosas permanentes que não cumpram o critério de incomodidade constitui contraordenação ambiental grave segundo o estipulado no n.’ 2, alínea b) do Artigo 28.° do RGR, tal violação produz danos graves para a saúde humana e bem-estar das populações, considerando-se imprescindível face aos resultados do relatório de avaliação acústica a aplicação da medida cautelar de suspensão da atividade de fabrico, no período noturno entre as 23:00 horas e as 7:00 horas.
Assim sendo, serve o presente para notificar que é intenção deste Município ordenar a aplicação da medida cautelar de suspensão da atividade de fabrico ao estabelecimento “P. á P.", no período noturno supra identificado, medida considerada imprescindível para evitar a produção de danos graves para a saúde e bem-estar das populações.
(…)”;
I) A requerente apresentou resposta no seguimento da notificação supra tendo-se pronunciado na sua resposta sobre o alegado ruído, alegando que os valores recolhidos estariam errados, derivado a que, no período da sua recolha, nos encontrávamos em pleno verão e nas semanas das festas da nossa Sra. Aparecida (facto confessado no art. 19º do RI);
J) Em 28-01-2019 foi emitida pelos serviços do requerido a seguinte informação (fls.22v/23 do processo físico):
“(…)
INFORMAÇÃO:
No seguimento do que antecede, através do oficio n.° 16 de 04/01/2019, em sede de audiência prévia, foi o visado P. á P. P. Q. Unipessoal, Lda., notificado da Intenção do Município de L... ordenar a aplicação da medida cautelar de suspensão da atividade do fabrico no período noturno, medida considerada imprescindível para evitar a produção de danos graves para a saúde e bem-estar das populações, tendo por base um relatório de medição dos níveis de pressão sonora em período noturno, elaborado por entidade devidamente acreditada, a qual conclui que os valores obtidos se encontram acima do limite permitido.
Através do requerimento nº. 97 de 14/01/2019, exercendo o direito ao contraditório, veio a firma visada contestar o referido relatório.
Pronunciando-se sobre a referida contestação, a firma A. salienta que foram seguidos os critérios definidos pelo APA, relembra que no seu relatório foram identificadas as fontes sonoras da atividade e que a mesma cumpre as critérios normativos definidos e legislação aplicável.
Face ao exposto, entende-se que a alegação apresentada pela firma visada Perfeito a Primeira P. Q. Unipessoal. Ida, não põe em causa a fundamentação constante da audiência prévia para aplicação da referida medida cautelar.
Por conseguinte, considerando o relatório elaborado pela firma A. considerando o disposto no alvará de utilização n.º 9/12 e o horário nele estabelecido (período de funcionamento das 07h:00 ás 23h:00, dever-se-á ordenar a suspensão da atividade de fabrico no período noturno - entre as 23h:00 e as 07h:00.
O visado deve ficar ciente que, nos termos do n.º 1 do art.º 100° do RJUE, o desrespeito pelo presente ato administrativo - suspensão da atividade de fabrico no período noturno, constitui crime de desobediência, nos termos do art.º 348º do Código Penal.
Propõe-se, ainda, que seja enviada cópia da pronúncia ao visado.
(…)”;
K) Sobre a informação referida supra recaiu, em 01-02-2019, o seguinte despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal de L... (fls.22v do processo físico):“(…) Concordo. Com a fundamentação constante da presente informação e da que esteve subjacente à audiência prévia, ordeno a suspensão da atividade de fabrico no período noturno, entre as 23h00 e as 07h00. Notifique-se nos termos propostos (…)”;
L) Por ofício datado de 06-02-2019 o requerido notificou a requerente do seguinte (fls.22 do processo físico):
“(…)
V/Rcf. n°
N/Ref. n° 0298 19-02-06
Assunto: Ordem de suspensão de atividade de fabrico no período noturno
Proc. n.° 580/17 - Queixa de ruído
Relativo ao assunto referenciado em epígrafe, notifica-se V. Exa., que por despacho de 01.02.2019 proferido pelo Sr. Presidente da Câmara, com a fundamentação da informação da Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística de 28.01.2019, que se anexa, e da informação que esteve subjacente à audiência prévia, é-lhe ordenada a suspensão da atividade de fabrico no período noturno, entre as 23h00 c as 07h00
Deverá V. Exa., ficar ciente que, nos termos do nº. 1 do art.° 100° do RJUE, o desrespeito pelo presente ato administrativo – suspensão da atividade de fabrico no período noturno, constitui crime de desobediência, nos termos do art.° 348° do Código Penal.
(…)”;
M) Dá-se por reproduzido o teor dos documentos n°s. 3, 4, 9 e 10 juntos à oposição da CI.
(…)”.
*
III.2 - DO DIREITO
Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas no recurso jurisdicional em análise.
*
I- Da alteração do efeito devolutivo do recurso
*
A primeira questão decidenda consubstancia-se em saber se deve ser alterado o efeito devolutivo atribuído ao presente recurso.
Vejamos.
Quanto ao efeito do recurso, convoque-se que o deriva do nº. 2 do artigo 143º do CPTA:“(…)
2 - Para além de outros a que a lei reconheça tal efeito, são meramente devolutivos os recursos interpostos de:
a) Intimações para proteção de direitos, liberdades e garantias;
b) Decisões respeitantes a processos cautelares e respetivos incidentes;
c) Decisões proferidas por antecipação do juízo sobre a causa principal no âmbito de processos cautelares, nos termos do artigo 121.º”.
Neste enfoque, o efeito a atribuir ao presente recurso é o efeito devolutivo.
Defende, porém, a Recorrente, que a “(…) norma do artigo 143.°/2 do CPTA não é aplicável neste caso, em que a sentença recorrida foi no sentido da rejeição (e não a adoção) da providência, devendo ser atribuído efeito suspensivo ao recurso, nos termos do artigo 143.°/1 do CPTA (…)”.
Sem razão, porém.
Como se decidiu no Aresto do colendo S.T.A., de 30.10.2014, tirado no processo n.681/14, consultável em www.dgsi.pt: “(…)
Especificando, disse-se, no acórdão recorrido, que, nos termos do n.º 2 do artigo 143.º, os recursos interpostos de decisões respeitantes à adoção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo, e isto, quer tenha havido uma decisão de decretamento ou de não decretamento da providência requerida.
Para sustentar esta sua posição, o acórdão recorrido cita e reproduz parcialmente o Acórdão do TCAN, de 15.06.09, Proc. n.º 1411/08 (cfr. fls 1573 e ss). Aí se diz, entre outras coisas, o seguinte: “Vem entendendo a doutrina que no texto do artigo 143º, n.º 2 do CPTA cabem decisões que julguem procedente a intimação à adoção de conduta, positiva ou negativa, que se revele indispensável para assegurar o exercício [em tempo útil] de um direito, liberdade e garantia [proferidas no âmbito de processo de intimação urgente a que se referem os artigos 109.º a 111º do CPTA], e cabem todos os tipos de decisões que podem ser adotadas em processos cautelares, quer concedam ou deneguem as providências, quer as declarem caducas, as alterem ou revoguem [ver, a respeito, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2007; José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 7. edição]”.
Remete igualmente para o Acórdão do STA, de 05.03.2013, Proc. n.º 0553/12, onde se sumaria que, “De acordo com o previsto no artigo 143.º, n.º 2 do CPTA, os recursos interpostos das decisões que concedam ou recusem a adoção das providências cautelares requeridas têm efeito meramente devolutivo” (fl. 1578). (…)”
E mais adiante: “(…)”
No que respeita à questão mais específica da aplicação dos n.ºs 4 e 5 do artigo 143.º do CPTA às decisões relativas à adoção de providências cautelares, o acórdão socorreu-se novamente de jurisprudência do TCAN.
No essencial, subscreveu a orientação constante deste tribunal, segundo a qual, tendo em consideração os elementos literal/gramatical, lógico, sistemático e teleológico da interpretação, os referidos n.ºs 4 e 5 aplicam-se tão-somente à regra geral do n.º 1 (“Salvo o disposto em lei especial, os recursos têm efeito suspensivo da decisão recorrida”), e não também à regra geral do n.º 2 do preceito em apreço (“Os recursos interpostos de intimações para a proteção de direitos, liberdades e garantias e as decisões respeitantes à adoção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo”).
Com efeito, admitindo o n.º 3 do artigo 143.º que a regra geral dos efeitos suspensivos dos recursos (a prevista no n.º 1) possa ser afastada uma vez verificados certos pressupostos, atribuindo-se, então, efeitos meramente devolutivos ao recurso, os n.ºs 4 e 5 apenas vêm regular mais detalhadamente essa possibilidade.
Acresce a isto que a lógica das coisas impõe esta interpretação, o que vem sendo salientado pela doutrina [aquela citada no acórdão recorrido].
Assim, invocando Teresa Violante, diz-se o seguinte no acórdão recorrido: “verificando-se periculum in mora, deve a providência ser deferida, pelo que a atribuição de efeito suspensivo ao recurso desta decisão poderia culminar na sua inutilidade; caso aquele perigo não se verifique então o recurso de decisões de indeferimento revestido de efeito suspensivo carece de justificação processual” (fl. 1577).. (…)”.
Ou seja, e para o que ora nos interessa, o âmbito de aplicação do disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo 143º do C.P.T.A. restringe-se às situações em que é requerida a modificação do efeito suspensivo do recurso enquanto efeito regra do recurso [cfr. artigo 143º, nº.1].
Porém, na situação trazida a juízo, já vimos que o efeito regra aplicável é o do efeito devolutivo [cfr. nº. 2 do artigo 143º], e não o efeito suspensivo, pelo que não resulta sequer aplicável o instituto visado.
Por sua vez, e quanto aos efeitos do recurso no âmbito das decisões de recusa de adoção de providência cautelar, não ignoramos o teor do Acórdão do T.C.A. Sul, de 22.09.2011, tirado no processo nº. 02215/15, que aponta no sentido de que o efeito de recurso a atribuir em tais situações é o efeito suspensivo.
Mas também não desconhecemos, antes subscrevemos, a tese jurisprudencial contrária, já de caráter mais uniforme e reiterado, de que “De acordo com o disposto no artigo 143.º, n.º 2, do CPTA, os recursos interpostos das decisões que concedam ou recusem a adoção das providências cautelares requeridas têm efeito meramente devolutivo (…)” [neste sentido ver o aresto supra citado e os acórdãos do STA de 05.03.2013, in processo nº. 553/12, e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 16.01.2015, in processo nº. 690/14.7BEAVR].
É, pois, patente a inviabilidade processual da pretensão em análise, pelo que se mantém o efeito devolutivo atribuído ao presente recurso.
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II- Do imputado erro de julgamento de direito
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P.P. - P. Q. UNIPESSOAL, LDA, aqui Recorrente, pediu ao Tribunal a quo a suspensão da eficácia do ato administrativo praticado pelo Município de L..., aqui Recorrido, por via do qual foi decretada a suspensão da atividade de fabrico no período noturno, entre as 23h00 e as 07h00.
Por sentença datada de 04 de junho de 2019, o T.A.F. de Penafiel indeferiu o decretamento da providência cautelar requerida.
Fê-lo por entender que não se mostravam preenchidos os pressupostos para a decretamento da providência requerida, primeiramente e fundamentalmente, o periculum in mora, e, sequentemente, embora a título de parêntesis, o fumus boni iuris.
Efetivamente, e no que tange ao periculum in mora, o Tribunal a quo considerou que o mesmo não se verificava, essencialmente, por dois grupos de razões, traduzidos no facto (i) da Requerente não ter cumprido “(…) o ónus geral de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida, por ausência total de alegação de factos concretos e objetivos integradores do conceito de fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar no processo principal ou que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado resultante da não adoção da providência requerida, mas tão só de situações hipotéticas e de natureza conclusiva (algumas jurídicas) (…)”, e, bem assim, na (ii) circunstância do ato suspendendo nada alterar “(…) na esfera jurídica da requerente na medida em que apenas impõe o cumprimento dos horários (já) constantes do alvará de utilização (…)”.
Já no tocante ao fumus boni iuris, entendeu, num juízo sumário e prima facie, que não se verificavam os imputados vícios de (i) nulidade do procedimento administrativo, de (ii) preterição do direito de participação dos interessados e de (iii) falta de fundamentação do ato suspendendo.
Do assim considerado e decidido discorda a Recorrente que lhe imputa erro de julgamento de direito, que alicerça, no mais essencial, no entendimento de que (i) o “(…) pressuposto do “Periculum in mora" encontra-se preenchido, na medida em que foi devidamente alegado os danos decorrentes do não decretamento da providência cautelar, cujo a prova foi apresentada e o tribunal a quo eximiu-se a produzi-la (Prova Testemunhal) (…)” e de que (ii) o “(…) pressuposto do "fumus bónus iuris" também se encontra preenchido na medida que ficou claramente demonstrada a preterição de formalidades essenciais (…)”.
Não obstante as doutas alegações, falece-lhe, porém, razão.
Efetivamente, e quanto à verificação do requisito do periculum in mora, importa que se comece por sublinhar o “guião” que tem sido utilizado nos Tribunais Administrativos, e destacadamente neste T.C.A.N., devidamente delineado no Acórdão de 17.04.2015, Proc. 02410/13.4BEPRT, 1ª Secção - Contencioso Administrativo, cujo elucidativo sumário se transcreve:
“(…)
I - A concessão das providências cautelares, no tocante ao requisito do periculum in mora exigido pelo artigo 120º, nº 1, alíneas b) e c), do CPTA, assenta nos factos alegados pelas partes. Uma alegação insuficiente e meramente “conclusiva”, porque desprovida dos factos essências que constituem a causa de pedir, não é adequada para a averiguação do preenchimento de tal requisito.
II - Cabe ao requerente alegar factos concretos que permitam ao julgador apreciar e eventualmente concluir pela existência de uma situação de carência económica relevante para preenchimento do requisito do periculum in mora previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, o que seria de considerar verificado se, alegados e provados os respetivos factos, deles resultasse a convicção de que da execução do ato de demissão resultaria a impossibilidade de satisfação de necessidades básicas do recorrente e respetivo agregado familiar.
III - Se ao tribunal é lícito considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, bem como os factos daí resultantes que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e também os factos notórios e aqueles de que tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções, como dispõe o nº 2 do artigo 5º do CPC, já vedado lhe é erigir ele próprio uma causa de pedir, quanto aos factos essenciais, mediante inquirição de testemunhas sobre matéria meramente conclusiva e afirmações de ordem tabelar por referência à facti species da respetiva norma legal: Sairia violado gravemente o princípio da imparcialidade do juiz.»
(…)”.
Do “guião” que se vem de transcrever destaca-se a “certeza férrea” de que a alegação de factualidade concreta tendente a credibilizar a ocorrência de danos e a demonstração da mesma constitui ónus de quem a alega, sendo que a produção de prova terá necessariamente que incidir sobre factos materiais ou ocorrências da vida real, e não sobre meros juízos de valor, conclusões e/ou valorações de factos.
Reiterando esta linha jurisprudencial, cumpre observar a factualidade invocada pela Requerente, aqui Recorrente, sobre o requisito do periculum in mora nos artigos 49º a 53º e 56º in fine do requerimento inicial.
Aí vem alegado o seguinte:
“(…)
49.
Este despacho emitido pela entidade administrativa, irá levar sem dúvidas à insolvência da requerida, pois é no período em causa, que a mesma procede à produção da Panificação e Pastelaria.
50.
Pois a produção dos produtos que a requerente tem à venda são produzidos durante o período noturno, para que os mesmos no período diurno possam ser vendidos ao público.
51.
Com esta decisão do Município, irá sem dúvida acarretar a dissolução da Requerente, levando a que 6 pessoas sejam encaminhadas para o fundo de desemprego.
52.
O que leva a que exista uma inevitabilidade de quando a decisão final for debatida em tribunal já se encontrar dissolvida a própria requente.
53.
Sendo que se ao requerente não lhe for autorizada a produção de bens, o mesmo reencaminhará 6 funcionários para o desemprego.
(…)
56.
No outro polo, temos o dano resultante da aplicação do ato administrativo que leva a um prejuízo económico que a requerente irá sofrer, terminando inevitavelmente na sua dissolução e em problemas financeiros para 6 famílias
(…)”.
Conforme emerge grandemente do se vem de transcrever, vem descrita uma narrativa desastrosa segundo a qual, em jeito de síntese, a execução do ato suspendendo importará a dissolução da Requerente, aqui Recorrente, levando a que 6 pessoas sejam encaminhadas para o fundo de desemprego, uma vez que a produção dos produtos a Requerente que tem à venda são produzidos durante o período noturno.
Porém, a Requerente, aqui Recorrente, não especifica, nem sequer em termos mínimos, a alegação ora sintetizada.
Efetivamente, não são alegados quaisquer factos, designadamente, os relativos (i) ao modo e horário de produção [diurno e noturno] da Requerente aqui Recorrente; (ii) ao universo dos trabalhadores da Requerente; (iii) à real situação jurídica dos mesmos; e (iv) à atual situação económica da Requerente, mormente em termos de receitas e despesas, que, conjugadamente, permitiram ao Tribunal antever [ou não] a alegada a situação de dissolução [insolvência] da Requerente, com o consequente despedimento de 6 pessoas.
Ora, a prova do periculum in mora, que se traduz num fundado receio da constituição de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a Requerente visa assegurar no processo principal, constitui um ónus do Requerente da providência.
Cabia-lhe, portanto, a si invocar [ónus de alegação] os factos concretos das consequências graves e de difícil reparação em que sustenta o seu pedido [neste sentido, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 22/01/2009 (proc. n.º 6/09) e do Tribunal Central Administrativo Sul de 25/10/2012 (proc. n.º 9257/12)].
Pelo que, não tendo a Requerente, aqui Recorrente, especificado, nem sequer em termos mínimos, a alegação descrita nos artigos 49º a 53º e 56º in fine do requerimento inicial, dúvidas não subsistem que a mesma se cifra numa mera invocação genérica e abstrata de danos, manifestamente insuficiente para viabilizar a aquisição processual da materialidade associada à verificação do requisito de periculum in mora.
Com efeito, tal especificação e/ou concretização mostrava-se capital em ordem a se apurar da efetiva disponibilidade económica da Requerente, aqui Recorrente, e da real situação jurídica dos seus trabalhadores, em função do que se podia determinar se (i) aquela integrava [ou não] uma situação de grave carência económica e (ii) se o prolongamento da situação em crise era em molde [ou não] a acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis para aquele.
E não se argumente que se impunha ao Tribunal a quo o convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, pois como se decidiu no aresto deste T.C.A.N. de 04.03.2016, tirado no proc. 00728/15.0BEVIS: ”(…) A alegação e prova da existência do periculum in mora incumbe ao requerente da providência cautelar, não podendo a falta de alegação de factos concretos suscetíveis de o demonstrar ser suprida através de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, por corresponder ao incumprimento de um ónus que incumbe em exclusivo ao requerendo; nem havendo lugar, nesse caso, à determinação de um período de produção de prova, por o mesmo se revelar inútil ou desprovido de objeto (…)”.
Sendo assim, impera concluir que a Requerente não deu satisfação ao ónus de alegação a alegação de factualidade concreta tendente a credibilizar a ocorrência de danos que sobre si impendia.
Ora, como se viu supra, a produção de prova terá necessariamente que incidir sobre factos materiais ou ocorrências da vida real e não sobre meros juízos de valor, conclusões e/ou valorações de factos.
Pelo que, não tendo a Requerente, aqui Recorrente, articulado os factos concretos e relevantes para sustentar a sua alegação, conclui este Tribunal Superior que não se justificava a realização de prova testemunhal quanto ao alegado neste domínio.
Efetivamente, não foram especificados pela Requerente factos concretos capazes de escorar, ademais e especialmente, o juízo conclusivo vertida no artigo 51º do requerimento inicial, a saber: “Com esta decisão do Município, irá sem dúvida acarretar a dissolução da Requerente, levando a que 6 pessoas sejam encaminhadas para o fundo de desemprego (…)”, o que equivale a dizer que não foi alegada materialidade bastante para fundar o justo receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar no processo principal.
E, neste panorama, seria totalmente inútil produzir prova testemunhal.
O que serve para concluir que se mostra bem realizado o julgamento realizado pelo Tribunal a quo no domínio em análise.
Em todo o caso, mesmo que hipoteticamente o Tribunal pudesse ultrapassar a ausência de concretização factual da genérica alegação em que a Requerente estruturou a causa de pedir que erigiu nos presentes autos de processo cautelar, ainda assim não poderia considerar-se verificado o requisito de periculum in mora.
E é assim porque, verdadeiramente, o ato suspendendo não determina a impossibilidade total de laboração da Requerente aqui Recorrente; apenas faz limitar o seu horário em conformidade com aquele que se mostra já autorizado no alvará de funcionamento para o seu estabelecimento comercial [07h00m e as 23h00m, sem encerramento no período do almoço ou encerramento semanal – cfr. alínea d) do probatório].
O que conduz à constatação que, como bem refere o Sr. Juiz a quo, “(…) o ato suspendendo nada altera na esfera jurídica da requerente, na medida em que apenas impõe o cumprimento dos horários (já) constantes do alvará de utilização (…)”, sendo, por isso, insuscetível de criar uma situação de facto consumado ou importar a produção de prejuízos irreparáveis na esfera jurídica da Requerente.
Ademais, e para que não subsistam quaisquer dúvidas, a pretendida continuação da laboração no período noturno por parte da Requerente, aqui Recorrente, consubstancia uma flagrante violação do seu horário de funcionamento, e, qua tale, uma atuação insuscetível de ser acobertada pela viabilização da tutela cautelar aqui requerida.
Efetivamente, não é aceitável, nem admissível, que a eventual procedência da presente providência cautelar crie ou mantenha uma situação contrária à lei somente para tutelar a expectativa que a Requerente, aqui Recorrente invoca.
Desta feita, por inultrapassável inverificação do requisito relativo ao periculum in mora, a presente providência não pode ser decretada, sendo que, em face deste julgamento e da natureza cumulativa dos requisitos plasmados no citado artigo 120º do C.P.T.A., fica prejudicado o conhecimento do demais alegado em sede de verificação do fumus boni iuris [cfr. acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 26.10.2012, no processo 01087/12.9–A BRG e toda a jurisprudência aí citada].
O que conduz à improcedência do pedido, e não ao indeferimento da providência cautelar, como, erradamente, decidiu o Tribunal recorrido, pois esta refere-se à decisão de extinção da instância sem julgamento de resolução do mérito, o que não sucede nos autos, considerando até que foi liminarmente admitida a presente providência cautelar.
Deve, portanto, ser negado provimento ao recurso jurisdicional, e mantida a sentença recorrida, com a atual fundamentação, e com esta última correção.
Assim se decidirá.
* *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em negar provimento ao recurso jurisdicional “sub judice”, e manter a sentença recorrida, todavia, alterando o indeferimento da providência cautelar para a improcedência do pedido cautelar.
Custas pela Recorrente.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 16 de agosto de 2019,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria do Rosário Pais