Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00658/17.1BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/13/2019
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Isabel Costa
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; PRAZO; RECLAMAÇÃO; CRÉDITOS LABORAIS
Sumário:I – Apesar de a estatuição do n.º 3 do artigo 319º da Lei n.º 35/2004 não ser absolutamente clara, não pode deixar de ser interpretada no sentido de que os créditos laborais não podem ser reclamados ao FGS depois de decorrido o lapso temporal de 9 meses que se inicia a partir do começo do cômputo do prazo prescricional de um ano previsto no artigo 337º do Código do Trabalho, a não ser que ocorra qualquer causa de suspensão ou de interrupção do prazo prescricional previsto no artigo 337º do CT dentro desse lapso temporal de 9 meses, de tal maneira que, cessando o contrato de trabalho a 01.04.2015, só poderão ser reclamados os créditos emergentes desse contrato de trabalho até 01.01.2016, salvo ocorrida suspensão ou interrupção daquele prazo de um ano até esta última data (01.01.2016). *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório

M., vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF do Aveiro, de 04.04.2018, que julgou improcedente a ação por si intentada contra o Fundo de Garantia Salarial, na qual peticionava, a condenação deste a “proferir decisão que defira o pagamento de crédito salarial por si reclamado, ainda que sujeito ao limite máximo assegurado pelo Réu.”

Na alegação apresentada, formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem ipsis verbis:


1.ª A C.R.P., no seu art. 53.º, consagra o princípio da garantia do Estado aos trabalhadores, no que à segurança no emprego diz respeito.

2.ª A C.R.P., na alínea e) do seu art. 59.º, consagra o princípio da garantia do Estado aos trabalhadores em assegurar-lhes assistência material, quando se encontrem na situação de desemprego, cabendo ao Estado assegurar a concretização prática desse mesmo direito.

3.ª A C.R.P., no n.º do seu art. 63.º, consagra o princípio de proteção de todos os cidadãos na doença, velhice, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade de trabalho, cabendo à Segurança Social a concretização prática do exercício desse direito.

4.ª Por isso, o limite temporal fixado no n.º 8 do art. 2.º do D.L. n.º 59/2015, de 21 de Abril, viola de forma manifestamente evidente o direito constitucional dos trabalhadores à segurança no emprego, e o direito à proteção no desemprego ou situações de falta ou diminuição de meios de subsistência.

5.ª Porque não resulta nem da Directiva n.º 80/987/CEE, nem da Directiva n.º 2008/94/CE, que visam a uniformização das legislações nacionais dos Estados-Membros, em matérias respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados, no caso de insolvência do empregador, o legislador nacional, ao estabelecer um limite temporal de um ano, contado entre a data da cessação do contrato de trabalho e a apresentação do requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho (F.G.S.) deitou mão de um verdadeiro expediente para inviabilizar, na grande maioria dos casos, o recurso dos trabalhadores ao F.G.S.

6.ª De facto, a observância literal do n.º 8 do art. 2.º do D.L. n.º 59/2015, de 21 de Abril, levará a que apenas em escassíssimos casos os trabalhadores poderiam vir a beneficiar do recebimento do F.G.S.

7.ª A sucessão dos regimes de acesso ao F.G.S. sempre terá de obedecer ao regime fixado no.º 1 do art. 297.º do C.C.

8.ª Vale isto por dizer que a recorrente requereu tempestivamente o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho (F.G.S.)

9.ª E porque assim é, o despacho objeto de impugnação padece do vício de violação da Lei.

10.ª Impondo-se a sua revogação e a sua substituição por despacho que proceda ao deferimento do requerimento formulado pela recorrente, tendo em conta os limites fixados para o montante da importância a ser paga.

11.ª Ao decidir da forma que decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos art.os 53.º; alínea e) do art. 59; n.º 3 do art. 63.º, todos da C.R.P.; violou, também, o disposto na Directiva n.º 80/987/CEE e na Directiva n.º 2008/94/CE; o disposto no n.º 1 do art. 297.º do C.C.
Termos em que deverão V. Exas. revogar a sentença proferida nos autos, e, substitui-la por Acórdão que:
a) Declare a inconstitucionalidade do n.º 8 do art. 2.º do D.L. n.º 59/2015, de 21 de Abril, por violação do direito de segurança no emprego, no direito de assistência material no desemprego, do direito dos cidadãos na situação de desemprego e em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência, e, ainda, do princípio geral de igualdade dos cidadãos perante a Lei.

b) Condene a entidade recorrida – Fundo de Garantia Salarial – a proferir decisão que defira o pedido de pagamento do crédito salarial por si reclamado, ainda que sujeito ao limite máximo assegurado pelo réu.

O Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público junto deste TCA emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II – Objeto do recurso


A questão suscitada pela Recorrente, nos limites das conclusões das alegações apresentadas a partir da respectiva motivação (cfr. artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, todos do CPC de 2013, ex vi artigo 140º do CPTA) consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro ao julgar que a Recorrente requereu intempestivamente o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho ao Fundo de Garantia Salarial.


III – Fundamentação de Facto

Na sentença foram dados como assentes os seguintes factos:

A) A A. foi trabalhadora da sociedade «C., SA.» desde 01.06.2001. - cfr. fls. 14 do processo administrativo;

B) O contrato de trabalho celebrado entre a A. e a sociedade «C., SA.» cessou em 01.04.2015. - cfr. fls. 14 processo administrativo e fls. 13 dos autos (suporte físico);

C) Com data de 08.05.2015, foi instaurado processo de insolvência, tramitado na Comarca de Lisboa – Lisboa – Instância Central – 1ª Secção Comércio – J5, sob o processo n.º 13004/15.0T8LSB, relativo à sociedade «C., SA.», no âmbito do qual, em 14.01.2016, foi proferida sentença de declaração de insolvência. - cfr. fls. 22 do processo administrativo;

D) Em 12.01.2017 no âmbito do Processo n.º 13004/15.0T8LSB, pendente na Comarca de Lisboa – Lisboa – Instância Central – 1ª Secção Comércio – J5, a A. intentou “acção especial para verificação ulterior de créditos”. - cfr. fls. 14 a 20 dos autos (suporte físico) e fls. 3 a 11 do processo administrativo;

E) A A. apresentou requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com registo de entrada em 12.01.2017, com o valor total de 11.501,97€. – cfr. fls. 1 do processo administrativo;

F) O teor do despacho de 20.03.2017, notificado à A. através do ofício com a mesma data, que aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
“Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 20 de março de 2017, do Presidente do conselho de gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento apresentado por V. Ex.ª será indeferido.
Nos termos do artigo 122º do Código do procedimento Administrativo, V. Ex.ª tem direito a pronunciar-se, antes de ser tomada a decisão final, dispondo de 10 dias úteis, a partir da presente notificação, para apresentar resposta por escrito, da qual constem os elementos que possam obstar ao indeferimento, juntando os meios de prova adequados.
Poderá igualmente contactar os serviços, na morada indicada e pelos contactos mencionados em rodapé.
O(s) fundamento(s) para o indeferimento é (são) o(s) seguinte(s):
- O requerimento não foi apresentado no prazo de um 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do nº 8 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21 de abril.”

(…)” - cfr. fls. 24 do processo administrativo;

G) O teor do despacho de 18.07.2016, notificado à A. através do ofício com data de 08.08.2016, que aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:
“Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 20 de março de 2017 do Presidente do Conselho de Gestão do fundo de garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado por V. Ex.ª foi indeferido.
O(s) fundamento(s) para o indeferimento é (são) o(s) seguinte(s):
- O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do nº 8 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21 de abril.”

(…)” - cfr. fls. 25 do processo administrativo;

H) A presente petição de impugnação foi remetida a juízo, através do «SITAF», no dia 05.07.2017.- cfr. fls. 2 dos autos;



IV – Fundamentação de Direito

Estabelece o artigo 336º do Código do Trabalho (CT, doravante) que “O pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica.”

O regime legal que previa a garantia de que o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação (pertencentes ao trabalhador, que não podiam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil) era assumido e suportada pelo Fundo de Garantia Salarial encontrava-se vertido no Regulamento do Código de Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29 de julho, designadamente no Capítulo XXVI, dedicando-se os artigos 317º a 326º à regulação da referida matéria.

Contudo, por efeito da aprovação da Lei nº 7/2009, foi revogada a Lei nº 99/2003, de 27 de agosto, que aprovou o Código de Trabalho, bem como a Lei nº 35/2004, de 29 de julho, que aprovou o Regulamento do Código do Trabalho. De acordo com o disposto no artigo 12º, nº 6, alínea o), da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, mantiveram-se em vigor os preceitos legais previstos nos artigos 317º a 326º do Regulamento do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29 de julho, até terem sido revogados pelo artigo 4º, alínea a) do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21 de abril, que aprovou o Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (NRFGS, doravante)), cuja entrada em vigor ocorreu em 04.05.2015 (primeiro dia útil do mês seguinte ao da sua publicação, nos termos do disposto no artigo 5º do referido regime legal).

Com o Decreto-Lei nº 59/2015, de 21 de abril, procedeu-se à unificação do regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial (FGS, doravante) e à revogação da anterior legislação, assegurando-se a transposição da Diretiva nº 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do trabalhador e procedeu-se à revogação da anterior legislação.

A Autora, ora Recorrente, requereu, em 12.01.2017, ao FGS, o pagamento de créditos laborais no montante de €11.501,97.

Tal requerimento foi indeferido com fundamento na circunstância de este não ter sido apresentado no prazo de 1 ano a contar da data de cessação do contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do artigo 2º do NRFGS.
Não se conformando com esta decisão, a Recorrente intentou a presente ação administrativa, pedindo ao tribunal, a condenação deste a proferir decisão que defira o pagamento dos créditos por si reclamados, declarando a inconstitucionalidade do n.º 8, do artigo 2º do NRFGS.

O tribunal a quo julgou improcedente a ação, considerando intempestivo tal pedido de pagamento de créditos por este ter sido apresentado ao FGS, “quer fora do prazo estipulado na lei antiga, quer ultrapassado que estava o prazo estipulado pelo artigo 2º, nº 8 do Decreto-Lei nº 59/2015” e absolveu o Réu do pedido.
Nos termos do disposto no artigo 3º, n.º 1 do DL nº 59/2015, de 21.04: “Ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao presente decreto-lei, os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor”, ou seja, os requerimentos apresentados até 04.05.2015 (cfr. artigo 5º).
Considerando que o requerimento para pagamento de créditos laborais foi apresentado pela ora Recorrente no dia 12.01.2017 (cfr. alínea E) dos factos provados), é o novo regime instituído pelo Decreto-Lei nº 59/2015 – o NRFGS - que se aplica.
Nos termos do artigo 2º, nº. 8, do NRFGS, o pedido de pagamento de créditos laborais deve ser apresentado “até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
Como consta da matéria de facto, o pedido da Autora foi indeferido com base nesta norma, considerando que o seu contrato cessou em 01.04.2015 e que o requerimento foi apresentado ao FGS em 12.01.2017.
Acontece que, o prazo de 1 ano previsto no artigo 2º, n.º 8 do NRFGS é um prazo inovador, na medida em que não existia, com os mesmos contornos, no regime anterior do Fundo de Garantia Salarial.
Com efeito, o que se previa no artigo 319º, n.º 3 da Lei n.º 35/2004, era que o FGS assegurava o pagamento dos créditos que lhe fossem reclamados até três meses antes da respectiva prescrição, o que evidencia um prazo para requerer os créditos laborais ao FGS contado de maneira diversa do previsto no artigo 2º, n.º 8, do NRFGS.
Daí que se imponha concluir que o prazo previsto no aludido artigo 2º, n.º 8, do NRFGS é um prazo inovador.
E sendo inovador só começa a correr a partir da data do início de vigência desse diploma, ou seja, 4/05/2015 (cfr. artigo 5º do Decreto-lei n.º 59/2015). É o que implicitamente resulta do artigo 297º do Código Civil, do qual se retira que o prazo inovador que surja na lei nova só se conta a partir da sua entrada em vigor.
Neste sentido, a declaração de voto proferida nos acórdãos do STA de 3/10/2019, proc. n.º1015/16.2BEPNF, 3/10/2019, proc. n.º 2813/16.2BEPRT e de 10/10/2019, proc. n.º 621/17.2BEPRT.
Regressando ao caso dos autos, verificamos que a Recorrente requereu o pagamento de créditos laborais em 12/01/2017, já depois de decorrido o prazo de 1 ano a contar de 4/05/2015 (data da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 59/2015), tendo sido, por isso, intempestivamente formulado face ao aludido artigo 2º, n.º 8 do NRFGS.
A Recorrente defende que o tribunal a quo errou ao não ter desaplicado esta norma por inconstitucionalidade.
O Tribunal Constitucional já se debruçou sobre o n.º 8 do artigo 2º do NRFGS, julgando esta norma inconstitucional, por violação dos artigos 2º, 13º e 59º, nºs 1 e 3 da CRP, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insusceptível de qualquer interrupção ou suspensão – cfr., entre outros, acórdão do TC n. 328/2018, de 27.06.2018, no processo 555/2017 (rectificado pelo acórdão nº 447/2018).
Afirmou-se no acórdão do TC nº 328/2018 «…que está em causa é saber se, na contagem desse prazo é possível incluir um período temporal (que como vimos, pode ser assinalável) especificamente determinado e tendente à criação de um pressuposto essencial do direito ao acionamento do FGA (o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente), cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito. Assim se cria uma evidente antinomia: o trabalhador-credor de um empregador insolvente que queira ver tutelado o direito à prestação pelo FGS vê-se obrigado a pedir a declaração de insolvência e, a partir desse momento, as vicissitudes próprias do processo que fez nascer com essa finalidade, comprometem o exercício desse mesmo direito, sem que um comportamento alternativo lhe seja exigível – rectius, possa por ele ser adotado – no sentido de evitar essa preclusão”, pelo que «ao fazer nascer, ainda que potencialmente, na própria condição de realização de um direito a causa da sua extinção, à qual o respetivo titular se vê impossibilitado de obstar, o legislador deixa de conferir à retribuição – e ao “remédio” (…) para a sua perda – a tutela que lhe era devida nos termos do artigo 59.º, n.º 3 da Constituição. Sendo certo que o sistema do FGS “pressupõe um nexo entre a insolvência e os créditos salariais em dívida” (acórdão do TJUE de 28 de novembro de 2013…), seria o próprio processo judicial com aptidão para estabelecer o referido nexo que constituiria causa da preclusão do direito», gerando-se «diferenciações arbitrárias na concessão (na realização) daquele direito a distintos titulares, subordinado que fica este à duração maior ou menor da fase inicial dos processos de insolvência, em função de ter sido deduzida oposição, da duração das audiências de julgamento, das diferentes capacidades de resposta dos tribunais, etc. Tudo fatores alheios à vontade do trabalhador-credor e que, por isso mesmo, não suportam a afirmação de existência de algo semelhante a um “domínio do facto” por este, cujo efeito de condicionamento do respetivo direito não encontra justificação na tutela de qualquer outro valor que possamos considerar relevante no confronto com a necessidade de tutela da retribuição que se verifica no contexto apontado», a ponto dos beneficiários deste regime de protecção «não disporem, consistentemente, da possibilidade de, agindo com normal diligência, anteverem com suficiente segurança o comportamento que devem adotar para formular atempadamente a sua pretensão junto do FGS, assim se comprometendo as exigências mínimas de certeza decorrentes do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição)».

Ora, tendo para nós que o prazo do n.º 8 do artigo 2º do NRFGS é de caducidade, não se nos afigura possível, tendo presente o disposto no artigo 328º do Código Civil, que se possa operar a sua suspensão ou interrupção, pelo que, face à enunciada declaração de inconstitucionalidade, resta-nos a desaplicação da norma do n.º 8 do artigo 2º do NRFGS.

Sendo esta norma de desaplicar, subsiste o regime revogado pelo DL nº 59/2015 (que aprovou o NRFGS) que é o dos arts. 336º e 337º do CT, 316º, 317º, 318º e 319º da Lei nº 35/2004 (cfr. acórdão do STA de 31.10.2019, proferido no processo n.º 776/17.6 BEPRT).
No regime anteriormente vigente, plasmado nos artigos 316º a 326º da Lei nº 35/2004, de 29 de julho, estabelecia-se que só estavam abrangidos pelo FGS os créditos laborais desde que tivessem sido reclamados até três meses antes da prescrição (cfr. nº 3 do artigo 319º da Lei nº 35/2004).
Esta prescrição é a prevista no nº 1 do artigo 337º da Lei nº 7/2009, de 12.02, que aprovou o Código do Trabalho, que prevê um prazo prescricional de um ano contado do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho para os créditos laborais, prazo esse sujeito às regras da interrupção e da suspensão.
O contrato de trabalho da Recorrida cessou em 01.04.2015, pelo que os créditos, daí emergentes, prescreveriam passado um ano.
Este prazo não sofreu qualquer interrupção nesse prazo de um ano, o que apenas sucederia se tivesse sido a Recorrente a instaurar o processo de insolvência ou se aí tivesse reclamado os seus créditos (cfr. artigos 323º e 326º, n.º 1, ambos do CC) ou se os mesmos tivessem sido judicialmente reconhecidos (cfr. artigos 311º, n.º 1 e 309º do CC).
E só sofreu suspensão com a sentença de declaração de insolvência, proferida em 14.01.2016, nos termos do artigo 100º do CIRE, que estabelece que: “ A sentença de declaração de insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor durante o decurso do processo.”
O art. 100º do CIRE estabelece uma regra específica de suspensão do prazo de prescrição aplicável aos credores da insolvência, valendo a suspensão durante o período que vai da data da declaração de insolvência até ao encerramento do processo, nos termos do fixado no art. 230º do CIRE.
A factualidade demonstra que a Recorrente peticionou os seus créditos em 12.01.2017, no processo de insolvência, em sede de reclamação ulterior de créditos (no exato dia em que requereu o pagamento dos mesmos ao FGS). Portanto, por via dessa reclamação ulterior de créditos, terá interrompido (cfr. artigos 323, n.ºs 1 e 2 do CC) o prazo de prescrição, previsto no artigo 337º, nº 1, do Código do Trabalho, que se encontrava suspenso desde o dia 14.01.2016 (data da declaração de insolvência), o que não podemos ter como seguro pois não sabemos em que data encerrou o processo de insolvência.
Aqui chegados cumpre verificar se a Recorrente requereu, ou não, atempadamente, os seus créditos laborais junto do FGS.
Tenhamos presente o teor do n.º 3 do artigo 319º da Lei n.º 35/2004:
“3 – O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até 3 meses antes da respetiva prescrição.”
Não obstante se admita que a estatuição deste preceito não é absolutamente clara, não pode deixar de ser interpretada no sentido de que os créditos laborais não podem ser reclamados ao FGS depois de decorrido o lapso temporal de 9 meses que se inicia a partir do começo do cômputo do prazo prescricional de um ano previsto no artigo 337º do CT, a não ser que ocorra qualquer causa de suspensão ou de interrupção do prazo prescricional previsto no artigo 337º do CT dentro desse lapso temporal de 9 meses, de tal maneira que, cessando o contrato de trabalho a 01.04.2015, só poderão ser reclamados os créditos emergentes desse contrato de trabalho até 01.01.2016, salvo ocorrida suspensão ou interrupção daquele prazo de um ano até esta última data (01.01.2016).
Se a norma do n.º 3 do artigo 319º da Lei n.º 35/2004 não fosse assim interpretada, não se encontraria fundamento lógico para o legislador exigir a reclamação destes créditos até 3 meses da respetiva prescrição, bastando-lhe estatuir que o FGS só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até à respetiva prescrição.
Ou seja, o legislador consagrou aqui um prazo, decorrido o qual deixa de ser possível ao trabalhador exigir o pagamento dos créditos ao FGS, prazo este que, embora esteja indexado ao prazo de prescrição dos créditos laborais, não deixa de ser um prazo próprio, que é aferido com referência ao início da contagem do prazo prescricional daqueles créditos laborais.
A relação jurídica que se estabelece entre o trabalhador e a sua entidade patronal (relação laboral) é distinta da que se estabelece entre o trabalhador e o FGS (relação de proteção social), o que justifica a autonomia entre os referidos prazos.
Com a estatuição “até 3 meses antes da respetiva prescrição”, o legislador, tendo presente aquele prazo inicial de prescrição dos créditos laborais previsto no n.º 1 do artigo 337º do CT, quis imprimir uma ideia de celeridade, fixando “indiretamente” um prazo de 9 meses contado a partir da cessação do contrato de trabalho, decorrido o qual o trabalhador já não poderia requerer o pagamento dos créditos laborais ao FGS.
Esta interpretação é, de resto, a que melhor se coaduna com a própria razão de ser da criação do FGS, que teve como objectivo fundamental garantir um rápido acesso pelos requerentes às prestações em dívida pela sociedade insolvente. Ao estabelecer este prazo a lei presume que o lesado esteja efetivamente necessitado dessas prestações, daí exigir-lhe que, cessado o vínculo laboral, se interesse por promover a sua reclamação junto do FGS, ou, no mínimo, junto da sociedade devedora (o que passa pela tomada célere de medidas por parte do lesado no sentido de pugnar pelos seus direitos, requerendo, nomeadamente, a insolvência da sociedade ou o pagamento dos seus créditos em ação judicial dirigida a esta) antes de decorrido um lapso de tempo contado a partir da cessação do contrato, lapso esse que “indiretamente” fixou em 9 meses.
Assim se compreende a exigência legal de reclamação dos créditos ao FGS até 3 meses da respetiva prescrição, plasmada no nº 3 do artigo 319º da Lei n.º 35/2004.
No caso concreto, a Recorrente, muito embora tenha visto o seu contrato cessado em 01.04.2015, apenas em 12.01.2017 peticionou os seus créditos ao FGS (no exato dia em que os peticionou no processo de insolvência, em sede de reclamação ulterior de créditos). Não ocorreu, como vimos, qualquer causa de interrupção do prazo prescricional previsto no artigo 337º do CT (ou de suspensão) até 01.01.16, data em que se completariam 9 meses desde o início da sua contagem (01.04.2015).
Terá ocorrido essa interrupção do prazo prescricional previsto no artigo 337º do CT em janeiro de 2017, como vimos, mas tal em nada interfere, no caso concreto, com o prazo, decorrido o qual já não poderia reclamar os créditos laborais junto do FGS, prazo este que já se tinha completado em 01.01.2016.
Decorrido este prazo, não há suspensão ou interrupção possível do mesmo.
Pelo que, para efeitos de reclamação ao FGS, não relevam as causas de suspensão ou de interrupção ocorridas passados os primeiros 9 meses do início da contagem do prazo prescricional dos créditos laborais.
O pedido formulado pela Recorrente junto do FGS é, portanto, intempestivo face à lei antiga.
Assim, é negar provimento ao recurso.
V – Decisão
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao presente recurso.
Custas pela Recorrente.
Registe e D.N.

Porto, 13 de dezembro de 2019



Isabel Costa
João Beato
Helena Ribeiro