Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
RF – I... Administração e Serviços SA e C... - Empreendimentos Imobiliários SA, devidamente identificada nos autos, no âmbito de Ação Administrativa Especial que intentaram contra o Município do Porto, tendente, em síntese, à condenação deste a “(…) substituir o ato administrativo levado a cabo pelo Sr. Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade (Processo 22946/00/CMP), proferido a 24 de Janeiro de 2013 – I/6426/13/CMP (e retificado a 9 de Maio – I/78059/13/CMP) por outro que estabeleça uma área de cedências em falta a imputar às demandantes pela alteração do loteamento de 871 m2 (correspondente a 36,4% de 2.394 m2), com as consequências legais”, inconformadas com a decisão proferida no TAF do Porto, em 22 de outubro de 2015 (Cfr. Fls. 223 a 232 Procº físico), que decidiu a “não verificação dos pressupostos da pretendida condenação à prática do ato devido”, vieram Recorrer, da mesma em 9 de Dezembro de 2015 (Cfr. Fls. 245 a 249v Procº físico), aí tendo concluído:
“1) Não obstante os Mmos. Juízes a quo terem entendido dar como assente a sujeição do ato administrativo em apreço nos presentes autos a uma condição suspensiva (vide Factos Assentes C, D e G) olvidaram, no entanto, a existência de tal condição para efeitos da contagem do prazo de três meses (estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA) e convertido num prazo de 90 dias cfr. art.279, al. a) do Código Civil) para interposição de recurso hierárquico, pelo que o douto acórdão recorrido é nulo por violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código do processo Civil);
2) Na verdade, se a eficácia plena do ato sujeito a condição suspensiva só é possível mediante a verificação da condição a que o ato ficou sujeito, naturalmente que os efeitos de tal ato só existirão mediante a verificação dessa tal condição;
3) O que significa que, até ao momento da verificação da condição a que o ato ficou sujeito, não se poderá dele extrair qualquer efeito e, consequentemente, não poderão correr quaisquer prazos relacionados com o ato em causa;
4) É a própria lei, de resto, que expressamente dispõe, no n.º 1 do artigo 54.º do CPTA, que “os atos administrativos só podem ser impugnados a partir do momento em que produzam efeitos”.
5) No caso sub judice, estando o ato recorrido sujeito a condição suspensiva, o prazo para a interposição do recurso hierárquico contar-se-á, forçosamente, a partir do momento da notificação em que opera o evento condicionante.
6) O que significa que só a partir de 22.05.2013 (data da verificação da condição suspensiva) se começou a contar o referido prazo de três meses (convertido num prazo de 90 dias) que terminou a 07.10.2013, tendo em consideração a suspensão do referido prazo durante as férias judiciais (16.07.2013 a 31.08.2013), nos termos do artigo 144.º do CPC.
7) Assim sendo, à data de 04 de Outubro de 2013, data em que se considera interposto o recurso hierárquico visado nos autos, ainda não havia caducado o correspondente direito das Autoras, por não se mostrar esgotado o prazo para o seu exercício que só terminou no dia 07.10.2013.
8) Foram, deste modo, violados os artigos: 121.º, 127.º n.º 1, 129.º, al. b) do CPA e 59.º, n.º 1 do CPTA.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a sentença recorrida nos moldes acima referidos, e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí prosseguirem para apreciação da questão de fundo, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
O Recorrido/Município veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 3 de março de 2016, nas quais concluiu (Cfr. Fls. 277 a 287 Procº físico):
“A. O Acórdão recorrido não merece qualquer censura, tendo feito uma inatacável subsunção dos factos ao direito aplicável, não se verificando qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão ou qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
B. O recurso apresentado pelas Recorrentes encontra-se alicerçado num único argumento, o de que o tribunal a quo, não obstante ter entendido “dar como assente a sujeição do ato administrativo em apreço nos presentes autos a uma condição suspensiva (…)” olvidou “no entanto, a existência de tal condição para efeitos da contagem do prazo de três meses estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA (…) para interposição de recurso hierárquico.”
C. Quem parece aqui olvidar alguma coisa são as Recorrentes e não tribunal a quo, como aquelas alvitram, pois nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 54.º do CPTA, a circunstância de os atos administrativos só poderem ser impugnados a partir do momento em que produzam efeitos, como estabelecido no n.º 1 desse preceito, não exclui ”a faculdade de impugnação de atos que não tenham começado a produzir efeitos jurídicos quando: a) tenha sido desencadeada a sua execução; ou b) seja seguro ou muito provável que o ato irá produzir efeitos, designadamente por a ineficácia se dever apenas ao facto de o ato se encontrar dependente de termo inicial ou de condição suspensiva cuja verificação seja provável, nomeadamente por depender da vontade do beneficiário do ato. “
D. No caso sub judice, o ato impugnado ficou, efetivamente, sujeito à condição suspensiva de celebração das escrituras necessárias à obtenção da legitimidade dos Requerentes para a promoção da operação urbanística.
E. De todo o modo, e conforme resulta do n.º 2 do artigo 54.º do CPTA, tal ato era impugnável, na medida em que era absolutamente seguro que o mesmo iria produzir efeitos, em virtude de a ineficácia se dever apenas ao facto de aquele se encontrar dependente de condição suspensiva de verificação provável, se não mesmo certa, por depender da vontade do seu beneficiário.
F. Não deixa de ser curioso que sendo as próprias Autoras/Recorrentes as beneficiárias do ato e dependendo destas a verificação da condição suspensiva, mediante a celebração das aludidas escrituras, queiram estas agora – numa espécie de venire contra factum proprium - fazer-se valer desse facto para diferir o início do prazo de impugnabilidade do ato para um momento posterior à sua notificação, concretamente, fazendo-o coincidir com a ocorrência da dita condição suspensiva.
G. É notório que as Recorrentes, fazem uma leitura absolutamente parcial/incompleta do preceito em causa, daí resultando uma errada interpretação do mesmo e uma incorreta aplicação à factualidade em causa nos presentes autos.
H. Por conseguinte, haverá que concluir, tal como no acórdão recorrido, que tendo o ato em questão sido praticado em 24 de janeiro de 2013, bem como retificado a 9 de Maio de 2013, presumindo-se, por isso, notificado no dia 17 de Maio de 2013, o recurso hierárquico deveria ter sido interposto até ao dia 1 de Outubro de 2013 – descontado, naturalmente, o período de férias judiciais - o que não aconteceu.
I. “Assim sendo, à data de 4 de Outubro de 2013, data em que se considera interposto o recurso hierárquico visado nos autos, já havia caducado o correspondente direito de as Autoras o deduzirem por se mostrar esgotado o prazo para o seu exercício.”
J. Ademais, e ainda que não tenha sido esse o entendimento perfilhado pelo acórdão recorrido, não se computando na contagem do prazo de interposição do recurso hierárquico, o período das férias judiciais, como aventado em sede de contestação - uma vez que “os prazos do CPA, v.g. o prazo previsto no art. 168º-2 e no art. 58º-2-b, contam-se apenas como mandam os seus arts. 72º(13) e 73º, não relevando, logicamente, o disposto no art. 144º CPCivil, que rege para os procedimentos judiciais”- cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 6.12.2012, Processo 09157/12 - e admitindo-se, no limite, que as Autoras apenas são definitivamente “notificadas” do ato em apreço, a 24.5.2013, aquando da ocorrência da condição suspensiva a que o ato estava sujeito, pela realização da escritura de permuta, o prazo de interposição de recurso hierárquico terminava no dia 1 de Outubro de 2013.
K. De uma maneira ou de outra, portanto, é forçoso concluir pela não verificação dos pressupostos da pretendida condenação à prática do ato devido, a qual deverá ser confirmada, pelo tribunal ad quem, com a consequente absolvição do Réu, aqui Recorrido, da instância.
L. Finalmente, caber referir que as Recorrentes, em bom rigor, se conformaram com o ato impugnado, tanto que vieram, de facto, a realizar as escrituras cuja celebração havia sido imposta como condição suspensiva desse ato, o que, s.m.o, sempre determinará, nos termos do disposto no artigo 56.º do CPTA, a inimpugnabilidade desse ato.
M. O recurso interposto mostra-se, assim, absolutamente desprovido de fundamento, devendo, por conseguinte, ser-lhe negado provimento.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso interposto ser julgado improcedente, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!”
O Recurso apresentado veio a ser admitido por Despacho de 31 de março de 2016 (Cfr. Fls. 304 a 305v Proc.º físico).
O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado em 1 de junho de 2016 (Cfr. Fls. 312 Procº físico), veio a emitir Parecer em 7 de junho de 2016 (Cfr. Fls. 313 a 315 Procº físico), no qual conclui no sentido de que “(…) deve revogar-se o acórdão recorrido, concedendo-se provimento ao recurso”.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir, designadamente, a suscitada deficiente contagem do prazo para impugnação do controvertido ato, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
Consta da decisão proferida a seguinte factualidade (Cfr. Fls. 224 a 233 Procº físico):
“A. Aos 27 dias do mês de Dezembro de 1966 foi celebrada escritura pública entre os herdeiros de António Costa Fontes e o Município do Porto com vista ao “arranjo urbanístico de várias parcelas de terreno que possuem nas freguesias de Aldoar e Nevogilde”, de harmonia com as “Condições Gerais de Execução do «Plano parcial de Urbanização de Parcelas de Terrenos sitas em Aldoar e Nevogilde”, aprovadas pelo Município, conforme resulta da análise de fls. 30 a 60 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido,
B. Por escrituras públicas celebradas em 9 de Novembro de 1988, em 22 de Novembro de 2000, e 29 de Novembro de 2000, as sociedades “RF I..., Administração e Serviços, SA” e “C... – Empreendimentos Imobiliários SA, adquiriram, em partes iguais, os imóveis abrangidos pelo “arranjo urbanístico”, conforme resulta da análise de fls. 80 a 104 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
C. Em 24 de Janeiro de 2013, o Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade, defere o pedido efetuado de “licenciamento da alteração à operação de loteamento com obras de urbanização” formulado por aquelas, conforme resulta da análise de fls. 109 a 121 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
D. O ato foi sujeito à condição suspensiva de “celebração das escrituras a efetuar com a Câmara Municipal do Porto, necessárias à obtenção da legitimidade dos Requerentes para a promoção desta operação urbanística e da área resultante do correspondente levantamento topográfico” [cfr. ut supra].
E. Em 9 de Maio de 2013 foi proferido despacho de retificação do despacho referido em «C», por “imprecisão”, corrigindo-se a área a ceder de 1.989,90m2 para 1.759,80 m2, ceteris paribus, conforme resulta da análise de fls. 133 a 135 dos autos, cujo teor se dá como reproduzido.
F. Em 14 de Maio de 2013 foi remetido às Autoras o ofício com o NUD I/85943/13/CMP, com vista à notificação do ato constante do ponto «E», conforme fls. emerge da análise de fls. 2373 do volume 12 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
G. Em 22 de Maio de 2013 foi celebrada a escritura pública entre as Autoras e o Município do Porto a que se refere o ponto «D», conforme resulta da análise de fls. 122 a 132 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido,
H. Em 4 de Outubro de 2013 as Autoras apresentaram junto do Plenário da Câmara Municipal do Porto Recurso Hierárquico do despacho do Sr. Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade, proferido a 24/01/2013 e retificado a 9 de Maio, conforme resulta da análise de fls. 16 a 27 cujo teor se dá por reproduzido.
I. Em 21 de Outubro de 2013 foi emitido o competente alvará referente à operação urbanística, conforme resulta da análise de fls. 140 a 148 cujo teor se dá por reproduzido.
J. A presente ação deu entrada neste Tribunal em 15.11.2013, conforme carimbo aposto no rosto da petição inicial.
K. Dá-se por reproduzido todo o teor dos documentos que integram os autos [inclusive o PA apenso].”
IV – Do Direito
Importa agora analisar e decidir o suscitado.
No que ao “direito” concerne, e no que aqui releva, expendeu-se em 1ª instância:
“Expostas as considerações pertinentes, nos termos em que as mesmas se encontram desenhadas nas respetivas peças processuais, vemos nelas a necessidade de responder às seguintes questões:
Em primeiro lugar, saber se o recurso hierárquico interposto pelas Autoras o foi de forma extemporânea, e em caso afirmativo, determinar se impedia [ou não] sobre o Réu o dever legal de decidir.
Em segundo lugar, em face da resposta dada à primeira questão, apurar se se mostram preenchidos os legais requisitos de que depende o direito de lançar mão do presente meio processual, e, em caso negativo, determinar quais consequências jurídicas de tal.
Vejamos detalhadamente cada destes pontos.
Sobre o primeiro ponto cabe notar, desde logo, que se mostra provado que, em 9 de Maio de 2013, foi proferido despacho de retificação do despacho referido em «C», por “imprecisão”, corrigindo-se a área a ceder de 1.989,90m2 para 1.759,80 m2.
Cabe ainda notar que se encontra demonstrado que, em 14 de Maio de 2013, foi remetido às Autoras o ofício com o NUD I/85943/13/CMP, com vista à notificação do ato constante do ponto «E».
Finalmente, mais cabe notar que se encontra provado que, em 4 de Outubro de 2013, as Autoras apresentaram junto do Plenário da Câmara Municipal do Porto Recurso Hierárquico do despacho do Sr. Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade, proferido a 24.01.2013 e retificado a 9 de Maio.
Ora, quanto ao prazo de interposição do recurso hierárquico facultativo, dispõe o n° 2 do artigo 168° que o prazo é o estabelecido para a interposição de recurso contencioso de anulação, o que, face à atual lei de processo administrativo, deve ler-se ação administrativa especial.
Será este o prazo a considerar para efeitos de tempestividade da impugnação administrativa, e não o prazo de 30 dias previsto no n° 1 do mesmo artigo 168° do CPA, na medida em que o n° 1 dispõe para o recurso hierárquico necessário, enquanto o n° 2 dispõe para o facultativo.
Ora, não obstante o facto de o CPTA ter acabado com o pressuposto do ato verticalmente definitivo para efeitos de impugnação contenciosa, sendo agora a regra a da mera eficácia externa do ato [cfr. artigo 51° do CPTA], o certo é que se mantém a dualidade de recursos hierárquicos — necessários e facultativos — não obstantes aqueles terem natureza residual [neste sentido, MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Atividade Administrativa, Tomo III, Dom Quixote, 2007, pág.217].
Deste modo, somos conduzidos para a alínea b) do n° 1 do artigo 58° do CPTA, que estabelece um prazo de três meses para a impugnação de atos anuláveis, prazo que se conta nos termos do disposto no artigo 59° do mesmo diploma legal, ou seja, por regra, a partir da data da notificação.
Assim, de acordo com os factos considerados assentes, o ato em questão foi praticado em 24 de Janeiro de 2013, bem como retificado a 09 de Maio, e notificado em 14.05.2013, presumindo-se, por isso, notificado no dia 17.05.2013, pelo que o recurso hierárquico deveria ter sido interposto até ao dia 01 de Outubro de 2013, o que não aconteceu.
Na verdade, tendo presente que o prazo estabelecido é de 3 meses, que se iniciou em 17.05.2013, e que no decurso da contagem do prazo ocorrem as férias judiciais do Verão, torna-se necessário converter esse prazo de 3 meses num prazo de 90 dias [cfr. º 279.º, al. a), do Código Civil].
Assim também o entendeu o Colendo STA, no aresto tirado no processo nº. 0703/07, de 8.11.2007, disponível no site www.dgsi.pt.
Assim sendo, à data de 04 de Outubro de 2013, data em que se considera interposto o recurso hierárquico visado nos autos, já havia caducado o correspondente direito das Autoras o deduzirem, por se mostrar esgotado o prazo para o seu exercício, que terminou no dia 01 de Outubro de 2013.
De resto, não se compreende a alegação das Autoras quando advogam que, em 04.10.2013, “(…) ainda era possível impugnar judicialmente o ato administrativo – dado que o prazo de 3 meses previsto no artigo 58º, nº.2 , alínea b) do CPA, se suspendeu durante as férias judiciais (16.07.2013 a 31.08.2013), nos termos do artigo 144º do CPC (…)”.
Realmente, as Autoras laboram em alguma confusão nesta matéria.
É que, como está bom de ver, na contagem do aludido prazo de três meses, já se teve em conta o invocado período de férias judiciais, caso contrário o prazo terminaria, não em 01.10.2013, mas sim em 19.08.2013.
E não se invoque o disposto no nº.4 do artigo 59º do CPTA, pois não vislumbra [nem sequer foi alegada] a existência de qualquer situação ou conduta por parte da Administração que tenha induzido em erro as Autoras, nela gerando a falsa expectativa da desnecessidade ou inconveniência da apresentação em tempo oportuno da petição de recurso hierárquico.
É, pois, é de concluir que a interposição do recurso hierárquico visado nos autos a intentar teria de respeitar o prazo de três meses a contar da notificação do ato, por força do disposto no artigo 58º nº 2, al. b) do CPTA, sob pena de extemporaneidade, o que não aconteceu no caso dos autos.
Sendo extemporâneo, não impedia sobre a Administração o dever legal de o decidir, e daí que a sua omissão de pronúncia não confira ao interessado a faculdade de presumir o indeferimento do recurso hierárquico.
Na verdade, só há dever legal de decidir quanto aos meios impugnatórios que sejam permitidos por lei e dentro dos termos impostos por esta.
Resolvida que está a primeira questão decidenda, vejamos agora se se mostram preenchidos os legais requisitos de que depende o direito de lançar mão do presente meio processual, e, em caso negativo, determinar quais consequências jurídicas de tal.
A ação administrativa especial, como é consabido, pode ser pedida sempre que, tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir, i) não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido [cfr. alínea a) do nº.1 do artigo 67º do CPTA], e/ou ii) tenha sido recusada a prática do ato devido [cfr. alínea b) do nº.1 do artigo 67º do CPTA, e/ou iii) tenha sido recusada a apreciação do requerimento dirigido à prática do ato [cfr. alínea c) do nº.1 do artigo 67º do CPTA].
No caso sujeito, estamos perante uma AAE de condenação à prática de ato legalmente devido baseada numa suposta omissão do dever de decisão do Réu no tocante ao recurso hierárquico interposto pela Autora [cfr. alíneas a) do nº.1 do artigo 67º do CPTA].
Ora, perante os factos apurados, não pode considerar-se que, à data da propositura da presente ação, tenha havido omissão de qualquer dever de decisão por parte do Réu relativamente ao recurso hierárquico visado nos autos.
Na verdade, como já vimos, sendo extemporânea a interposição do recurso pelas Autoras, não impedia sobre a Administração o dever legal de o decidir.
Deste modo, não se pode concluir que haja sido ilegalmente omitido ou recusado ato administrativo na sequência da interposição do recurso hierárquico pelas Autoras.
Desta feita, e sopesando que a situação descrita nos autos não é subsumível nas demais hipóteses previstas no citado artigo 67º do CPTA, impera concluir que não se mostram verificados os pressupostos processuais de que depende a possibilidade legal das Autoras lançarem mão do meio processual utilizado, constituindo, desta forma, exceção dilatória inominada, abrangida pelo princípio da oficiosidade do conhecimento.
Mercê do exposto, impõe-se absolver o Réu da instância, sendo que, em face de julgamento, fica prejudicado o conhecimento de outras questões: art. 608º n.º 2 do C.P.C.”
Vejamos:
Sem prejuízo, naturalmente, dos factos dados como provados, mas para permitir uma mais eficaz visualização do que aqui se mostra controvertido, infra se esquematizarão cronologicamente as datas mais relevantes para a apreciação que se fará:
a) 24 de Janeiro de 2013 – É deferido o pedido de licenciamento, sujeito à condição suspensiva da celebração da escritura;
b) 9 de Maio de 2013 - é proferido despacho de retificação do anterior despacho;
c) 14 de maio de 2013 – foi remetido ofício de notificação do precedente ato;
d) 22 de maio de 2013 - Foi celebrada escritura;
e) 4 de outubro - É apresentado Recurso Hierárquico do despacho retificado em 9 de maio;
f) 15 de novembro de 2013 – Entrada em juízo da presente Ação.
Estabelece o artigo 51.º, do CPTA que, ainda que inseridos num procedimento administrativo, são judicialmente impugnáveis os atos administrativos com eficácia externa e, em especial, aqueles cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros.
Tal como refere Mário Aroso, “o elemento decisivo da noção de ato administrativo impugnável é a eficácia externa” (in «O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos», Almedina, Coimbra, fevereiro 2003, p. 117 e seguintes).
Aqui chegados, refira-se, em síntese, que os atos administrativos impugnáveis consubstanciam-se em atos com efeitos externos, lesivos de direitos ou interesses legítimos dos interessados, com exclusão daqueles que sejam meramente instrumentais, como serão os atos preparatórios, complementares, operações materiais ou jurídicas de execução de atos administrativos.
Neste sentido já reiteradamente este tribunal se pronunciou, designadamente em Acórdão de 20/09/2007, no Processo n.º 01503/05.6BEPRT, no qual se refere que "no âmbito do CPTA, ato administrativo impugnável é ato dotado de eficácia externa, atual ou potencial, neste último caso desde que seja seguro ou muito provável que o ato irá produzir efeitos; A lesividade subjetiva constitui mero critério, mas talvez o mais importante de aferição de impugnabilidade do ato administrativo, coloca a sua impugnabilidade sob a alçada da garantia constitucional, e confere ao recorrente pleno interesse em agir”
Correspondentemente, o n.º 1 do art.º 51.º, do CPTA estatui o princípio geral da impugnabilidade dos atos administrativos com eficácia externa, especialmente daqueles cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
Por outro lado, os n.ºs 4 e 5, do art.º 59.º do CPTA enunciam que “a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo (...)” e que “a suspensão do prazo prevista no número anterior não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa do ato na pendência da impugnação administrativa, bem como de requerer a adoção de providências cautelares”.
Resulta assim do CPTA então em vigor, um regime que conferia ao interessado a possibilidade de cumular as prerrogativas da impugnação administrativa hierárquica e do potencial recurso à via judicial.
Em qualquer caso, a regra da impugnação administrativa prévia, para efeitos de recurso à via judicial, apenas ocorre no caso de a lei prever expressamente a impugnação administrativa necessária, por via dos recursos hierárquicos necessários.
No que concerne ao Recurso Hierárquico facultativo, que é o que aqui está em causa, o ato de 1.º grau terá desde logo eficácia externa em função da sua imediata e potencial suscetibilidade de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
Neste sentido apontaram, designadamente, os Acórdãos do TCAN de 02/07/2009, no Procº n.º 00708/07BECBR e do TCAS, de 03/12/2009, no Procº n.º 04122/08 e de 27/03/2008, no Procº n.º 03297/07.
Com efeito, é manifesto que a situação em apreciação não configura uma situação de recurso hierárquico necessário, mas de mero recurso hierárquico facultativo.
Objetivemos:
O regime aplicável quanto aos prazos de interposição de Ações mostrava-se explícito dos artigos 133.º e 135.º, do anterior CPA.
Assim, do referido regime resultava do seu Artº 58.º do CPTA, o seguinte:
a) Quanto aos atos nulos e inexistentes - a todo o tempo (n.º 1);
b) Relativamente ao Ministério Público - o prazo de um ano [n.º 2, al. a)];
c) Quando a conduta da Administração tiver induzido o interessado em erro, quando o atraso deva ser considerado desculpável ou quando se ter verificado uma situação de justo impedimento - o prazo de um ano [n.º 4, alíneas a), b) e c)];
d) nos restantes casos - três meses [n.º 2, al. b)].
Do referido artigo 58.º decorre que os atos administrativos que enfermam de mera anulabilidade só poderão ser impugnados, em regra, no prazo de três meses.
Relativamente à contagem de prazos refere ainda o artigo 72.º, do anterior CPA, que:
“1 - À contagem dos prazos são aplicáveis as seguintes regras:
a) Não se inclui na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
b) O prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades e suspende-se nos sábados, domingos e feriados;
c) O termo do prazo que caia em dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o ato não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
2 - Na contagem dos prazos legalmente fixados em mais de seis meses incluem-se os sábados, domingos e feriados”.
Decorre ainda do Acórdão deste TCAN nº 00298/10.6BEMDL de 18-12-2015 que “Resulta do artigo 58.º nº 2 do CPTA que os atos administrativos que enfermam de mera anulabilidade podem ser impugnados, em regra, no prazo de três meses, a contar da data da notificação do ato a impugnar.
A contagem do prazo de três meses, estabelecido no art. 58, n.º 2, al. b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) para a impugnação de atos administrativos, quando esse prazo abranja período correspondente a férias judiciais é contínuo, mas suspende-se durante as férias judiciais.
Assim, quando o prazo abranja período em que decorram férias judiciais, deve o referido prazo de três meses ser convertido em 90 dias, para efeito da suspensão imposta pelo artigo 138.º, números 1 e 4 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 58.º, número 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.
Decorre assim do entendimento firmado na doutrina e na jurisprudência, que o prazo de três meses, previsto no artigo 58.° do CPTA, se deve considerar um prazo de noventa dias, por aplicação do disposto no artigo 279.°, al. a) do Código Civil, se e quando ocorrer a necessidade de contabilizar a suspensão decorrente do período de férias judiciais.
Neste sentido se pronunciaram também e designadamente Mário Aroso e Carlos Cadilha, defendendo que “ tal não deverá impedir que, nos casos em que não haja lugar à suspensão do prazo, este se conte de data a data, segundo o disposto no artigo 279.°, alínea a), do Código Civil, terminando no dia que corresponde, dentro do terceiro mês, à data do termo inicial do prazo” (in «Comentários ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos», 3.ª edição revista, Almedina, 2010, página 389, nota 392).
No entanto, mais referem aqueles autores que “(...) Deve, entretanto, entender-se que a suspensão do prazo nas férias judiciais transforma o referido prazo de três meses no prazo de 90 dias para o efeito de nele serem descontados os dias de férias judiciais que eventualmente fiquem abrangidos (...)” (in obra cit., pág. 388).
No mesmo sentido se pronunciam Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, ao afirmarem que “(...) É evidente, por último, que a conversão de meses em dias só vale para contagem daqueles prazos que devam suspender-se por força do início de férias judiciais, não para qualquer outro que corra ininterruptamente (...)”. (in «Código de Processo nos Tribunais Administrativos», Almedina, 2004, Volume I, pág. 382).
Igualmente, em idêntico sentido, alude-se ao Acórdão do Colendo STA, de 08/11/2007, no Recurso n.º 0703/07, que “(...) A questão jurídica essencial a decidir consiste em saber como deve efetuar-se a contagem do prazo de três meses, estabelecido no art. 58, n.º 2, al. b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) para a impugnação de atos administrativos, quando esse prazo abranja período correspondente a férias judiciais”.
(…) Assim, conforme o regime legal exposto, o referido prazo de três meses, para o exercício do direito de ação, é contínuo, mas suspende-se durante as férias judiciais.
Todavia, as férias judiciais correspondem a dias e não a meses. Pois que, nos termos do art. 12.º, da Lei 3/99, de 13.1 (red. Lei 42/2005, de 29.8), «decorrem de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro, de domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 1 a 31 de Agosto».
“Daí a dificuldade, suscitada pela questão a decidir, decorrente da impossibilidade de se subtraírem dias a meses (a prazos de meses).
“(...) Cabe notar, por fim, que esta solução, de converter em dias o referenciado prazo de impugnação, de 3 meses, quando abranja período de férias judiciais, é a que permite viabilizar a imposição legal de suspensão daquele prazo não só nas férias judiciais de Verão como também nas de Natal e de Páscoa. O que assegura, como é desejável, o estabelecimento de um critério de interpretação idêntico, para qualquer das situações em que se suscita idêntica dificuldade de compatibilização daquele prazo, fixado em meses, com os prazos fixados em dias”.
Também no Acórdão deste TCAN, de 29/11/2007, no Processo n.º 00760/06BEPNF, se refere que “Quando abranja período em que decorram férias judiciais, deve o referido prazo de três meses ser convertido em 90 dias, para efeito da suspensão imposta pelo artigo 144.º, números 1 e 4 do Código de Processo Civil, aplicável por força do citado artigo 58.º, número 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.
A apresentação do Recurso Hierárquico determina pois que o prazo para apresentação da impugnação judicial fique suspensa.
Importa agora, em função de tudo quanto precedentemente ficou dito, verificar qual o termo inicial relevante para a contagem do prazo aplicável.
Desde logo, refere o n.º 1 do artigo 127.º do CPA que “o ato administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado, salvo nos atos em que a lei ou o próprio ato lhe atribuam eficácia retroativa ou diferida”.
Por outro lado, nos termos do artigo 121.º do CPA “os atos administrativos podem ser sujeitos a condição, termo ou modo, desde que estes não sejam contrários à lei ou ao fim a que o ato se destina.”
Na situação controvertida, a eficácia do ato administrativo em questão foi reconhecidamente diferida para momento ulterior à sua prática, aquando da celebração da escritura, circunstância que não foi atendida pelo tribunal a quo.
Sintomaticamente, é o próprio artigo 54.º, n.º 1, do CPTA, que refere que “os atos administrativos só podem ser impugnados a partir do momento em que produzam efeitos”.
Como se decidiu no Acórdão do Colendo STA, nº 0968/06 de 22.03.2007 “Simplesmente, quando assim prescreve está obviamente a referir-se à notificação de um ato normalmente dotado de plena eficácia, como acontece, por via de regra, com todos os atos (art. 127.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPA). Não podia, neste sentido, estar a comprometer um ato que ainda não era plenamente eficaz devido à falta de um fator ligado à existência de uma condição suspensiva”.
A eficácia de um ato só se alcança com a verificação da condição, sendo que, só a partir desse momento se poderá considerar tal ato como plenamente eficaz, designadamente para efeitos de consideração do termo inicial do prazo de caducidade.
Como lapidarmente se sumariou no Acórdão do Colendo STA nº 025686, de 28-05-1991, aqui necessariamente aplicado mutatis mutandis, “Estando o ato recorrido sujeito a condição suspensiva, o prazo para a interposição do recurso contencioso conta-se a partir do momento da notificação em que opera o evento condicionante”.
Igualmente com relevância para a apreciação da presente questão, sumariou-se no Acórdão do STA nº 0968/06, de 22-03-2007 que “é certo que a lei diz que o prazo de um ano para a produção da caducidade da deliberação se começa «a contar da sua notificação» (artº 14º, nº 1, cit. DL nº 448/91). Simplesmente, quando assim prescreve está obviamente a referir-se à notificação de um ato normalmente dotado de plena eficácia, como acontece, por via de regra, com todos os atos (artº 127º, nº 1, 1ª parte, do CPA). Não podia, neste sentido, estar a comprometer um ato que ainda não era plenamente eficaz devido à falta de um fator ligado à existência de uma condição suspensiva. Se a eficácia plena só se atinge com o ato que verifica a existência da condição, parece lógico depreender que todos os efeitos do ato só a partir de então se começam a extrair, designadamente para o da contagem do prazo de caducidade.”
Mostra-se assim patente que o prazo de 3 meses para a impugnação de atos anuláveis, previsto na al. b), do n.º 1 do art. 58.º do CPTA, convertido em 90 dias, só começa a correr, no caso, com a verificação da condição suspensiva, consubstanciada na realização da escritura, cuja efetivação ocorreu em 22 de maio de 2013, o que determina que o correspondente prazo só terminaria a 07.10.2013, atento o decurso das férias judiciais.
Assim, quando o controvertido Recurso Hierárquico foi apresentado em 4 de outubro de 2013, ainda não havia decorrido integralmente o prazo aplicável, o qual só terminaria em 7 de outubro de 2013.
* * * Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso interposto, declarando-se a inverificação da questão prévia que determinou a absolvição do Réu da instância, mais se determinando a baixa dos autos à 1ª instância para que aí possa ser retomada a sua emergente tramitação, se a tal nada mais obstar.
Custas pela Entidade Recorrida
Porto, 23 de setembro de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia |