Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01269/08.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/30/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:INFARMED - AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, I.P./FARMÁCIAS/DISTÂNCIA MÍNIMA ENTRE FARMÁCIAS/LIMITES EXTERIORES-CONTAGEM/ELEMENTOS DE INTERPRETAÇÃO - LITERAL,
HISTÓRICO, SISTEMÁTICO E TELEOLÓGICO.
Recorrente:Farmácia O. e Outra
Recorrido 1:INFARMED
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
Farmácia O., Lda. e M. instauraram acção administrativa especial contra o INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., pedindo:
-a anulação do despacho de 30/4/2008, proferido pelo Conselho Directivo da Entidade Demandada, que considerou apto, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 24.° da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro, o local, o espaço e o quadro farmacêutico com referência ao «( ... ) pedido de transferência da Farmácia A., sita na Avenida (…), concelho de (...), distrito de Braga, para a Avenida Alcaides de Faria, n.º 508, LB 171-67454, freguesia de Arcozelo, concelho de (...), distrito de Braga», com os números de polícia 291 e 319;
-a condenação do Réu na prática de acto de indeferimento da pretensão formulada pela contrainteressada.
Indicaram como Contrainteressada M., todos melhor identificados nos autos.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção e absolvida a Entidade Demandada do pedido.
Desta vem interposto recurso.

Alegando, as Autoras formularam as seguintes conclusões:

1) O presente recurso jurisdicional vem interposto da Sentença datada de 22.02.2019, proferida nos presentes autos por Juiz Singular (por revogação do nº 3 do artigo 40º do ETAF) e que julgou improcedente a acção administrativa especial interposta pelas AA. aqui Recorrentes, por padecer de vício de nulidade e de erros de julgamento ao decidir quanto aos pressupostos e à matéria de facto e de direito da forma em que o faz, sobre a matéria de inobservância das distâncias mínimas legalmente exigidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2º e 23º nº 1 alínea c) da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro, com a consequente violação daqueles normativos legais;

2) Por via do presente Recurso Jurisdicional suscitam-se as seguintes questões:
A. Do vício de nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a requerida litigância de má-fé do Réu Infarmed, I.P (artigo 95º nº 1 do CPTA e artigos 195.º nº 1, 199.º nº 1, 200.º n.º 3 e 615.º nº 1 alínea d), todos do NCPC ex vi artigo 1.º do CPTA);
B. Do erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação da legislação aplicável ao caso sub iudice - alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2º e artigo 23º nº 1 alínea c) da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro;
C. Do erro de Julgamento sobre os pressupostos de facto, sobre a apreciação e fixação da matéria de facto relevante e inerente valoração da prova, em que se sustentou a sentença;
D. Consequente erro de julgamento ao considerar improcedentes os pedidos das autoras.

3) A questão fundamental em apreço nos presentes autos consiste em saber se:
a) a transferência da Farmácia A. (da Contra-interessada) para as suas novas instalações, respeita o regime legal aplicável e em vigor ao tempo ao caso sub judice, concretamente as alíneas b) e c) do nº1 do artº 2º e do artigo 23º nº 1 alínea c), todos da Portaria nº 1430/2007 de 2 de Novembro, cumprindo os requisitos imperativos legais aí previstos e que citamos: b) Distância mínima de 350 m entre farmácias, contados em linha recta, dos limites exteriores das farmácias”, neste caso, em relação à Farmácia O. (das aqui AA);
b) e no âmbito desta questão fundamental, qual o sentido, alcance e interpretação a dar àquela expressão/conceito legal de “limites exteriores”, previsto naquele normativo legal aplicável, para efeitos de sua aplicação ao caso concreto.
4) As AA. aqui Recorrentes, por um lado, e o Réu e Contrainteressada por outro, invocam e defendem, respectiva e distintamente, diferentes soluções de direito como sendo plausíveis para a decisão daquela questão de facto e de direito, mais concretamente que, para aferição das medições da distância entre as novas instalações da Farmácia A. e as instalações da Farmácia O., bem como às instalações do Centro de Saúde de (...), para efeitos da Portaria 1430/2007 de 2 de Novembro, se deverá a atender:
TESE DO RÉU E CONTRAINTERESSADA – ao critério das “portas de entrada” dos estabelecimentos de farmácia em questão e do Centro de Saúde de (...), como ponto de referência para a medição pretendida,
TESE DAS AA – ao critério de contagem constante da Portaria aplicável e que determina que a contagem/medição da distância dos 350 metros seja feita, em linha recta, entre os limites exteriores (mais próximos) de cada uma das Farmácias, respectivamente e do Centro de Saúde de (...), como ponto de referência para a medição pretendida,

5) Entretanto, a Sentença aqui recorrida padece de manifesto vício de nulidade por omissão de pronúncia sobre a requerida condenação do Réu INFARMED, I.P. como Litigante de Má-fé, e em consequente multa e indemnização adequada a fixar pelo Tribunal, nos termos e para os efeitos previstos nas alíneas a), b) 2ª parte, c) e d) do nº 1 do artigo 542º e 543º do CPC ex vi artigo 1º do CPTA, pela gravidade e especial censurabilidade da sua conduta processual nestes autos, pois deduziu oposição contra as AA, cuja falta de fundamento não devia, nem podia ignorar, fazendo do processo um uso manifestamente reprovável, com fim de conseguir a manutenção de uma situação que sabe ser ilegal, ilegítima e sem fundamento sério. (vide alínea c) do pedido em sede de Alegações Finais Escritas das AA, a folhas 2772 e seguintes da numeração dos autos constante do SITAF).

6) Matéria esta com manifesta influência no exame e boa decisão da causa, nos termos e para os efeitos designadamente do artigo 95.º n.º 1 do CPTA, qua tale, geradora de nulidade cominada nos termos do disposto nos artigos 195.º nº 1, 199.º nº 1, 200.º n.º 3 e 615.º nº 1 alínea d), todos do NCPC ex vi artigo 1.º do CPTA, o que a torna a referida Sentença susceptível de impugnação e de correspondente revogação, o que desde já se requer para os devidos e legais efeitos.

7) O Réu INFARMED. IP veio defender, no decurso dos presentes autos e em contraposição à posição defendida pelas AA., um critério de medição das distâncias entre farmácias, a partir das suas “portas de entrada”, o que:
constitui uma solução manifestamente incompatível com a interpretação da norma jurídica aqui em apreço e das valorações próprias do exercício da função administrativa, que lhe compete- conforme melhor se alega no ponto B) supra destas alegações e se demonstrará nas conclusões seguintes.
• E que é oposto e incompatível ao critério por si próprio sufragado, aplicado e de que se fez valer, noutro caso judicial, nomeadamente no âmbito dos autos e respectivo recurso jurisdicional do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 07.11.2013, no âmbito do processo nº 09574/12, CA – 2.º Juízo, em que foi relator o Mº Juiz Desembargador Paulo Pereira Gouveia. supra enunciado.
(cfr.http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/1e64160b5d1d9da080257c2f00450ed2?OpenDocument).- vide a este propósito o ponto A. das alegações.

8) Acórdão este proferido em recurso jurisdicional de acção administrativa especial, contemporâneo à presente acção e de similar incidência subjectiva (decidida e proferida pela mesma entidade/órgão Infarmed, I.P.), objectiva (incluindo a mesma matéria de autorização de transferência de localização das instalações de farmácia) e normativa (submetidas à jurisdição da mesma legislação aplicável ao presente caso– artigo 2º /1/b) da Portaria 1430/2007), no qual, o AQUI RÉU DEFENDEU que a forma correcta de medição das distâncias entre farmácias, é citamos:
“9. Nos termos do artigo 2.º/1/b) da Portaria 1430/2007, a distância deve ser efectuada entre os limites exteriores mais próximos entre as duas farmácias, independentemente do número de acessos ao público. (...)”- vide ainda transcrição das restantes alegações de recurso do Infarmed, no ponto A5 destas alegações.

9) Esta é a interpretação que corresponde à letra e espírito da Portaria 1430/2007 aqui aplicável, e por isso a única escolha correcta a ser feita pela “Administração” e que corresponde exactamente à tese sufragada pelas aqui AA/Recorrentes jurisdicionais, nos presentes autos.

10) O Réu Infarmed, I.P. adopta agora, de forma arbitrária e sem motivação plausível de facto e/ou de direito que justifique um tratamento desigual na(s) sua(s) relação(ões) com os diferentes particulares envolvidos, um tratamento diferente e discriminatório relativamente a situação de similar incidência subjectiva, objectiva e normativa, em manifesta violação dos Princípios da Legalidade, Igualdade, Imparcialidade, Proporcionalidade, Justiça e razoabilidade, e ainda da Boa -fé, previstos nos artigos 3º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º do Código Procedimento Administrativo (CPA) e que vinculam a Administração /aqui Réu no exercício das suas competências.

11) Esta actuação do Réu Infarmed, I.P., vicia de erro de direito e de erro sobre os pressupostos de facto, a fundamentação jurídica com que o Tribunal a quo baseia a sua Sentença ora recorrida, uma vez que inquina e induz em contradição as próprias conclusões tiradas pelo Tribunal a quo, de que:
a interpretação adoptada pela Administração - as entradas dos prédios onde os estabelecimentos de farmácia se encontram instalados caem no âmbito do conceito de limites exteriores”, que “coaduna-se com o espírito da lei” e que corresponde à “escolha feita pela Administração” no âmbito da “liberdade de apreciação” (...) “e segue inclusivamente jurisprudência dos Tribunais Superiores. E que (...)”as Autoras não alegam à luz dos princípios, razões juridicamente atendíveis para se adoptar a interpretação mais restritiva do conceito de “limites exteriores”.

12) A fundamentação fáctico-juridica apresentada pelo Tribunal a quo enferma de manifesto erro de julgamento a referida sentença quanto à interpretação e aplicação da legislação aplicável ao caso sub judice, porquanto: i) faz tábua rasa de que se está no domínio da aplicação exclusiva da Portaria 1430/2007 de 2/11, que é a única atendível para dar resposta à questão fundamental aqui em apreço; ii) e porque confirma erradamente, com base nas conclusões do 1º Relatório Pericial datado de 21 de Janeiro de 2010, o critério das “portas de entrada - sufragado pelo Réu Infarmed e Contra-interessada, como ponto de referência para a medição pretendida - que na verdade perfilha uma interpretação da contabilização das distâncias que não tem qualquer reflexo seja na letra, seja no espírito da Portaria 1430/2007 de 2/11 (seu artigo 2º nº 1 alíneas b) e c), aplicável in casu, decidindo assim contra legem e ao repúdio das regras interpretativas e de aplicação do direito (artº 9º Código Civil) – vide ponto B.16 destas alegações de recurso que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos.

13) O Tribunal a quo não levou efectivamente em devida linha de conta que a PORTARIA 936-A/99 DE 22 DE OUTUBRO, na redacção dada pela Portaria 1379/2002 de 22/10 - que previa o critério das “entradas” apenas para a medição das distâncias entre a farmácia e os centros/unidades de saúde- cfr. alínea c) do nº 1 do artigo 2º), NA QUAL SE SUSTENTOU O SUPRA REFERIDO ACÓRDÃO 2006/03/23 (que fez uma interpretação extensiva daquele critério, para a medição das distâncias entre farmácias prevista na alínea b) do nº 1 do mesmo artigo 2º) e que foi invocado Réu Infarmed. IP e a Contra-interessada para escorarem a sua defesa nesta lide – FOI REVOGADA PELA PORTARIA 1430/2007 de 2 de novembro, que É A AQUI ÚNICA APLICÁVEL,

14) com a inerente alteração de paradigma legal - conforme já reconhecido nestes autos pelo Ministério Público do TCAN (vide pág. 5 do seu Parecer datado de 07.09.2015, junto a fls.) e pelo próprio TCAN (a fls.1145 do seu Acórdão, datado de 06.05.2016) - pois o legislador, por via da Portaria 1430/2007, eliminou da redacção da lei a menção às “entradas”, critério este que foi definitivamente abandonado, e como resultado da alteração de paradigma legal, passou a prever na alínea b) do nº 1 do seu artigo 2º, exclusivamente o critério único dos:
“350 metros contados em linha recta, dos limites exteriores das farmácias”

15) Limites exteriores” estes medidos em função das respectivas delimitações exteriores das instalações de cada uma das farmácias, a serem objecto de medição de distâncias.

16) É evidente que o legislador ao regular e fixar agora, por via da Portaria 1430/2007, o critério de medição de uma forma diferente daquele que o referido Acórdão do STA de 26.03.2006 adoptou (baseado na redacção do artigo 2º da Portaria 936-A/99) e em que se sustentou o Réu Administração e a Contra-interessada, retirando inclusivamente a menção às “entradas” da letra da lei, significa que, por força da alteração do pensamento legislativo e da consequente vontade do legislador em alterar a letra da lei (revogação da Portaria 936-A/99, operada por via da referida Portaria 1430/2007), aquele mesmo Acórdão e o respectivo critério de medição “a partir das entradas” nele considerado, não pode servir agora de fundamento jurisprudencial válido, quando se trata de definir o critério legal aplicável no presente caso, porque prescinde por completo da letra da lei, para atender a uma alegada vontade do legislador, sem qualquer correspondência com a mesma, em violação dos Princípios da Legalidade, Segurança e Certeza Jurídicas - DEIXANDO DE SER, POR CONSEGUINTE, UMA SOLUÇÃO PLAUSÍVEL DE DIREITO PARA A RESOLUÇÃO DO MESMO! – vide a este propósito os pontos B.15, B16 e B17 supra destas alegações de recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

17) Contrariamente ao que afirma o Tribunal a quo, a tese defendida pelas AA. não implica a adopção de uma “interpretação mais restritiva” do conceito de “limites exteriores”. É antes o próprio Tribunal a quo que, ao fixar o ponto das “entradascomo sendo o único critério a considerar para os efeitos previstos no artigo 2º e 23º da Portaria aplicável, está sim ele próprio a restringir um conceito tão alargado como o é o de “limites exteriores” circunscrevendo-o apenas “às entradas” como sendo o único admissível, com exclusão da consideração e aplicação de qualquer outro limite exterior, desvirtuando desta forma a verdadeira amplitude, sentido e alcance daquele conceito legal de “limites exteriores”, situação essa que o legislador quis afastar.

18) Não é a vontade, nem o espírito do Legislador restringir o conceito de “limites exteriores” ao ponto das “portas de entrada”, mas antes uma visão mais ampla, em que possa ser considerado qualquer limite exterior das instalações da farmácia, como o caso das suas fachadas das instalações das farmácias (viradas para a via pública), sendo que o “limite exterior” relevante de cada farmácia é aquele que pela sua maior proximidade entre si, demonstre de forma cabal, se a nova localização projectada para as instalações da farmácia a transferir, cumpre ou não a distância mínima de 350 m contados em linha recta dos respectivos limites exteriores, imposta por lei como distância mínima a existir entre as farmácias mais próximas (neste caso entre a Farmácia A. e a Farmácia O.).

19) O critério adoptado pela Sentença objecto de recurso, conduz a resultados absurdos que permitem desvirtuar e retirar, por completo, o efeito útil à ratio legis subjacente ao diploma legal aplicável, pois desconsidera outros limites exteriores legalmente admissíveis, nomeadamente paredes e/ou montras das instalações das farmácias, com balcões/pontos de atendimento nocturno e/ou máquina automática de vending dispensadoras de medicamentos ou outros produtos não medicamentosos para venda ao público, que além de utilizáveis como meios de angariação de clientela, também permitem o acesso dos utentes a serviços prestados pela farmácia sem necessidade de acesso ao interior das instalações da mesma pelas portas de entrada, pois o acesso a tais serviços seria feito pelo exterior a partir da via pública, desvirtuando as finalidades/ratio da lei (melhor descritas na conclusão 26 infra e que aqui se dão por reproduzidas), o que contradiz e invalida de forma irremediável, a tese perorada pela Contra-interessada de que as “portas de entrada” são a única forma de acesso pelos utentes aos serviços farmacêuticos prestados pelas farmácias e por isso o único citério de medição admissível – vide a este propósito o alegado no ponto B.18 das alegações de recurso.

20) O Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento ao decidir que a interpretação adoptada pelo Réu Infarmed. IP do critério das “portas de entrada” é a única correcta porque “segue inclusivamente jurisprudência dos Tribunais Superiores”, uma vez que - não obstante o Tribunal a quo não identificar qual a concreta jurisprudência/acórdãos a que se refere - a jurisprudência invocada pelo INFARMED e Contrainteressada, para sufragar tal entendimento, o foi no Ac. do STA de 23.03.2006, o qual, além de não gozar de prerrogativa uniformizadora de jurisprudência, foi proferido a respeito da aplicação, naquele caso, da Portaria 936-A/99 de 22 de Outubro (na redacção introduzida pela Portaria 1379/2002 de 22 de outubro) quando no âmbito do caso ora em análise, o que se discute é a interpretação e aplicação de legislação diferente, mais concretamente da Portaria nº 1430/2007 de 2/11, que revogou aquela anterior Portaria 936-A/99 de 22 de Outubro e a Portaria 1379/2002 de 22 de outubro – vide artº 42º desta portaria – e sobre a qual a invocada jurisprudência (Ac. STA de 23.03.2006) não se pronuncia.- vide pontos B.5 e B.6 supra que se dão aqui por reproduzidos.

21) Consequentemente, aquele mesmo Acórdão de 2006/03/23 não pode agora servir de fundamento jurisprudencial válido e aplicável ao presente caso para validar e justificar a “escolha feita pela Administração” (aqui Réu), o que implica uma violação dos Princípios da Legalidade, da Segurança e da Certeza Jurídica – vide pontos B.8 e B.9 supra destas alegações.

22) Nem pode o Tribunal a quo invocar a jurisprudência consubstanciada no Acórdão STA de 31.03.2011 (Processo n.º 057/11, relatado pelo Juiz Conselheiro Costa Reis), para vir sustentar exclusivamente a bondade da interpretação feita pelo Réu da legislação aplicável, quando a mesma argumentação jurisprudencial ali plasmada é igualmente válida para sustentar a tese interpretativa invocada e defendida pelas aqui AA./Recorrentes, sendo, portanto, inócua para o efeito.
23) É de imperativo legal, de bom senso e de meridiano alcance que na selecção da matéria de facto a medição entre os “limites exteriores” de cada uma das farmácias não pode deixar de ser pela via mais curta, isto é, pelos “limites exteriores mais próximos” sendo este o critério lógico aplicável para medição de distâncias entre objectos, conforme aliás já corroborado pelo próprio Réu Infarmed, em sede de alegações do seu recurso jurisdicional, do qual obteve provimento nos autos do processo nº 09574/12, CA – 2.º Juízo, em que foi proferido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 07.11.2013, onde sustentou uma interpretação dos normativos legais sub judice idêntica à aqui invocada pelas aqui AA/Recorrentes - vide a este propósito o já referido no ponto A) supra.

24) No caso concreto em apreço, atenta a disposição das instalações de cada uma das farmácias que deverão ser objecto de medição de distâncias entre si, à luz da letra e espirito da lei aqui aplicável, de acordo com as regras interpretativas do direito consagradas no artigo 9º do Código Civil ex vi artigo 1º do CPTA e CPA- deve ter-se, como únicos pontos de referência, certos e seguros de medição de distâncias entre farmácias e com relevância para o presente caso, os respectivos limites exteriores mais próximos das instalações de cada uma das farmácias, mais precisamente e no presente caso, a extremidade mais próxima do Plano do Alçado, isto é, a parede exterior da fachada virada para a via pública das instalações (fracção autónoma/edifício) de cada uma das farmácias, respectivamente, pois são os que cumprem os critérios de medição legalmente previstos!

25) Estes sim, são os únicos pontos de medição relevantes para o presente caso, pois:
i) são os que cumprem os critérios de medição previstos na legislação aqui aplicável;
ii) são os que foram indicados e determinados por iniciativa e por unanimidade dos próprios Peritos (nomeados pelas partes e pelo Tribunal), aquando da realização da última e mais recente Perícia Colegial nestes autos, como sendo os “limites exteriores” das farmácias a serem objecto de medição, nos termos e para os efeitos do artigo 2, alínea, b) da Portaria 1430/2007 de 20/11, e não qualquer outro! vide Relatório Pericial datado de 08 de setembro de 2017 (a fls 1228 a 1237) e de seus esclarecimentos de 16 de janeiro de 2018 (fls 1303 a 1312) e de 24.05.2018 (a pág. 2745 e ss da numeração dos autos constante do SITAF), em resposta aos quesitos fixados pelo Tribunal em 12.09.2016 (a pág. 2454 da numeração das fls. dos autos no SITAF), por determinação do Acórdão do TCAN de 06.05.2016 (a fls. 1146 e 1147 dos autos).

26) O critério da medição da distância entre farmácias a partir dos respectivos limites exteriores (mais próximos), conforme plasmado no Relatório Pericial de 08.09.2017 é precisamente aquele que vai de encontro, não só à letra da lei aplicável, mas também à sua ratio/finalidade teleológica subjacente, em respeito pela limitação adequada e proporcional da liberdade de estabelecimento prevista em tal diploma, a saber:
a) assegurar a equilibrada distribuição e dispersão geográfica das farmácias pelo território de cada Concelho/localidade, evitando a sua concentração territorial em zonas especificas (pex centros citadinos), tudo com o intuito de promover a sua proximidade aos utentes/população, facilitando o acesso por estes aos serviços farmacêuticos, a partir de farmácias cujas instalações estejam suficientemente dispersas (pelo menos 350 metros entre si) por toda a extensão territorial de cada concelho/localidade - sendo esta a verdadeira acepção, sentido e alcance do conceito de “acessibilidade” associado preambulo e ao espirito legal deste regime normativo;
b) assim como também a salvaguarda das condições de concorrência entre farmácias, no que tange à angariação de clientela.

27) O critério de medição pelos “limites exteriores mais próximos”, conforme advogado pelas aqui Recorrentes, constitui uma solução plausível de direito para a questão sub judice, conforme já anteriormente reconhecido nestes mesmos autos, quer pelo Ministério Público do TCAN por via de seu parecer (vide pág. 5 seu Parecer datado de 07.09.2015, junto a fls.), quer pelo próprio TCAN, no seu Acórdão datado de 06.05.2016 (cfr. fls. 1146, pág. 20), o que igualmente não foi considerado pelo Tribunal a quo na decisão ora em recurso.

28) O Tribunal a quo por via da Sentença ora Recorrida, faz desta forma uma incorrecta interpretação e aplicação da legislação aplicável- cfr. B19 supra- o que, consequentemente, inquina de erro de julgamento a apreciação e fixação da matéria/pressupostos de facto relevante para decisão da causa e inerente valoração da prova produzida nos autos, ao optar erroneamente pelo critério das “entradas” e conclusões do Relatório da 1ª Perícia Colegial datado de 21 de Janeiro de 2010 (junto a fls. 698 e ss dos autos).

29) Para correcta aplicação do direito e justa decisão da causa, deveria antes o Tribunal a quo ter apenas adoptado e considerado para efeitos de sua decisão, os quesitos e as respostas aos quesitos/conclusões constantes do RELATÓRIO PERICIAL, datado de 08 DE SETEMBRO DE 2017 - a fls 1228 a 1237 dos autos - com os esclarecimentos prestados a 16 de Janeiro de 2018 (fls 1303 a 1312) e a 24.05.2018 (a pág. 2745 e ss da numeração dos autos constante do SITAF) – que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais, uma vez que:

30) Em sede desta nova e última Perícia Colegial (que foi ordenada pelo TCAN, no seu Acórdão de 06.05.2016 a fls.1146 a 1147 dos autos) os três peritos (nomeados pelas partes e pelo próprio Tribunal) deram resposta aos quesitos então formulados por Despacho Judicial de 12.09.2016 (vide pág. 2545 da numeração dos autos no SITAF) tendo efectuado a medição/contagem em linha recta dos “limites exteriores mais próximos” das farmácias respectivamente. sendo este o único relatório pericial que efectivamente responde ao critério de contagem “limites exteriores” constante da portaria aplicável e invocado pelas aqui AA.

31) Os próprios Peritos concluíram e determinaram, unanimemente, por si só e de forma não precondicionada que, para o presente caso e para os efeitos da Portaria aqui aplicável:
1) os concretos pontos que correspondem aos “limites exteriores” entre as farmácias e que foram tidos em consideração para aferição das distâncias entre a Farmácia A. e a Farmácia O. (considerando os seus limites exteriores existentes à data da propositura da presente acção): são as paredes da fachada da(s) fracção ocupada por cada uma daquelas farmácias, respectivamente, ao nível do piso do rés-do-chão das instalações ocupadas por cada uma daquelas farmácias, ou seja, as extremidades mais próximas do Plano do Alçado, isto é da parede exterior da fachada virada para a via pública das instalações (fracção autónoma/edifício) de cada uma das farmácias, respectivamente – para melhor evidência cfr. fotos dos pontos de medição e imagens topográficas do 2º esclarecimento prestado sobre o Relatório Pericial de 8 de Setembro de 2017, que constam junto a pág. 2745 e ss da numeração dos autos constante do SITAF. Fotos estas reproduzidas supra no ponto C.2. - 2.2), destas alegações de recurso.
2) E que da medição entre aqueles concretos pontos, a distância em linha recta entre as novas instalações da Farmácia A. e as instalações da Farmácia O. é de apenas 346,79 metros, ou seja, inferior à distância mínima legalmente exigida e obrigatória entre farmácias, CONFIRMANDO A EFECTIVA VIOLAÇÃO DO LIMITE LEGAL PREVISTO NA ALÍNEA B) DO Nº 1 DO ARTIGO 2º E ARTIGO 23º DA PORTARIA 1430/2007 DE 2/11!

32) Factos estes essências para a correcta decisão da presente lide, que deveriam ter sido considerados como sendo os únicos relevantes pelo Tribunal a quo, pois sendo o Mº Juiz Singular o “perito dos peritos”, este anuiu e confirmou a utilidade e pertinência de realização de Perícia Colegial, atentas as especiais qualificações, conhecimentos e razão de ciência para o efeito dos Senhores Peritos nomeados, para medição das distâncias entre farmácias e entre estas e o Centro de Saúde, e desta forma permitir a produção de prova relevante para os autos e auxiliar a correcta e justa decisão da causa, o que não aconteceu in casu.

33) Está assim irremediavelmente prejudicada a validade e utilidade probatória nos presentes autos das medições das distâncias resultantes 1ª Perícia Colegial realizada, datada de 21 de Janeiro de 2010 e em se sustentou o Tribunal a quo na sua Sentença ora recorrida, que adoptou o critério de medição com base nas “portas de entrada”, que redunda numa interpretação e aplicação incorrecta e desactualizada do regime normativo aplicável ao presente caso, deturpando a verdade dos factos, e cujo acolhimento pelo Tribunal a quo, por manifesta falta de fundamento de direito, inquina a selecção e apreciação da matéria de facto, inerente valoração da prova, o apuramento da verdade material e consequentemente a decisão da lide, pois desvirtua e ignora a letra e espírito da lei aplicável ao caso concreto, o que não é legalmente admissível, nem atendível à luz daqueles Princípios da Legalidade, Segurança e Certeza Jurídicas, que vinculam o Tribunal a quo, o que torna a sentença ora recorrida susceptível de impugnação e revogação, o que se requer por via do presente recurso jurisdicional – vide ponto C7 das alegações supra.

34) Em contraposição, apenas o critério, respectivos pontos de medição e as conclusões constantes do Relatório Pericial datado de 8 de setembro de 2017 e dos respectivos esclarecimentos complementares, é que têm preponderância e relevância prática para o caso sub judice, pois constituem o único meio e elemento de prova válido e plausível de direito a seguir e que devem ser tomados como relevantes, certos e seguros, para a correcta decisão da causa sub judice. Isto porque assentam num critério objectivo e preciso que, de acordo com as regras interpretativas do direito (cf. Artigo 9º do Código Civil), reflecte correctamente a letra e o espírito da lei, nos termos e para os efeitos previstos pela lei aplicável (Portaria 1430/2007 de 2/11), que deveria ter sido o único atendido e considerado em sede de apreciação e valoração da matéria probatória para efeitos de Decisão Final/Sentença, para efectiva descoberta da verdade material e correcta decisão da lide, com a inquestionável confirmação do incumprimento da distância mínima legalmente exigida de 350m em linha recta entre as novas instalações da Farmácia A. e as instalações da Farmácia O..- vide ponto C8 e C.9 supra

35) A Sentença ora objecto do presente recurso jurisdicional incorre assim em vício de nulidade por omissão de pronuncia e em graves erros de julgamento de interpretação e correspondente aplicação da legislação aplicável, que viciaram decisivamente a fixação e valoração da prova, tida como relevante para o caso sub judice e que, em consequência inquinaram a decisão final que, incorre também em erro de julgamento quanto aos pressupostos de facto e de direito, ao decidir pela improcedência do peticionado pelas AA, o que expressamente se invoca e do que ora se recorre, por via do presente recurso jurisdicional.

Nestes termos, requer-se se dignem admitir e conceder provimento ao presente recurso e ordenar a revogação da Sentença ora recorrida, datada de 22.02.2019 e proferida pelo Mº Juiz Singular do TAF Braga nestes autos, com fundamento na verificação:
a) Do vício de nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a requerida litigância de má-fé do Réu Infarmed, I.P (artigo 95º nº 1 do CPTA e artigos 195.º nº 1, 199.º nº 1, 200.º n.º 3 e 615.º nº 1 alínea d), todos do NCPC ex vi artigo 1.º do CPTA);
b) Do erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação da legislação aplicável ao caso sub iudice - alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2º e artigo 23º nº1 alínea c) da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro;
c) Do erro de Julgamento sobre os pressupostos de facto, sobre a apreciação e fixação da matéria de facto relevante e inerente valoração da prova, em que se sustentou a sentença;
d) Consequente erro de julgamento ao considerar improcedentes os pedidos das autoras.
proferindo-se Acórdão, nos termos do artº 149º do CPTA com aplicação subsidiária do artº 662º do Novo CPC ex vi artº 140º do CPTA, determinando, com todas as legais consequências:

1- a anulação do acto administrativo consubstanciado no despacho de 30 de Abril de 2008, do Conselho Directivo do Réu, que considerou apto, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 24º da Portaria nº 1430/2007 de 2 de Novembro, no que se refere ao local, ao espaço e ao quadro farmacêutico, o pedido de transferência da Farmácia A., sita na Avenida (…), concelho de (...), distrito de Braga, para o prédio urbano sito na Avenida (…), concelho de (...), distrito de Braga,

2 - a condenação do Réu à prática do acto devido em substituição total do acto praticado, proferindo decisão de indeferimento do pedido supra referido.

3 -a condenação do Réu INFARMED, I.P. como Litigante de Má-fé, e em consequente multa e indemnização adequada a fixar pelo Tribunal, nos termos e para os efeitos previstos nas alíneas a), b) 2ª parte, c) e d) do nº 1 do artigo 542º e 543º do CPC ex vi artigo 1º do CPTA, pela gravidade e especial censurabilidade da sua conduta processual nestes autos, deduzindo oposição contra as AA, cuja falta de fundamento não devia, nem podia ignorar e fazendo do processo um uso manifestamente reprovável, com fim de conseguir a manutenção de uma situação que sabe ser ilegal, ilegítima e sem fundamento sério.
Assim será cumprido o Direito e feita Justiça.

O Infarmed juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:

NESTES TERMOS,
Deve ser negado provimento ao recurso interposto pelas Recorrentes, mantendo-se a Sentença recorrida, assim como deve ser julgado improcedente o pedido de litigância de má-fé formulado pelas mesmas, tudo com as legais consequências.

A Contrainteressada também contra-alegou, concluindo:

A. Em face de tudo quanto anteriormente se expôs, conclui-se que a ação proposta pelas Autoras, aqui Recorrentes, não poderia ter outro desfecho que não a sua integral improcedência, razão pela qual a sentença proferida pelo Tribunal a quo não padece de qualquer erro de julgamento.

B. Ainda que as Recorrentes não se conformem com essa realidade, a verdade é que o INFARMED autorizou a transferência da Farmácia A. uma vez que a Recorrida demonstrou o cumprimento dos requisitos previstos na Portaria n.º 1430/2007, nomeadamente os contidos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do respetivo artigo 2.º.

C. Assim, a sentença recorrida não padece de nenhum dos vícios que lhe são assacados pelas Recorrentes, designadamente: (i) vício de nulidade por omissão de pronúncia sobre o “pedido” de condenação do INFARMED por litigância de má-fé; (ii) erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação da legislação aplicável ao caso sub iudice – alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2.º e artigo 23.º, n.º 1, alínea c) da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de novembro; (iii) erro de julgamento sobre os pressupostos de facto, sobre a apreciação e fixação da matéria de facto relevante e inerente valoração da prova, em que se sustentou a sentença; (iv) consequente erro de julgamento ao serem considerados improcedentes os pedidos das Autoras, aqui Recorrentes.

D. O ponto central da diferença de entendimentos entre Recorrentes e Recorridos é o seguinte: a lei prevê que a distância entre farmácias se conta em linha reta, dos respetivos “LIMITES EXTERIORES” e, ao passo que os Recorridos, defendem que tal expressão deve ser interpretada no sentido de os limites exteriores corresponderem às “portas de entrada”, por serem os limites exteriores por onde os utentes acedem à farmácia, já as Recorrentes pretendem que à letra da lei se acrescente uma outra expressão – “mais próximos” – para que os limites exteriores a ter em consideração na medição das distâncias entre farmácias sejam então os aferidos pela via mais curta.

E. As Recorrentes defendem esta tese não porque nela verdadeiramente acreditem, mas, simplesmente, por ser a única que lhes “permite” obter uma distância em que as farmácias em causa distem menos de 350 metros entre si.

F. Ora, em primeiro lugar, relativamente à alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre o pedido de condenação do INFARMED e litigância de má-fé, desde logo, as Recorrentes pretendem passar a ideia de que a interpretação seguida pelo INFARMED no caso em discussão nestes autos foi totalmente isolada e oposta àquela que seguiu noutros casos idênticos ao abrigo da mesma Portaria em que, supostamente, teria seguido o critério dos limites exteriores “mais próximos” entre farmácias.

G. Sucede que este “noutros casos” reconduz-se, afinal, a um único e ínfimo trecho de alegações de recurso do INFARMED, vertido no acórdão do TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL de 7 de novembro de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 09547/12, o qual é totalmente irrelevante para o caso em concreto.

H. E independentemente disso, ainda que o INFARMED tivesse adotado posições distintas em circunstância idênticas – o que não se concede –, a verdade é que as Recorrentes apenas defendem que a posição correta seria a tomada no processo subjacente àquele aresto, porque a decisão tomada no presente processo não lhes convém.

I. A verdade é que a interpretação da lei aplicável conduz à necessária conclusão de que, se porventura a posição seguida pelo INFARMED foi censurável em algum momento, teria sido naquele outro processo e não neste.

J. Acresce que, o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, deve ser lido à luz do que consta do artigo 608.º, n.º 2 do CPC, nos termos do qual, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

K. Nessa senda, constitui entendimento uniforme que a omissão de pronúncia só é geradora de nulidade da sentença quando o juiz se tenha abstido de conhecer de questões suscitadas pelas partes e de que devesse conhecer.

L. Neste caso, o conhecimento do putativo pedido de condenação do INFARMED em litigância de má-fé fica evidentemente prejudicado pela improcedência do pedido de anulação de ato administrativo formulado: se o Tribunal a quo entendeu, e bem diga-se, que a posição interpretativa defendida pelo INFARMED era a boa solução de Direito, então nada haveria a decidir quanto ao pretenso pedido de condenação em litigância de má-fé, sob pena de se poder até vir a verificar uma contradição evidente entre a solução dada à primeira questão e à segunda.

M. Ademais, não pode admitir-se que o alegado pelas Recorrentes, em sede de alegações finais, consubstancie um verdadeiro “pedido” em termos jusprocessualistas porquanto as Recorrentes não lograram demonstrar a identidade de objeto processual alegadamente existente entre o aresto chamado à colação e a presente lide, nem tampouco demonstraram minimamente de que forma é que, ainda que tal identidade de objeto existisse – o que, reitera-se, não se concede – o INFARMED poderia incorrer no dever de pagamento de multa e indemnização por conta de ter interpretado e aplicado corretamente a normatividade aplicável em 2009 e, diferentemente, ter feito uma interpretação errónea da lei em 2012.

N. Ainda que assim não se entendesse, no que não se concede e por mero exercício de raciocínio se equaciona, não se pode deixar de referir, para além de tudo quanto ficou exposto, que não se descortina de que modo é que poderia haver lugar a tal condenação, na medida em que não se encontra preenchido, nem as Recorrentes lograram demonstrar, qualquer dos pressupostos previstos nas alíneas do n.º 2 do artigo 542.º do CPC.

O. Por último, ficou evidenciado que, ao contrário do que pretendem as Recorrentes, esta questão não se revela “fundamental para a boa e correcta decisão da causa”.

P. Por um lado, quanto à litigância de má-fé em concreto, se o Tribunal considerou que assiste razão ao INFARMED na interpretação que fez da lei, é evidente que a questão da litigância de má-fé ficou prejudicada, pelo que de nada interessa à apreciação do mérito da causa; por outro lado, é evidente que a decisão do Tribunal a quo não está dependente da posição do INFARMED acerca de uma determinada questão de Direito, tendo aquele plena autonomia para determinar o Direito aplicável ao caso, independentemente das posições de Direito assumidas pelas partes.

Q. Em suma, a sentença recorrida não padece de qualquer vício de omissão de pronúncia.

R. No que diz respeito à interpretação e aplicação da legislação aplicável ao presente caso – que as Recorrentes alegam ter sido errónea – conclui-se, em face do que vem sendo exposto, que não só a lei foi devidamente aplicada, como a única interpretação correta e possível é, precisamente, a que se encontra plasmada na Sentença, razão pela qual esta não é merecedora de qualquer reparo.

S. O Tribunal a quo entendeu – e bem – que a única interpretação correta da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 1430/2007 é aquela que faz corresponder o conceito de “limites exteriores” das farmácias às respetivas portas de entrada (ou seja, às portas de acesso ao público) e, bem assim, concluiu que as Recorrentes não apresentaram nenhum argumento válido que pudesse sequer colocar em causa tal interpretação.

T. Daí que não pudesse também ter sido outra a conclusão do Tribunal a quo senão a de que o ato impugnado era de manter, porquanto “(…) a interpretação adoptada pela Administração coaduna-se com o espírito da lei – as entradas dos prédios onde os estabelecimentos de farmácia se encontram instalados caem no âmbito do conceito de limites exteriores – e segue inclusivamente jurisprudência dos Tribunais Superiores” (cfr. fls. 13 da douta Sentença).

U. Com efeito, observadas que sejam as regras de interpretação previstas no artigo 9.º do Código Civil, facilmente se chega à conclusão de que – no contexto de transferência de farmácias – a expressão “limites exteriores” só pode ter como significado as “portas de entrada”, ou seja, as portas de acesso ao público.

V. Desde logo, em relação ao elemento literal da interpretação, importa notar que o conceito de “limites exteriores” das farmácias corresponde às “portas de entrada” por serem estes os pontos de passagem entre o interior da farmácia e o exterior da mesma, mais concretamente, o ponto que os utentes têm necessariamente de transpor para poder aceder à farmácia; corresponde ao ponto de acesso dos utentes, o qual é um limite exterior das farmácias, o mais óbvio até.

W. Note-se que, se há critério que não tem o mínimo de correspondência na letra da lei é, precisamente, o apontado pelas Recorrentes, o qual não parte sequer da expressão que consta da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria 1430/2007 – ou seja, da expressão “limites exteriores” das farmácias – em parte alguma da lei se referindo a limites exteriores “mais próximos”, expressão que é ficcionada pelas Recorrentes porque lhes é mais conveniente.

X. Presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, ao abrigo do n.º 3 do artigo 9.º do CC, é notório concluir no sentido de que, caso fosse sua intenção que os limites exteriores entre as farmácias a considerar fossem os mais próximos, tê-lo-ia expresso clara e indubitavelmente; o que não fez.

Y. Não o tendo feito, é, portanto, patente que (i) a tese que assenta na consideração dos limites exteriores “mais próximos” das farmácias extravasa a letra da lei, constituindo um “acrescento”, violando assim o primeiro (e inultrapassável) elemento literal da interpretação, e que (ii) a interpretação que a Recorrida e o INFARMED fizeram valer diante do Tribunal a quo, para além de se conter dentro dos significados possíveis a atribuir a “limites exteriores” das farmácias, é aquela que se revela mais consentânea com tal elemento de interpretação, ao abrigo do artigo 9.º do CC.

Z. Também o elemento histórico da interpretação abona a favor das “portas de entrada”, enquanto limites exteriores relevantes para efeitos de apuramento das distâncias previstas no artigo 2.º, n.º 1 da Portaria n.º 1430/2007.

AA. Com efeito, o que a evolução histórica da regulamentação aqui em causa, conforme acima se expôs, deixa evidenciado é que, nos últimos cerca de 30 anos, a redação da lei sempre abrangeu inúmeras hipóteses de medição das referidas distâncias e o legislador nunca estabeleceu de forma absolutamente inequívoca os pontos a partir dos quais devem ser medidas as distâncias e, em particular, nunca especificou na letra da lei um ponto concreto de medição de distâncias entre farmácias, tendo apenas, numa única ocasião, e somente no que se refere à medição das distâncias entre as farmácias e os centros de saúde e estabelecimentos hospitalares, mandado efetuar a medição a partir das correspondentes entradas (Portaria n.º 1379/2002).

BB. Ou seja, na única altura em que o legislador optou por uma redação com definição do concreto ponto da medição das distâncias, a sua opção recaiu sobre a entrada dos estabelecimentos que, de resto, e como adiante veremos, é o único critério que se adequa à ratio legis.

CC. Sendo que, ao contrário do que defendem as Recorrentes, com a introdução pelo legislador da expressão “limites exteriores”, o legislador não “alterou radicalmente” a letra da lei, nem corresponde essa alteração a uma “mudança de paradigma legal” do legislador, continuando, como quase sempre, a não indicar na lei, expressis verbis, o concreto ponto de onde deverão ser medidas as distâncias relevantes para efeitos de transferência de farmácias.

DD. Enfim, a interpretação das disposições (regulamentares) que antecederam a Portaria n.º 1430/2007, e, em especial, o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da mesma, são cristalinos no sentido de sustentarem o entendimento sufragado pela Recorrida e pelo INFARMED e secundada pelo Tribunal a quo, a isto acrescendo que a doutrina que se debruçou sobre este tema (nomeadamente, a acima citada) vai também no sentido de que a fundamentação do acórdão do STA de 23 de março de 2006 se manteve, mutatis mutandis, com a Portaria n.º 1430/2007.

EE. Acresce que, também o elemento sistemático aponta no sentido da interpretação sufragada pelo Tribunal a quo e defendida pela Recorrida e pelo INFARMED: o de que os “limites exteriores” das farmácias devem ser interpretados como “portas de entrada” ou “portas de acesso ao público”.

FF. Veja-se, desde logo, o disposto no Regulamento anexo à Deliberação n.º 044/CD/2009, de 22 de abril Alterada e republicada pela Deliberação n.º 207/CD/2011, de 22 de dezembro. , relativo à remodelação, ampliação e transferência provisória de instalações de farmácia para realização de obras, em particular, no seu artigo 8.º, que estabelece como critério para apurar a distância relevante entre farmácias o critério das portas de entradas das farmácias.

GG. Ora, não faria qualquer sentido, por um lado, utilizar o critério dos limites exteriores “mais próximos” para aferir as distâncias mínimas necessárias para determinar a viabilidade da transferência de uma farmácia e, por outro, utilizar um critério distinto, relativo às “portas de entrada das farmácias” – rectius: as portas de acesso do público à farmácia –, para determinar se é admissível, ou não, a uma farmácia ampliar as suas instalações.

HH. Quer para a transferência (definitiva) de uma farmácia, quer para a ampliação de uma farmácia, o critério determinante para o apuramento da distância mínima a que se encontram as restantes farmácias tem de ser o mesmo – as portas de entrada enquanto limites exteriores relevantes – sob pena de, como acima se exemplificou, a regra legal relativa às distâncias mínimas entre farmácias poder ser desrespeitada, saindo o critério dos limites exteriores “mais próximos” das farmácias facilmente gorado.

II. Em suma, a tese das Recorrentes, não só leva a cenários absurdos, como elimina a coerência e uniformidade na delimitação da distância que deve existir entre farmácias, quer se trate de transferência ou de ampliação de farmácia, ao contrário do critério das “portas de entrada” acolhido pelo Tribunal a quo que é o único que respeita o elemento sistemático da interpretação.

JJ. Por último, é notório que também o elemento teleológico aponta no sentido da interpretação propugnada pela Recorrida e pelo INFARMED, e acolhida pelo Tribunal a quo.

KK. Com efeito, as razões que nortearam o legislador na elaboração do diploma aqui em análise – Portaria n.º 1430/2007 – foram precisamente razões de acessibilidade, pelo que a interpretação das disposições normativas nele constantes tem necessariamente de ter este objetivo em mente, tomando em conta os concretos pontos através dos quais estes acedem aos estabelecimentos e ao medicamento, pontos estes que são, nem mais, nem menos, do que as respetivas entradas.

LL. Assim, só uma solução que se traduza na melhor acessibilidade dos utentes aos medicamentos e numa maior liberdade de instalação/transferência – como a plasmada na Sentença – é que constitui uma interpretação conforme com os objetivos prosseguidos pelo legislador.

MM. Ora, tal como decidido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de março de 2006, só o critério atinente às “portas das entradas” vai ao encontro destas finalidades, o qual é um critério certo e seguro e, manifestamente, muitíssimo mais rigoroso e menos ambíguo do que o apresentado pelas Recorrentes, o qual se afigura ser um critério variável e dependente da farmácia cuja distância se está a aferir

NN. A tese das Recorrentes é contraditória nos seus próprios termos: reconhecem que a preocupação do legislador reside numa adequada distribuição das farmácias com vista a garantir a acessibilidade dos utentes aos medicamentos, mas, pasme-se(!), querem que o critério de medição seja completamente alheio a esta preocupação.

OO. E o que os próprios exemplos avançados pelas Recorrentes mostram é que a solução adotada pelo Tribunal a quo é a correta e precisamente aquela que não leva a resultados absurdos, contraditórios ou que desvirtuem e retirem efeito útil à lei.

PP. O que só demonstra que, com a defesa de tal tese, as Recorrentes, contrariamente ao que alvitram, não procuram tutelar qualquer acesso dos utentes aos serviços farmacêuticos, mas, apenas e tão-só, impedir, sem mais, a transferência da farmácia da ora Recorrida para a sua (alegada) proximidade.

QQ. Por fim, cumpre dar nota que, muito embora as Recorrentes tentem a todo o custo convencer que a sua tese é a que merece vingar, ficou demonstrado que, como acima referido, as Recorrentes defendem que os limites exteriores a ter em consideração na medição das distâncias são os “mais próximos” não porque nisso verdadeiramente acreditem, mas, simplesmente, porque esse foi o único subterfúgio que lhes permitiu encontrar uma distância inferior (e por muito pouco) a 350 metros.

RR. Veja-se que, na pendência da presente ação, as Recorrentes requereram a ampliação da sua farmácia (a Farmácia O.), aproximando-a ainda mais da Farmácia A.. Ora, como é evidente, se a aproximação das paredes da fachada das duas farmácias beliscasse minimamente as Recorrentes em termos concorrenciais, estas certamente não teriam tomado a iniciativa de se aproximar ainda mais das instalações da Farmácia da Recorrida e justificando, para o poderem fazer, que as “portas de entrada" da farmácia permaneceram inalteradas.

SS. A conduta adotada pelas Recorrentes é absolutamente contraditória e chega, por isso, a “roçar” a litigância de má-fé: por um lado, querem que vingue na presente ação uma tese referente aos limites exteriores “mais próximos”; por outro, e em paralelo à ação, vão aproximando cada vez mais esses mesmos alegados limites, apoiadas no facto de a distância de 350 metros entre farmácias se contar das portas de entrada da farmácia, e de essas permanecerem inalteradas.

TT. Face a todo o exposto, é notório que há apenas uma interpretação correta da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria 1430/2007: aquela que faz corresponder o conceito de “limites exteriores da farmácia” às portas de entrada (ou seja, às portas de acesso ao público).

UU. Posto isto, e uma vez que a distância em linha reta, contada entre os limites exteriores das novas instalações da Farmácia A. e das instalações da Farmácia O., é superior a 350 metros, não restam quaisquer dúvidas de que a Sentença recorrida não merece qualquer censura ao ter julgado a ação intentada pelas Recorrentes integralmente improcedente, devendo, por isso, ser mantida.

VV. Sem prejuízo, como se expôs nas presentes alegações de recurso, se, por hipótese, se entender que a referida alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 1430/2007 deve ser interpretada no sentido de que os limites exteriores relevantes para efeitos de transferência de farmácias são os “mais próximos” – cenário que não se concede e aqui se equaciona por mera cautela de patrocínio –, tal interpretação deve ser considerada inconstitucional, violando o direito fundamental à livre iniciativa económica, previsto no artigo 61.º da CRP.

WW. Inconstitucionalidade que se suscita nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art. 72.º da Lei do Tribunal Constitucional (tendo por fundamento o acima referido), e que impõe que a referida interpretação normativa seja afastada, em benefício de uma interpretação da referida norma em conformidade com a Constituição da República Portuguesa.

XX. Com efeito, a interpretação da referida disposição no sentido acima enunciado (e que corresponde à interpretação sufragada pelas Recorrentes) limitaria, excessivamente, e sem qualquer fundamento constitucional para o efeito – já que a razão de ser nunca seria a de garantir uma melhor acessibilidade às farmácias –, a liberdade de transferência das farmácias.

YY. Com efeito, o critério dos limites exteriores “mais próximos” limitará a liberdade de iniciativa económica privada, na maioria dos casos (senão mesmo em todos), numa muito maior proporção que o critério das “portas das entradas” e sem o sentido que este critério incute à referida limitação.

ZZ. De um outro prisma, sempre se dirá que não sendo a restrição, de todo, necessária para acautelar o fim da norma, tal interpretação viola ainda o “limite aos limites” consubstanciado no princípio da proibição do excesso, previsto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP.

AAA. Com efeito, tal interpretação normativa, criativa, consubstanciaria uma restrição inadmissível à luz do subprincípio da indispensabilidade, porquanto o escopo jurídico-político de prossecução do interesse público, materializado na acessibilidade dos medicamentos e de defesa da segurança e da saúde pública não impõe como indispensável que a norma constante alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 1430/2007 seja lida como contendo o elemento criativo que refere limites exteriores “mais próximos”: bem pelo contrário, o interesse público impõe precisamente interpretação diversa.

BBB. Não há dúvidas de que a interpretação criativa sufragada pelas Recorrentes é contrária ao princípio da proporcionalidade, por ser mais lesiva para a posição jusfundamental de um qualquer requerente de transferência: a interpretação daquelas levará a que muito mais transferências sejam impedidas, sem que com esta restrição se consiga prosseguir melhor o fim da norma, que é o de promover a acessibilidade dos utentes ao medicamento.

CCC. Acresce que, tratando-se de uma restrição, importa também convocar a plena aplicação do subprincípio da determinabilidade, na vertente da proibição do excesso.

DDD. Assim, de várias interpretações de um conceito indeterminado que, prima facie, se demonstrem viáveis, o princípio da proibição do excesso impõe que a boa hermenêutica será aquela que se demonstre como a menos restritiva, à luz do referido crivo principiológico, do direito à livre iniciativa económica, previsto no artigo 61.º da Constituição.

EEE. O que, in casu, será indubitavelmente a interpretação que reconduz o conceito de limites exteriores ao elemento que permite a transposição do utente para o interior da farmácia, permitindo o acesso aos medicamentos: as portas de entrada.

FFF. Por fim, é evidente que não assiste qualquer razão às Recorrentes quando defendem que o único meio de prova válido que deveria ter sido atendido e considerado pelo Tribunal para a decisão a tomar seriam as conclusões constantes do Relatório Pericial de 8 de setembro de 2017.

GGG. Através de Despacho Judicial de 2009, foi determinada a realização de prova por perícia colegial para aferição da distância entre as farmácias em causa, tendo os Senhores Peritos concluído que a Farmácia A. dista da Farmácia O. cerca de 355 metros.

HHH. Concluiu-se, pois, que está cumprido o pressuposto da transferência em causa: a Farmácia da Recorrida localiza-se a mais de 350 metros da Farmácia das Recorrentes, contados a partir do limite exterior que permite o acesso às farmácias: as portas de entrada.

III. Em setembro de 2017 (na sequência de Despacho Judicial de setembro de 2016), foi realizada uma nova perícia, tendo os Senhores Peritos concluído em sede de relatório pericial que as Farmácias em causa distam cerca de 346,79 metros, se contados, neste caso, desde os respetivos limites exteriores “mais próximos”.

JJJ. Ora, contrariamente ao que as Recorrentes pretendem fazer crer a este Tribunal, não foram os Senhores Peritos que, em 2017, decidiram fazer um exercício de interpretação do texto da Portaria n.º 1430/2007, e que, por sua livre vontade e iniciativa, determinaram que os “limites exteriores” a considerar para a realização da perícia seriam os mais próximos, ao invés das respetivas portas de entrada.

KKK. Como consta do Despacho de 12 de setembro de 2016, foi o Tribunal a quo quem ordenou que, neste segundo relatório, as medições se fizessem por referência aos limites exteriores “mais próximos”.

LLL. Pretendeu-se, simplesmente e em suma, que as medições das distâncias entre as farmácias fossem efetuadas com base em cada uma das teses interpretativas: a defendida pelas Recorrentes e a defendida pelo INFARMED e pela Recorrida, de forma a que ficassem a constar dos autos as distâncias medidas de acordo com ambas as teses em discussão, e assim permitindo saber, de acordo com a tese que viesse a ser adotada pelo Tribunal, se a localização da farmácia da Recorrida cumpre ou não os requisitos de distâncias mínimas.

MMM. Assim, ao contrário da ideia que as Recorrentes pretendem veicular, tentando distorcer o conteúdo e alcance da prova (pericial) produzida, da mesma forma que para efeitos de realização da primeira perícia foi ordenado pelo Tribunal aos Senhores Peritos que efetuassem as medições a partir das “portas de entrada” das farmácias, para este segundo relatório foi também o Tribunal quem ordenou que a medição fosse efetuada tendo por referência os pontos “mais próximos”, não sendo, manifestamente, o propósito do segundo relatório pericial, de 2017, censurar o primeiro, de 2009.

NNN. Pelo que, face ao que se expôs e no que diz respeito ao mérito da Sentença recorrida, outra conclusão não pode ser retirada senão a de que o Tribunal a quo fixou a matéria de facto e valorou a prova produzida de forma irrepreensível.

OOO. Por tudo quanto ficou exposto, deve o recurso das Recorrentes improceder, por manifesta falta de fundamento.

Termos em que, pelos fundamentos expostos e com o suprimento, deve o recurso interposto pelas Recorrentes ser julgado totalmente improcedente, por não provado e por não se verificarem os vícios que são imputados à Sentença do Tribunal a quo proferida em 22 de fevereiro de 2019, a qual deve, por isso, ser mantida.

O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A) A primeira Autora – Farmácia O., Lda. – é proprietária da Farmácia O., sita na Avenida (…), sendo a 2.ª Autora – M., a única sócia e gerente daquela.
B) A Contra-interessada M., proprietária da Farmácia A., apresentou, no dia 3/1/2008, pedido de transferência de localização desta para um prédio sito na Avenida (…), concelho de (...), distrito de Braga.
C) Do processo instrutor do pedido referido em B) consta documento emitido pelo Instituto Geográfico Português, que atesta que as novas instalações da Farmácia distam: 354,89 m da Farmácia O.; 101,68 m do limite exterior do S.A.P. e 120,18 m da entrada principal do S.A.P.
D) A primeira Autora apresentou, em 5/3/2008, requerimento dirigido ao Presidente do Conselho Directivo da Entidade Demandada, no qual dava conta que a localização pretendida para a transferência da Farmácia A. distava 346,66 m do seu estabelecimento de farmácia e 99,95 m do Centro de Saúde de (...).
E) As medições referidas em D) foram efectuadas, a título particular, por F., topógrafo, funcionário do Município de (...).
F) O requerimento referido em D) nunca obteve resposta.
G) O Conselho Directivo da Entidade Demandada, por despacho de 30/04/2008, tomou a seguinte decisão: ¯Foi considerado apto, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 24.º da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro, no que se refere ao local, ao espaço e ao quadro farmacêutico, o pedido de transferência da Farmácia A., sita na Avenida (...), concelho de (...), distrito de Braga, para Avenida (…), concelho de (...), distrito de Braga‖.
H) O despacho referido em G) foi notificado à ora Contra-interessada em 02/05/2008.
I) O despacho referido em G) foi publicitado no sítio da Entidade Demandada na internet no dia 4/7/2008.
J) A ora Contra-interessada requereu vistoria das novas instalações em 16/07/2008.
K) A presente acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos foi intentada em 1/9/2008.
L) As instalações para onde se deu a transferência da Farmácia A. distam:
i) menos de 350 metros da localização das instalações da Farmácia O. contados em linha recta dos limites exteriores mais próximos das farmácias – parede da fachada do edifício - , respectivamente, distando 346,79 m;
ii) mais de 350 metros da localização das instalações da Farmácia O. contados em linha recta das entradas dos prédios onde os estabelecimentos de farmácia acima referidos se encontram instalados,
iii) mais de 100 metros da localização das instalações do Centro de Saúde de (...) contados em linha recta dos seus limites exteriores mais próximo, respectivamente.

DE DIREITO
Atente-se no discurso fundamentador da sentença:
Tal como foi referido por ocasião da sentença proferida nestes mesmos autos em 2012, nos presentes autos, pretendem as Autoras a anulação do despacho de 30/04/2008, proferido pela Entidade Demandada, bem como a condenação da mesma à prática de acto julgado devido - indeferimento do pedido de transferência de localização da farmácia da Contra-Interessada - em substituição do acto praticado.
Ao acto impugnado são assacados vícios, a saber: (i) de natureza formal por inobservância da audiência dos interessados; (ii) erro sobre os pressupostos de facto, por não observância das distâncias mínimas legalmente exigidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro; e (iii) ineficácia da decisão impugnada relativamente à Contra-Interessada, por não ter sido observado pela Entidade Demandada o dever de divulgar a decisão sobre a aptidão do local na mesma data da notificação.
Seguindo de perto a aludida sentença, partimos para apreciação do vício substantivo, atinente à derrogação das distâncias mínimas legalmente exigidas para a transferência da localização de farmácias.
Alega-se na petição inicial que a localização para a qual a Entidade Demandada autorizou a transferência da farmácia da Contra-Interessada dista apenas 346,66 metros, contados da farmácia detida pelas Autoras; e bem assim 99,95 metros da localização do Centro de Saúde de (...). Conclui: errou a Entidade Demandada quando considerou apto o pedido de transferência da Farmácia A. no que se refere ao local, na medida em que não se verificam as distâncias legalmente previstas.
Relembramos o enquadramento jurídico realizado na sentença proferida em 2012:
«o Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, procedeu a uma profunda reorganização jurídica do sector das farmácias, estabelecendo, pela primeira vez, o princípio da liberdade da sua instalação, desde que observados determinados requisitos legais (artigo 3.º), e agilizando e facilitando a possibilidade de transferência da sua localização dentro do mesmo município, a qual passou a ser possível independentemente de concurso público e de licenciamento (artigos 25.º e 26.º). Tal reformulação teve, assim, em vista promover a liberalização do sector, a qual, modificando ¯(…) um regime jurídico desadequado e injustificadamente limitador do acesso à propriedade, afastando as regras que restringiam exclusivamente a farmacêuticos‖, como o próprio legislador sentiu necessidade de fazer consignar, quer no respectivo preâmbulo, quer no articulado (cfr. artigo 14.º), passava não só pela livre instalação de novas farmácias, mas também pela liberdade de proceder à transferência da sua localização, desde que esta se efectuasse dentro do mesmo município e observasse determinados condicionalismos.
E, se assim é, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31.03.2011 (processo n.º 057/11), relatado pelo Juiz Conselheiro Costa Reis, «(…) este confessado propósito liberalizador deverá guiar o intérprete não só na aplicação daquele Decreto-Lei mas também do diploma que o regulamentou, a Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro, designadamente no que tange às condições que consentem a transferência da farmácia e aos condicionalismos que nesse procedimento importa respeitar.»
Estatui-se então na citada Portaria que a alteração do local da farmácia depende de autorização do INFARMED, a quem o proprietário que pretenda transferir a localização da sua farmácia deve dirigir pedido nesse sentido, instruído com a documentação identificada seu artigo 23.º, n.º 1, pedido que só pode ser indeferido se não forem cumpridas as condicionantes legais dessa transferência. O que quer dizer que, nesta matéria, o poder conferido ao INFARMED é um poder estritamente vinculado. Isso mesmo fica, desde já, estabelecido.
Formulado o pedido e analisados os documentos que o acompanham, o INFARMED tem 30 dias para decidir sobre a aptidão (ou inaptidão) do novo local, do espaço e do quadro farmacêutico da nova farmácia, notificando o proprietário da sua decisão, a qual só pode ser de inaptidão se for incumprido um dos seguintes requisitos:
a) Não preencha os requisitos respeitantes à distância previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2.º;
b) O edifício ou fracção para onde se pretende a transferência não disponha das áreas mínimas exigidas;
c) O pedido de transferência seja apresentado em dia posterior a outro pedido e as novas localizações das farmácias distem menos de 350 m entre si. (cfr. artigo 25.º, n.º 1).
As alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2.º impõem, por seu turno, que o local pretendido diste, respectivamente, pelo menos 350 metros, em linha recta entre a localização pretendida e a farmácia mais próxima, e 100 metros de extensão de saúde, centro de saúde ou estabelecimento hospitalar.
Esta decisão de aptidão, que tem de ser divulgada no sítio da INFARMED na Internet (artigo 24.º), é, porém, provisória, uma vez que «[o] proprietário da farmácia deve requerer ao INFARMED, I. P., a realização de uma vistoria às novas instalações, no prazo de seis meses a contar da decisão de aptidão» (artigo 27.º, n.º1) e, realizada a vistoria, pode ser formulado um juízo negativo relativamente ao cumprimento das normas legais e regulamentares das novas instalações — o que conduzirá ao indeferimento do pedido de transferência da farmácia. Se, porém, a vistoria conduzir à confirmação da decisão de aptidão inicialmente tomada, o proprietário da farmácia é notificado para proceder ao pagamento da quantia indispensável ao averbamento da nova localização e, após este, pode proceder à transferência da farmácia (artigos 27.º, n.os 1, 4, 5 e 6 e 34.º).
A referida Portaria só prevê, assim, como fundamento de indeferimento de um pedido de transferência o incumprimento dos requisitos indicados no artigo 25.º e a constatação, após vistoria às instalações, de que estas não cumprem as normas legais e regulamentares exigidas.
O que quer dizer que, formulado o pedido, analisada a documentação apresentada, vistoriadas as instalações, verificado que tudo está conforme à lei e paga a citada quantia, o INFARMED decide definitivamente pela aptidão do novo local após o que se procede ao averbamento da nova localização, encerrando-se desta forma o procedimento de transferência.»
Dito isto, vejamos o que resulta da factualidade considerada assente.
O pedido efectuado pela Contra-Interessada foi instruído nos termos do artigo 23.º, n.º 1, da Portaria n.º 1430/2007, designadamente por uma planta de localização do edifício para onde se pretendia a transferência, respeitando a escala de 1:2000, na qual era representada a área envolvente da farmácia numa distância de 350 metros contada dos respectivos limites exteriores, bem como de uma declaração no sentido do preenchimento dos requisitos respeitantes à distância.
Mais constava do predito pedido formulado pela Contra-Interessada um documento emitido pelo Instituto Geográfico Português, a atestar que as novas instalações da Farmácia distavam: 354,89 metros da Farmácia O.; 101,68 metros do limite exterior do S.A.P. e 120,18 metros da entrada principal do S.A.P., assim como certidão emitida pelo Município de (...), da qual resultava inexistência de farmácia num raio de 350 metros, ou de hospital, centro de saúde ou extensão de saúde, num raio de 100 metros, medidos do local para onde se pretendia a transferência.
Foi com base nestes elementos instrutórios que a Entidade Demandada decidiu pela aptidão do pedido de transferência.
Cumpre, agora, convocar o segmento normativo a aplicar:
O pedido de transferência tem de preencher os requisitos respeitantes à distância previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro, a saber:
“Distância mínima de 350 m entre farmácias, contados, em linha recta, dos limites exteriores das farmácias”;
“Distância mínima de 100m entre a farmácia e uma extensão de saúde, um centro de saúde ou um estabelecimento hospitalar, contados, em linha recta, dos respectivos limites exteriores (…)”.
Do segmento normativo que impõe pressupostos para a transferência de farmácias resulta claro que o Legislador quis ser objectivo – fixando em concreto a distância mínima entre farmácias – evitando inclusivamente dificuldade no apuramento da distância quando acrescentou – contados em linha recta.
A dúvida no presente caso prende-se com a interpretação a dar à expressão “limites exteriores”.
A razão da indeterminação deste conceito traduz a uma ausência de “opção legislativa” no tocante ao conteúdo da norma. Temos, assim, como seguro que a lei concedeu uma liberdade de apreciação à Administração com esta indeterminação conceptual.
Pretende a Autora que o Tribunal sufrague um conteúdo do conceito “limites exteriores” de tal maneira restrito que apenas comporte o limite exterior mais próximo das farmácias.
Com efeito, a Autora defende este argumento à luz da teoria da “única solução correcta”.
Não se põe – por princípio – em dúvida que os chamados conceitos indeterminados só consentem uma única solução correcta, certamente no sentido da realização da vontade do legislador como única medida que serve o interesse público subjacente à protecção pretendida com o preceito legal.
Porém, salta à vista que o Legislador não conseguiu antecipar o ponto concreto a considerar para efeitos de “limite exterior”, deixando à Administração a escolha da solução que correspondesse à única solução correcta, sendo que essa escolha, no caso concreto, na operação de tipo subsuntivo de aplicação da norma, foi ao encontro de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
Provou-se que:
“As instalações para onde se deu a transferência da Farmácia A. distam:
- menos de 350 metros da localização das instalações da Farmácia O., contados em linha recta dos limites exteriores mais próximos das farmácias – parede da fachada do edifício - , respectivamente, distando 346,79 m;
- mais de 350 metros da localização das instalações da Farmácia O., contados em linha recta das entradas dos prédios onde os estabelecimentos de farmácia acima referidos se encontram instalados,
- mais de 100 metros da localização das instalações do Centro de Saúde de (...), contados em linha recta dos seus limites exteriores mais próximo, respectivamente”.
Temos que a interpretação adoptada pela Administração coaduna-se com o espírito da lei – as entradas dos prédios onde os estabelecimentos de farmácia se encontram instalados caem no âmbito do conceito de limites exteriores – e segue inclusivamente jurisprudência dos Tribunais Superiores. Mais, as Autoras não alegam, à luz dos princípios, razões juridicamente atendíveis para se adoptar a interpretação mais restritiva do conceito de “limites exteriores”.
Provou-se que as instalações para onde se deu a transferência da Farmácia A. distam mais de 100 metros da localização das instalações do Centro de Saúde de (...), contados em linha recta dos seus limites exteriores (inclusivamente do mais próximo, respectivamente). E mais de 350 metros da localização das instalações da Farmácia O., contados em linha recta do limite exterior, conceito que comporta as entradas dos prédios onde os estabelecimentos de farmácia acima referidos se encontram instalados.
Improcede, assim, o alegado vício material por erro nos pressupostos de facto.
Do vício formal por preterição da audiência de interessados
Também quanto à apreciação deste vício, subscrevemos, em parte, o vertido na sentença de 2012 quando referiu:
“A Constituição da República Portuguesa determina que «[o] processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará (…) a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito» – artigo 267.º, n.º 5.
É pacífico na jurisprudência que o princípio da participação dos particulares – com consagração expressa no artigo 8.º do Código de Procedimento Administrativo – obriga a que a Administração assegure «(…) a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência nos termos deste Código.»
O objectivo subjacente à consagração desta formalidade legal, autonomizada na estrutura do procedimento pelo Código de Procedimento Administrativo (artigos 100.º e seguintes), é o de proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o objecto do procedimento, chamando a atenção do órgão competente para a decisão da relevância de certos interesses ou pontos de vista adquiridos no procedimento.
Não é desconhecida por este Tribunal a posição assumida por Pedro Machete, in ¯Cadernos de Justiça Administrativa‖, n.º 2, a pp. 48—52, quando salienta, no essencial, que a Constituição da República Portuguesa não atribui aos cidadãos um direito fundamental de participação em todo e qualquer procedimento administrativo, mas tão só naqueles em que a participação procedimental seja predisposta como meio necessário à protecção de determinados bens fundamentais, e, em consequência, funcionalizada a esse fim.
Certo, porém, é que a doutrina tem, no geral, considerado o "direito" de audiência prévia, consagrado no artigo 100.º do Código de Procedimento Administrativo, como um princípio estruturante da lei especial sobre o processamento da actividade administrativa, traduzindo a intenção legislativa de atribuição de um "direito subjectivo procedimental" (cfr. Vieira de Andrade, in ¯Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976‖, Coimbra, 1983, pp. 192 e segs.). Daí que «[a] norma do CPA respeitante ao direito de audiência dos interessados [seja] uma das normas que tem sido votadas, pelos comentadores e anotadores do Código, como aplicável a todos os procedimentos administrativos, mesmo aos especiais, criados ao abrigo de regimes anteriores. O papel que lhe é atribuído, como pilar do Estado de Direito e da concepção político—constitucional sobre as relações entre a Administração e particulares, não consentiria outra interpretação.», como bem apontam Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e Jaime Pacheco Amorim, in «Código de Procedimento Administrativo Comentado», 2.ª edição, 1998, Almedina, pág. 452. Por esse motivo, salvo quando funcionem os factores do n.º 1 do artigo 103.º do Código de Procedimento Administrativo (designadamente a urgência da decisão) ou quando resulte da natureza do próprio procedimento ou da decisão (nomeadamente, em certos procedimentos adjudicatórios, em procedimentos certificativos, em exames, etc.), a audiência dos interessados traduz-se numa garantia transversal a todos os procedimentos administrativos. E o procedimento em apreço no caso dos autos não consubstancia lex specialis alheia a tal direito subjectivo procedimental. Este o primeiro ponto que cumpre deixar, desde já, estabelecido nesta sede.
Questão diversa é a que se prende com o papel das Autoras no presente procedimento. Dito por outras palavras: será que se podem ou não aquelas subsumir-se à noção legal de ¯interessadas‖ que flui, desde logo, do artigo 100.º do Código de Procedimento Administrativo?
Socorrendo-nos novamente dos ensinamentos de Mário Esteves de Oliveira et alii, in «Código…», cit. op. cit., pág. 453, devem considerar-se como interessados «(…) tanto aqueles a quem decisão prejudica ou desfavorece, como aqueles que com ela saem favorecidos — se bem que, em relação a estes, a lei admita (nomeadamente quando não intervieram até aí no procedimento) que o órgão instrutor possa dispensar a sua audiência.»
Significa isto que interessada no procedimento é, desde logo, a Contra-Interessada, que interveio, aliás, no procedimento manifestando interesse na transferência da localização do respectivo estabelecimento farmacêutico. Trata-se de um interesse associado à própria legitimidade procedimental, definida como a titularidade de um interesse juridicamente protegido no procedimento administrativo ou decisão da causa, e consubstanciada na legitimidade para iniciar procedimento, cuja decisão a adoptar no devir do mesmo tende à satisfação ou realização da pretensão ou posição jurídica na titularidade do interessado que desencadeia aquele procedimento — ou, na designação da doutrina italiana, uma intervento a scopo pretensivo.
Porém, a obrigação de ouvir os interessados abrange também os denominados contra-interessados, ou seja, aqueles que eventualmente assumam posição de interesse contrário ao deferimento de uma determinada pretensão deduzida pelo interessado. Tratar-se-á de uma audição que reverterá, em todo o caso, em favor do interesse público, na exacta medida em que ao procedimento será carreada uma visão dos factos eventualmente contrapostos à do interessado, contribuindo, à partida, para a formação de uma correcta e adequada vontade por parte da pessoa, órgão, serviço ou agente competente para a decisão final. Estamos aqui, pois, também perante uma manifestação do princípio do contraditório, assegurando-se, deste modo, uma discussão plena do assunto através de um procedimento imparcial e público, que postula a necessidade de confrontar os critérios da Administração Pública e dos administrados, e impõe inclusive o confronto dos critérios propugnados pelos vários interessados, as mais das vezes divergentes.
Por outro lado, importa aqui determo-nos um pouco nos reflexos da decisão ora impugnada para melhor aquilatar as potenciais repercussões junto de terceiros (nomeadamente, as Autoras) face ao procedimento administrativo instaurado pela ora Contra-Interessada.
Ora, a este respeito, e acolhendo este Tribunal a jurisprudência constante do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31.03.2011, proferido no processo n.º 057/11, já citado a montante nesta decisão e integralmente disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jsta, importa deixar assente, como ponto de partida, que deve ser considerado como acto central do mencionado procedimento a decisão do INFARMED que declara apta (ou inapta) a localização da farmácia. E, como tal, importa daí retirar os devidos corolários, sendo, com interesse para a economia da presente decisão, os seguintes:
a) Primo: «(…) só a decisão de aptidão tem efeitos jurídicos imediatos como o de obrigar o INFARMED a divulgá-la na Internet, pretendendo-se com isso que todos os interessados – proprietários, ou não, de farmácias – possam ficar a saber que está em curso um procedimento que, salvo inesperadas ocorrências, irá conduzir a uma alteração da localização da farmácia e possam daí retirar as suas naturais consequências.»;
b) Secundo: «Finalmente, e mais significativo, (…) essa decisão determina o indeferimento de novos pedidos de transferência quando estes se refiram a locais que já foram declarados aptos para a localização de uma outra farmácia e possa haver conflito entre eles decorrente de violação das regras da distância previstas nas al.ªs c) e d) do art.º 2.º (art.º 29.º).» (cfr. referido Acórdão de 31.03.2011. Os sublinhados são deste Tribunal).

Este é, por conseguinte, um dos casos em que a típica relação procedimental administrativa entre um dado requerente de um acto administrativo e o órgão competente para o emitir, caracteristicamente bipolar, se transmuta numa relação multipolar ou poligonal, precisamente com fundamento na perspectiva que o acto a emitir é idóneo para afectar direitos de terceiros, podendo as decisões adoptadas no procedimento favorecê-los ou desfavorecê-los. É que por intermédio do acto administrativo de aptidão de localização, o INFARMED vai definir um complexo de relações jurídicas concretas de direito público, através deste acto autorizativo.
Não pode, pois, o acto de aptidão de localização ser analisado fora do contexto multipolar ou poligonal das relações jurídicas que a respeito de tal acto se estabelecem, atentos os interesses pluri-subjectivos afectados ou lesados pela decisão administrativa autorizativa que o mesmo consubstancia. E isto porque o procedimento administrativo sub judice, admite, se não exige, que se considerem, e incorporem, na respectiva tramitação, de forma juridicamente válida e relevante, actos jurídicos que extravasam a específica relação jurídica substantiva estabelecida entre o sujeito titular do interesse pretensivo de transferência de localização de estabelecimento farmacêutico e a entidade administrativa competente para a prática do acto autorizativo. Sendo que o fundamento dessa incorporação radica no interesse de terceiros na protecção efectiva da existência de outras farmácias no espaço intangível e tutelado normativamente, enquanto realidade ontológica, económica e comercial que pré-existe num espaço de concorrência.
Ora, como ensina Gomes Canotilho (in «Relações jurídicas poligonais, ponderação ecológica de bens e controlo judicial preventivo», in ¯Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente‖, nº 1, Junho/1994, págs. 57 a 61), nas relações jurídicas poligonais ou multipolares existe um complexo diversificado de interesses diferentes ou até, inclusive, a contraposição de interesses. E, porque assim, configurando-se a relação administrativa conducente à emissão de decisão de aptidão de localização de estabelecimento farmacêutico como relação multipolar ou poligonal, haverá que daí retirar os devidos corolários, nomeadamente considerando as autoridades administrativas competentes como investidas no dever de «(…) desenvolver um esquema metódico de ponderação de interesses cujos passos se podem resumir da seguinte forma:
«1. Proibição de ¯falta‖ de ponderação: a administração deve determinar o quadro normativo em que se deve mover a sua tarefa de confrontação e ponderação de interesses;
«2. Proibição de deficit de ponderação: todos os interesses relevantes devem ser incluídos no procedimento de ponderação;
«3. Proibição de juízo de ponderação insuficiente: a administração deve expressamente reconhecer o relevo dos bens públicos e privados de forma a alicerçar a decisão concreta;
«4. Proibição de ponderação desproporcionada: na balança de interesses e na harmonização de direitos a administração não deve proceder a uma ponderação de interesses objectivamente desproporcionada (..)». Estas proibições, no que tangem ao modo de formação do acto de aptidão, vêm reforçar a consideração de que os interessados no procedimento não são apenas os interventores principais; interessados são ainda aqueles que possam ser afectados directamente nos seus direitos pelas decisões que aí venham ou possam vir a ser tomadas, ainda que não tenham obrigatoriamente de ser chamados ao procedimento, podendo intervir no mesmo, designadamente para exercer defesa contra as lesões que se pretendam evitar.
Por outro lado ainda, a própria lei acolhe a necessidade da ponderação dos diversos interesses diferentes e/ou contrapostos fazendo referência expressa ao dever de obstar a contradições normativas, prevenindo a exigência de composição dos diversos interesses em presença no procedimento que o acto administrativo ora em apreço pode afectar ou mesmo lesar, integrando normativamente o sentido jurídico da consideração global das situações jurídicas pré-existentes.‖
Com referência ao caso dos autos, e convocando a matéria de facto assente, as Autoras, titulares de interesse procedimentalmente relevante, não foram notificadas para se pronunciarem nos termos e para os efeitos previstos no artigo 100.º do Código de Procedimento Administrativo.
Porém, a Contra-interessada – espontaneamente - participou no procedimento, oferecendo a sua pronúncia sobre a questão para si relevante para efeitos de decisão, em momento bem anterior à tomada de decisão formal.
Ou seja, as ora Autoras tiveram participação efectiva no âmbito da formação da decisão administrativa ora impugnada, tendo apresentado junto da Entidade Demandada, de forma espontânea e com assistência de patrono judiciário, requerimento em 05/03/2008.
Pese embora a pronúncia ter sido apresentada num procedimento diferente do ora em apreço (ao que tudo indica, num procedimento de pedido de informação), o certo é que as Autoras “carrearam” para a esfera decisória competente no âmbito do procedimento administrativo de transferência de localização de farmácia (único procedimento sindicado perante este Tribunal, realça-se desde já) os elementos fácticos que consideravam relevantes, pelo que a violação da norma procedimental, no caso concreto, não pode ter como consequência jurídica a anulabilidade do acto final.
Com efeito, se atentarmos no teor da pronúncia espontaneamente apresentada antes da decisão final, à fundamentação da decisão final e aos argumentos que sustentam os vícios invocados na petição inicial, logo concluímos que a falta de notificação para efeitos de audiência prévia não afectou as garantias de defesa das Autoras, razão pela qual temos que o desvalor jurídico a atribuir, neste caso, não gera a anulabilidade do acto.
Da não observância do dever de divulgação da decisão sobre a aptidão do local na mesma data da notificação.
Decorre da disciplina contida na Portaria n.º 1430/2007 o seguinte: uma vez formulado o pedido e analisados os documentos que o acompanham, o INFARMED tem 30 dias para decidir sobre a aptidão (ou inaptidão) do novo local, do espaço e do quadro farmacêutico da nova farmácia, notificando o proprietário da sua decisão (cfr. artigo 25.º, n.º 1). Tal decisão de aptidão tem de ser divulgada no sítio da INFARMED na Internet (artigo 24.º), para assegurar ao proprietário da farmácia a faculdade (rectius: o encargo) de «(…) requerer ao INFARMED, I. P., a realização de uma vistoria às novas instalações, no prazo de seis meses a contar da decisão de aptidão» (artigo 27.º, n.º 1).
Ora, resulta do processo administrativo instrutor e do probatório que a decisão impugnada foi notificada à ora Contra-Interessada em 02.05.2008, sendo objecto de publicação no site da Entidade Demandada em 04.07.2008. A Contra-Interessada requereu a vistoria das novas instalações em 16.07.2008. [cfr. pontos H), I) e J) do probatório].
Tendo em conta a factualidade considerada provada, o conteúdo do acto final no procedimento foi levado ao conhecimento do interessado, produzindo – a partir dessa data todos os seus efeitos – pelo que improcede o vício apontado.
X
Insurgem-se as Recorrentes contra esta sentença que julgou a acção improcedente.
Suscitam as seguintes questões:
-nulidade da decisão por omissão de pronúncia sobre a requerida litigância de má-fé do Réu Infarmed, I.P;
-erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação da legislação aplicável ao caso sub iudice - alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2º e artigo 23º nº 1 alínea c) da Portaria 1430/2007, de 2 de novembro;
-erro de julgamento sobre os pressupostos de facto, sobre a apreciação e fixação da matéria de facto relevante e inerente valoração da prova, em que se alicerçou a sentença;
-erro de julgamento ao considerar improcedentes os pedidos das Autoras.
Cremos que carecem de razão.
Vejamos.
Do erro de julgamento de facto -
Como se sumariou no Acórdão deste TCAN nº 00126/12.8BEMDL, de 12/06/2019 “ “Determina o artigo 662º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa”.
Na interpretação deste preceito, já na anterior versão (artº 712º CPC), tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
O respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.”.

In casu, a Senhora Juíza fez constar, em sede de motivação da matéria de facto, o seguinte:
No estado actual do processo, apenas se encontrava controvertida a factualidade vertida no Facto L).
O julgamento dessa matéria de facto resultou da ponderação global e conjugada de toda prova produzida em juízo - documental e pericial - observado que foi o princípio do contraditório, que deu lugar a esclarecimentos vários, prestados pelo Colégio de Peritos.
A Topografia é uma ciência cada vez mais apetrechada de instrumentos de medição tecnologicamente desenvolvidos. Assim, a factualidade considerada assente funda numa certeza de alto grau de probabilidade, em resultado do êxito das diligências instrutórias realizadas.
O acto impugnado sustentou-se nas distâncias subscritas pelo Instituto Geográfico Português, a saber: 354,89 m da Farmácia O.; 101,68 m do limite exterior do S.A.P. e 120, 18 m da entrada principal do S.A.P.
Com vista a infirmar tais medições, a Autora juntou um Levantamento Topográfico do qual resultava os valores seguintes:
1. O edifício da Farmácia O. dista, em linha recta, do edifício da Farmácia A.: 346,84 metros, à fachada Norte; 330,79 metros, à fachada Poente.
2. O edifício da Farmácia A. dista, em linha recta, ao limite de propriedade do Centro de Saúde: 100,10, da fachada Norte, 99,74 da fachada Poente.
Por sua vez, o Levantamento Topográfico realizado no âmbito da perícia ordenada pelo Tribunal - cf. de fls. 612 e ss - indica os seguintes valores:
3. Distâncias entre os pontos centrais das entradas da Farmácia A. (ponto A) e da Farmácia O. (ponto B): entre 355,30 e 354,89 m.
4. Distância entre os pontos centrais das entradas da Farmácia A. (ponto A) e da Unidade de Saúde Familiar de Santo António, ex Centro de Saúde (ponto C): entre 120,18 e 125,27 m.
O Levantamento Topográfico realizado no âmbito da perícia ordenada pelo Tribunal em cumprimento do aresto do TCA Norte - cf. de fls. 1228 e ss. - indica os seguintes valores:
5. O edifício da Farmácia O. dista, em linha recta, do edifício da Farmácia A. em: 346,79 m, contado do limite mais próximo das farmácias.
6. O edifício da Farmácia A. dista, em linha recta, ao limite de propriedade do Centro de Saúde em: 120,91 m, contado do limite exterior mais próximo das farmácias.
Nos presentes autos, ataca-se a decisão administrativa - a considerar apto o pedido de transferência de uma farmácia para outro local - por eventual erro nos pressupostos de facto traduzido em 3,16 metros.
Ora, o Tribunal ficou convencido - por um lado - o levantamento topográfico no qual a Administração se baseou não contém erros grosseiros, causados, por exemplo, por falta de atenção, descuido ou falta de habilidade do medidor.
A única contradição detectada prende-se com a distância entre a Farmácia A. e o Centro de Saúde de (...), tendo o Tribunal considerado que o resultado do levantamento topográfico junto pela Autora (99,74 m) não era suficiente para afastar o resultado dos outros dois levantamentos topográficos, um subscrito pelo Instituto Geográfico Português e outro pelo Colégio de Peritos nomeados pelo Tribunal.
Quanto ao mais, não se detectam contradições de relevo, pelo que a resposta à questão decidenda vai depender dos pontos de referência a considerar para obtenção do resultado, se do limite exterior mais próximo das farmácias ou de outro limite exterior, designadamente, das entradas dos prédios dos estabelecimentos em causa.
Temos, pois, por bem fundamentada a decisão de facto.
Na verdade, o documento emitido pelo Instituto Geográfico Português demonstra que a distância da nova localização da Farmácia A. era de 354, 89 m, em linha reta, para a Farmácia O., e de 101, 68 m, para o limite exterior do SAP.
Aliás, isso mesmo resultou da peritagem colegial realizada.
Não se detetando erro na valoração e apreciação da prova, pelo menos que seja ostensivo, manifesto, palmar, não se bulirá no probatório, desatendendo-se o segmento do recurso atinente ao invocado erro de julgamento sobre os pressupostos de facto, sobre a apreciação e fixação da matéria de facto relevante e inerente valoração da prova, em que se sustentou a sentença.
Dito de outro modo, não assiste razão às Recorrentes quando defendem que o único meio de prova válido que deveria ter sido atendido e considerado pelo Tribunal para a decisão a tomar seriam as conclusões constantes do Relatório Pericial de 8 de setembro de 2017.
Através de Despacho Judicial de 2009, foi determinada a realização de prova por perícia colegial para aferição da distância entre as farmácias em causa, tendo os Senhores Peritos concluído que a Farmácia A. dista da Farmácia O. cerca de 355 metros.
Concluiu-se, pois, que está cumprido o pressuposto da transferência em causa: a Farmácia da Recorrida localiza-se a mais de 350 metros da Farmácia das Recorrentes, contados a partir do limite exterior que permite o acesso às farmácias: as portas de entrada.
Em setembro de 2017 (na sequência de Despacho Judicial de setembro de 2016), foi realizada uma nova perícia, tendo os Senhores Peritos concluído em sede de relatório pericial que as Farmácias em causa distam cerca de 346,79 metros, se contados, neste caso, desde os respetivos limites exteriores “mais próximos”.
Ora, contrariamente ao que as Recorrentes pretendem fazer crer, não foram os Senhores Peritos que, em 2017, decidiram fazer um exercício de interpretação do texto da Portaria 1430/2007, e que, por sua livre vontade e iniciativa, determinaram que os “limites exteriores” a considerar para a realização da perícia seriam os mais próximos, ao invés das respetivas portas de entrada.
Como consta do Despacho de 12 de setembro de 2016, foi o Tribunal a quo quem ordenou que, neste segundo relatório, as medições se fizessem por referência aos limites exteriores “mais próximos”.
Pretendeu-se, simplesmente, que as medições das distâncias entre as farmácias fossem efetuadas com base em cada uma das teses interpretativas: a defendida pelas Recorrentes e a defendida pelo Infarmed e pela Recorrida, de forma a que ficassem a constar dos autos as distâncias medidas de acordo com ambas as teses em discussão, e assim permitindo saber, de acordo com a tese que viesse a ser adotada pelo Tribunal, se a localização da farmácia da Recorrida cumpre ou não os requisitos de distâncias mínimas.
Assim, ao contrário da ideia que as Recorrentes pretendem veicular, da mesma forma que para efeitos de realização da primeira perícia foi ordenado pelo Tribunal aos Senhores Peritos que efetuassem as medições a partir das “portas de entrada” das farmácias, para este segundo relatório foi também o Tribunal quem ordenou que a medição fosse efetuada tendo por referência os pontos “mais próximos”, não sendo, manifestamente, o propósito do segundo relatório pericial, de 2017, censurar o primeiro, de 2009.
O que se pretendeu foi que dos autos constassem todos os elementos necessários à decisão, segundo as possíveis soluções para a questão de direito - v. Ac. deste TCAN de 06/5/2016.
E, na posse de todos os elementos, o Tribunal a quo fixou a matéria de facto e valorou a prova produzida de forma que não nos merece reparo.
Como salientou: Quanto ao mais, não se detectam contradições de relevo, pelo que a resposta à questão decidenda vai depender dos pontos de referência a considerar para obtenção do resultado, se do limite exterior mais próximo das farmácias ou de outro limite exterior, designadamente, das entradas dos prédios dos estabelecimentos em causa.

Do erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação da legislação aplicável ao caso sub iudice - alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2º e artigo 23º nº 1 alínea c) da Portaria 1430/2007, de 2 de novembro -
Repete-se que as Recorrentes discordam da sentença que julgou a acção administrativa totalmente improcedente.
Não perfilhamos essa leitura.
Os autos atestam que a ora Recorrida requereu ao Infarmed a transferência da Farmácia A., de que é proprietária, tendo, para esse efeito, demonstrado o cumprimento dos requisitos exigidos e, mais concretamente, apresentado a documentação necessária à demonstração do cumprimento das distâncias previstas no artigo 2.º, n.º 1, alíneas b) e c) da Portaria 1430/2007.
Uma vez que se encontravam cumpridos os requisitos previstos nesta Portaria (1430/2007), nomeadamente os das alíneas b) e c) do n.º 1 do respetivo artigo 2.º, o Infarmed autorizou aquela transferência.
Nessa sequência, as aqui Recorrentes, inconformadas com esta autorização, iniciaram uma demanda tendente à anulação do acto administrativo do Infarmed que autorizou a transferência, requerendo ainda a condenação deste a indeferir aquela mesma transferência e, bem assim, a sua condenação como litigante de má-fé.
O Tribunal a quo numa sentença clara e suficientemente fundamentada desatendeu a pretensão das Autoras.
Estas, deixando para trás outros vícios e argumentos suscitados em primeira instância, vêm assacar à sentença, além do mais, erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação da legislação aplicável ao caso.
O ponto central da discórdia, é o seguinte: a lei prevê que a distância entre farmácias se conta em linha reta, dos respetivos “limites exteriores” e os Recorridos defendem que tal expressão deve ser interpretada no sentido de os limites exteriores corresponderem às “portas de entrada”, por serem os limites exteriores por onde os utentes acedem à farmácia, ao passo que as Recorrentes pretendem que à letra da lei se acrescente uma outra expressão - “mais próximos” - para que os limites exteriores a ter em consideração na medição das distâncias entre farmácias sejam então os aferidos pela via mais curta.
Sucede que transparece do texto das peças processuais que vêm submetendo que as Recorrentes defendem esta tese por ser a única que lhes “permite” obter uma distância em que as farmácias em causa distem menos de 350 metros entre si.
A verdade é que, contrariamente ao que vem sendo invocado pelas Recorrentes os elementos de interpretação - literal, histórico, sistemático e teleológico - apontam todos no sentido da interpretação propugnada pelos Recorridos e seguida pelo Tribunal a quo.
Salvo melhor opinião, uma interpretação diferente colidiria frontalmente com a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente por violação do direito fundamental à livre iniciativa económica, previsto no seu artigo 61.º.
Ademais, face às perícias realizadas, não restam dúvidas de que, qualquer que seja a tese em função da qual forem escolhidos os concretos pontos para medição, as novas instalações da Farmácia A. cumprem inequivocamente a distância mínima de 100 metros ao Centro de Saúde de (...), prevista no artigo 2.º, n.º 1, alínea c) da Portaria 1430/2007, razão pela qual esse ponto em concreto - à semelhança do que fizeram as Recorrentes - se dá por assente e não será aqui desenvolvido.
Detenhamo-nos então sobre os motivos pelos quais falecem os fundamentos avançados pelas Recorrentes e que votam ao insucesso o recurso por estas interposto.

Da interpretação das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 2º da Portaria 1430/2007 -
As Recorrentes vêm sustentar que o Tribunal a quo andou mal quanto à interpretação e aplicação da legislação aplicável ao presente caso mas a verdade é que não só a lei foi devidamente aplicada, como a única interpretação correta e possível é, precisamente, a que se encontra plasmada na sentença, razão pela qual esta não é merecedora de qualquer reparo.
Como sentenciado, “(…) as Autoras não alegam, à luz dos princípios, razões juridicamente atendíveis para se adotar a interpretação mais restritiva do conceito de “limites exteriores”.
Dito de outra forma, não só o Tribunal a quo entendeu, e bem, que a única interpretação correta da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria 1430/2007 é aquela que faz corresponder o conceito de “limites exteriores” das farmácias às portas de entrada (ou seja, às portas de acesso ao público), como concluiu que as Autoras, aqui Recorrentes, não apresentaram nenhum argumento válido que pudesse sequer colocar em causa tal interpretação.
Daí que não pudesse também ter sido outra a conclusão do Tribunal senão a de que o acto impugnado era de manter, porquanto “(…) a interpretação adoptada pela Administração coaduna-se com o espírito da lei - as entradas dos prédios onde os estabelecimentos de farmácia se encontram instalados caem no âmbito do conceito de limites exteriores.
Mas vejamos, por que razão assim é:
Em termos sumários, repete-se, a questão central dos presentes autos prende-se com o alcance e interpretação da expressão “limites exteriores”, constante das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria 1430/2007, as quais preveem uma:
“b) Distância mínima de 350m entre farmácias, contados, em linha recta, dos limites exteriores das farmácias.
c) Distância mínima de 100m entre a farmácias e uma extensão de saúde, um centro de saúde ou um estabelecimento hospitalar, contados, em linha recta, dos respetivos limites exteriores, salvo em localidades com menos de 4000 hab.”.
Por reporte aos dois Relatórios Periciais realizados, temos que:
(i) No Relatório Pericial, de 21.01.2010, em que o critério seguido para o apuramento das distâncias entre as farmácias correspondeu às portas da entrada, foi posição unânime dos peritos que as farmácias em causa distavam mais de 350 metros entre si (mais concretamente, 355,30 metros, 355,83 metros e 354,89 metros).
(ii) Já no Relatório Pericial, de 08.09.2017, em que o critério utilizado para o apuramento das mencionadas distâncias entre as farmácias consistiu nos limites exteriores “mais próximos”, considerando como tais “(…) as paredes das fachadas (visível da via pública) da(s) fracção autónoma ocupada por cada uma daquelas farmácias, respetivamente, ao nível do piso do rés-do-chão das instalações ocupadas por cada uma daquelas farmácias”, os peritos entenderam que a distância entre as farmácias era inferior a 350 metros (mais concretamente, 346,79 metros).
A este respeito, reitera-se que não foram os Senhores Peritos, no Relatório de 08.09.2017, que determinaram, por sua iniciativa e unanimidade, quais eram os limites exteriores a medir: com efeito, ao passo que para o primeiro relatório pericial foi ordenado aos Senhores Peritos que efetuassem as medições a partir das portas de entrada, também para este segundo relatório foi o Tribunal quem ordenou que a medição fosse efetuada tendo por referência os pontos “mais próximos”, de forma a que dos autos ficassem a constar as distâncias medidas de acordo com ambas as teses em confronto, assim permitindo saber, consoante a tese que viesse a ser adotada pelo Tribunal, se a localização da farmácia da Recorrida cumpre ou não os requisitos de distâncias mínimas.
O facto é que, no caso vertente, estamos perante uma questão de interpretação, razão pela qual há que atender às regras previstas no artigo 9.º do Código Civil que, por uma questão de facilidade de exposição, aqui transcrevemos:
“Artigo 9º
Interpretação da lei
1 - A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2 - Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3 - Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Observadas que sejam estas regras de interpretação, facilmente chegamos à conclusão de que - no contexto de transferência de farmácias - a expressão “limites exteriores” só pode ter como significado as “portas de entrada”, ou seja, as portas de acesso ao público, e que, em consequência, tal é a única solução que respeita a Lei.
Assim:
O elemento literal da interpretação -
As Recorrentes alegam que o critério usado no Relatório Pericial de 21.01.2010, ou seja, o que afere a distância entre as farmácias a partir das respetivas “portas de entrada”, “(…) é erróneo e equívoco, pois não tem qualquer reflexo seja na letra ou no espírito da lei constante da Portaria aplicável”.
Ora, o conceito de “limite exterior” aponta, desde logo, no sentido da separação entre, por um lado, o interior da farmácia e, por outro, o exterior da farmácia, sendo as “portas de entrada” das mesmas o elemento que, natural e habitualmente, faz essa ligação.
O conceito de “limites exteriores” das farmácias corresponde, portanto, aos pontos de passagem entre o interior da farmácia e o exterior da mesma: corresponde ao ponto que os utentes têm necessariamente de transpor para poder aceder à farmácia; corresponde ao ponto de acesso dos utentes.
O limite é, portanto, o ponto onde se dá a separação do interior e do exterior, e através do qual os utentes lhe podem aceder.
Assim sendo, não se pode afirmar, como afirmam as Recorrentes, que o elemento literal apontaria, à partida, em sentido inverso à interpretação adotada pelo Infarmed e pela Recorrida e que veio a ser acolhida pelo Tribunal a quo, pois que, como é bom de ver, as “portas de entrada” constituem, como é evidente, um limite exterior das farmácias: o mais óbvio, até. Bem pelo contrário, se há critério que não tem o mínimo de correspondência na letra da lei é, precisamente, o apontado pelas Recorrentes, o qual não parte sequer da expressão que consta da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria 1430/2007, ou seja, da expressão “limites exteriores” das farmácias.
Com efeito, analisado o normativo em análise, um aspeto salta imediatamente à evidência: a posição sufragada pelas Recorrentes não tem o mais pequeno amparo na letra da lei, pois em parte alguma a lei se refere a limites exteriores “mais próximos”.
Este acrescento (“mais próximos”) é da exclusiva “lavra” das Recorrentes, não se encontrando tal expressão prevista em parte alguma do preceito em causa.
As Recorrentes mais não fazem do que acrescentar, ao arrepio das regras de interpretação, a expressão “mais próximos” ao segmento “limites exteriores da farmácia”; o que, evidentemente, não foi secundado pelo Tribunal.
Com efeito, funcionando a letra da lei como ponto de partida e como limite da interpretação - na expressão de José Oliveira Ascensão, “[a] letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação” - Introdução e Teoria Geral, 13.ª ed., Almedina, 2005, pág. 396. -, o entendimento adotado pelas Recorrentes não é consentâneo, nem se coaduna, com tal regra interpretativa basilar, prevista nos termos do artigo 9.º do CC. Por outras palavras: não podem as Recorrentes pretender que vingue a expressão “mais próximos” quando tal expressão não consta da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º daquela Portaria.
Onde o legislador não legisla, não deve o intérprete legislar, não podendo ser tomado em conta o pensamento legislativo que não recolha na letra da lei um mínimo de correspondência textual (artº 9º/2 do Código Civil).
Segundo este preceito, relativo à interpretação da lei, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso; assim, mesmo quando o intérprete “...se socorre de elementos externos, o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar”- cfr. João Baptista Machado, em Introdução ao Direito Legitimador, 1983-189.
E refere José Lebre de Freitas, in BMJ 333º-18 “A “mens legislatoris” só deverá ser tida em conta como elemento determinante da interpretação da lei quando tenha o mínimo de correspondência no seu texto e no seu espírito”.
Assim, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, ao abrigo do n.º 3 do mencionado artigo 9.º, é notório concluir no sentido de que, caso fosse sua intenção que os limites exteriores entre as farmácias a considerar fossem os mais próximos, tê-lo-ia expresso clara e indubitavelmente, o que não fez.
Não o tendo feito, é, portanto, patente que:
(i) A tese que assenta na consideração dos limites exteriores “mais próximos” das farmácias extravasa a letra da lei, constituindo um “acrescento”, que viola o primeiro (e inultrapassável) elemento literal da interpretação.
A interpretação que a Recorrida e o Infarmed fizeram valer diante do Tribunal a quo, para além de se conter dentro dos significados possíveis a atribuir a “limites exteriores” das farmácias, é aquela que se revela mais consentânea com tal elemento de interpretação, ao abrigo do artigo 9.º do CC.
Face ao exposto, cumpre concluir que o elemento literal aponta no sentido da tese da Recorrida e da entidade Demandada, acolhida pelo Tribunal recorrido: o critério das “portas de entrada”.
O elemento histórico da interpretação -
Acresce que, o elemento histórico da interpretação abona igualmente a favor das “portas de entrada”, enquanto limites exteriores relevantes para efeitos de apuramento das distâncias previstas no artigo 2.º, n.º 1 da Portaria 1430/2007.
De notar, como faz a Recorrida, que, em termos de evolução legislativa no que concerne à matéria das distâncias entre farmácias, temos:
Diploma Artigos
● Artigo 2.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2
Portaria n.º 806/89, de 22/09
Esta Portaria foi alterada pela Portaria n.º 513/92, de 22 de junho, e pela Portaria n.º 325/97, de 13 de maio, que não introduziram quaisquer alterações nesta matéria. Esta Portaria foi alterada pela Portaria n.º 513/92, de 22 de junho, e pela Portaria n.º 325/97, de 13 de maio, que não introduziram quaisquer alterações nesta matéria.
Procede à primeira alteração à Portaria n.º 936-A/99, de 22 de outubro. A Portaria n.º 936-A/99, de 22 de outubro, foi ainda alterada pela Portaria n.º 168-B/2004, de 18 de fevereiro, e pela Portaria n.º 965/2004, de 19 de julho, que não introduziram qualquer alteração nesta matéria.
● Artigo 2.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2
● Não se encontrar instalada nenhuma farmácia a menos de 500 metros em linha reta.
● Nos locais onde exista um centro de saúde ou extensão ou estabelecimento hospitalar não poderá ser instalada nenhuma farmácia a menos de 100 m em linha reta contados da entrada ou entradas do edifício ou, sendo caso disso, da entrada ou entradas do muro circundante daquele centro ou estabelecimento, salvo em localidades com menos de 4000 habitantes.
Portaria n.º 1430/2007, de 2/11 ● Artigo 2.º, n.º 1, alíneas b) e c)
● Distância mínima de 350 m entre farmácias, contados, em linha reta, dos limites exteriores das farmácias;
● Distância mínima de 100 m entre a farmácia e uma extensão de saúde, um centro de saúde ou um estabelecimento hospitalar, contados, em linha
Portaria n.º 806/89, de 22/095 ● Não se encontrar instalada nenhuma farmácia na área delimitada por uma circunferência de 250 m de raio e cujo centro seja o local de instalação da nova farmácia.
● Não poderá ser instalada nova farmácia na área delimitada por uma circunferência de 100 m de raio e onde exista um centro de saúde ou estabelecimento hospitalar, salvo em localidades com menos de 6000 habitantes.
Portaria n.º 936-A/99, de 22/10 ● Artigo 2.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2
● Não se encontrar instalada nenhuma farmácia na área delimitada por uma circunferência de 250 m de raio e cujo centro seja o local de instalação da nova farmácia, não podendo haver sobreposição de áreas.
● Nos locais onde exista um centro de saúde ou estabelecimento hospitalar não poderá ser instalada nenhuma farmácia na área delimitada por uma circunferência de 100 m de raio e cujo centro seja o centro de saúde ou estabelecimento hospitalar, salvo em localidades com menos de 4000 habitantes.
Portaria n.º 1379/2002, de 22/106 ● Artigo 2.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2
● Não se encontrar instalada nenhuma farmácia a menos de 500 metros em linha reta.
● Nos locais onde exista um centro de saúde ou extensão ou estabelecimento hospitalar não poderá ser instalada nenhuma farmácia a menos de 100 m em linha reta contados da entrada ou entradas do edifício ou, sendo caso disso, da entrada ou entradas do muro circundante daquele centro ou estabelecimento, salvo em localidades com menos de 4000 habitantes.
Portaria n.º 1430/2007, de 2/11 ● Artigo 2.º, n.º 1, alíneas b) e c)
● Distância mínima de 350 m entre farmácias, contados, em linha reta, dos limites exteriores das farmácias;
● Distância mínima de 100 m entre a farmácia e uma extensão de saúde, um centro de saúde ou um estabelecimento hospitalar, contados, em linha reta, dos respetivos limites exteriores, salvo em localidades com menos de 4000 habitantes.
Portaria n.º 352/2012, de 30/10 ● Artigo 2.º, n.º 1, alíneas b) e c)
● Distância mínima de 350 m entre farmácias, contados, em linha reta, dos limites exteriores das farmácias;
● Distância mínima de 100 m entre a farmácia e uma extensão de saúde, um centro de saúde ou um estabelecimento hospitalar, contados, em linha reta, dos respetivos limites exteriores, salvo em localidades com menos de 4000 habitantes.

Como se pode constatar, o legislador adotou várias redações distintas da lei ao longo do tempo, tendo começado na Portaria 806/89 a referir-se ao centro de uma circunferência na medição das distâncias entre farmácias, mas nada dizendo quanto ao concreto ponto das farmácias em que tal centro deveria ser colocado, tendo ainda feito referência a uma circunferência de 100 metros de raio no caso da distância aos centros de saúde e estabelecimentos hospitalares, mas nada dizendo quanto ao concreto local a partir do qual essa circunferência haveria de ser desenhada.
Já na redação inicial da Portaria 936-A/99, o legislador passou a usar o centro da circunferência, quer para a medição das distâncias entre farmácias, quer entre estas e os centros de saúde e estabelecimentos hospitalares, mas, uma vez mais, nada disse quanto ao concreto ponto das farmácias, centros de saúde ou estabelecimentos hospitalares a partir do qual esse centro da circunferência deveria ser desenhado. Seria no meio dos edifícios, numa das suas pontas, nas portas? O legislador não o disse, pelo que qualquer destas referências seria, em teoria, admissível.
Seguidamente, em 2002, quando procedeu à primeira alteração à Portaria 936-A/99, através da Portaria 1379/2002, passou a referir-se, quanto à distância entre farmácias, a uma distância de 500 metros em linha reta, continuando o legislador sem dizer qual o ponto concreto de onde esta medição tinha que ser efetuada. Pelo contrário, no que respeita às distâncias entre farmácias e o centro de saúde ou estabelecimento hospitalar, o mesmo passou, pela primeira (e única) vez, a indicar o ponto concreto de onde a medição deveria ser feita, não deixando de ser revelador o ponto que “elegeu”: entrada ou entradas.
Na posterior redação da lei, que é a que aqui nos ocupa e que vigora desde 2007 (tendo sido mantida na redação da Portaria 352/2012), o legislador passou a usar, quer para a medição da distância entre farmácias, quer para a medição da distância entre estas e centros de saúde, extensões de saúde ou estabelecimentos hospitalares, o critério “limites exteriores”, sem especificar qual o limite exterior a considerar.
Assim, o que a evolução histórica da regulamentação aqui em causa deixa evidenciado é que, nos últimos cerca de 30 anos, a redação da lei sempre abrangeu inúmeras hipóteses de medição das referidas distâncias e o legislador nunca estabeleceu de forma absolutamente inequívoca os pontos a partir dos quais devem ser medidas as distâncias e, em particular, nunca especificou na letra da lei um ponto concreto de medição de distâncias entre farmácias, tendo apenas numa única ocasião, e somente no que se refere à medição das distâncias entre as farmácias e os centros de saúde e estabelecimentos hospitalares, mandado efetuar a medição a partir das correspondentes entradas (Portaria 1379/2002). Isto é, na única altura em que o legislador optou por uma redação com definição do concreto ponto da medição das distâncias, a sua opção recaiu sobre a entrada dos estabelecimentos que, na nossa óptica, e como adiante veremos, é o único critério que se adequa à ratio legis.
E nem se tente dizer, como fazem as Recorrentes, que, com a introdução pelo legislador da expressão “limites exteriores”, o legislador “alterou radicalmente” a letra da lei, correspondendo essa alteração a uma “mudança de paradigma legal” do legislador.
Como se viu, nenhuma alteração radical ocorreu: o legislador continuou, como quase sempre, a não indicar na lei, expressis verbis, o concreto ponto de onde deverão ser medidas as distâncias relevantes para efeitos de transferência de farmácias.
De resto, como nos parece evidente, a tese das Recorrentes faz (ainda) menos sentido quando se constata que, com a Portaria 1430/2007, o legislador reduziu a distância mínima entre farmácias de 500 metros para 350 metros.
Será defensável que o legislador reduziu a distância entre farmácias em 150 metros para melhorar a acessibilidade dos utentes, mas quis ao mesmo tempo aumentá-la com a mudança para um ponto de referência que nada tem a ver com a acessibilidade que quis garantir? Parece-nos que não.
De notar ainda que a jurisprudência que tratou desta questão, e que entendeu que o critério relevante eram as “portas de entradas” das farmácias, teve por base a redação da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria 936-A/99, de 2 de outubro, na redação dada pela Portaria 1379/2002, de 22 de outubro, a qual, como se viu no quadro supra, referia que para que a transferência pudesse ocorrer, não se podia “encontrar instalada nenhuma farmácia a menos de 500 metros em linha reta”.
Com efeito, o Acórdão do STA, de 23 de março de 2006, proferido no âmbito do processo n.º 0958/05, entendeu:
“(…) é forçoso concluir que, em caso de transferência de farmácia, os 500 metros, em linha recta, de que se fala no n.º 2 da Portaria 936-A/99, devem ser medidos entre as entradas das farmácias em causa”.
Posto isto, a interpretação das disposições (regulamentares) que antecederam a Portaria 1430/2007, e, em especial, o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da mesma, são claros no sentido de sustentarem o entendimento sufragado pela Recorrida e pelo Infarmed e secundado pelo Tribunal a quo.
A isto acresce que a doutrina que se debruçou sobre este tema vai também no sentido de que a fundamentação do referido acórdão se manteve, mutatis mutandis, com a Portaria 1430/2007.
Veja-se, neste sentido, Abel Mesquita Cfr. ABEL MESQUITA, Direito Farmacêutico Anotado, I, 4.ª edição, 2011, p. 126.:
“(…) Apesar de a alínea b), do n.º 1, do presente preceito legal, ter passado a referir que a distância mínima entre farmácias é contada, em linha recta, dos seus «limites exteriores», entendemos que a fundamentação do acórdão de 23 de Março de 2006 (processo n.º 0958/05), do Supremo Tribunal Administrativo, mantém-se actual, pelo que a distância mínima de 350 metros entre farmácias, deve ser contada, em linha recta, entre as entradas das farmácias e, mutatis mutandis, a distância mínima de 100 metros entre a farmácia e uma extensão de saúde, um centro de saúde ou um estabelecimento hospitalar, deve ser contada, em linha recta, igualmente entre as respectivas entradas”.
Ainda que a linguagem utilizada na redação do enunciado normativo tenha sido objeto de alteração, o certo é que o seu conteúdo normativo (a norma jurídica), no que respeita aos concretos pontos que devem ser tidos em conta para efeitos da contagem das distâncias manteve-se incólume, nas redações resultantes da Portaria 936-A/99 e da Portaria 1430/2007, ou seja, o seu sentido permaneceu inalterado.
Face ao exposto, também por via do elemento histórico, a interpretação adotada pelos Recorridos e sufragada na sentença - a de que a medição deve ser efetuada pelas “portas de entrada” das farmácias é a que deve relevar para efeitos de apuramento da distância de 350 m - afigura-se-nos a mais adequada.
O elemento sistemático da interpretação -
O elemento sistemático afigura-se também determinante em função da defesa da interpretação de que a medição dos 350 metros entre farmácias deve ser efetuada das “portas de entrada” das farmácias.
Neste sentido, releva, desde logo, o disposto no Regulamento anexo à Deliberação n.º 044/CD/2009, de 22 de abril Alterada e republicada pela Deliberação n.º 207/CD/2011, de 22 de dezembro. , relativo à remodelação, ampliação e transferência provisória de instalações de farmácia para realização de obras, em particular, no seu artigo 8.º, que estabelece:
“Artigo 8.º
Da abertura de uma nova porta de acesso ao público
1. Em caso de remodelação e/ ou ampliação das instalações da farmácia, com abertura de nova porta de acesso ao público, o proprietário deverá solicitar autorização ao INFARMED, I.P., devendo, neste caso, juntar certidão camarária certificando as distâncias às farmácias mais próximas (mínimo de 350m), medidas a partir da nova porta de acesso do público à farmácia.
2. Mesmo que seja autorizada a abertura de uma nova porta de acesso aos utentes, nunca poderá ser encerrada a porta que se encontra originalmente averbada no alvará da farmácia.
3. Caso a distância referida no n.º 1 deste artigo seja inferior a 350m, o requerente deve juntar uma declaração emitida pelo proprietário da(s) farmácia(as) abrangida(s) pelo raio de 350m, no qual declara(m) que tomou(aram) conhecimento das referidas obras e de que não se opõe(em) à abertura de uma nova porta de acesso dos utentes da farmácia.”
Devendo ainda notar-se que, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Regulamento, o proprietário da farmácia que pretenda remodelar e/ ou ampliar as suas instalações deve apresentar um pedido ao Infarmed, devendo este pedido ser instruído, entre outros elementos, pela certidão camarária de distâncias às farmácias mais próximas nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea b) da Portaria 1430/2007, no caso de ampliação das instalações.
Tendo isto em consideração, e no que releva para o presente caso, podemos concluir o seguinte:
-A norma acima transcrita tem como objeto os casos de remodelação e/ou ampliação das instalações da farmácia;
-Nestas situações, a distância relevante para efeitos do apuramento das distâncias mínimas é contada da (nova) porta de acesso do público à farmácia, devendo respeitar o mínimo de 350 metros;
-Não havendo abertura de novas portas de acesso do público às farmácias - isto é, de “portas de entrada” - ou, mesmo havendo essa abertura, estando as referidas portas a distância igual ou superior a 350 metros das portas das farmácias mais próximas, nada obstaculiza a que as farmácias pré-existentes ampliem as suas instalações.
-Mas, pelo contrário, se houver uma alteração das portas de entrada das farmácias em consequência daquela ampliação, é desde logo necessária a obtenção de certidão camarária que ateste que as distâncias medidas entre aquelas portas continuam a respeitar os 350 metros impostos.
Assim, o critério assente neste Regulamento para apurar a distância relevante entre farmácias parece-nos cristalino: consiste no critério das portas de entrada das farmácias.
Como é evidente, tal representa um importante (e preponderante) auxiliar interpretativo.
Com efeito, não faria qualquer sentido, por um lado, utilizar o critério dos limites exteriores “mais próximos” para aferir as distâncias mínimas necessárias para determinar a viabilidade da transferência de uma farmácia e, por outro, utilizar um critério distinto, relativo às “portas de entrada das farmácias” - rectius: as portas de acesso do público à farmácia -, para determinar se é admissível, ou não, a uma farmácia ampliar as suas instalações.
Quer para a transferência (definitiva) de uma farmácia, quer para a ampliação de uma farmácia, o critério determinante para o apuramento da distância mínima a que se encontram as restantes farmácias tem de ser o mesmo - as portas de entrada enquanto limites exteriores relevantes.
Caso assim não fosse, a regra relativa às distâncias mínimas entre farmácias, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria 1430/2007, facilmente seria desrespeitada (e sempre dentro dos supostos limites da lei): bastaria que um qualquer interessado em transferir a sua farmácia requeresse autorização para o efeito, transferindo-se para 351 metros de distância da outra farmácia. Uma vez transferida a farmácia - e desde que não abrisse nova porta de acesso ao público -, bastar-lhe-ia requerer a ampliação da farmácia, aproximando-a, por exemplo, para 330 metros da outra farmácia, o que, embora não fosse permitido nos termos da Portaria 1430/2007 pela tese dos limites exteriores “mais próximos” já não era obstaculizado pelas regras previstas no Regulamento suprarreferido.
Neste cenário, o critério dos limites exteriores “mais próximos” das farmácias sairia, conforme advogado, facilmente gorado. Isto porque:
(i) Não impediria a transferência, pois que o limite exterior “mais próximo” se situava a mais de 350 metros da outra farmácia;
(ii) Não impediria a ampliação, pois que o critério relevante, neste caso, são as portas;
(iii) E redundaria, a final, numa situação em que o limite exterior “mais próximo” passou a situar-se a 330 metros da farmácia mais próxima… para tanto bastando que não tivesse havido a abertura de uma nova porta de entrada.
Este exemplo, trazido pela Recorrida, demonstra bem a razão pela qual a tese defendida pelas Recorrentes não poderá proceder: essa tese não só leva a cenários absurdos, como elimina a coerência e uniformidade na delimitação da distância que deve existir entre farmácias, quer se trate de transferência ou de ampliação de farmácia. Bem pelo contrário, o critério das “portas de entrada” defendido pela ora Recorrida e aceite pelo Tribunal a quo é o único que respeita o elemento sistemático da interpretação, porquanto:
-Cabe na letra da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria 1430/2007 o sentido de “portas de entrada” ou de “portas de acesso ao público”, tal como também decorre do Regulamento 044/CD/2009, pelo qual se estabelecem as exigências para a ampliação das instalações das farmácias;
-Não leva a situações aberrantes como a do exemplo supra, porquanto obriga a que se aplique sempre um único e uniforme critério no que se refere às distâncias entre farmácias: as portas de entrada do público.
Temos, pois, para nós que também o elemento sistemático aponta no sentido da interpretação sufragada pelo Tribunal e defendida pela Recorrida e pelo Infarmed: o de que os “limites exteriores” das farmácias devem ser interpretados como “portas de entrada” ou “portas de acesso ao público”.
O elemento teleológico da interpretação -
Por último, importa fazer notar que também o argumento teleológico aponta no sentido que vem avançado pela Recorrida.
Como é bom de ver, as finalidades prosseguidas pelo regime da transferência de farmácias encontram-se, desde logo, subjacentes na própria evolução legislativa.
É o que resulta, claramente, do preâmbulo dos seguintes diplomas:
Portaria 936-A/99: “O desenvolvimento da política de saúde na sua componente de melhoria da acessibilidade do cidadão ao medicamento a todo o tipo de cuidados impõe a revisão do quadro legal vigente no que diz respeito à cobertura farmacêutica da população. Importa repensar as regras e condições de abertura de novas farmácias, bem como de transferência, de forma a tornar os serviços farmacêuticos mais próximos e acessíveis aos cidadãos. Importa também corrigir algumas importantes assimetrias que actualmente existem na distribuição das farmácias pelo território nacional”.
Portaria 936-A/99: “O desenvolvimento da política de saúde na sua componente de melhoria da acessibilidade do cidadão ao medicamento a todo o tipo de cuidados impõe a revisão do quadro legal vigente no que diz respeito à cobertura farmacêutica da população. Importa repensar as regras e condições de abertura de novas farmácias, bem como de transferência, de forma a tornar os serviços farmacêuticos mais próximos e acessíveis aos cidadãos. Importa também corrigir algumas importantes assimetrias que actualmente existem na distribuição das farmácias pelo território nacional”.
Portaria 1379/2002: “(...) procura garantir-se a melhoria da cobertura farmacêutica nacional e o acesso dos cidadãos aos medicamentos, criando mecanismos que, por um lado, assegurem uma boa distribuição pelo território nacional e, por outro, tenham em consideração tanto as necessidades de assistência das populações do local de onde a farmácia pretende transferir-se, como as do local para onde a mesma pretende deslocar-se”.
DL 307/2007: “A regulação do licenciamento será objecto de diploma próprio, no qual se adaptarão as regras de capitação e distância às necessidades dos utentes na acessibilidade dos medicamentos. (...) É patente, ao longo do diploma, a preocupação com a qualidade dos serviços prestados pelas farmácias, considerando que se trata de uma actividade cujo interesse público assume a maior relevância que justifica expressa previsão legislativa”.
Portaria 1430/2007: “O legislador estabeleceu rigorosos requisitos para a abertura e funcionamento de farmácias, de acordo com uma exigente concepção de interesse público, não só na acessibilidade como também, e sobretudo na defesa da segurança e da saúde pública. (...) em ordem a responder às necessidades de dispensa de medicamentos por causa dos movimentos demográficos, admite-se um período de transferência de farmácias para os municípios limítrofes”.
Pode, assim, avançar-se que as razões que nortearam o legislador na elaboração do diploma aqui em análise - Portaria 1430/2007 - foram precisamente razões de acessibilidade, pelo que a interpretação das disposições normativas nele constantes tem necessariamente de ter este objetivo em mente.
Ora, se o que sempre relevou para o legislador foi (e é) a acessibilidade dos utentes ao medicamento, então temos naturalmente que tomar em conta os concretos pontos através dos quais estes acedem aos estabelecimentos e ao medicamento, pontos estes que são, nem mais, nem menos, do que as respetivas entradas.
Releva também, nesta senda, o disposto no já referido Acórdão do STA, de 23/03/2006:
“(…) a finalidade visada por aquela Portaria foi a de corrigir algumas das assimetrias existentes na distribuição de farmácias no território nacional e, desse modo, promover um maior equilíbrio e racionalidade nesse sector.
(…)
Com efeito, se a pretensão visada pelo legislador foi procurar a comodidade dos utentes e se considerou que esta se alcançaria com uma distribuição mais equilibrada das farmácias e pela facilitação do seu acesso, não faz sentido sustentar que referida medição deve ser feita tendo-se em conta os pontos mais próximos dos edifícios onde aquelas se encontravam instaladas, pois que dessa maneira não se promoveria a pretendida acessibilidade. E importa realçar que, neste ponto, o que moveu o legislador não foi a defesa dos interesses dos proprietários das farmácias - designadamente o da sua viabilidade económica - mas sim a intenção de “tornar os serviços farmacêuticos mais próximos e acessíveis aos cidadãos”, pelo que deve ser este o critério a presidir à resolução do presente recurso.”
Resulta assim que os ensinamentos ínsitos no acórdão em referência continuam a aplicar-se totalmente à redação conferida pela Portaria 1430/2007.
Daí que, contrariamente ao que as Recorrentes alegam, este Acórdão do STA tem plena aplicação ao caso dos autos, na medida em que, quer a legislação ao abrigo da qual foi prolatado (Portaria 936-A/99), quer a legislação aplicável ao caso posto (Portaria 1430/2007), não definiam um ponto concreto para a medição da distância entre farmácias.
De resto, importa notar que, como as Recorrentes reconhecem, o Tribunal a quo não fez expressa referência a este Acórdão, tendo apenas, no que toca à jurisprudência dos Tribunais Superiores, aludido ao Acórdão do STA de 31/03/2011.
Não obstante, a verdade é que, ainda que tenha sido este o Acórdão a que o Tribunal aludiu para reforçar (e não justificar) a sua posição, tal referência sempre seria, como se viu, absolutamente válida, pertinente e idónea, não havendo, por isso, qualquer contradição na fundamentação da sentença.
Ademais, e já quanto ao Acórdão do STA, de 31 de março de 2011, proferido no âmbito do processo n.º 057/11 e citado na sentença, embora as Recorrentes o apelidem de “inócuo” para os presentes autos, na medida em que, segundo alegam, poderia ser usado para sustentar qualquer uma das teses em discussão, certo é que dele resulta claro que a tese defendida pelas Recorrentes colide frontalmente com os objetivos pretendidos pelo legislador, o que é preconizado pela Recorrida e pelo Infarmed e foi secundado pelo Tribunal.
Na verdade, este Acórdão destaca que tanto o DL 307/2007, de 31 de agosto, como a Portaria 1430/2007, tiveram um propósito liberalizador, razão pela qual as normas deles constantes têm necessariamente de ser interpretadas com este sentido e objetivo.
Note-se que, como bem realça a sentença, o Acórdão do STA, de 31 de março de 2011, refere que:
“(…) este confessado propósito liberalizador deverá guiar o intérprete não só na aplicação daquele Decreto-Lei mas também do diploma que o regulamentou, a Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro, designadamente no que tange às condições que consentem a transferência da farmácia e aos condicionalismos que nesse procedimento importa respeitar.”.
E continua:
“De resto, se, como já se disse, os diplomas ora em causa procuraram promover a liberalização da instalação e facilitar a transferência da sua localização não faria sentido interpretar as apontadas normas de forma contrária ao cumprimento desses objetivos.”
Assim, só uma solução que se traduza na melhor acessibilidade dos utentes aos medicamentos e numa maior liberdade de instalação/transferência, como a contemplada na sentença, é que constitui uma interpretação conforme com os objetivos prosseguidos pelo legislador.
Com efeito, partindo daquele aresto, bem como dos preâmbulos acima transcritos, verificamos que o regime previsto no artigo 2.º da Portaria 1430/2007, aplicável à transferência de farmácias, tem as seguintes finalidades:
-Corrigir as assimetrias existentes na distribuição das farmácias no território nacional;
-Procurar a comodidade dos utentes pela facilitação do acesso às farmácias, tornando os serviços farmacêuticos mais próximos e acessíveis aos cidadãos;
-Adaptar as regras de distância às necessidades dos utentes na acessibilidade dos medicamentos.
Ora, tal como decidido no Acórdão do STA de 23/3/2006, só o critério atinente às “portas das entradas” vai ao encontro destas finalidades. Ademais, e como resulta também do exposto a respeito do elemento sistemático da interpretação, o critério “portas das entradas” é um critério certo e seguro e, manifestamente, muitíssimo mais rigoroso e menos ambíguo do que o apresentado pelas Recorrentes.
Atender ao limite exterior “mais próximo” significa fazer medições a partir de pontos absolutamente irrelevantes, sem qualquer possibilidade de acesso por parte dos utentes, não sendo praticável e / ou conduzindo a resultados claramente absurdos, contrários à ratio legis, dos quais não pode obviamente depender a distribuição das farmácias pelo território.
Temos, assim, que não foi esta a solução pretendida pelo legislador.
Face ao exposto, é notório que o elemento teleológico também aponta no sentido da interpretação propugnada pelos Recorridos e que convenceu o Tribunal a quo.
Em suma:
-Sendo essa uma solução que cabe na letra da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria 1430/2007, cumpre concluir que a interpretação mais adequada é a que faz corresponder os “limites exteriores” das farmácias às portas de acesso do público às farmácias (rectius: às portas de entrada das farmácias);
-Consequentemente bem andou o Tribunal ao interpretar a expressão “limites exteriores” constantes do artigo 2.º da Portaria 1430/2007, como correspondendo ao ponto que permite o acesso dos utentes às farmácias: a porta de entrada;
-Dito de outro modo, há apenas uma interpretação correta da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria 1430/2007: aquela que faz corresponder o conceito de “limites exteriores da farmácia” às portas de entrada (ou seja, às portas de acesso ao público);
-E uma vez que a distância em linha reta, contada entre os limites exteriores das novas instalações da Farmácia A. e das instalações da Farmácia O., é superior a 350 metros, não restam dúvidas de que a sentença recorrida não merece censura ao ter julgado a ação intentada pelas Recorrentes integralmente improcedente;
-Assim sendo, forçoso é arredar-se a apontada omissão de pronúncia, na medida em que a apreciação da questão relacionada com a litigância de má-fé ficou irremediavelmente prejudicada com a decisão final, que ditou a improcedência do pedido formulado na petição inicial e a absolvição da Entidade Demandada;
-Dispõe a alínea d) do nº 1, do artigo 615º, do CPC (de 2013), aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Este preceito deve ser compaginado com a primeira parte do n.º 2, do artigo 608º, do mesmo diploma (anterior artigo 660º): “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Conforme é entendimento pacífico na jurisprudência e na doutrina, só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a que aludem os citados preceitos, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer (cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, Coimbra 1984 (reimpressão), pág.140; e Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11/9/2007, rec. 059/07 e de 10/09/2008, rec. 0812/07, entre tantos outros;
-No caso em apreço, o conhecimento do putativo pedido de condenação do Infarmed em litigância de má-fé ficou evidentemente prejudicado pela improcedência do pedido de anulação de ato administrativo formulado;
-Se o Tribunal a quo entendeu, e, quanto a nós, acertadamente, que a posição interpretativa defendida pelo Infarmed era a boa solução de Direito, então nada haveria a decidir quanto ao pretenso pedido de condenação em litigância de má-fé, sob pena de se poder até vir a verificar uma contradição evidente entre a solução dada à primeira questão e à segunda;
-Por outras palavras, se o Tribunal recorrido deu razão ao Infarmed, se acolheu a tese por este defendida, é por demais evidente que a apreciação da sua eventual má-fé ficou prejudicada;
-Tal equivale a dizer que o conhecimento do pedido de condenação em litigância de má-fé é prejudicado pela falta de mérito do pedido principal das Recorrentes: a anulação do ato da Entidade Demandada;
-Na verdade, na presente situação, atendendo aos documentos que foram juntos, e que atestavam que as distâncias tinham sido apuradas nos termos da Portaria 1430/2007, o Infarmed não podia tomar outra decisão que não a prolação do ato impugnado;
-É que, estando esta Entidade, nos termos do artigo 268.º/2 da Constituição da República Portuguesa e do artigo 3.º do Código do Processo Administrativo, vinculada ao Princípio da Legalidade, outra não poderia ser a sua conduta que não a do deferimento do pedido apresentado pela proprietária da Farmácia A..
Ancorados nas peças processuais dos Recorridos, afastamos a bondade das conclusões da alegação.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
*
Custas pelas Autoras/Recorrentes.
*
Notifique e DN.
*
Porto, 30/10/2020


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas