Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00044/12.0BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/15/2022
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA; ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA;
ARTIGO 23º DO CIRC; DEDUTIBILIDADE DE GASTOS;
ENCARGOS FINANCEIROS; CESSÃO DE CRÉDITOS;
Sumário:I. A omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr. artigo 608º, n.º 5 CPC e 125º, n.º 1 do CPPT).

II. O dever de fundamentação da sentença abrange realidades distintas (mas conexas) que incluem a fixação dos factos provados e não provados, a respectiva fundamentação de direito e a explicitação das razões pelas quais o julgador considerou provado determinado facto.

III. Apenas a falta absoluta de análise critica da prova fundamentação é causa de nulidade da sentença, mas já não a que decorre de uma análise medíocre, mas ainda assim inteligível, a qual a ocorrer se insere no âmbito do erro de julgamento de direito assacado.

IV. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respectiva indispensabilidade de um gasto para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” – art. 23.º do CIRC;

V. Se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à ATA o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a Fazenda Pública questionar essa indispensabilidade (cfr.artºs.74, nº.1, e 75, nº.1, da L.G.T.).

VI. Demonstrada suficientemente pela AT a desconexão fáctica e económica dos gastos com a organização e fim preconizado pela empresa, compete ao sujeito passivo apresentar uma explicação acerca da “congruência económica” desses gastos;

VII. Não tendo logrado tal prova, nos termos do artigo 23° do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com encargos financeiros contraídos por uma sociedade que consentaneamente financiou gratuitamente outra empresa.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública (Recorrente) notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, pela qual foi julgada totalmente procedente a impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 2008, acrescida de juros, no valor global de € 31.498,78, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1 - Nos presentes autos veio a A. reagir contra o despacho de indeferimento, proferido no seio de reclamação graciosa n.º ...44, que deduziu e, de forma mediata, contra a liquidação adicional de IRC relativa ao ano 2008, acrescida de juros, no valor global a pagar de 31.498,78 euros;
2 - A Mm.ª Juíza do Tribunal a quo julgou totalmente procedente a impugnação, nos autos identificados supra, determinando a anulação da supra referida liquidação;
3 - Com todo o respeito pela douta decisão, que é muito, entende esta Representação da Fazenda Pública (RFP) que existiu erro na apreciação da prova, bem como erro de interpretação e subsunção dos factos e do direito efetuada pelo Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, na análise efetuada, e que conduziu à decisão por tal procedência do pedido, pelos motivos que exporemos infra;
4 - No caso sub judice, constata-se que os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) consideraram que a contabilização de custos financeiros, no montante de € 108.127,05, não eram fiscalmente aceites, por não concorrerem para a formulação de proveitos ou ganhos do exercício;
5 - É indubitável que, em regra, todos os custos em que incorre uma sociedade serão relevados na determinação do seu lucro tributável, tanto mais que, por imperativo constitucional a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real;
6 - Todavia, o legislador, na ponderação de motivos que considerou relevantes, que se prendem com os fins extrafiscais prosseguidos pelo Direito Fiscal, com os princípios da legalidade fiscal e da segurança jurídica, bem como com o princípio da soberania fiscal e com fins de prevenção e combate à evasão fiscal, não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais, adotando um modelo que, tomando como ponto de referência as normas contabilísticas e o resultado contabilístico, sujeita-o a ajustes extra-contabilísticos para cumprimento das normas fiscais, considerando que só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável “os [gastos] que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.;
7 - O art.º 23º do Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Coletivas (CIRC), na redação vigente à data, reportava-se aos gastos que podiam ser tidos em conta para efeitos de tributação em sede de IRC, englobando uma cláusula geral de acordo com a qual “consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, prevendo, posteriormente, um elenco de gastos que se enquadram dentro da referida cláusula geral, incluindo, ainda, a previsão de gastos que não são aceites para efeitos de tributação em IRC;
8 - De acordo com este normativo só deverão ser aceites os gastos essenciais ao processo produtivo e à obtenção de proveitos, sendo considerados gastos indispensáveis os que são realizados no interesse da empresa e que contribuem para a obtenção do lucro de forma direta ou indireta. O requisito da indispensabilidade dos custos deve ser aqui aferido por critérios de racionalidade económica, devendo ser determinado de acordo com aquilo que é considerado útil e inevitável para a realização dos proveitos ou a manutenção da fonte produtora da empresa;
9 - Será de entender, ainda, que o legislador pretendeu que fosse permitida a dedução de gastos que diretamente se relacionassem com a prossecução do fim empresarial, isto é, a sustentabilidade e estabilidade empresarial e consequente produção de lucro, sendo os gastos realizados na prossecução deste objetivo primordial que serão tidos em conta pelo art.º 23º do CIRC;
10 - Atendendo a que o referido artigo não exige apenas que os gastos sejam indispensáveis mas sim “que comprovadamente sejam indispensáveis”, é legítimo que a autoridade tributária exija ao empresário que esteja em condições de comprovar não só a existência desses gastos, como também de comprovar a sua indispensabilidade para realização do rendimento ou para manutenção da fonte produtora;
11 - A relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial” [Ac. Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 2004-11-16, proferido no proc. ...4];
12 - Assim, no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar fundadamente essa indispensabilidade. E compreende-se que assim seja, pois o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveito;
13 - “(...) Se a AT questionar validamente a indispensabilidade de certa despesa, o contribuinte tem o ónus de esclarecer essas dúvidas. (...) já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade” [Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 2016-02-11, no proc.º 00080/03-Porto];
14 - Tendo o Tribunal Central Administrativo Sul, no seu acórdão de 2021-06-09, proferido no proc.º 9333/16.3BCLSB, entendido que 1. O custo é dedutível fiscalmente se estiver comprovado e for indispensável para a realização dos proveitos. 2. A indispensabilidade não se refere à necessidade (...), nem sequer à conveniência (...), mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, visando direta ou indiretamente, a obtenção de lucros. 3. Todo o gasto que se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não é indispensável.”;
15 - No caso em análise, afigura-se que a AT demonstrou, como lhe competia, quais as razões que fundamentavam a sua convicção de que o gasto (contabilização de custos financeiros no montante de € 108.127,05) não se mostrava indispensável para a realização dos proveitos, descrevendo diversos factos que, séria e consistentemente, o evidenciavam;
16 - Razões essas pormenorizadamente descritos no RIT, e que se consideram aqui, para todos os efeitos, devidamente reproduzidas, salientando, no entanto, as seguintes:
- Com exceção do exercício fiscal de 2005, a A. não procedeu ao débito de encargos financeiros junto da sociedade F..., lda, associados ao crédito concedido a esta última, cujas condições se encontram vertidas nos pontos 1.1.1 e 2.1.1 do RIT;
- A sociedade F..., Lda , com o NIPC ..., cujos sócios e elementos de gerência são comuns à A. apresentava um saldo devedor ao longo do exercício fiscal de 2008, referindo-se o mesmo a movimentos efetuados nesse exercício e em exercícios anteriores, situação de devedora que se mantinha há alguns anos, vindo o respetivo saldo a ser incrementado exercício após exercício;
- Tais movimentos, de caráter estritamente financeiro encontram-se maioritariamente realizados no âmbito de um contrato quadripartido celebrado em 2004.07.06, no qual a A. cedeu à F..., Lda, um crédito que detinha sobre a S... SA NIPC ..., permitindo que a F... Lda efetuasse a liquidação parcial uma dívida que tinha para com o seu fornecedor S... SA;
- No mesmo contrato, a A. aceitou ainda ceder à F... lda quaisquer créditos futuros que venha a deter dobre a S... SA;
- Procedeu-se ao levantamento exaustivo dos movimentos de carater estritamente financeiro, relacionados exclusivamente com os valores monetários concedidos pela A..., Lda. a título de empréstimo, à F... Lda, substanciados em depósitos efetuados pela A..., Lda. nas contas à ordem da F..., Lda e em pagamentos, nomeadamente, impostos, que esta ultima tinha em divida;
- verificando-se que, relativamente aos financiamentos concedidos, não se encontra definido o seu prazo de restituição nem o correspondente serviço de dívida;
- No decorrer do exercício fiscal de 2008, os saldos devedores sofreram um forte incremento, por força dos movimentos financeiros efetuados no âmbito das notas de débito n.º ...08, ...08 e ...08, emitidas pela A..., Lda., em 2008-10-15, 2008­10-15 e 2008-12-18, pelos valores de € 283.523,90, € 209.800,53 e € 6.593,50;
- Assim sendo, verifica-se que a A..., Lda., no decurso do exercício fiscal de 2008, apresenta um crédito de carater meramente financeiro, sobre a F..., Lda (substanciado pelos saldos e movimentos contabilísticos o qual assume a forma de conta corrente, na medida em que não se encontra determinado para o mesmo o seu prazo de utilização;
- A matéria coletável apurada e declarada, tem vindo ao longo dos diversos exercícios fiscais (2003 a 2008) a ser influenciada pela assunção de custos financeiros adstritos a financiamento efetuados junto de diversas instituições financeiras. Tendo em vista uma análise circunstancial da estrutura e substancia material desses mesmos custos, foi elaborado um quadro (anexo XV ao RIT), no qual se procede à análise da evolução da estrutura dos custos financeiros ocorrida entre os exercícios fiscais de 2003 a 2008;
- Com se pode aferir pela análise do referido quadro, os encargos líquidos com juros revelam-se, nos exercícios fiscais de 2006, 2007 e 2008, de elevada expressão material, circunstância que resulta do elevado volume de financiamento bancário realizado nesses mesmos exercícios;
- Atendendo ao valor do crédito concedido à F..., Lda, e comparando-o com o montante dos empréstimos bancários obtidos, no triénio de 2006 a 2008, verifica-se que a A. tem suportado nesses exercícios fiscais encargos financeiros com origem em empréstimos bancários, para responder à falta de liquidez da F..., e não para fazer face a eventuais necessidades de tesouraria geradas no âmbito no normal funcionamento da sua atividade comercial;
- Em todos os exercícios fiscais em discussão (2006 a 2008) o valor concedido é superior ao crédito obtido junto das Instituições bancárias;
- A assunção na contabilidade de custos financeiros destinados a financiar uma entidade terceira, sem que tal resulte a sua devida repercussão junto dessa ultima, tem como consequência, o influenciar do resultado fiscal do exercício por via da consideração de custos financeiros que por força do art.º 23º, n.º 1 não são suscetíveis de concorrer para a formulação do resultado tributável.
17 - Concluindo que a assunção de custos financeiros destinados a financiar uma entidade terceira, sem que de tal resulte a sua devida repercussão junto desta ultima, tem como consequência, o influenciar do resultado fiscal do exercício por via da consideração de custos financeiros que por força do art.º 23º do CIRC não são suscetíveis de concorrer para a formulação do resultado tributável;
18 - Ora, face ao exposto supra, afigura-se que a AT demonstrou, fundadamente, os motivos pelos quais tais custos deveriam ser desconsiderados, passando a A a ter o ónus da prova de que os custos foram, por ela e pelas razões que apontou, considerados indispensáveis à obtenção dos proveitos;
19 - No entanto, nem em sede de procedimento inspetivo, nem no âmbito da impugnação, a A. demonstrou essa indispensabilidade, fornecendo os necessários elementos, não demonstrando, desde logo, que os referidos financiamentos visavam, efetivamente, colmatar dificuldades de tesouraria da A., e que tais custos foram suportados, de facto, no exclusivo interesse da A., e não de terceiro;
20 - Tal prova deveria ser, de resto, especialmente inequívoca, uma vez que dever-se-ia demonstrar, não só que tais créditos bancários contraídos foram destinados às mencionadas e alegadas dificuldades de tesouraria, como haveria ainda de demonstrar que os empréstimos sucessivamente efetuados à F... Lda não eram aptos a criar, por si, ou em sua consequência, essas dificuldades de tesouraria, com a sequente necessidade de recurso ao crédito, por parte da A.;
21 - Cabendo-lhe assim, demonstrar que os empréstimos sucessivamente efetuados à F... Lda não foram causa imediata ou mediata da necessidade de recurso ao crédito bancário, por parte da A., tendo em vista o financiamento imediato da F... Lda, ou a supressão de dificuldades de tesouraria, originadas de forma mediata pelos empréstimos concedidos àquela sociedade;
22 - Acresce, ainda, que os encargos financeiros de uma sociedade, decorrentes de suprimentos e prestações suplementares efetuados a empresas associadas de forma gratuita não podem ser considerados como custos fiscalmente dedutíveis por não serem indispensáveis para a realização de proveitos da recorrente sujeitos a imposto ou para a sua manutenção como fonte produtora dos mesmos nos termos do artigo 23 do CIRC na redação vigente à data dos factos, quando a sociedade que os suporta não seja uma SGPS ou não esteja abrangida pelo regime de tributação de grupos de sociedade (cfr. entre outros, Ac. do STA, de 2017-04-19, proferido no proc.º 0925/16;
23 - Assim, face ao exposto supra, será de concluir que a situação fáctica indicia fortemente que os referidos encargos financeiros terão sido suportados pela A. na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com interesse desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa, pelo que se encontra plenamente fundada e justificada a dúvida da inserção no interesse societário dos referidos custos;
24 - Assim sendo, passaria a impender sobre a A. o ónus de prova de que tais custos se inseriam no respetivo escopo societário, e que constituíam efetivamente gastos indispensáveis para a realização dos proveitos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora, o que não logrou fazer;
25 - Assim sendo, é forçoso concluir que tais custos não devem, nem podem, ser considerados, para efeitos da sua dedutibilidade nos termos do artigo 23º do CIRC, como entendido pelos SIT, pelo que não padece a liquidação de qualquer vício ou ilegalidade, motivo pelo qual se deve manter na ordem jurídica;
26 - Entende a RFP, ainda, verificar-se a nulidade da sentença proferida pela Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, por omissão de pronúncia;
27 - De facto, constata-se que a sentença de que se recorre não se pronunciou sobre a questão da impugnação do “contrato promessa de compra e venda”, referenciado em O, da factualidade dada como provada, referindo, no segmento da sentença respeitante a “III.3.MOTIVAÇÃO”, que “O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, com base nos documentos constantes dos autos, acima identificados, os quais não foram impugnados.”;
28 - Ora, salvo melhor e superior entendimento, face ao teor da contestação então apresentada pela RFP, é indubitável que o documento referenciado no ponto O foi expressa e fundadamente impugnado pela RFP;
29 - De facto, a Fazenda Pública, na contestação então apresentada, impugnou expressamente o referido Contrato promessa de compra e venda, celebrado entre a A. e a F... Lda, com fundamento no desconhecimento da veracidade da letra e assinatura, da efetiva data em que tal contrato produziu os seus efeitos, designadamente desconhecendo se o referido contrato se encontrava em vigor à data dos factos dos autos, impugnando o mesmo, nos termos do art.º 544º do Código de Processo Civil (CPC), dada a existência de fundada duvida sobra a sua genuidade
30 - Não se ignora que a Mm.ª juiz, quando se reporta ao referido contrato promessa, no ponto O da secção relativa aos “FACTOS PROVADOS COM RELEVO PARA A DECISÃO DA CAUSA”, refere, meramente, a apresentação de tal contrato, no âmbito do processo de reclamação graciosa, limitando-se a citar extratos do mesmo;
31 - E sendo certo que, da mera reprodução do teor do referido contrato promessa, não se pode inferir que o Tribunal concorda com o seu teor ou que aceita como provado o neles consta, certo é, igualmente, que não se pode inferir o contrário, e que esta matéria foi expressamente considerada como relevante para a decisão em causa;
32 - O art.º 607º, n.º 4, do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi art.º 2º, alínea d), do CPPT, determina que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que forem decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência”;
33 - A omissão de pronúncia está relacionada com o dever que é imposto ao juiz pelo artigo 608.º, nº 2 do CPC, em que se prevê que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, salvo se aquelas que forem prejudicadas pela solução dada a outra não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras;
34 - A nulidade por omissão de pronúncia verifica-se quando existe uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras;
35 - Ora, considerando a matéria de facto levada ao probatório constatamos desde logo que a mesma não se encontra suficientemente fundamentada na sua valoração, não tendo a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo especificado a razões pelas quais valorou o facto dado como provado em O, desconsiderando, de forma completa a impugnação deste documento, efetuada pela RFP;
36 - Tal é especialmente gravoso, porque a RFP encontra-se, nesta fase, impossibilitada de analisar ou sindicar, com certeza e segurança, o quadro decisório em questão, proferido pela Mm.ª Juíza do Tribunal a quo;
37 - Efetivamente, e face ao teor da referida sentença, a ora recorrente vê-se impossibilitada de aferir se deve contestar a matéria de facto dada como provada, por considerar que o contrato referido em O não deve constar na matéria de facto dada como provada, por tal documento ter sido impugnado, e tal impugnação ter sido desconsiderada, e não ter sido objeto de pronuncia por parte do Tribunal a quo, se não deve constar do probatório, por não se vislumbrar em que medida tal factualidade relevou para a decisão proferida, ou se os factos constantes do referido contrato deverão ser matéria a acrescer nos factos dados como não provados;
38 - Refira-se, neste âmbito, que é indubitável que o julgamento da matéria de facto é um momento essencial, devendo o juiz pronunciar-se sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada;
39 - Ora, no caso, considerando a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, que a factualidade dada como provada em O era relevante para a decisão proferir, e tendo o documento referido em O sido expressamente impugnado pela RFP, afigura-se que incumbia à Mm.ª Juíza do Tribunal a quo proceder a análise crítica dos meios de prova produzidos, especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida, o que não aconteceu na decisão de que ora se recorre;
40 - Assim sendo, afigura-se que a sentença proferida pela Mm.ª Juíza do Tribunal a quo padece de nulidade, por omissão de pronúncia, ininteligibilidade, e falta absoluta de fundamentação, o que se requer.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida e substituída por douto acórdão que conclua pela legalidade da liquidação impugnada, mantendo a mesma, assim se fazendo
JUSTIÇA»
1.2. A Recorrida A..., Lda., notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 308 SITAF, no sentido da improcedência do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir: As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes:
Se a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia, ininteligibilidade e falta de fundamentação;
Ø Se a sentença incorre em erro na apreciação da prova e, subsequente erro na interpretação e subsunção dos factos e do direito.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«A) Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ..., realizaram uma ação inspetiva à Impugnante respeitante aos anos de 2007 e 2008 (IRC e Imposto do Selo) – conforme documentos a folhas 77 a 90 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
B) No âmbito da ação inspetiva a que se alude em A) foi elaborado “Projecto de Relatório de Inspecção Tributária”, datado de 05.05.2011 – conforme documento a folhas 87 a 109 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
C) Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ... remeteram à Impugnante, no âmbito da ação inspetiva a que se alude em A), ofício datado de 05.05.2011, sob o assunto “Projecto Relatório da Inspecção Tributária – Artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e Artigo 60.º do (...) (RCPIT)” – conforme documentos a folhas 85 e 86 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
D) No âmbito da ação inspetiva a que se alude em A) foi elaborado “Relatório de Inspecção Tributária” (RIT), datado de 24.05.2011, do qual consta conforme segue:
«(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
(...)» – conforme documentos a folhas 32 a 124 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
E) O RIT a que se alude em D) é integrado pelos anexos seguintes:
«(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
]
(...)» – conforme documentos a folhas 53 a 124 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
F) Do documento denominado “contrato quadripartido celebrado em 2004.07.06”, sob o “Anexo VI” a que se alude em E) consta conforme segue:
«(...)

[Imagem(s) que aqui se dá por reproduzida]

(...)» – conforme documento a folhas 73 a 82 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
G) Do documento denominado “Mapa de movimentos financeiros relevados na contabilidade da F..., Lda – conta ...26”, sob o “Anexo VII” a que se alude em E) consta conforme segue:
«(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)» – conforme documento a folhas 83 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
H) O “Anexo VIII” a que se alude em E) é integrado por documentos denominados “Nota de Débito”, com os n.os ...96, ...05, ...06, ...21, ...26, ...32, ...34, ...38, ...44, ...48, ...49, ...51, ...54, ...58, ...08, ...08 e ...08, emitidos pela Impugnante em nome da “F..., Lda” – conforme documentos a folhas 84 a 96, 99, 100 e 110 a 112 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
I) O “Anexo VIII” a que se alude em E) é integrado por documento denominado “Factura nº ...33”, emitido pela Impugnante em nome da “F..., Lda”, do qual consta conforme segue:
«(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)» – conforme documento a folhas 97 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
J) Do documento denominado “Mapa com análise da estrutura de custos financeiros (2003 a 2008)”, sob o “Anexo XV” a que se alude em E) constam as seguintes menções por referência ao ano de 2008: «A) Crédito concedido à F..., Lda. – 3.369.962,29€»; «B) Empréstimos bancários – 1.840.778,93€»; «C) Total de juros suportados – 281.795,49€» – conforme documento a folhas 124 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
K) A Direção de Finanças ... remeteu à Impugnante ofício datado de 25.05.2011, sob o assunto “Notificação do Relatório de Inspecção Tributária (…)”, do qual consta conforme segue:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)» – conforme documentos a folhas 30 e 31 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
L) A Autoridade Tributária emitiu em nome da Impugnante a liquidação de IRC n.º ...35, respeitante ao ano 2008, da qual, após acerto de contas, resultou um valor global a pagar de 31.498,78 euros – conforme documento a folhas 137 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
M) Em 18.11.2011 foi recebida no Serviço de Finanças ... 1, “reclamação graciosa” em nome da Impugnante, contra a liquidação de IRC a que se alude em L) – conforme documentos a folhas 134 a 139 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
N) A “reclamação graciosa” a que se alude em M) correu termos sob o processo n.º ...44, do Serviço de Finanças ... 1 – conforme documento a folhas 133 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
O) A Impugnante apresentou, no âmbito do processo a que se alude em N), documento denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 06.07.2004, do qual consta conforme segue:
«(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)» – conforme documentos a folhas 134 a 139 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
P) Em 13.12.2011 foi prestada, no âmbito do processo a que se alude em N), informação da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças ..., da qual consta conforme segue:
«(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)» – conforme documento a folhas 156 a 158 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
Q) Sobre a informação a que se alude em P) foi exarado despacho do chefe da Divisão de Justiça Tributária, datado de 13.12.2011, com o seguinte teor:
«Confirmo o sentido que vem proposto do pedido da R. vir a ser indeferido, nos termos e com os fundamentos constantes da informação infra.
Notifique-se a R. nos termos e para os efeitos determinados no art. 60.º da LGT (...)» – conforme documento a folhas 156 a 158 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
R) A Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças ... remeteu à mandatária da Impugnante, no âmbito do processo a que se alude em N), ofício datado de 14.12.2011, do qual consta conforme segue:
«(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)» – conforme documentos a folhas 159 e 159-verso do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
S) Em 27.12.2011 foi recebido na Direção de Finanças ..., no âmbito do processo a que se alude em N), requerimento em nome da Impugnante com vista a exercer o seu “Direito de audição” – conforme documento a folhas 163 a 166 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
T) Em 28.12.2011 foi prestada, no âmbito do processo a que se alude em N), informação da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças ..., da qual consta conforme segue:
«(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)» – conforme documento a folhas 167 e 168 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
U) Sobre a informação a que se alude em T) foi exarado despacho do Diretor de Finanças ..., datado de 28.12.2011, com o seguinte teor:
«(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)» – conforme documento a folhas 167 e 168 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
V) A Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças ... remeteu à mandatária da Impugnante, no âmbito do processo a que se alude em N), ofício datado de 28.12.2011, do qual consta conforme segue:
«(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)» – conforme documentos a folhas 169, 170 e 170-verso do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
W) O ofício a que se alude em V) foi recebido em 30.12.2011 – conforme documentos a folhas 169, 170 e 170-verso do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
X) A petição inicial da Impugnação foi remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, por “fax”, em 17.01.2012 – conforme documentos a folhas 1 a 8 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
*
III.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem.
*
III.3. MOTIVAÇÃO
O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, com base nos documentos constantes dos autos, acima identificados, os quais não foram impugnados.»

2.2. De direito
A Recorrente (Fazenda Pública) insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 31.01.2022 pela qual foi julgada totalmente procedente a impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 2008, acrescida de juros, no valor global de € 31.498,78.
Liquidação essa, subjacente à reclamação graciosa, foi efectuada com recurso a correcções técnicas, em resultado de acção inspectiva externa de âmbito geral, a que a Recorrida – A..., Lda. foi submetida, no âmbito da qual a Administração Tributária constatou que a matéria colectável apurada e declarada pelo sujeito passivo A..., Lda., Lda., tem vindo ao longo dos diversos exercícios fiscais (2003 a 2008), a ser influenciada pela assunção de custos financeiros adstritos a financiamentos efectuados junto de diversas instituições financeiras. Da análise circunstancial da estrutura e substância material desses mesmos custos, conclui que os encargos líquidos com juros se revelam, nos exercícios fiscais de 2006, 2007 e 2008, de elevada expressão material, circunstância que resulta do elevado volume de financiamento bancário realizado nesses mesmos exercícios. Atendendo ao valor do crédito concedido à firma F..., Lda., e comparando-o com o montante dos empréstimos bancários obtidos, no triénio em discussão (2006 a 2008), verifica-se que, o sujeito passivo A..., Lda., Lda., tem suportado nesses exercícios fiscais encargos financeiros com origem em empréstimos bancários, para responder à falta de liquidez da firma F..., Lda. e não para fazer face a eventuais necessidades de tesouraria geradas no âmbito do normal funcionamento da sua actividade comercial. Assim, considerou que a assunção por parte do sujeito passivo de custos financeiros no montante de 108.127,05 €, com referência ao exercício fiscal de 2008, não concorreu para a realização dos proveitos ou ganhos do mesmo exercício, desconsiderando os mesmos nos termos do artigo 23º, n.º 1 do CIRC.
A Recorrida alicerçou a sua Impugnação, invocando, em suma, que o relatório padece de erro porque não ocorreu qualquer financiamento a F..., Ld.ª, os movimentos existentes entre a Recorrida e esta empresa resultam do contrato promessa de compra e venda junto aos autos, sendo que os movimentos contabilizados decorrentes do contrato quadripartido celebrado entes a Recorrida, F... e S... S.A. nunca foi tido como financiamento, mas tão só como adiantamento de pagamento previsto no contrato promessa de compra e venda, preço aí acordado.
O Tribunal a quo, considerando que a Recorrida por via da Impugnação alega que “carece de suporte factual e legal [o entendimento da AT] que os juros suportados com ... financiamentos não podem ser aceites como custo fiscal do exercício por terem sido suportados pela impugnante para financiamento a uma terceira entidade”, conhecendo da verificação dos pressupostos de facto e de direito da liquidação impugnada, fê-lo com os seguintes fundamentos:
«Dispõe o artigo 23.º do CIRC, no seu n.º 1, que se consideram custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Conforme se extrai do teor do relatório inspetivo a que se alude em D) dos factos provados, no caso sujeito a Autoridade Tributária considerou que a assunção por parte do sujeito passivo de custos financeiros no montante de 108.127,05 €, com referência ao exercício fiscal de 2008, não concorreu para a realização dos proveitos ou ganhos do mesmo exercício. De acordo com o RIT, tal consideração assenta na “verificação” de que “o sujeito passivo A..., Lda. ... tem suportado nesses exercícios fiscais encargos financeiros com origem em empréstimos bancários, para responder à falta de liquidez da firma F..., Lda e não para fazer face a eventuais necessidades de tesouraria geradas no âmbito do normal funcionamento da sua actividade comercial”. Mais refere que se constatou que “o crédito concedido à F..., Lda é em todos os exercícios fiscais em discussão (2006 a 2008) superior ao crédito obtido junto das instituições bancárias”.
Resulta, assim, que a Autoridade Tributária constatou por um lado, o movimento de valores da Impugnante para a referida F..., Lda., que qualificou como “movimentos de carácter estritamente financeiro”, e constatou, por outra via, a obtenção de crédito junto de instituições bancárias por parte da Impugnante – em valor inferior aos dos movimentos ocorridos a favor da aludida F... – para, a partir daí, estabelecer uma relação causal entre as duas situações.
Ora, considera este Tribunal que a singela verificação das situações acabadas de aludir, desacompanhada, portanto, de outros elementos factuais consistentes com a relação causal pressuposta – os quais não foram exteriorizados – não é, conforme se impunha, seriamente indiciante de que o crédito bancário obtido pela Impugnante se destinou a financiar uma entidade terceira e não, a ser refletido no âmbito do normal funcionamento da sua atividade.
Nestes termos, não tendo a Autoridade Tributária cumprido o ónus que sobre si impendia de recolha e enunciação de indícios sólidos, passíveis de abalarem a credibilidade do declarado pelo sujeito passivo, impõe-se concluir pela procedência da pretensão da Impugnante, o que se decide.»
A Recorrente (ATA) insurge-se contra o assim decidido, invocando, no essencial, que a sentença recorrida enferma de (i) nulidade por omissão de pronúncia, ininteligibilidade e falta de fundamentação; (iv) erro na apreciação da prova produzida e, subsequente erro na interpretação e subsunção dos factos e do direito.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
2.2.1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
A Recorrente (ATA) vêm arguir a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (Conclusões 26 a 34), sustentando que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão da impugnação do “contrato promessa de compra e venda”, referenciado em O), da factualidade dada como provada, referindo, no segmento da sentença respeitante a “III.3.MOTIVAÇÃO”, que “O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, com base nos documentos constantes dos autos, acima identificados, os quais não foram impugnados.”.
Para assim concluir, sustenta a Recorrente que o Tribunal a quo face ao teor da contestação por si apresentada, o “contrato promessa compra e venda” foi expressa e fundadamente impugnado, com fundamento no desconhecimento da veracidade da letra e assinatura, da efetiva data em que tal contrato produziu os seus efeitos, designadamente desconhecendo se o referido contrato se encontrava em vigor à data dos factos dos autos, impugnando o mesmo, nos termos do art.º 544º do Código de Processo Civil (vide Conclusão 29).
Apreciando.
Nos termos do disposto no artigo 125º nº 1 do CPPT, “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
A nulidade por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que, de acordo com o disposto no artigo 608º, nº2 do CPC [aplicável ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT], significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas, cuja decisão, esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Portanto, a apontada nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” Vide, Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363. Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13.07.11 e de 20.09.11, proferidos nos recursos nºs 0574/11 e 0268/11, respectivamente.
E, como se refere no Acórdão do STA proferido no âmbito do processo nº 01035/12, de 11.03.2015, “a nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer (artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado, aplicável no caso sub judice). (…) Numa correta abordagem da questão importa ainda ter presente, como também vem sublinhando de forma pacífica a jurisprudência, que esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. Uma coisa são as questões submetidas ao Tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista. / Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.
Em reforço deste entendimento, cumpre ainda destacar o expendido no Acórdão do STA de 12.06.2018 [processo n.º 0930/12.7BALSB] “(…) 24. Caraterizando a arguida nulidade de decisão temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, CPC].
25. Com efeito, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
26. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio (…)”.
Munidos destas posições jurisprudências, em jeito de súmula, temos que: «O conceito de questões abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem» (cfr. Jorge Lopes Sousa, CPPT Anotado, 6.º Ed., vol. II, p. 363). A este propósito, refere-se que «as questões que o tribunal deve apreciar e decidir são apenas aquelas que contendem directamente com a substanciação da causa de pedir, do pedido e das exceções, não se confundindo com as considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pela parte (e, portanto, quanto a estas últimas, o tribunal não só não tem de ser pronunciar, como nenhuma consequência daí advirá se o não fizer, nomeadamente, não configurando tal situação uma omissão de pronúncia)» (cfr. Helena Cabrita, in A sentença cível, Fundamentação de facto e de direito, Almedina, 2019, p. 235). «O conhecimento de todas as questões não significa que o tribunal tenha de conhecer de todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes e só a falta de conhecimento de questões constitui nulidade por omissão de pronúncia» (cfr. Jorge Lopes de Sousa, in ob cit, p.364).
Cumpre conjugar estes doutos ensinamentos, com o disposto no artigo 608º, n.º 2 do CPC, no qual se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Como ensinava Alberto dos Reis, “são na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” [in Código de Processo Civil Anotado, volume V, pág.143].
Ora, como se vê da sentença recorrida, o Tribunal sintetiza alegação da Impugnante nos seguintes termos: «[de que] “carece de suporte factual e legal [o entendimento da AT] que os juros suportados com ... financiamentos não podem ser aceites como custo fiscal do exercício por terem sido suportados pela impugnante para financiamento a uma terceira entidade”, porquanto, “tais valores foram suportados para fazer face às necessidades de liquidez oriundas da sua actividade comercial”».
Recuperemos aqui, o discurso fundamentador que se segue: «(...). Dispõe o artigo 23.º do CIRC, no seu n.º 1, que se consideram custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
(...)
Resulta, assim, que a Autoridade Tributária constatou por um lado, o movimento de valores da Impugnante para a referida F..., Lda., que qualificou como “movimentos de carácter estritamente financeiro”, e constatou, por outra via, a obtenção de crédito junto de instituições bancárias por parte da Impugnante – em valor inferior aos dos movimentos ocorridos a favor da aludida F... – para, a partir daí, estabelecer uma relação causal entre as duas situações.
Ora, considera este Tribunal que a singela verificação das situações acabadas de aludir, desacompanhada, portanto, de outros elementos factuais consistentes com a relação causal pressuposta – os quais não foram exteriorizados – não é, conforme se impunha, seriamente indiciante de que o crédito bancário obtido pela Impugnante se destinou a financiar uma entidade terceira e não, a ser refletido no âmbito do normal funcionamento da sua atividade.
Nestes termos, não tendo a Autoridade Tributária cumprido o ónus que sobre si impendia de recolha e enunciação de indícios sólidos, passíveis de abalarem a credibilidade do declarado pelo sujeito passivo, impõe-se concluir pela procedência da pretensão da Impugnante, o que se decide.»
Ora, a alegada impugnação assacada ao “contrato promessa de compra e venda”, cujo tratamento, enquanto tal, foi omisso na tese da Recorrente, não é sustentável. É que, perante o tratamento operado pelo Tribunal a quo, que conheceu dos fundamentos da liquidação, pela subsunção dos factos ao direito aplicável, considerou que a ATA não havia reunido indícios sólidos e suficientes, passiveis de abalar a credibilidade do declarado pela Impugnante, ou seja, de que os encargos financeiros em que incorreu são reconduzidos ao conceitos de custos, como resulta do disposto nos artigo 23º, n.º 1 al. c) do CIRC, pelo que só seria de atender ao alegado pelo Impugnante e atender a prova que se propôs fazer se tivessem sido considerado que a ATA havia reunido indícios sólidos e suficientes a imporem a inversão do ónus da prova, o que não ocorreu.
Em suma, pela falta de elementos indiciários suficientes para sustentar a correção operada, quedou-se o Tribunal a quo por aí sem necessidade de apreciar a tese da Impugnante A..., Lda., alicerçada no referenciado “contrato promessa de compra e venda” para afastar o carácter de financiamento aos movimentos contabilísticos com a F... que na tese da ATA colocam em causa a necessidade para os fins da sua própria actividade por parta da Impugnante do recurso ao seu próprio financiamento junto de entidades bancárias.
Estamos, pois, perante uma questão desconsiderada pelo Tribunal a quo, sobre a qual não recaiu pronúncia expressa, por ser manifesto que a mesma se quedou por prejudicada.
Improcede, pois, a alegada omissão de pronúncia quanto ao não conhecimento da impugnação do “Contrato promessa de compra e venda”, pois que o mérito sobre o referido contrato não foi valorado, nem sobre ele recaiu qualquer pronúncia expressa do julgador que decidiu a questão a jusante sem entrar no ónus da prova que a Impugnante pretendia levar a cabo com o contrato em questão.
2.2.1.2. Da nulidade por ininteligibilidade e falta de fundamentação
Em sede de nulidades, invoca ainda a Recorrente a nulidade da sentença por ininteligibilidade e falta de fundamentação, mas se bem atentarmos às conclusões de recurso 36. a 39, o que decorre dos mesmos é a falta de análise critica da prova, porquanto segundo a FP “(a) matéria de facto levada ao probatório constatamos desde logo que a mesma não se encontra suficientemente fundamentada na sua valoração, não tendo a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo especificado a razões pelas quais valorou o facto dado como provado em O, desconsiderando, de forma completa a impugnação deste documento, efetuada pela RFP”, ora “(...) incumbia à Mm.ª Juíza do Tribunal a quo proceder a análise crítica dos meios de prova produzidos, especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida, o que não aconteceu na decisão de que ora se recorre”.
Efectivamente, a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, nomeadamente a falta de análise critica da prova, nos termos do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT constitui, entre outras, causa de nulidade da sentença.
Nos termos do artigo 123º, n.º 2 do CPPT, na sentença o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões. Esta exigência deve ser apropinquada com aquela que decorre do disposto no artigo 607º, n.º 4 do CPC segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.
O cumprimento do dever de fundamentação/motivação da sentença contribui «…para a sua eficácia, pela via da persuasão dos respectivos destinatários e da comunidade jurídica em geral, (ii) consinta às partes e aos tribunais de recurso, fazer reexame do processo lógico ou racional subjacente à decisão, e (iii) constitua um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere), nessa medida se configurando como garantia do respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões» (Ac. do TRE de 13.05.2014, in proc. n.º 368/12.6GBLLE.E1).
Seguindo Jorge Lopes de Sousa, in ob cit, volume II, 6ª ed., 2011, pp. 321, 322 e 357 «Relativamente à matéria de facto, esta nulidade abrange não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo n.º 2 do art.º 123º do CPPT, como a falta do exame crítico das provas, previsto no n.º 3 do art. 659º do CPC. Como vem entendendo uniformemente o STA só se verifica tal nulidade quando ocorra falta absoluta de fundamentação….
A fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, permitir às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção.
Mas, à semelhança do que sucede com a fundamentação dos actos administrativos, a fundamentação da sentença tem também efeitos exteriores ao processo assegurando a transparência da actividade jurisdicional.
Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto.
Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios.»
Procedendo ao exame crítico da prova, o juiz deve esclarecer quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma. Deve indicar os fundamentos suficientes para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (Miguel Teixeira de Sousa in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 348).
In casu, a prova dos autos é exclusivamente documental, na sentença sob recurso em cada um dos factos é feita a menção especifica do documento mediante a sua concreta identificação a que acresce a motivação global, não podemos, pois, falar de uma falta em absoluto de motivação que não tenha qualquer relação percetível com o julgado ou seja ininteligível, que não permita conhecer as razões pelas quais foi considerado provado determinado facto, aliás diga-se que a Recorrente se limita a lançar a pedra da falta de fundamentação critica directamente vocacionada para a questão que levantou em sede de nulidade por omissão de pronúncia, qual seja, a de que tendo sido levado o dito “Contrato promessa de compra e venda”, nomeadamente o seu conteúdo no item O) da matéria de facto dada como provada, não tendo ocorrido a análise critica que se impunha atenta a impugnação do documento em questão.
Pasme-se, que apesar da sua indignação, é a própria Recorrente que avança em parte com a destrinça da falta de análise critica nas suas conclusões 30 e 31.
É que, se por um lado, e como referimos em sede de aplicação do direito a sentença não chegou a estabelecer qualquer subsunção jurídica ou outra sobre o “Contrato de promessa de compra e venda”, a qual se quedou por prejudicada. Por outro lado, a Mm. ª juiz, quando se reporta ao referido contrato promessa, no item O), refere expressamente a apresentação de tal contrato, no âmbito do processo de reclamação graciosa, limitando-se a referir foi junto documento denominado “contrato promessa de compra e venda”, datado de 06.07.2004, transcrevendo algumas cláusulas e, no mais, dando o teor do mesmo por reproduzido. Ora, da mera reprodução do teor de documentos juntos com essa especifica menção, não infere que o conteúdo do mesmo seja tido como provado, mas tão só a sua junção e o seu teor.
Em suma, estes dois vectores conjugados entre si, a que acresce o entendimento uniforme da doutrina e jurisprudência que apenas a falta absoluta de fundamentação é causa de nulidade da sentença, mas já não a que decorre de uma fundamentação quiçá “incompleta, errada, medíocre, insuficiente ou não convincente”, a qual apenas afecta o valor doutrinal e persuasivo da decisão e a submete ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em sede de recurso, nomeadamente em sede de erro de apreciação da matéria de facto e de erro de julgamento de direito que vem assacados à sentença sob recurso e que, de imediato, nos propomos apreciar.
Temos, pois, que improcede a nulidade invocada de falta de apreciação critica da prova, ou de ininteligibilidade e falta de fundamentação usando a terminologia da Recorrente.

2.2.2. Do erro de julgamento
Em sede de exame do recurso, antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artigo 639º, do CPC e artigo 282º, do CPPT).
Aqui chegados, afastadas as nulidades assacadas à sentença sob recurso, cumpre conhecer dos erros de julgamento imputados sobre a apreciação que o Tribunal a quo estabeleceu, a saber, aferir se se verificam os pressupostos de facto e de direitos em que assenta a correcção de IRC operada pela ATA , subjacente a desconsideração como custos dedutíveis– artigo 23º do CIRC, dos encargos financeiros assumidos pela Impugnante no ano de 2008 em questão nos autos, que não se mostram indispensáveis a realização dos proveitos da Recorrida, descrevendo diversos factos que, séria e consistentemente, o evidenciavam, contrariamente ao decidido em 1ª instância (vide Conclusões 1 a 25).
Recapitulando, temos que o Tribunal a quo considerou que «Conforme se extrai do teor do relatório inspetivo a que se alude em D) dos factos provados, no caso sujeito a Autoridade Tributária considerou que a assunção por parte do sujeito passivo de custos financeiros no montante de 108.127,05 €, com referência ao exercício fiscal de 2008, não concorreu para a realização dos proveitos ou ganhos do mesmo exercício. De acordo com o RIT, tal consideração assenta na “verificação” de que “o sujeito passivo A..., Lda. ... tem suportado nesses exercícios fiscais encargos financeiros com origem em empréstimos bancários, para responder à falta de liquidez da firma F..., Lda e não para fazer face a eventuais necessidades de tesouraria geradas no âmbito do normal funcionamento da sua actividade comercial”. Mais refere que se constatou que “o crédito concedido à F..., Lda é em todos os exercícios fiscais em discussão (2006 a 2008) superior ao crédito obtido junto das instituições bancárias”.
Resulta, assim, que a Autoridade Tributária constatou por um lado, o movimento de valores da Impugnante para a referida F..., Lda., que qualificou como “movimentos de carácter estritamente financeiro”, e constatou, por outra via, a obtenção de crédito junto de instituições bancárias por parte da Impugnante – em valor inferior aos dos movimentos ocorridos a favor da aludida F... – para, a partir daí, estabelecer uma relação causal entre as duas situações.
Ora, considera este Tribunal que a singela verificação das situações acabadas de aludir, desacompanhada, portanto, de outros elementos factuais consistentes com a relação causal pressuposta – os quais não foram exteriorizados – não é, conforme se impunha, seriamente indiciante de que o crédito bancário obtido pela Impugnante se destinou a financiar uma entidade terceira e não, a ser refletido no âmbito do normal funcionamento da sua atividade.
Nestes termos, não tendo a Autoridade Tributária cumprido o ónus que sobre si impendia de recolha e enunciação de indícios sólidos, passíveis de abalarem a credibilidade do declarado pelo sujeito passivo, impõe-se concluir pela procedência da pretensão da Impugnante, o que se decide.»
Cumpre de antemão estabelecer o enquadramento jurídico da correcção operada em sede de IRC, imbuído de considerações doutrinais e jurisprudenciais sedimentadas.
Vejamos.
A base de incidência do IRC encontra-se consagrada no artigo 3º, do CIRC, sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultado da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Mas é o artigo 17º e seguintes do CIRC que dita as regras gerais de determinação do lucro tributável, nomeadamente o artigo 23º, o qual especifica quais os custos (gastos) que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Assim, para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artigo 23º do CIRC, o qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (neste sentido entre outros os Acórdãos do TCA Sul de 29.05.2014, processo n.º 7524/14 e de 19.05.2016, processo n.º 7245/13/ J. L. Saldanha Sanches, in “A Quantificação da Obrigação Tributária”, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, in “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.)
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
Cumpre atentar que, à data dos factos, a conformação legal da relação entre gastos e a finalidade de obtenção ou realização de rendimentos sujeitos a imposto apelava, de forma expressa, ao critério da indispensabilidade, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, que se transcreve parcialmente:
“Artigo 23.º
Gastos
1 – Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:
a) […];
b) […];
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;
[…]“
A aplicação do conceito de indispensabilidade como condição delimitativa da dedutibilidade fiscal em IRC suscitou algumas divergências que, ao longo dos anos, foram dirimidas pela via jurisprudencial e promoveram, conjuntamente com a doutrina, uma maior densificação deste conceito.
Como assinala Saldanha Sanches, é “[no] referido conceito de indispensabilidade que reside a problemática essencial da consideração dos custos empresariais e que repousa um dos principais pontos de distinção entre o custo efetivamente incorrido no interesse coletivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo”, acrescentando que “o requisito da indispensabilidade dos custos para a formação dos proveitos deve ser aferido por critérios de racionalidade económica face aos objetivos estatutários” – “Os Limites do Planeamento Fiscal”, Coimbra Editora, 2006, p. 215-216.
É nos dias que correm, relativamente consensual, que a concretização da cláusula geral da indispensabilidade dos gastos não implica um juízo de oportunidade e mérito sobre a realização dos mesmos.
Pois tal como consta da fundamentação do Acórdão do STA (pleno), de 15 de junho de 2011, processo n.º 49/11 – tem o mesmo de ser interpretado como “um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à Administração Fiscal atuações que coloquem em crise o princípio de liberdade de gestão e autonomia da vontade do sujeito passivo”.
Deste modo, a “Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa”, conforme preconizado pelo Acórdão do STA, de 29 de março de 2006, processo n.º 1236/05.
O que significa, na explicitação do Acórdão do STA, de 30 de novembro de 2011, processo n.º 107/11, que “a indispensabilidade entre custos e proveitos deva ser aferida a partir de um juízo positivo de subsunção na atividade societária: os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa (…). Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa (…). A indispensabilidade não pode, porém, ser aferida à luz de critérios de oportunidade e mérito. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.”
Munidos dos referidos ensinamentos jurisprudenciais, podemos ter por assente a abjunção de que a indispensabilidade se reconduz à exigência de uma relação de causalidade necessária e direta entre gastos e rendimentos (antes, custos e proveitos) – como confirmado pelos Acórdãos do STA de 24 de setembro de 2014, processo n.º 779/12; de 15 de novembro de 2017, processo n.º 372/16; e de 28 de junho de 2017, processo n.º 627/16.
Assim, “definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objetiva com os proveitos” – in Acórdão do STA de 28 de junho de 2017, processo n.º 627/16.
A ligação deve ser, pois, feita entre os gastos e a atividade desenvolvida pelo contribuinte, sendo que em regra, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa, ou pela negativa, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.
Antes de nos debruçarmos sobre a temática do ónus da prova em sede de indispensabilidade, estamos por certo aptos a estabelecer quatro parâmetros atinentes à aplicação do artigo 23º do CIRC, quais sejam: (i) a ATA não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista; (ii) o custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com o rendimento ou fonte produtora explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica; (iii) um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos, pois existem vários custos que só indirectamente cumprem essa função e que, nem por isso, deixam de ser considerados indispensáveis; (iv) a questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr. artigo 75º, nº.1, da LGT) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artigo 23º do CIRC.
Perante tais parâmetros, centremos a nossa atenção no parâmetro (iv), pois que a questão do ónus da prova apresenta na sindicância do julgado que nos é exigido fulcral importância, como veremos.
É que se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à ATA o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a ATA questionar essa indispensabilidade (cfr. artigos 74º, n.º 1 r 75º, n.º 1 da LGT). [vide Acórdãos do TCA Sul de 02.02.2010, proc.3669/09, 16.10.2014, proc.6754/13, 22.01.2015, proc.5327/12, 19.02.2015, proc. 8137/14; Acórdão do TCA Norte de 16.10.2014, proc. 438/06].
Sendo que em tal desiderato, o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos.
Neste cenário, vejamos, o caso trazido a juízo.
Foi considerado pela ATA mediante uma análise substancial e estrutural à contabilidade e demais elementos constantes do RIT que o gasto – contabilização de custos financeiros no montante de € 108.127,05 não se mostra indispensável para a realização dos proveitos, com a seguinte motivação: «A assunção na contabilidade de custos financeiros destinados a financiar uma entidade terceira, sem que tal resulte a sua devida repercussão junta dessa ultima, tem como consequência, o influenciar do resultado fiscal do exercício por via da consideração de custos financeiros que por força do art.º 23º, n.º 1 não são suscetíveis de concorrer para a formulação do resultado tributável».
Diz-nos a matéria de facto, que decorre exclusivamente dos elementos documentais constantes do RIT e da Reclamação Graciosa, que:
- Com exceção do exercício fiscal de 2005, a Recorrida. não procedeu ao débito de encargos financeiros junto da sociedade F..., Lda., associados ao crédito concedido a esta última, cujas condições se encontram vertidas nos pontos 1.1.1 e 2.1.1 do RIT;
- A sociedade F..., Lda., com o NIPC ..., cujos sócios e elementos de gerência são comuns à Recorrida apresentava um saldo devedor ao longo do exercício fiscal de 2008, referindo-se o mesmo a movimentos efetuados nesse exercício e em exercícios anteriores, situação de devedora que se mantinha há alguns anos, vindo o respetivo saldo a ser incrementado exercício após exercício;
- Tais movimentos, de caráter estritamente financeiro encontram-se maioritariamente realizados no âmbito de um contrato quadripartido celebrado em 2004.07.06, no qual a Recorrida cedeu à F..., Lda., um crédito que detinha sobre a S... SA, permitindo que a aquela efetuasse a liquidação parcial de uma dívida que tinha para com o seu fornecedor S... SA; e aceitou a Recorrida ceder à F... Lda. quaisquer créditos futuros que venha a deter sobre a S... SA;
- Do levantamento exaustivo dos movimentos de carácter estritamente financeiro, relacionados exclusivamente com os valores monetários concedidos pela Recorrida a título de empréstimo, à F... Lda., substanciados em depósitos efetuados por aquela nas contas à ordem da F..., Lda.;
- Verificando-se que, relativamente aos financiamentos concedidos, não se encontra definido o seu prazo de restituição nem o correspondente serviço de dívida;
- No decorrer do exercício fiscal de 2008, os saldos devedores sofreram um forte incremento, por força dos movimentos financeiros efetuados no âmbito das notas de débito n.º ...08, ...08 e ...08, emitidas pela Recorrida, em 2008-10-15, 2008¬10-15 e 2008-12-18, pelos valores de € 283.523,90, € 209.800,53 e € 6.593,50;
- Assim sendo, verifica-se que a Recorrida, no decurso do exercício fiscal de 2008, apresenta um crédito de carater meramente financeiro, sobre a F..., Lda. (substanciado pelos saldos e movimentos contabilísticos o qual assume a forma de conta corrente, na medida em que não se encontra determinado para o mesmo o seu prazo de utilização);
- A matéria coletável apurada e declarada, tem vindo ao longo dos diversos exercícios fiscais (2003 a 2008) a ser influenciada pela assunção de custos financeiros adstritos a financiamento efetuados junto de diversas instituições financeiras. Foi elaborado pela ATA um quadro (anexo XV ao RIT), no qual se procede à análise da evolução da estrutura dos custos financeiros ocorrida entre os exercícios fiscais de 2003 a 2008;
- Decorre do referido quadro, que os encargos líquidos com juros revelam-se, nos exercícios fiscais de 2006, 2007 e 2008, de elevada expressão material, circunstância que resulta do elevado volume de financiamento bancário realizado nesses mesmos exercícios;
- Atendendo ao valor do crédito concedido à F..., Lda., e comparando-o com o montante dos empréstimos bancários obtidos, no triénio de 2006 a 2008, verifica-se que a Recorrida (A..., Lda.) tem suportado nesses exercícios fiscais encargos financeiros com origem em empréstimos bancários, para responder à falta de liquidez da F..., e não para fazer face a eventuais necessidades de tesouraria geradas no âmbito no normal funcionamento da sua atividade comercial;
- Em todos os exercícios fiscais em discussão (2006 a 2008) o valor concedido é superior ao crédito obtido junto das Instituições bancárias;
Perante todos os elementos recolhidos conclui a ATA que, no exercício de 2008, do total de juros suportados pela reclamante de € 281.795,49, só são aceites fiscalmente € 173.668,44 de encargos líquidos com juros fiscalmente aceites referentes aos juros suportados com o desconto de títulos, de mora e de leasing (adstritos à aquisição de gruas destinadas ao aluguer a terceiros).
Diz-nos, o RIT na sua introdução, que a Recorrida está enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC e exerce a actividade de “aluguer de outras máquinas e equipamento, dedicando-se igualmente à comercialização de gruas”, donde seguramente, o seu objecto social não é a concessão de crédito e/ou financiamento. E, sendo assim, os encargos financeiros com empréstimos obtidos junto de instituições financeiras só podem legalmente ser havidos como custos abrangidos pela al. c), 1ª parte, do n°1 do artigo 23° do CIRC e como tais aceites para efeitos fiscais, na parte e medida em que correspondam a recursos efectivamente empenhados na actividade da empresa, de acordo com o princípio da especialidade.
Se, assim não fosse, todas as empresas, seriam tentadas a contrair empréstimos com o fito de financiar terceiros ou empresas com ligações especiais como é o caso, na certeza de que os encargos inerentes a esses empréstimos seriam deduzidos em sede de IRC a título de custos - o que não é aceitável do ponto de vista de justiça fiscal, na sua vertente de princípio da igualdade na repartição dos encargos fiscais. (neste sentido vide: acórdão do TCA Sul de 25.11.2005, proferido no processo n.º 03501/09).
É legitima e fundada a dúvida suscitada pela ATA de que os questionados "custos financeiros" não estão directamente relacionados com a actividade normal da Recorrida pois os mesmos são externos à mesma pois só ocorreram em benefício da F... que favoreceu indirectamente da capacidade financeira e liquidez que o recurso ao crédito a instituições financeira capacitou a Recorrida. Benefício patrimonial esse, em detrimento da capacidade empresarial da Recorrida, uma vez que da matéria levada ao probatório não consta que no triénio 2006 - 2008 daquela cedência de créditos à F... tenha decorrido qualquer relevância pertinente em sede da Recorrida decorrente da sua oneração com encargos financeiros tão elevados. E, mais se diga, que só a Recorrida A..., Lda. (que é quem se encontra em melhor posição para o efeito) poderia dar uma explicação acerca da “congruência económica” das operações de financiamento.
Na situação sub judice, tal indispensabilidade a Recorrida, apesar de ter avançado em sede de petição inicial tese que visava afastar a existência de uma mera cedência de créditos, certo é que, a matéria de facto dada como provada não foi objecto de recurso, nem suscitado o deficit instrutório pela Recorrida A..., Lda., e dos elementos constantes do probatório é manifesto que não logrou a prova da indispensabilidade dos custos que se impunha pela Recorrida.
Por assim ser, é forçoso concluir que não está provado que o intuito objectivo que determinou os encargos financeiros foi o interesse da empresa A..., Lda. (recorrida), o prosseguimento do seu escopo social, à míngua de qualquer outra prova sobre esta matéria.

2.3. Conclusões
I. A omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr. artigo 608º, n.º 5 CPC e 125º, n.º 1 do CPPT).
II. O dever de fundamentação da sentença abrange realidades distintas (mas conexas) que incluem a fixação dos factos provados e não provados, a respectiva fundamentação de direito e a explicitação das razões pelas quais o julgador considerou provado determinado facto.
III. Apenas a falta absoluta de análise critica da prova fundamentação é causa de nulidade da sentença, mas já não a que decorre de uma análise medíocre, mas ainda assim inteligível, a qual a ocorrer se insere no âmbito do erro de julgamento de direito assacado.
IV. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respectiva indispensabilidade de um gasto para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” – art. 23.º do CIRC;
V. Se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à ATA o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a Fazenda Pública questionar essa indispensabilidade (cfr.artºs.74, nº.1, e 75, nº.1, da L.G.T.).
VI. Demonstrada suficientemente pela AT a desconexão fáctica e económica dos gastos com a organização e fim preconizado pela empresa, compete ao sujeito passivo apresentar uma explicação acerca da “congruência económica” desses gastos;
VII. Não tendo logrado tal prova, nos termos do artigo 23° do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com encargos financeiros contraídos por uma sociedade que consentaneamente financiou gratuitamente outra empresa.
3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, julga-se improcedente a impugnação referente às correcções técnicas objecto de recurso.
Custas pela Recorrida, sendo que, nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 15 de dezembro de 2022

Irene Isabel das Neves
(Relatora)
Ana Paula Santos
(1.º Adjunta)
Margarida Reis
(2.ª Adjunta)