Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01832/23.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/10/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA
Descritores:AMPLIAÇÃO E IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA;
ERRO GROSSEIRO;
Sumário:
I – Fora da iniciativa oficiosa, a ampliação da decisão sobre a matéria de facto só é admissível quando os factos em causa constituam desenvolvimento ou concretização dos factos alegados pelas partes e resultem da instrução processual, desde que tenha sido assegurado o princípio do contraditório e se enquadrem na previsão das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, respeitantes a factos notórios ou do conhecimento funcional do tribunal.

II- A matéria de facto a coligir no probatório reporta-se exclusivamente à verificação de “eventos históricos” e não à qualificação subjetiva e/ou legal de tais eventos.

III - Os juízos valorativos, a existir, devem ser formulados, se for esse o caso, em sede de direito, em face dos factos dados como provados.

IV- A atividade valorativa por parte dos júris dos concursos é contenciosamente insindicável, salvo em caso de erro grosseiro ou de inobservância dos princípios da proporcionalidade, da imparcialidade e da adequação, porquanto tal atividade se insere no âmbito da chamada “discricionariedade técnica”, situando-se dessa forma na margem de livre apreciação que lhe assiste.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:

* *

I – RELATÓRIO

1. O MUNICÍPIO ... e a sociedade comercial [SCom01...], S.A., Réu e Contrainteressada, respetivamente, nos presentes autos à margem referenciados de AÇÃO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Autora a sociedade comercial [SCom02...], S.A., vêm, cada um por si, interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que julgou a presente ação procedente e, em consequência, “(…) anul[ou] o ato de adjudicação praticado pela Câmara Municipal ..., datado de 03/08/2023, no âmbito do concurso público para a execução da empreitada de obra pública denominada “Acessibilidades 360º - Melhoria das Acessibilidades no Espaço Público”, bem como os actos consequentes, designadamente, o contrato de empreitada; e (…) [condenou] o Réu a retomar o procedimento concursal, procedendo a nova avaliação das propostas submetidas, e repetindo os actos exigidos, expurgados do apontado vício (…)”.

2. Nas suas alegações recursivas, o Réu/Recorrente formulou, a final, as seguintes conclusões: “(…)

I. A avaliação da proposta da recorrida integra matéria inserida na discricionariedade técnica da Administração, onde existe uma larga margem de discricionariedade e que está, por regra, subtraída à sindicabilidade jurisdicional, porque atinente ao mérito e oportunidade da ação da Administração, só assim não sucedendo quando ocorram juízos avaliativos inquinados por erros grosseiros, ostensivos, palmares, o que não é, claramente, o caso.

II. A recorrida limitou-se a discordar da avaliação da sua proposta (no caso, e no que ao presente recurso respeita, quanto ao subfactor Plano de Equipamentos, parâmetro PE1, do factor “Valia Técnica” do critério de adjudicação estabelecido pela entidade adjudicante), tendo querido colocar o Tribunal, como colocou, na posição de se substituir à Administração, invadindo uma esfera que só a esta pertence, nos termos referidos nos doutos arestos que nesta peça se citaram.

III. Ao contrário daquilo que se lê na douta sentença, que aderiu à posição da recorrida, a proposta da mesma foi penalizada no citado subfactor, não pela falta de quaisquer vulgares “caixotes de lixo” (expressão que a recorrida inventou apenas nos presentes autos e que a douta sentença acabou por acolher), que nada tem a ver com qualquer exigência das peças do procedimento, onde não aparecem em qualquer lado, mas antes pela falta de “equipamento de deposição de resíduos”.

IV. Também apenas nos presentes autos a recorrente veio alegar que a gestão de resíduos da obra que faria era no final de cada dia, carregando-os e transportando-os para um operador final, não tendo sido nada disso, porém, que a mesma nos mais diversos documentos da sua proposta se vinculou e mostrou ter consciência da importância decisiva da gestão de resíduos da construção e da demolição (RCD’s).

V. O que estava em causa no procedimento concursal e no referido subfactor em concreto, não era o que a recorrida alegou e a douta sentença recorrida acolheu, ou seja, não era a inexistência de “caixotes do lixo”, mas antes a implementação de todo um sistema integrado de gestão selectiva dos Resíduos de Construção e Demolição (RCD’s), o qual inclui obrigatoriamente a existência de um equipamento de acondicionamento e deposição de resíduos em conformidade com a Lista Europeia de Resíduos (códigos LER) em conformidade com o Plano de Prevenção e Gestão de Resíduos de Construção e Demolição (PPGRCD) previsto para a obra em questão e que faz parte dos elementos complementares do projeto de execução da obra, patenteado no processo do concurso.

VI. Em qualquer obra de construção civil prevê-se sempre a existência de um local apropriado no estaleiro da obra para o acondicionamento inicial dos resíduos que são gerados na mesma, sendo que é para tal que são utilizados equipamentos de deposição de plásticos, madeiras, papéis e metais de pequenas dimensões, podendo ser materializados por equipamentos a afectar à obra como “bigbag´s”, contentores ou outro recipiente aberto e resistente.

VII. Tais equipamentos, a que a recorrida optou por chamar “caixotes do lixo”, terão de estar obrigatoriamente previstos no Plano de Equipamentos da obra.

VIII. Argumentando-se na douta sentença recorrida que no "Mapa de Quantidades" não consta qualquer tarefa que implique a existência de “caixotes de lixo”, dir-se-á, que não consta, nem tinha de constar, uma vez que não era isso que estava em causa e que a entidade adjudicante exigiu.

IX. O que existe, e de forma perfeitamente correcta, é o “art.º 0.6.5 - E) Implementação do plano de prevenção e gestão de resíduos da construção e demolição (P.P.G.R.C.D.)”, sem unidade de medida, por ter sido assumido pela entidade adjudicante, como é usual, que o custo da implementação do PPGRCD dever ser necessariamente contemplado pelos concorrentes em cada artigo que implique a produção ou reutilização de resíduos, o que por todos foi considerado, tanto mais que nenhum concorrente solicitou qualquer esclarecimento sobre a matéria dentro do prazo previsto na lei para o efeito.

X. Da leitura do Mapa de Quantidades patenteado resulta, logo no seu preâmbulo e, depois, ao longo do seu articulado, a necessidade de implementação do PPGRCD.

XI. Sendo que o empreiteiro deverá, antes, durante e após a execução dos trabalhos, evidenciar o cumprimento do Plano de Prevenção e Gestão de Resíduos de Construção e Demolição, nos termos da legislação aplicável, sendo que, inclusivamente, nos termos dos artigos 395º/4 do CCP e 55º/8 do DL n.º 102-D/2020, de 10 de Dezembro, pode a obra não ser recebida se o dono da obra não atestar a correta execução do plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição.

XII. A aplicação em obra de uma metodologia de triagem dos resíduos, com um sistema de controlo e registo, é obrigatória e até se encontra descrita em documento apresentado pela recorrida em “Descrição da Gestão Ambiental”, sendo que, todavia, a mesma acabou por o desvalorizar, ao não o contemplar no Plano de Equipamentos apresentado, o que comprova, por um lado, que a mesma tinha consciência de que o mesmo é um equipamento indispensável para a execução da obra e, por outro, e contraditoriamente, ela foi descuidada ao não o incluir no Plano de Equipamentos apresentado, esse sim, documento sujeito a análise e avaliação do Júri.

XIII. No caso do procedimento concursal dos autos, o Plano de Equipamentos para a execução dos trabalhos é um dos documentos que instruem a proposta e cujos atributos são submetidos à concorrência de mercado, sendo, portanto, um documento analisado e avaliado conforme o modelo de avaliação patenteado no Anexo III do Programa de Procedimento, sendo a sua falta, obviamente, penalizada, tendo sido isso que sucedeu com a proposta da recorrida.

XIV. Nas empreitadas de obras públicas, o projeto de execução é obrigatoriamente acompanhado de um PPGRCD que assegura o cumprimento dos princípios gerais de gestão de RCD e das demais normas do DL. n.º 102-D/2020, de 10 de Dezembro, que terá de apresentar o conteúdo mínimo constante do seu artigo 55º, nomeadamente, tal como a entidade adjudicante fez e o empreiteiro é obrigado a cumprir, nos termos do n.º 4 do preceito, não competindo aos concorrentes, quando muito bem o entenderem, muito menos na fase de pré-contratual, alterá-lo a seu bel-prazer ou substituí-lo empiricamente pelas medidas que muito bem entendam levar a efeito.

XV. No caso concreto, o PPGRCD em fase de projeto patenteado aos concorrentes é perfeitamente claro e peremptório ao exigir (cfr. pág. n.º 5, ou folha n.º 105 do mesmo) que “Na execução da empreitada deverá ser criado um Parque de Resíduos devidamente sinalizado constituído por recipientes/locais de armazenamento devidamente identificados com o código LER (Lista Europeia de Resíduos) de cada resíduo armazenado que teria de compreender duas zonas distintas: - `Zona de Resíduos Não Perigosos’ (…); - `Zona de Resíduos Perigosos’ “, ambas devidamente caracterizadas no Plano.

XVI. Por sua vez, a recorrida, nos documentos que apresentou com a sua proposta tratou de fazer as mais variadas referências, quer à “zona de resíduos”, nomeadamente no documento intitulado “Descrição Pormenorizada da Implantação do Estaleiro” (fls. 9 e 10), quer a “locais destinados à gestão de resíduos”, à contenção dos resíduos em “ recipientes adequados” , quer à armazenagem de resíduos e escombros, nomeadamente no documento intitulado “Descrição da Gestão da Segurança, Saúde e Higiene no Trabalho” (págs. 20, 38 e 40), os quais teriam de estar necessariamente em consonância com o Plano de Equipamentos apresentado.

XVII. E no documento apresentado pela recorrida, denominado “Descrição da Gestão Ambiental”, fez a mesma as mais variadas menções à gestão adequada de resíduos, à sua importância fundamental na minimização da sua perigosidade e dos impactes dos mesmos e à sua reutilização, recolha, separação, transporte, e valorização, às práticas da empresa em matéria de triagem, acondicionamento, acondicionamento e triagem, tratamento, valorização, encaminhamento e eliminação de resíduos, que só em último lugar se justificaria a sua deposição em aterro, bem como ao armazenamento de resíduos devidamente planeado, de modo a existirem número de contentores/recipientes: suficientes com identificação do nome, cor e indicação de exemplos de resíduos a colocar e que ofereçam resistência a contaminações (por ex.º metais, óleos usados, solos contaminados, etc.). - págs. 1, 24, 30, 36, 39 e 42.

XVIII. Mas se bem o enunciou, logo se esqueceu de apresentar quaisquer equipamentos de deposição, nem sequer os vulgares “caixotes do lixo” a que reconduziu o sistema integrado de gestão selectiva de resíduos de construção e demolição, mas só já nos presentes autos.

XIX. Não se estava a falar, pois, no procedimento concursal, em vulgares “caixotes do lixo”, nem que estes consubstanciem ou não quaisquer “equipamentos”, nem muito menos na realização dos trabalhos (certamente trabalhos referentes à deposição de resíduos) sem equipamento de deposição de resíduos, realizando tal actividade de forma alternativa, com o mero transporte diário dos resíduos a operador final, pois que não foi essa, nem de perto, nem de longe, a exigência da entidade adjudicante no PPGRCD que patenteou aos concorrentes, nem as obrigações que a própria recorrida disse assumir nos documentos que apresentou e que se esqueceu depois de reflectir no Plano de Equipamentos que apresentou.

XX. Ora, a avaliação das propostas tinha de ser feita em face do concreto conteúdo das mesmas, aplicando as pontuações referentes aos factores e subfactores que densificam o critério de avaliação fixado pela entidade adjudicante e de acordo com os descritores constantes do programa do procedimento, ou seja, com base no modelo de avaliação pré-definido, e não com meras alternativas que cada concorrente entenda posteriormente que poderia adoptar.

XXI. Foi perante a absoluta omissão da previsão no Plano de Equipamentos que apresentou de qualquer equipamento de deposição de resíduos, que a recorrida decidiu converter semelhante omissão na mera falta de previsão de meros “caixotes do lixo”, que pelos vistos nem seriam já necessários, uma vez que no final de cada dia, a recorrida carregá-los-ia para um camião e transportá-los-ia a operador final.

XXII. Ao dar crédito à singular tese da recorrida, considerando que estava apenas em causa uns vulgares “caixotes do lixo” e que todo o sistema integrado de gestão selectiva de RCD’s poderia ser substituído, por mera decisão do concorrente, pelo transporte diário dos resíduos a operador final, sem que tenha sido isso que o dono de obra exigiu nas peças patenteadas e aquilo que, em tese, a recorrida se obrigou a cumprir, mas que na prática se esqueceu de prever na sua proposta, mais concretamente na parte em que se refere ao subfactor “Plano de Equipamentos” do factor “Valia Técnica” (parâmetro PE1) do critério de adjudicação fixado pela entidade adjudicante, ocorreu erro de julgamento da douta sentença recorrida, sendo manifesto que o Réu avaliou correctamente o subfactor em causa e que a avaliação das propostas feita relativamente ao mesmo não padece de qualquer vício ou erro, muito menos erro grosseiro, palmar, ostensivo.

XXIII. Sempre ressalvado o devido respeito, foram violadas as disposições dos artigos 3º/1 do CPTA, 161º, a contrário, e 163º do CPA, 70º/1, 73.º a 75.º, 139.º e 146º/1 do CCP e 11º, Anexo III, do Programa do Concurso (…)”.


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3. Também a Contrainteressada/Recorrente apresentou alegações que assim concluiu:”(…)

I. A A., no parâmetro “PE1 Afetação e adequação do equipamento” do subfactor “Plano de Equipamentos”, obteve uma pontuação de 6 (SATISFATÓRIO - Descreve e cumpre satisfatoriamente os aspetos essenciais, com suficiente detalhe e adequação), tendo o júri considerado que existiam as seguintes faltas de equipamento: ferramentaria, instalações sanitárias, entivação, empilhador, detetor de gases, e equipamento de deposição de resíduos.
II. A questão que se coloca é, então, saber se para a execução da obra a concurso é totalmente descabida a utilização de “equipamento de deposição de resíduos”: se o júri, ao valorar a previsão de “equipamentos de deposição de resíduos”, incorreu num erro crasso, palmar, ostensivo; se, pelo simples senso comum, face às peças concursais e à natureza da empreitada em causa, era manifesta a desadequação da utilização de “equipamentos de deposição de resíduos”.
III. Com interesse para o mérito da causa, importa aditar aos factos provados, os seguintes factos que se encontram plasmados no PA:
1. No “Mapa de trabalhos quantidades e estimativa orçamental – Global”, no Preâmbulo, ficou previsto no ponto “E” o seguinte trabalho transversal à obra: “Implementação de plano de prevenção e gestão de resíduos da construção e demolição (P.P.G.R.C.D.) - cfr. fls. 1 do Mapa, correspondente a fls. 12 do PA.
2. No Plano de Prevenção e Gestão de Resíduos da Construção e Demolição – Fase de Projeto, ficou previsto:
iv) No capítulo “Enquadramento” - “Incumbe ao empreiteiro ou ao concessionário executar o PPG, assegurando, designadamente: (...) - A existência na obra de um sistema de acondicionamento adequado que permita a gestão seletiva dos RCD. – cfr. fls. 3 do Plano, correspondente a fls. 104 do PA;
v) No capítulo “Nas práticas de controlo operacional” – “Na execução da empreitada deverá ser criado um Parque de Resíduos, devidamente sinalizado, constituído por recipientes/locais de armazenamento, devidamente identificados com o código LER (Lista Europeia de Resíduos) de cada resíduo armazenado que compreenderá duas zonas distintas:” “Zona de Resíduos Não Perigosos” (...) Zoa de Resíduos Perigosos.” – cfr. fls. 5 do Plano, correspondente a fls. 106 do PA;
vi) Na tabela de tarefas, no que concerne ao acondicionamento e triagem de RCD na obra ou em local afeto à mesma: “Por uma questão prática, poderá ser necessário implementar, nas frentes de obra, a colocação de outros contentores/recipientes adequados, como forma de armazenamento temporário de resíduos no local de produção.
De referir ainda que o produtor de RCD está obrigado a assegurar a: - Existência na obra de um sistema de acondicionamento adequado que permita a gestão seletiva dos RCD; - Aplicação em obra de uma metodologia de triagem de RCD ou, quando tal não seja possível, o seu encaminhamento para operador de gestão licenciado” – cfr. fls. 9 do Plano, correspondente a fls. 110 do PA;
3. Na proposta apresentada a concurso pela A., quanto à gestão de resíduos, previu-se:
v) Na lista de preços unitário, no capítulo do preâmbulo, sob o artigo 0.6.5, previu-se o seguinte trabalho “Implementação do plano de prevenção e gestão de resíduos da construção e demolição” – fls. 1383 do PA.
vi) Na Descrição da Gestão Ambiental, no Plano de Gestão de Resíduos de Construção e Demolição , vem referido que: “O armazenamento de resíduos deve ser planeado de modo a existirem: “N.º de contentores / recipientes: mais contentores para resíduos produzidos em maior quantidade” – cfr. fls. 42 da Descrição da Gestão Ambiental, correspondente a fls 1736 do PA.
vii) No fluxograma do Plano de Gestão de Resíduos, da Instrução de Trabalho - Gestão De Resíduos Em Obra, estão previstas duas alternativas para a situação “Resíduos enviados diariamente para operador licenciado?”. Caso a resposta seja negativa, então é feita a “separação de resíduos” e o “acondicionamento” – cfr. fls. 3 da Instrução, correspondente a fls 1776 do PA.
viii) Na Descrição Pormenorizada da Implementação do Estaleiro, na secção do “Funcionamento do Estaleiro”, foi previsto que o estaleiro seria dotado de uma “Zona de resíduos”, tendo-se, igualmente previsto, para as “áreas de trabalho”, “zona de resíduos (com local de separação e triagem, e de armazenamento por tipologia de acordo com código LER)” – cfr. fls 10 e 18 da Descrição, correspondentes a fls 1412 e 1429 do PA.
IV. Além disso, deve alterar-se o facto provado “O” para a seguinte redação: “É possível realizar a maioria dos trabalhos descritos no Caderno de Encargos sem equipamento de deposição de resíduos, utilizando-se, alternativamente, camiões para o seu acondicionamento e o transporte diário para vazadouro autorizado, devendo as cargas ser devidamente credenciadas e registadas através do seu código LER. No entanto, para os resíduos de menores quantidades e designadamente, plásticos, madeiras, metais e cartão, será sempre necessário o acondicionamento e triagem, em equipamentos de deposição de resíduos. Sendo que a ausência dos equipamentos de deposição de resíduos no Plano de Equipamentos é uma omissão de tal documento”.
V. É que, suportando-se aquele facto na prova pericial, o que, em bom rigor, resulta da perícia é que a maioria dos trabalhos descritos no Caderno de Encargos pode ser realizada sem equipamento de deposição de resíduos, tendo como alternativa o recurso a camiões (veículos pesados) que transportam diariamente as cargas necessárias para o efeito, devidamente credenciadas e registadas através do seu código LER, para vazadouros autorizados. No entanto, para resíduos produzidos em menor quantidade, como plásticos, madeiras, metais, cartão, será sempre, legalmente, necessário o seu armazenamento corrente através de contentores de resíduos, big-bags. Tendo o perito considerado que a falha desses contentores era uma falha do Plano de Equipamentos.
VI. E, julgando-se procedente, como impõem os elementos instrutórios do processo, a impugnação da matéria de facto, em especial, no que concerne ao facto “O”, tal implica, necessariamente, que se considere inexistir qualquer vício na avaliação por parte do júri.
Sem prescindir,
VII. O primeiro argumento utilizado pelo Tribunal a quo é que no ““Mapa de Quantidades” não consta qualquer tarefa que implique a existência de caixotes de lixo, como tampouco consubstanciam os mesmos equipamentos”; e que caso pretendesse a “Entidade Adjudicante valorar a observância, por parte do concorrente, de tais imposições de triagem de resíduos, deveria tê-lo acutelado expressamente em sede de peças concursais, não o podendo fazer a posteriori, como sucedeu no caso presente”.
VIII. O júri atribuído à A. a pontuação 6 no parâmetro “PE1 Afetação e adequação do equipamento” do subfactor “Plano de Equipamentos”, justificou a sua avaliação na falha, entre outros, dos “equipamentos de deposição de resíduos”
IX. A A., tentando mistificar e subvalorizar a sua falha, chama àqueles equipamentos – admitimos que em tom jocoso, pois em sede de quesitos adota a terminologia correta – de caixotes de lixo. Mas, é de singela elementaridade que estando em causa a gestão de resíduos de construção e demolição, os “equipamentos de deposição de resíduos” são industriais, como seja os contentores e big-bags (aliás, a própria perícia faz-lhes referência), de capacidade, resistência e natureza totalmente distinta dos meros caixotes do lixo, cujo fim são, insiste-se, os resíduos domésticos e que, como é óbvio, nada têm a ver com a avaliação do júri.
X. E sendo os equipamentos de deposição de resíduos necessários à execução Plano de Prevenção e Gestão de Resíduos de Construção e Demolição, a execução desse Plano, contrariamente ao referido pelo Tribunal a quo, estava expressamente prevista nas peças do concurso: estava previsto no Preâmbulo do “Mapa de trabalhos quantidades e estimativa orçamental – Global”, enquanto tarefa a cumprir transversalmente na execução de todos os trabalhos (“Implementação de plano de prevenção e gestão de resíduos da construção e demolição (P.P.G.R.C.D.”). E estava previsto no Plano de Prevenção e Gestão de Resíduos da Construção e Demolição – Fase de Projeto, onde se deixou expresso que o empreiteiro teria de salvaguardar “a existência na obra de um sistema de acondicionamento adequado”, e que teria de “criar um Parque de Resíduos, devidamente sinalizado, constituído por recipientes/locais de armazenamento”.
XI. De resto, em consonância com as peças do concurso, a A. na sua proposta previu, expressamente, a existência de contentores de resíduos e a criação de “zonas de resíduos”.
XII. Note-se que, mesmo do ponto de vista legal, no “Regime geral da gestão de resíduos, Regime jurídico da deposição de resíduos em aterro e alteração ao regime da gestão de fluxos específicos de resíduos”, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 102-D/202, dispõe o art. 55.º, 4, b), sob a epígrafe “Gestão de resíduos de construção e demolição em obras públicas”, que incumbe ao empreiteiro assegurar “a existência na obra de um sistema de acondicionamento adequado que permita a gestão seletiva dos RCD”.
XIII. O segundo argumento utilizado pelo Tribunal a quo é que “resultou provado ser possível realizar os trabalhos descritos no Caderno de Encargos sem equipamento de deposição de resíduos, tendo como alternativo o transporte diário dos mesmos, com recurso a operador licenciado, e que respeite a exigida triagem."
XIV. Mas a questão não se trata de saber se existiam ou não alternativas ao procedimento previsto nas peças concursais e se existiam alternativas à utilização dos equipamentos de deposição de resíduos: a questão está em saber se, no contexto da obra e das peças concursais, seria totalmente descabida a utilização de “equipamento de deposição de resíduos”, de tal forma que o júri, ao valorar a sua previsão no Plano de Equipamentos, incorria em erro crasso, palmar e ostensivo.
XV. Ora, a decisão do Tribunal a quo, imputando um vício à avaliação do júri, não incide sobre erros palmares, erros de tal forma grosseiros que seria óbvio que a falta do equipamento apontada pelo júri, como penalizante, fosse totalmente inútil à obra e aos respetivos trabalhos parcelares.
I. O Tribunal a quo considera que existiam métodos alternativos, mas uma coisa é ser possível executar a obra sem determinados equipamentos, outra bem diferente é julgar-se que determinados equipamentos são desadequados a essa execução.
II. Naturalmente, não podia era o Tribunal, em substituição do Júri, e em conflito com a sua margem de “livre apreciação”, aquilatar juízos que não constituíam erros palmares (aliás não constituem qualquer erro), nem tão pouco substituir-se na ponderação das propostas, fazendo a sua própria avaliação de adequação do equipamento (…)”.

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4. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida apresentou contra-alegações, as integram, a título subsidiário, um pedido de ampliação do objeto do recurso - que rematou da seguinte forma: “(…):


1- De acordo com o exposto ao longo das presentes contra-alegações, a douta sentença recorrida não viola qualquer normativo legal, pelo que não merece o mínimo reparo, uma vez que faz uma apreciação e aplicação irrepreensível do direito aos factos.

2- Sem prejuízo, e apenas a título subsidiário, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pelos recorrentes, impugna a recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 2 do C.P.C, ex vi, artigo 1.º do C.P.T.A., a matéria de facto da douta sentença recorrida, no que toca ao facto provado P), cuja redação deve ser alterada para a seguinte «P) Os designados “ferramentaria (contentor)” e “WC” não são considerados equipamentos mas sim instalações necessárias para a execução dos trabalhos.»

3- Assim, estando em causa nos presentes autos a valoração atribuída à proposta da autora, quanto ao subfactor PE1 do “Plano de Equipamentos”, que analisa a “Afetação e Adequação” da distribuição dos equipamentos pelas atividades, não poderia a autora ser prejudicada pela omissão de instalações e não de equipamentos, incorrendo o júri do procedimento em erro manifesto na penalização aplicada, pela alegada falta de ferramentaria (contentor).

Termos em que, com o douto suprimento, devem os recursos interpostos pelo réu, MUNICÍPIO ..., e pela contrainteressada, [SCom01...], S.A., ora recorrentes, ser julgados totalmente improcedentes e, consequentemente, confirmada a douta sentença recorrida.

Caso assim se não entenda, o que por mera hipótese e cautela de patrocínio se coloca, deve então ser julgado procedente a impugnação da matéria de facto ora deduzida em sede de ampliação do âmbito do recurso, a título subsidiário, nos termos artigo 636.º, n.º 2 do C.P.C, ex vi, artigo 1.º do C.P.T.A. e, em consequência, ser alterada a redação do facto provado P), procedendo a invalidade do ato de valoração da proposta da autora, por erro manifesto do júri na penalização aplicada, pela alegada falta de ferramentaria (contentor) (…)”.

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5. Os Recorrentes responderam ao pedido de ampliação do objeto do recurso, defendendo a improcedência do mesmo.

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6. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão dos recursos, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

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7. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no n.º 1 do artigo 146.º do C.P.T.A.

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8. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

9. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

10. Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir são as seguintes:

(i) Quanto ao recurso interposto pelo Município ..., determinar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por ofensa da normação contida nos “(…) artigos 3º/1 do CPTA, 161º, a contrário, e 163º do CPA, 70º/1, 73.º a 75.º, 139.º e 146º/1 do CCP e 11º, Anexo III, do Programa do Concurso (…)”;
(ii) Quanto ao recurso interposto pela [SCom01...], S.A, apurar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de (i) facto, por errada apreciação da matéria de facto, e, bem assim, de erro de julgamento de (ii) direito, mormente, por violação da denominada discricionariedade técnica ou administrativa;
(iii) Quanto à ampliação de recurso pretendida nos autos, verificar se assiste razão à Recorrida quando advoga, por um lado, que a segunda parte do facto provado P) se encontra em manifesta contradição com a primeira parte e com o exigido em sede concursal, devendo, por isso, ser substituído pela seguinte redação:« P) Os designados “ferramentaria (contentor)” e “WC” não são considerados equipamentos mas sim instalações necessárias para a execução dos trabalhos.» e, por outro que, em função dessa alteração da matéria de facto, impõe-se concluir que “(…) o júri do procedimento incorreu em erro grosseiro ao penalizar a valoração atribuída à proposta da autora, quanto ao subfactor PE1 do “Plano de Equipamentos”, por omissão de referência a equipamentos (ferramentaria e WC), uma vez que estes se tratam, nomeadamente, e sem sombra de dúvidas, a ferramentaria, de instalações e não de equipamentos (…)”.

11. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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III- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

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III.1 – DO ERRO[S] DE JULGAMENTO DE FACTO

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12. A primeira questão decidenda consubstancia-se em saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos pontos indicados pela Recorrente [SCom01...], Lda.

13. Realmente, esta Recorrente clama que, por relevaram interesse ao mérito da causa, devem ser aditados os seguintes factos plasmados no P.A.: “(…)

1. No “Mapa de trabalhos quantidades e estimativa orçamental – Global”, no Preâmbulo, ficou previsto no ponto “E” o seguinte trabalho transversal à obra: “Implementação de plano de prevenção e gestão de resíduos da construção e demolição (P.P.G.R.C.D.) - cfr. fls. 1 do Mapa, correspondente a fls. 12 do PA.

2. No Plano de Prevenção e Gestão de Resíduos da Construção e Demolição – Fase de Projeto, ficou previsto:

iv) No capítulo “Enquadramento” - “Incumbe ao empreiteiro ou ao concessionário executar o PPG, assegurando, designadamente: (...) - A existência na obra de um sistema de acondicionamento adequado que permita a gestão seletiva dos RCD. – cfr. fls. 3 do Plano, correspondente a fls. 104 do PA;

v) No capítulo “Nas práticas de controlo operacional” – “Na execução da empreitada deverá ser criado um Parque de Resíduos, devidamente sinalizado, constituído por recipientes/locais de armazenamento, devidamente identificados com o código LER (Lista Europeia de Resíduos) de cada resíduo armazenado que compreenderá duas zonas distintas:” “Zona de Resíduos Não Perigosos” (...) Zoa de Resíduos Perigosos.” – cfr. fls. 5 do Plano, correspondente a fls. 106 do PA;

vi) Na tabela de tarefas, no que concerne ao acondicionamento e triagem de RCD na obra ou em local afeto à mesma: “Por uma questão prática, poderá ser necessário implementar, nas frentes de obra, a colocação de outros contentores/recipientes adequados, como forma de armazenamento temporário de resíduos no local de produção.

De referir ainda que o produtor de RCD está obrigado a assegurar a: - Existência na obra de um sistema de acondicionamento adequado que permita a gestão seletiva dos RCD; - Aplicação em obra de uma metodologia de triagem de RCD ou, quando tal não seja possível, o seu encaminhamento para operador de gestão licenciado” – cfr. fls. 9 do Plano, correspondente a fls. 110 do PA;

3. Na proposta apresentada a concurso pela A., quanto à gestão de resíduos, previu-se:

v) Na lista de preços unitário, no capítulo do preâmbulo, sob o artigo 0.6.5, previu-se o seguinte trabalho “Implementação do plano de prevenção e gestão de resíduos da construção e demolição” – fls. 1383 do PA.

vi) Na Descrição da Gestão Ambiental, no Plano de Gestão de Resíduos de Construção e Demolição , vem referido que: “O armazenamento de resíduos deve ser planeado de modo a existirem: “N.º de contentores / recipientes: mais contentores para resíduos produzidos em maior quantidade” – cfr. fls. 42 da Descrição da Gestão Ambiental, correspondente a fls. 1736 do PA.

vii) No fluxograma do Plano de Gestão de Resíduos, da Instrução de Trabalho - Gestão De Resíduos Em Obra, estão previstas duas alternativas para a situação “Resíduos enviados diariamente para operador licenciado?”. Caso a resposta seja negativa, então é feita a “separação de resíduos” e o “acondicionamento” – cfr. fls. 3 da Instrução, correspondente a fls 1776 do PA.

viii) Na Descrição Pormenorizada da Implementação do Estaleiro, na secção do “Funcionamento do Estaleiro”, foi previsto que o estaleiro seria dotado de uma “Zona de resíduos”, tendo-se, igualmente previsto, para as “áreas de trabalho”, “zona de resíduos (com local de separação e triagem, e de armazenamento por tipologia de acordo com código LER)” – cfr. fls 10 e 18 da Descrição, correspondentes a fls 1412 e 1429 do PA. (…)”.

14. Clama ainda que o tecido fáctico convocado na alínea O) do probatório - do seguinte teor: “É possível realizar os trabalhos descritos no Caderno de Encargos sem equipamento de deposição de resíduos, tendo como alternativa o transporte diário dos mesmos, com recurso a operador licenciado, e desde que se garanta o acondicionamento e triagem de resíduos, em função da sua tipologia, como sejam plásticos, madeiras, metais e cartão ” - não assume inteira correspondência com a prova pericial produzida nos autos, devendo, por isso, ser alterado para a seguinte redação: “(…) O) É possível realizar a maioria dos trabalhos descritos no Caderno de Encargos sem equipamento de deposição de resíduos, utilizando-se, alternativamente, camiões para o seu acondicionamento e o transporte diário para vazadouro autorizado, devendo as cargas ser devidamente credenciadas e registadas através do seu código LER. No entanto, para os resíduos de menores quantidades e designadamente, plásticos, madeiras, metais e cartão, será sempre necessário o acondicionamento e triagem, em equipamentos de deposição de resíduos. Sendo que a ausência dos equipamentos de deposição de resíduos no Plano de Equipamentos é uma omissão de tal documento (…)”.

15. Vejamos estas questões especificadamente.

16. Assim, e com reporte ao primeiro feixe argumentativo, importa que se comece por sublinhar que, em conformidade com a normação plasmada no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, recai sobre o Tribunal da Relação, no exercício dos seus poderes oficiosos de cognição, o ónus de proceder à anulação da decisão recorrida na eventualidade de os autos não contemplarem, in totum, os elementos que, nos termos do n.º 1 do mesmo preceito normativo, se revelem necessários à modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto, maxime quando se constate a imprescindibilidade da ampliação desta.

17. Por conseguinte, considerando que a ampliação da decisão sobre a matéria de facto incide, ex vi legis, sobre matéria indispensável, forçoso é concluir que a convocação oficiosa de tal instituto não encontra justificação quando esteja em causa matéria meramente instrumental, concernindo exclusivamente à matéria essencial para a demonstração dos factos constitutivos do direito invocado pelo autor ou dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse mesmo direito, porquanto apenas nestas circunstâncias se poderá considerar estar-se perante factualidade verdadeiramente indispensável.

18. Fora do campo da iniciativa oficiosa, impõe-se salientar que o mecanismo de ampliação da decisão sobre a matéria de facto não pode ser instrumentalizado como via oblíqua para contornar as limitações processuais estabelecidas quanto à aquisição de factos para o processo.

19. Destarte, a admissibilidade legal da ampliação da decisão sobre a matéria de facto encontra-se, inexoravelmente, subordinada aos requisitos consagrados no artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, incumbindo ao tribunal ad quem exercer, ex officio, um rigoroso controlo quanto à observância desses limites adjetivos na conformação do objeto do processo.

20. Por conseguinte, a ampliação da decisão sobre a matéria de facto apenas se mostra processualmente viável quando estejam em causa factos que constituam complemento ou concretização daqueles que foram oportunamente alegados pelas partes e que resultem da instrução da causa, desde que sobre os mesmos tenha sido assegurada a possibilidade de pronúncia em sede contraditória, bem como quando se trate de factos notórios ou de que o tribunal tenha tomado conhecimento no exercício das suas funções jurisdicionais, em conformidade com o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, em estrita observância dos princípios estruturantes do processo civil.

21. In casu, resulta de meridiana clareza que o acervo factual cuja inclusão a Recorrente ora pretende ver contemplada na fundamentação de facto não consubstancia, manifestamente, matéria de natureza complementar ou concretizadora daquela primitivamente alegada nos autos e, a fortiori, não integra factualidade notória ou do conhecimento funcional deste Tribunal Superior no exercício das suas atribuições jurisdicionais

22. Em tais termos, é nosso entendimento que tal tecido fáctico não pode ser introduzido nos autos através do mecanismo processual da ampliação da matéria de facto, na medida em que integra factualidade que não se reconduz a nenhuma das previsões das alíneas b) e c) do nº 2, do artigo 5º do Código de Processo Civil, assim atentando contra o princípio da estabilidade da instância vertido no artigo 260º do Código de Processo Civil.

23. O que nos transporta para a segunda questão ora em análise, e que se prende com o alegado erro de julgamento de facto perpetrado na sentença recorrida.

24. Julgamos, porém, que tal tarefa é destituída de relevância, considerando que os juízos conclusivos não têm lugar no domínio da fixação da matéria de facto.

25. No caso, ponderando os contornos do processo, entendemos ser forçosa a conclusão de que não é aceitável que o Tribunal a quo dê como provado que “É possível realizar os trabalhos descritos no Caderno de Encargos sem equipamento de deposição de resíduos, tendo como alternativa o transporte diário dos mesmos, com recurso a operador licenciado, e desde que se garanta o acondicionamento e triagem de resíduos, em função da sua tipologia, como sejam plásticos, madeiras, metais e cartão”.

26. O juízo valorativo emergente da prova pericial produzida nos autos em torno de “possibilidade [ou não] de realizar os trabalhos descritos no Caderno de Encargos sem equipamento de deposição de resíduos” deve ser formulado, se for esse o caso, em sede de direito, em face dos factos dados como provados.

27. Assim, sendo essa a sua natureza substancial, impõe-se proceder ao seu expurgo do probatório coligido, sendo que idêntico tratamento deverá ser conferido aos demais juízos valorativos emergentes da prova pericial produzida e vertida nos autos, devendo apenas dar-se por integralmente reproduzido, sob o contexto do facto provado na alínea N), o teor do relatório pericial e respetivos esclarecimentos constantes de fls. 391 et seq. e fls. 439 et seq. do SITAF.

28. Assim, ponderado o acabado de julgar e o que demais se mostra fixado na decisão judicial recorrida temos, então, como assente o seguinte quadro factual: “(…)

A) A 06/06/2023, foi publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 109, o Anúncio de procedimento nº 9371/2023, dando publicidade à abertura de concurso público de formação de contrato de empreitada, tendo por objecto “PO 470/2023 – Acessibilidades 360º - Melhoria das acessibilidades no espaço público” e por valor base o de € 1.233.464,00, anúncio que aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. fls. 11 e seguintes da Pasta do PA “Expediente 16”);

B) Foi aprovado o inerente “Programa de Procedimento”, o qual se dá também por integralmente reproduzido, destacando-se, designadamente, o seguinte: “(…) Artigo 7.º - Documentos que instruem a proposta. 1. A proposta é constituída pelos seguintes documentos: 1.1. Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com modelo constante do Anexo I do presente Programa de Procedimento, do qual parte integrante; (…). 1.2. Pelos documentos que, em função do objecto do contrato a celebrar e dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar, nomeadamente: a) Nota justificativa do preço proposta; b) O concorrente deve indicar na proposta os preços parciais dos trabalhos que se propõe executar correspondentes às habilitações contidas nos alvarás ou nos certificados de empreiteiro de obras públicas, ou nas declarações emitidas pelo IMPIC, I.P., para efeitos de verificação da conformidade desses preços com a classe daquelas habilitações; c) Programa de trabalhos, tal como definido no artigo 361º do CCP, aprovado pelo Decreto-Lei nº 111-B/2017, de 31 de Agosto, incluindo: c1) Plano de trabalhos, elaborado em diagrama de barras, definindo com precisão os momentos de início e de conclusão da empreitada, bem como a sequência e interdependência das actividades, o escalonamento no tempo, o intervalo e o ritmo de execução das diversas espécies de trabalho, distinguindo as fases que porventura se considerem vinculativas, o caminho crítico e a unidade de tempo que serve de base à programação; c2). Plano de mão-de-obra para a execução dos trabalhos, com indicação da distribuição dos meios pelas actividades e das cargas a afectar por especialidade e total mensal; c3). Plano de equipamentos para a execução dos trabalhos, com indicação da distribuição dos meios pelas actividades e das cargas a afectar por especialidade e total mensal; c4). Plano de pagamentos e respectivo cronograma financeiro; d) Memória descritiva e justificativa, que inclua o desenvolvimento dos seguintes aspectos, entre outros que o concorrente considere relevantes para a execução da obra: d1). Descrição pormenorizada do modo de execução dos trabalhos; d2). Descrição pormenorizada da implementação do estaleiro, em documento único, ou, no máximo, composto por 3 ficheiros em anexo, devidamente identificados; d3). Descrição da gestão da segurança, saúde e higiene no trabalho que se propõe desenvolver na obra, em documento único, ou, no máximo, composto por 3 ficheiros em anexo, devidamente identificados; d4). Descrição da gestão da qualidade que se propõe desenvolver na obra, em documento único, ou, no máximo, composto por 3 ficheiros em anexo, devidamente identificados; d5). Descrição da gestão ambiental que se propõe desenvolver na obra, em documento único, ou, no máximo, composto por 3 ficheiros em anexo, devidamente identificados; e) Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte directa ou indirectamente das peças do procedimento, quando aplicável; f) Lista dos preços unitários de todas as espécies de trabalho previstas no projecto de execução, sendo que para este efeito, considera-se a apresentação da lista disponibilizada na plataforma; g) Cópia da certidão permanente actualizada ou documento equivalente; h) Integram também a proposta quaisquer outros documentos que o concorrente apresente por os considerar indispensáveis para os efeitos do disposto no ponto 1.2 do presente artigo. (…) Artigo 11.º - Critérios de adjudicação das propostas. 1. O critério de adjudicação da empreitada é o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º, de acordo com o modelo de avaliação das propostas constante no Anexo III ao presente programa do concurso. (…) Anexo III – Modelo de avaliação das propostas. Decomposição do critério / Descritores dos subfactores de adjudicação / fórmulas de cálculo. 1. Factores de Avaliação das Propostas. De acordo com o n.º 1 do artigo 10.º do presente programa de concurso, o critério de adjudicação da empreitada é o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º, com base nos seguintes factores de apreciação e coeficientes de ponderação dos mesmos: Factor n.º 1 – Preço (P) – 50%; Factor n.º 2 – Valia técnica (VT) – 50%; a. Factor Preço (P) A pontuação do factor «Preço» será obtida através da seguinte expressão: P=1+((1-(Ppro/Pbase)) Ʌ (1/8))*9; Em que: P – Classificação do preço da proposta (arredondada à 3ª casa decimal); Ppro – Valor, em euros, da proposta em análise; Pbase – Valor, em euros, do preço base. 1.1. Factor Valia Técnica (VT) A pontuação do factor Valia Técnica (VT), será o resultado da pontuação obtida nos seguintes subfactores e respectivas ponderações:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

A pontuação de cada subfactor divide-se nos subfactores e respectivas ponderações, que se apresentam a seguir. PT – Plano de Trabalhos Plano de trabalhos, elaborado em diagrama de barras, definindo com precisão os momentos de início e de conclusão da empreitada, bem como a sequência e interdependência das actividades, o escalonamento no tempo, o intervalo e o ritmo de execução das diversas espécies de trabalho, distinguindo as fases consideradas vinculativas, o caminho crítico e a unidade de tempo que serve de base à programação. Deve ser de fácil consulta, análise e leitura.

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

PMO – Plano de Mão-de-obra Plano de mão-de-obra para a execução dos trabalhos, com indicação da distribuição dos meios pelas actividades e das cargas a afectar por especialidade e total mensal. Deve ser de fácil consulta, análise e leitura.

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

PE – Plano de Equipamentos Plano de equipamento para a execução dos trabalhos, com indicação da distribuição dos meios pelas actividades e das cargas a afectar por especialidade e total mensal. Deve ser de fácil consulta, análise e leitura.

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

A pontuação aos atributos de análise dos diferentes subfactores será atribuída de acordo com os parâmetros de avaliação e escala de pontuação seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

A todos os subfactores, bem como aos respectivos atributos de análise, será atribuída uma classificação entre 2 e 10 valores, que após ponderação será arredondada a três casas decimais. (…)” (cf. fls. 1 e seguintes da Pasta do PA “Concurso 2”);

C) Foi também aprovado o Caderno de Encargos, do qual consta o Mapa de Trabalhos e Quantidades, a memória descritiva e justificativa e as condições técnicas, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos (cf. Pastas do PA designadas “concurso”, dos números 3 a 32);

D) A 21/06/2023, a CI submeteu a sua proposta, no valor de € 1.110.454,16, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida (cf. fls. 12 e seguintes das Pastas do PA designadas “Expediente 5” a “Expediente 12”);

E) A proposta da CI era composta, entre outros documentos, pelo designado “Plano de Equipamento (Tarefas)”, do qual constava, concretamente, o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)

[Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)” (cf. idem);

F) A 20/06/2023, a Autora apresentou também a sua proposta, no valor de € 1.096.052,92, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida (cf. fls. 1065 e seguintes do PA);

G) A proposta da Autora era composta, entre outros documentos, pelo designado “Plano de Equipamento (Tarefas)”, do qual constava, concretamente, o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)”(cf. idem);

H) A 12/07/2023, o júri do procedimento aprovou o relatório preliminar, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se, designadamente, o seguinte: “(…) 4. Propostas Admitidas e Excluídas. (…) Da análise efectuada apresenta-se o seguinte quadro de concorrentes admitidos e excluídos:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

5. Análise e Avaliação das Propostas Admitidas. Após a fase de admissão e exclusões das propostas, passou-se à análise e avaliação das propostas admitidas. 5.1. Classificação do Factor nº 1 – Preço (P). De acordo com o factor definido no artigo 12.º do Programa de Procedimento e enunciado no ponto 3.1. do presente relatório, obtém-se a seguinte classificação relativamente nas diferentes propostas apresentadas pelos concorrentes:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

5.2. Classificação do Factor nº 2 – Valia Técnica da Proposta. De acordo com o factor definido no artigo 12.º do Programa de Procedimento e enunciado no ponto 3.2. do presente relatório, a classificação da valia técnica das propostas apresentada é a seguinte: Proposta n.º 1 – [SCom02...], SA (…)

[Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)

Da análise e avaliação das propostas relativamente a este critério (Valia Técnica), resulta o seguinte quadro de classificações:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

5.3. Classificação Final das Propostas Admitidas. A classificação final das propostas admitidas, tendo em conta os critérios de avaliação e respectivas ponderações, conforme enunciado no ponto 3.3., é apresentada no seguinte quadro de classificações:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

6. Ordenação das Propostas Admitidas. Em face das classificações das propostas, o Júri procedeu à seguinte ordenação final das propostas admitidas:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

7. Conclusão. Em face da ordenação das propostas considerando a classificação obtida face à exaustiva apreciação de todos os factores de ponderação que foram objecto de análise pelo júri do procedimento delibera o mesmo, por unanimidade, propor a intenção de adjudicação da empreitada à empresa [SCom01...], S.A. pelo valor de 1.110.454,16 Euros (…).” (cf. Pastas do PA designadas “Expediente 3” e “Expediente 4”);

I) A 17/07/2023, a Autora exerceu o seu direito de audição de parte, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se, designadamente, o seguinte: “(…) 3. Isto, porque entende a impetrante que, face ao estatuído no Modelo de Avaliação e ao conteúdo da sua proposta, terá necessariamente de ser revista a pontuação que lhe foi atribuída no subfactor «Plano de Equipamentos», mais precisamente no parâmetro PE1, atento o conjunto de erros manifestos que aí cristalinamente se detectem na actividade do JP. (…) 24. O JP alega que a impetrante não considerou a máquina de corte de tapete. Ora, a máquina de corte de tapete na presente empreitada enquadra-se apenas no artigo «2.8 – Demolição de pavimento asfáltico em faixa de rodagem até à fundação, através de retroescavadora e martelo pneumático e carga mecânica para camião ou contentor. O preço inclui o corte prévio do contorno do pavimento. Não inclui a demolição da base suporte.» 25. Analisando o plano de equipamentos da [SCom02...] S.A., temos: Extracto do documento: 7.1.2.c3 – Plano de equipamentos (tarefas)

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Extracto do documento: 7.1.2.c3 – Plano de equipamento (semanal)

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

26. É incontroverso, pois, que a ora requerente apresentou com a sua proposta, mais concretamente no plano de equipamentos atribuição do equipamento «máquina de corte de pavimento/tapete». (…) 30. Atentando na proposta da impetrante, é manifesto que o equipamento «saltitão» é utilizado pela [SCom02...], S.A. para compactação de valas, sendo que para compactação de sub-bases e bases são utilizados equipamentos de compactação mais pesados, como de outra forma não poderia deixar de ser. (…) 32. Analisando o plano de equipamentos da [SCom02...] S.A. temos:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

É incontroverso, pois, que a ora requerente apresentou com a sua proposta, mais concretamente no plano de equipamentos atribuição do equipamento «saltitão», no artigo apropriado ao efeito «adequabilidade». (…) 36. Prosseguindo com a análise da justificação do JP «… com bastantes omissões ao nível dos equipamentos que se consideram indispensáveis para a realização da obra, nomeadamente, máquina de corte de tapete, saltitão, empilhador, entivação, entre outros». 37. Refere o JP que a impetrante se esqueceu de referir no seu plano de equipamentos a necessidade de existir em obra um empilhador. (…) 41. A [SCom02...], S.A. não previu, de facto, a utilização de um empilhador em obra para a realização das tarefas descritas anteriormente. Contudo, previu em obra e durante todo o tempo em que a mesma decorre, uma retroescavadora que tem exactamente a mesma função que o empilhador, sendo inclusive preferível neste tipo de obra uma retroescavadora, uma vez que a mesma apresenta uma melhor mobilidade, tendo em consideração a extensão da empreitada. (…) 45. Trata-se, pois, do terceiro lapso ou erro manifesto do JP na sua análise da proposta da impetrante. 46. Passamos a analisar a utilização do equipamento entivação, o último argumento aduzido pelo JP na sua avaliação, no que ao parâmetro Plano de equipamentos PE1 do ponto 1.1 da Valia técnica (…). 52. Conclui-se, portanto, que em todo o projecto só existe menção a uma vala com profundidade de 80 cm. 53. Assim sendo, colocam-se as seguintes questões que a impetrante considera particularmente pertinentes: Porque motivo é fundamental a colocação de entivação numa vala com 80cm de profundidade? É adequado a utilização de entivação numa vala de 80cm? 54. A resposta é muito simples e impõe-se por si própria: Não, não é! (…) 57. Mais uma vez é irrefutável que a ora requerente apresentou os meios adequados à realização das tarefas em causa; aliás todos os concorrentes que colocaram entivação numa vala de 80cm de profundidade deverão ver as suas propostas ser revistas quanto à sua adequabilidade, atenta a inutilidade manifesta de semelhante prática e das consequências nefastas a ela associadas, com a consequente correcção da pontuação atribuída na avaliação. 58. Fica, nesta conformidade, inteiramente provado e demonstrado que a [SCom02...], S.A. cumpriu, criteriosamente, com as exigências do procedimento neste particular, para lhe ser atribuída neste subfactor a pontuação máxima. (…) Extracto do documento: 7.1.2.c3 – Plano de equipamentos (tarefas) da empresa [SCom01...], S.A.

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

69. E a resposta é um rotundo não, a MF não apresenta máquina de corte de tapete, nem cumpre tampouco com o enunciado do artigo «Demolição de pavimento asfáltico em faixa de rodagem até à fundação, através de retroescavadora e martelo pneumático e carga mecânica para camião ou contentor. O preço inclui o corte prévio do contorno do pavimento. Não inclui a demolição da base de suporte». 70. Bem sabemos que é uma outra forma de proceder à realização do trabalho, contudo não vai de encontro ao rigor usado pelo JP na avaliação da proposta da ora requerente. (…) Extracto do documento: 7.1.2.c3 – Plano de equipamentos (tarefas) da empresa [SCom01...], S.A.

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

73. De facto constata-se que o mesmo utiliza o saltitão para compactação da vala. 74. Contudo, utiliza o saltitão para tudo, aplicando-se a máxima «mais vale sobrar que faltar ou mal não há-de fazer», contudo, tenha-se bem em atenção, a «afectação e adequação do equipamento» não são (…) meramente palavras soltas e inócuas do ponto de vista da análise e avaliação das propostas. 75. Por isso perguntamos: é adequada a utilização para a realização destas tarefas? – 3.7 (…); - 3.8 (…); - 3.9 (…); - 3.10 (…); - 3.11 (…); - 3.12 (…); - 3.13 (…). 76. Ante omnia, a violação dos princípios da igualdade de tratamento, da concorrência, da imparcialidade e da transparência a que o JP está vinculado em todas as operações relativas à formação dos contratos públicos, nos termos do artigo 1º-A, nº 1, do CCP, seria aqui chocante, não apenas em relação à proposta da MF, mas em relação a todas as demais, pois que haveria que utilizar igual rigor na avaliação das propostas, de todas as propostas. (…) 79. Empilhador. Será que a MF utiliza empilhador na presente empreitada? 80. Uma vez mais lemos, relemos tornamos a ler; contudo, não encontramos qualquer empilhador na proposta da MF. 81. Mas então porque não foi a mesma proposta classificada da mesma forma, aplicando-se o rigor, a posição, o critério e as mesmíssimas suposições que levaram à desvalorização da proposta da requerente? (…) 85. (…) temos por último a entivação. 86. A verdade é que no que respeita a este equipamento, já tudo foi dito supra, pelo que não se pode esperar que o JP seja rigoroso e objectivo e que, consequentemente, trate de agir em conformidade e de desvalorizar as propostas dos concorrentes neste subfactor que utilizaram a entivação em valas de 80 cm, pois que, como se disse e comprovou supra, não é de todo adequável a utilização deste equipamento para estas profundidades, caso contrário acabaremos, por certo, de cair no ridículo de vermos a ser utilizado nos planos de trabalhos entivações na abertura de valas para aplicação de lancis. 87. Mas ainda há mais! 88. Faltam equipamentos para os trabalhos de betão armado no artigo 3.26. (…) 89. Faltam equipamentos para betonar os postes de iluminação, assim como ferramentas, quer ligeiras ou equipamentos para abertura de fundações. (…) 90. Falta equipamento para ensaios de compactação ou ensaios de solo. Este sim indispensável à realização de uma obra desta natureza, uma vez que se irá proceder inclusive à substituição das camadas de base da EN 101. 91. Também aqui quer a requerente crer que o JP fundamentará essa absoluta desigualdade na tarefa de análise e avaliação das duas propostas (…). 93. Deve ter-se presente que, muito embora se saiba que os juízos de avaliação de critérios técnicos constituem uma «zona discricionária», ou integrada na discricionariedade técnica da Administração, subtraída, por regra, à sindicabilidade jurisdicional, porque atinente ao mérito e oportunidade da acção da Administração, a verdade é que constitui jurisprudência pacífica a de que essa actividade é contenciosamente sindicável sempre que ocorram juízos avaliativos erros grosseiros, ostensivos, manifestos, palmares, como é claramente o caso do procedimento e se demonstrou cabalmente na presente pronúncia. (…)” (cf. Pastas do PA designadas “Expediente 4” e “Expediente 5”);

J) A 01/08/2023, o júri do procedimento aprovou o relatório final, o qual se dá por integralmente reproduzido, destacando-se, designadamente, o seguinte: “(…) 2. Análise das alegações apresentadas. 2.1. Concorrente [SCom02...], S.A. O Júri procedeu à análise exaustiva das diversas questões suscitadas pelo concorrente, agrupando a sua resposta por cada um dos subfactores da valia técnica. 2.1.1 Considerações Diversas. O júri não faz qualquer apreciação a matérias de conteúdo meramente descritivo e genérico ou de meras considerações conclusivas. A decisão do Júri cumpre o disposto no n.º 1 do artigo 125.º do CPA visto que integra na sua exposição fundamentos de facto e de direito. Na avaliação das propostas, o Júri procedeu obviamente à análise exaustiva e à fundamentação das classificações atribuídas a cada uma das propostas submetidas no presente procedimento. No entanto, por questões de economia, nomeadamente pela extensão do documento, o Júri procurou sintetizar a apreciação que efectuou às propostas, através das classificações atribuídas a cada um dos parâmetros de avaliação dos diferentes subfactores e remetendo a fundamentação para a escala de pontuação que consta da página 14 do programa do procedimento. No entanto, o júri não pode deixar de refutar categoricamente qualquer limitação no direito à adjudicação da presente empreitada, a qualquer dos concorrentes, uma vez que se limitou a aplicar de forma isenta, objectiva e igualitária os factores e respectivos subfactores do critério de adjudicação das propostas, de acordo com o definido no Programa do Procedimento do concurso. 2.1.2. Subfactor «Plano de Equipamento – PE». Relativamente ao presente subfactor, o concorrente reclama a revisão da sua pontuação, mencionando a pontuação que considera merecedora. Face ao requerido, o Júri esclarece que os fundamentos da sua apreciação relativamente ao Plano de Equipamentos do reclamante foram os seguintes: - No parâmetro PE1, na apreciação consta «Descreve e cumpre satisfatoriamente os aspectos essenciais, com suficiente detalhe e adequação.» Ora, da feitura do relatório preliminar, onde vem descrita a respectiva justificação para a pontuação, por lapso de escrita vem referido «… com bastantes omissões ao nível dos equipamentos que se consideram indispensáveis para a realização da obra, nomeadamente, máquina de corte de tapete, saltitão, (…) entivação, …». A pontuação reflecte a existência da «máquina de corte de tapete» e do «saltitão» e não a sua falta. E quanto à «entivação», a sua falta também não foi penalizada. Desta forma, considera o Júri do Procedimento que a pontuação atribuída à proposta se mantém. – As classificações que lhe foram atribuídas no presente subfactor tiveram em atenção as seguintes lacunas, das quais se enumeram: - Falta de ferramentaria; - Falta de equipamento de deposição de resíduos; - Falta de instalações sanitárias; - falta de empilhador, pese embora o reclamante afirmar que a retroescavadora executa a mesma função deste, considera o JP não ser o mais adequado, não o substituindo, face à extensão da obra (mais de 1 km) e acrescido o facto do planeamento não faseado; - Falta de detector de gases; - Falta de ferramenta especializada de cada especialidade. De acordo com o artigo 139.º do Código dos Contratos Públicos, o Júri não deve, na avaliação das propostas, proceder à comparação entre os diversos concorrentes e, como tal, não o fez. O Júri fez a apreciação ao subfactor «Plano de Equipamentos», mais precisamente do parâmetro PE1, e atribuiu a pontuação em função das lacunas verificadas nas propostas apresentadas. Importa ainda realçar que os factos supramencionados são suficientemente claros para fundamentar as classificações atribuídas aos concorrentes em referência. Assim, após ponderação dos argumentos apresentados e reapreciados os fundamentos que conduziram à classificação do reclamante, o Júri entende que não assiste razão ao mesmo nas questões colocadas, pelo que decide manter as pontuações atribuídas no relatório preliminar. 3. Considerações Finais. Apesar de todos os factores, subfactores e das respectivas expressões valorativas serem do conhecimento prévio dos interessados e concorrentes, é óbvio que o Júri do procedimento, na avaliação que faz acerca dos méritos intrínsecos de cada proposta submetida, detêm sempre um poder discricionário que lhe é inerente e inalienável, isto é, a perspectiva de análise e avaliação, embora balizada pelos factores e subfactores previamente definidos, está sempre condicionada pela individualidade pessoal e académica que caracteriza cada um dos elementos que compõem o Júri. A perspectiva que o concorrente utiliza apresentada em sede de audiência prévia tende, como também é natural, a relevar ou mesmo a desconsiderar os seus próprios erros ou imperfeições, a sobrevalorizar os aspectos negativos (na sua opinião) das outras propostas concorrentes e a menorizar o trabalho desenvolvido pelo Júri, mas não pode contudo por si só e em si mesmo bastar para alterar a graduação das propostas materializadas no relatório preliminar. O trabalho do Júri é ainda, no tempo presente, sujeito a uma nova provação, provação essa que decorre da desmaterialização procedimental e do consequente recurso às plataformas electrónicas de contratação pública que permite que os concorrentes pura e simplesmente, de concurso para concurso, vão copiando as propostas que melhores classificações, do ponto de vista da valia técnica, vão obtendo. Em suma, a proposta de adjudicação levada a cabo pelo Júri e dada a conhecer no relatório preliminar no decurso de audiência prévia encerra, como é próprio destes documentos, uma análise e avaliação alicerçadas nos factores, subfactores e respectivas ponderações e que traduz uma ponderação objectiva porque a mesma se encontra ancorada em aspectos quantitativos previamente anunciados no programa do concurso. Mas mais, salvaguardando o carácter de discricionariedade já antes mencionado, essa mesma proposta contém alguma subjectividade, que é incontornável, porque tal é própria da condição humana, no entanto, sublinha-se que a proposta de adjudicação tem por base critérios materiais quantificados e objectivos, competências técnicas, experiência em análise de propostas, razoabilidade e bom senso, na esteira quer da legislação, quer da jurisprudência, quer ainda da doutrina em alguns casos abundante. Assim, e mais uma vez reafirmando a imparcialidade, a isenção e o rigor com que o júri procedeu à avaliação das propostas, rejeitando as acusações de desigualdade na análise e avaliação das mesmas, o Júri esclareceu e justificou a pontuação atribuída, pelo que mantém inalterada a pontuação e respectiva ordenação dos concorrentes. 4. Conclusão. Face ao exposto, o Júri do Procedimento decide, por unanimidade, não acolher nenhuma das alegações apresentadas pelo concorrente [SCom02...], S.A., pelo que não resultam quaisquer modificações à ordenação final das propostas que consta no relatório preliminar, nos termos do nº 3 do artigo 148º do Código da Contratação Pública, o Júri do Procedimento remete o presente Relatório Final, juntamente com o Relatório Preliminar e demais documentos que compõem o processo de concurso, propondo à Câmara Municipal a sua aprovação e a adjudicação à empresa [SCom01...], S.A. pelo valor de 1 110 454,16 Euros (…), para que o órgão competente para a decisão de contratar, na qualidade de dono da obra, decida em conformidade. (…)” (cf. Pasta do Pa “Expediente 3”);

K) A 03/08/2023, a Câmara Municipal ... deliberou homologar o relatório final apresentado pelo júri do procedimento e, consequentemente, adjudicar a empreitada em causa à CI pelo valor de € 1.110.454,16 (cf. idem);

L) A 29/08/2023, entre o Réu e a CI foi celebrado o contrato de empreitada designado “Acessibilidades 360º - Melhoria das Acessibilidades no Espaço Público”, pelo valor de € 1.110.454,16, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. pasta do PA designada “Expediente 1”);

M) A petição inicial foi apresentada neste Tribunal a 13/09/2023 (cf. fls. 1 e seguintes dos presentes autos);

N) Dá-se por reproduzido o teor do Relatório Pericial e respetivos esclarecimentos que integram fls. 391 e seguintes e fls. 439 e seguintes do S.I.T.A.F.


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III.2 – DO ERRO[S] DE JULGAMENTO DE DIREITO

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29. A Autora intentou a presente ação de contencioso pré-contratual, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser anulada a decisão de adjudicação do contrato de empreitada designada “Acessibilidades 360º - Melhoria das Acessibilidades no Espaço Público”, e, bem assim, ser o Réu condenado condenada a pontuar a proposta da Autora com 8 pontos no parâmetro PE1 “afetação e adequação do equipamento”, do subfactor ”Plano de Equipamentos e/ou a pontuar com 6 pontos esse parâmetro a proposta da contrainteressada.

30. Estribou tais pretensões no entendimento nuclear de que o ato impugnado enferma de vício de falta de audiência prévia, bem como o vício de violação de lei, por erros grosseiros cometidos pelo júri do procedimento em sede de avaliação da proposta da Autora e ainda por ofensa dos princípios da igualdade, da imparcialidade, da concorrência e da comparabilidade das propostas.

31. O T.A.F. do Porto julgou procedente a presente ação, e, em consequência, “(…) anul[ou] o ato de adjudicação praticado pela Câmara Municipal ..., datado de 03/08/2023, no âmbito do concurso público para a execução da empreitada de obra pública denominada “Acessibilidades 360º - Melhoria das Acessibilidades no Espaço Público”, bem como os actos consequentes, designadamente, o contrato de empreitada; e (…) [condenou] o Réu a retomar o procedimento concursal, procedendo a nova avaliação das propostas submetidas, e repetindo os actos exigidos, expurgados do apontado vício (…)”.

32. Fê-lo por entender que o ato impugnado enfermava do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, por erro na valoração da proposta da Autora, declinando a verificação das demais causas de invalidade associadas ao to impugnado, dessa sorte, procedendo “(…) o pedido condenatório formulado pela Autora, mas restringido à retoma do procedimento concursal, procedendo o Réu a nova valoração e avaliação das propostas apresentadas, e a adoptar todos os actos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se os actos administrativos não tivessem sido praticados, nos termos das previsões concatenadas do nº 4 do artigo 95º e dos nºs 1 e 2 do artigo 173º, ambos do CPTA (aplicável ex vi artigo 102º do mesmo diploma legal) (…)”.

33. Retenhamos o sentido decisório emanado pelo T.A.F. do Porto no particular conspecto em análise: “(…)

Do alegado erro de avaliação da proposta da Autora:
Prossegue a Autora arguindo que a proposta por si apresentada descreve e cumpre integralmente, ou quase a totalidade, com os aspectos essenciais do plano de equipamentos, especificamente no que concerne à afectação e adequação destes aos trabalhos a realizar. Alega que incorreu o júri do procedimento em erro na valoração que fez quanto ao subfactor “PE1” da sua proposta, reputando que merecia a pontuação de 8 valores. Mais considera, também, ter sido a proposta apresentada pela CI incorrectamente valorada, atentos os erros e omissões da mesma constantes, apenas merecendo esta a pontuação máxima de 6 valores, pelo que está o acto final ferido de invalidade.
Na sua contestação, começa o Réu por alegar que a matéria da valoração das propostas está integrada na designada discricionariedade técnica da Administração, por regra subtraída à sindicabilidade jurisdicional, porque atinente ao mérito e oportunidade da sua acção, só assim não sucedendo quando ocorram juízos avaliativos inquinados por erros grosseiros, ostensivos e palmares, o que não sucede in casu. Sublinha o Réu que se limitou a Autora a manifestar a sua discordância com a avaliação levada a cabo pelo júri do procedimento, sem que todavia se verifique qualquer erro grosseiro. Por fim, e por mera cautela, refuta todos os erros de valoração identificados pela Autora no seu articulado inicial, concluindo pela improcedência do invocado vício.
Também a CI, na sua contestação, reitera o aduzido pelo Réu no que concerne à actividade de avaliação das propostas, como constituindo uma faceta da chamada discricionariedade técnica da Administração, não podendo o Tribunal substituir-se a esta para efeito de reponderação daqueles juízos, salvo nos casos de erro grosseiro ou manifesto, ou de violação dos princípios gerais reguladores da actividade administrativa. Argumenta que, em sede de petitório, procedeu a Autora à censura da apreciação administrativa realizada quanto à afectação e adequação do equipamento da sua proposta e da proposta da CI, com meros argumentos de apreciação técnica construtiva, não incidindo tal censura sobre erros palmares e grosseiros. Considera, assim, não poder este Tribunal, em substituição do Júri e em conflito com a sua margem de livre apreciação, alterar a avaliação do referido subfactor. Afirma ainda que, não estando a avaliação deste parâmetro sujeita a um conteúdo estritamente vinculado, caso entendesse o Tribunal existir algum erro de avaliação, e que sempre teria de ser grosseiro, apenas poderia anular o procedimento, mas nunca proceder a qualquer alteração das pontuações. Sem prescindir, considera ainda soçobrar toda a argumentação expendida pela Autora, não tendo o júri incorrido em qualquer erro na avaliação das propostas.
Cumpre apreciar e decidir.
Desde já se adiante que, confirme defendido pelo Réu e pela CI, a actividade da Administração em matéria de correcção de provas de avaliação realizadas nos procedimentos concursais se inclui no designado “âmbito de discricionariedade técnica, ou imprópria”, pelo que a sua sindicabilidade judicial se circunscreve a caso de erros manifestos ou grosseiros ou de adopção de critérios manifestamente desajustados.
Neste sentido, aliás, se tem pronunciado, de forma reiterada e unânime a jurisprudência dos tribunais superiores portugueses.
O Colendo Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão de 03/03/2016, P. 768/15 (disponível em www.dgsi.pt), tratou de forma exaustiva a presente questão, tendo-se aí afirmado, designadamente, o seguinte:
“(…) A Administração, em determinados casos detém um poder vinculado [quando a lei impõe uma determinada decisão] e, noutros casos, um poder discricionário [quando a lei deixa ao órgão administrativo decisor uma determinada liberdade no exercício da sua competência], sendo que, nem sempre esta distinção é fácil de identificar, uma vez que raras vezes se encontram actos completamente vinculados ou actos completamente discricionários. A discricionariedade, pressupõe sempre uma autonomia de escolha, de alternativa, dentro de parâmetros/critérios legais [que não arbítrio] sujeita a um controlo que, de qualquer forma, não pode substituir a escolha feita pela Administração. Ou seja, a discricionariedade consiste numa liberdade de escolha entre várias soluções tidas como igualmente possíveis [a Administração escolhe livremente uma das soluções apontadas na lei, sendo tidas como igualmente boas, qualquer uma delas]. Por outro lado, o controlo jurisdicional do poder discricionário obedece apenas ao controlo da legalidade não se estendendo à esfera da oportunidade, onde o poder discricionário ocupa o seu espaço por excelência. (…)”
Não obstante, não é exigível à Autora que, na sua alegação, indique expressa e objectivamente que padece a valoração levada a cabo pelo júri do procedimento de erro manifesto, grosseiro ou palmar, bastando que as considerações que teça, concreta e especificamente, quanto a cada um dos subfactores avaliados possa consubstanciar um erro de tal grau.
Consequentemente, cumpre então averiguar e analisar cada uma alegações lucubradas pela Autora quanto a cada um dos parâmetros do referido parâmetro “PE1”.
(…)
b) Quanto à alegada falta de equipamento de deposição de resíduos:
Prossegue a Autora invocando que não existe nenhuma tarefa no “Mapa de Quantidades” fornecido pelo Dono-da-Obra que implique a existência de caixotes do lixo, sendo certo que estes não consubstanciam equipamentos, tampouco sendo essenciais, indispensáveis ou adequados para a obra em causa. Alega que, no final do dia de trabalho, é feita a recolha e a separação de resíduos que são posteriormente transportados ao operador final. Sublinha que este tipo de objectos de deposição de resíduos não deve ser afecto ao tipo de obra em causa, sendo certo que o Júri do procedimento também não fundamenta os trabalhos/tarefas para os quais seriam essenciais ou indispensáveis, pelo que incorreu o mesmo em erro na valoração das propostas.
Em sede de contestação, veio o Réu esclarecer que no presente item não está em causa a existência ou inexistência de vulgares caixotes de lixo, como pretende argumentar a Autora, mas antes a implementação de um sistema integrado de gestão selectiva de Resíduos de Construção e Demolição (RCD’s), o qual inclui obrigatoriamente a existência de um equipamento de acondicionamento e deposição de resíduos em conformidade com a Lista Europeia de Resíduos (códigos LER) em conformidade com o Plano de Prevenção e gestão de Resíduos de Construção e Demolição (PPGRCD) previsto para a obra em questão e que faz parte dos elementos complementares do projecto de execução da obra, patenteado no processo do concurso. Argumenta ainda que uma leitura atenta do mapa de quantidades patenteado revela a necessidade de implementação do PPGRCD, necessidade esta que resulta ainda da legislação aplicável. Sublinha o Réu que a aplicação em obra de uma metodologia de triagem dos resíduos se encontra descrita em documento apresentado pela Autora em “Descrição de Gestão Ambiental”, o que revela que tinha esta consciência de que o mesmo é um equipamento indispensável para a execução da obra. Conclui, assim, que bem andou o júri do procedimento ao penalizar a sua falta em sede de plano de equipamentos, pelo que não assiste razão à Autora.
Também a CI se pronunciou no mesmo sentido.
Vejamos.
Imputa efectivamente a Autora um erro manifesto à valoração levada a cabo pelo júri, porquanto considera que tal item, designado “Equipamento de deposição de resíduos”, não consta do “Mapa de Quantidades”, tampouco consagrando este qualquer tarefa que implique a existência de caixotes de lixo, mais considerando que não se trata de um equipamento, e que não se afiguram de essenciais, indispensáveis ou adequados para a obra em causa.
Analisando o probatório coligido, especificamente os pontos C) F) e G) (respeitantes ao caderno de encargos aprovado pela Entidade Adjudicante e à proposta submetida pela Autora), por um lado, e O), por um lado, conclui o Tribunal que assiste razão à Autora.
Na realidade, não só do “Mapa de Quantidades” não consta qualquer tarefa que implique a existência de caixotes de lixo, como tampouco consubstanciam os mesmos equipamentos. Mais resultou provado ser possível realizar os trabalhos descritos no Caderno de Encargos sem equipamento de deposição de resíduos, tendo como alternativo o transporte diário dos mesmos, com recurso a operador licenciado, e que respeite a exigida triagem.
Caso pretendesse a Entidade Adjudicante valorar a observância, por parte do concorrente, de tais imposições de triagem de resíduos, deveria então tê-lo acautelado expressamente em sede de peças concursais, não o podendo fazer a posteriori, como sucedeu no caso presente.
Procede, assim, a imputada invalidade do acto de valoração da proposta da Autora, por erro manifesto na penalização aplicada, pela alegada falta de equipamentos de deposição de resíduos (…)”.

34. Vêm agora as Recorrentes, por intermédio dos recursos jurisdicionais em análise, colocar em crise a decisão judicial assim promanada.

35. As objeções dirigidas à sentença recorrida, não obstante a divergência terminológica empregada em ambos os recursos, convergem numa mesma linha argumentativa.

36. Esta assenta na premissa de que a avaliação das propostas se insere, inequivocamente, no domínio da discricionariedade técnica da Administração, matéria que, por natureza, está subtraída ao escrutínio judicial, salvo em casos de erro grosseiro ou manifesto.

37. Argumentam que a avaliação realizada pelo júri do concurso foi tecnicamente correta e fundamentada, não padecendo de qualquer vício ou erro, muito menos de erro grosseiro ou manifesto que justificasse a intervenção substitutiva do Tribunal.

38. Por conseguinte, defendem que o Tribunal extravasou as suas competências ao substituir-se ao júri na apreciação técnica das propostas, interferindo na margem de "livre apreciação" que é reconhecida ao júri em matéria de avaliação técnica, sem que existissem erros palmares que legitimassem tal intervenção.

39. Quanto ao objeto concreto da penalização, as recorrentes esclarecem que esta não decorreu da ausência de meros "caixotes do lixo" - expressão introduzida pela recorrida apenas em sede judicial - mas sim da falta de um sistema integrado de equipamentos de deposição de resíduos.

40. O procedimento exigia especificamente a implementação de um Parque de Resíduos estruturado, com zonas diferenciadas para resíduos perigosos e não perigosos, devidamente sinalizadas e identificadas segundo os códigos da Lista Europeia de Resíduos (LER).

41. Consideram que o Tribunal incorreu em erro ao aceitar a tese simplista da recorrida, ignorando que o procedimento exigia um sistema integrado de gestão seletiva de RCD's, sublinhando que o Plano de Prevenção e Gestão de Resíduos de Construção e Demolição (PPGRCD) é um elemento obrigatório, com conteúdo mínimo legalmente estabelecido, que não pode ser alterado pelos concorrentes na fase pré-contratual.

42. Realçam ainda que a implementação correta do PPGRCD constitui uma condição essencial para a receção da obra, demonstrando assim a sua centralidade no âmbito do procedimento concursal.

43. Espraiadas as considerações pertinentes da constelação argumentativa das Recorrentes, adiante-se, desde já, que a razão está do seu lado.

44. Na verdade, e como bem explanado na sentença recorrida, a atividade valorativa por parte dos júris dos concursos é contenciosamente insindicável, salvo em caso de erro grosseiro ou de inobservância dos princípios da proporcionalidade, da imparcialidade e da adequação, porquanto tal atividade se insere no âmbito da chamada “discricionariedade técnica”, situando-se dessa forma na margem de livre apreciação que lhe assiste.


Como se afirmou em Acórdão do S.T.A tirado no Rec. 835/04, de 04.08.2004, nessas circunstâncias “(…) é técnico o domínio da atuação administrativa e livre a apreciação sobre a valia dos candidatos”, pelo que, não se tratando de aspetos vinculados do ato, essa atividade escapa ao poder de sindicância jurisdicional, salvo em caso de erro grosseiro ou manifesto ou de violação dos apontados princípios da atividade administrativa (cfr. Ac. do Pleno de 15.01.1997 – Rec. 27.496, e das Subsecções de 04.08.2004 – Rec. 835/04, de 22.05.2004 – Rec. 52/04, de 17.03.2004 – Rec. 173/04, de 22.05.2003 – Rec. 808/03, de 08.01.2003 – Rec. 1.925/02, de 06.06.2002 – Rec. 38.808, de 05.02.2002 – Rec. 48.198, de 28.09.2000 – Rec. 29.891, e de 18.05.2000 – Rec. 44.685).”

45. Daí que se refira, a propósito, que não é ao Tribunal que compete apreciar a valia dos candidatos oponentes a determinado procedimento concursal, apenas lhe cabendo fiscalizar a legalidade dos atos administrativos em que se consubstancia esse poder.

46. Tem-se, portanto, por assente que ao tribunal não compete substituir a avaliação dos concorrentes, feita por quem a devia fazer, mas antes deve apreciar, perante as imputações dirigidas à decisão final, se ela foi realizada de forma legal e se traduz numa avaliação justa.

47. E esta apreciação judicial terá de se limitar aos erros grosseiros, notórios, porque só eles legitimarão a intromissão do judiciário no âmbito do administrativo.

48. Erro grosseiro ou manifesto é um erro crasso, palmar, ostensivo, que terá necessariamente de refletir um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta, em termos de merecer do ordenamento jurídico uma censura particular mesmo em áreas de atuação não vinculadas.

49. Ora, em aplicação deste critério, em face do conjunto da factualidade apurada nos autos, não se deteta na atuação do júri concursal visada nos autos a existência de uma grave e ostensiva disfunção capaz de justificar a intervenção corretora do tribunal.

50. Na verdade, a questão colocada ao Tribunal foi a de saber se o júri concursal incorreu em errada valoração da proposta da Autora, aqui Recorrida no domínio no 3.º subfactor “Plano de Equipamento”, ponto PE1 “Afetação e adequação de equipamento”.

51. Realmente, o júri concursal atribui apenas 6 pontos - “satisfatório” - no 3.º subfactor “Plano de Equipamento”, ponto PE1 “Afetação e adequação de equipamento”, de entre outras causas, com fundamento numa pretensa “falta de equipamento de deposição de resíduos” na proposta apresentada pela Autora.

52. A Autora insurgiu-se judicialmente contra este entendimento, referindo que no mapa de quantidade não consta qualquer tarefa que implique a existência de contentores para separação de resíduos e big-bags, comumente designados por caixotes do lixo, e que os contentores para separação de resíduos, big-bags ou caixotes do lixo não são equipamento, entendimento que, como sabemos, foi sufragado pelo Tribunal Recorrido.

53. As Recorrentes refutam tal entendimento, invocando a existência de uma previsão preambular no mapa de quantidades relativa à obrigatoriedade de implementação um Plano de Prevenção e Gestão de Resíduos de Construção e Demolição [PPGRCD], sobre o qual recaem específicas exigências legais e regulamentares atinentes à necessidade de gestão adequada de resíduos, mormente nas vertentes de tratamento e remoção dos mesmos, daí sobressaindo a exigência de um equipamento de acondicionamento e deposição de resíduos em conformidade com a Lista Europeia de Resíduos (códigos LER).

54. Ora, se é certo que o mapa de quantidades não contém qualquer previsão especifica em matéria da exigência de um “equipamento de deposição de resíduos”, também não é menos líquido que o mesmo contém uma previsão preambular relativa à necessidade de implementação de Plano de Prevenção e Gestão de Resíduos de Construção e Demolição [PPGRCD].

55. A existência da mencionada disposição preambular relativa à implementação do PPGRCD constitui um elemento relevante que não pode ser desconsiderado.

56. Com efeito, a referida disposição preambular constitui um elemento interpretativo de suma importância que, no quadro da hermenêutica jurídica aplicável, não pode ser descurado na análise global do procedimento concursal.

57. Esta disposição, pela sua natureza e alcance, integra o acervo normativo que vincula tanto a entidade adjudicante como os concorrentes.

58. Esta circunstância, por si só, introduz uma complexidade interpretativa que afasta a possibilidade de se concluir pela existência de um erro manifesto na atuação do júri do concurso.

59. Poder-se-ia, é certo, questionar a robustez argumentativa da tese das Recorrentes, considerando que o fundamento assenta numa disposição meramente preambular, sem correspondência direta nas especificações quantitativas do concurso.

60. No entanto, a análise da questão requer uma interpretação sistemática e uma cognição aprofundada do quadro normativo aplicável.

61. Face ao exposto, não se identifica uma evidência clara e inequívoca que permita dar prevalência absoluta a qualquer das posições em confronto.

62. A complexidade da matéria e a necessidade de uma interpretação sistemática e integrada dos diversos elementos normativos afastam a possibilidade de se considerar estar perante um "erro grosseiro", o qual exigiria uma evidência manifestamente clara e insuscetível de interpretação diversa.

63. Tal convicção é particularmente potenciada pela evidência que a Autora não logrou esclarecer, nem tão pouco demonstrar, em que é que os invocados argumentos traduzem a existência de decisão administrativa atravessada de erro grosseiro, dessa forma, distinguindo-se da mera incorreção do entendimento perfilhado pelo júri concursal.

64. Mas, como se disse, a correção deste entendimento do júri não é contenciosamente sindicável, na ausência de erro grosseiro ou manifesto, que, no caso concreto, nem se sequer se demonstra ter ocorrido.

65. Assim sendo, em obediência à jurisprudência supra assinalada – representativa de a apreciação judicial da matéria em análise terá de se limitar aos erros grosseiros, notórios, porque só eles legitimarão a intromissão do judiciário no âmbito do administrativo -, não resta outra alternativa que não a de concluir que não se mostra evidenciada a tese da Autora no domínio da atuação do júri concursal no domínio no 3.º subfactor “Plano de Equipamento”, ponto PE1 “Afetação e adequação de equipamento”.

66. Pelo que não se pode deixar de concluir que, neste particular conspecto, não andou bem a MMª. Juiz a quo em julgar de forma diversa.

67. Diante desta clara evidência, torna-se imperativo conhecer da ampliação do objeto de recurso veiculada nas conclusões 2) e 3) do recurso da Recorrida.


As questões ora a dirimir consistem em determinar se deve ser alterada a redação da alínea P) do tecido fáctico coligido nos autos, e, em caso afirmativo, em função dessa alteração, determinar se “(…) o júri do procedimento incorreu em erro grosseiro ao penalizar a valoração atribuída à proposta da autora, quanto ao subfactor PE1 do “Plano de Equipamentos”, por omissão de referência a equipamentos (ferramentaria e WC), uma vez que estes se tratam, nomeadamente, e sem sombra de dúvidas, a ferramentaria, de instalações e não de equipamentos (…)”.

A análise das questões supra enunciadas conduz, inequivocamente, a uma conclusão desfavorável às pretensões da Recorrida.

68. Com efeito, a primeira questão revela-se manifestamente desprovida de utilidade face ao juízo decisório firmado no âmbito da impugnação da matéria de facto deduzida pela Recorrente [SCom01...], Lda. [cfr. parágrafos 23) a 27)].

69. Na verdade, a eliminação de todos os juízos valorativos incorporados no acervo probatório, onde se inclui a alínea P) em apreço, torna qualquer pronúncia sobre a admissibilidade da argumentação expendida pela Recorrida nesta sede um exercício manifestamente inócuo e destituído de fundamento.


Tal circunstância afeta irremediavelmente a alegação de erro grosseiro no que concerne à valoração atribuída à proposta da Autora relativamente ao subfactor PE1 do "Plano de Equipamentos", por omissão de referência a equipamentos [ferramentaria e WC].

De facto, estando o sucesso da tese em torno da existência de erro grosseiro no que tange à valoração atribuída à proposta da autora quanto ao subfactor PE1 do “Plano de Equipamentos”, por omissão de referência a equipamentos [ferramentaria e WC], umbilicalmente dependente da validação da tese associada ao erro de julgamento de facto, a não materialização desta determina a improcedência daquela.

Em todo o caso, e para que não subsistam quaisquer dúvidas, saliente-se que a suscetibilidade de qualificação destes elementos como instalações, em detrimento da sua classificação como equipamentos stricto sensu, não obsta nem prejudica a legitimidade da Entidade Contratante em exigir a sua inclusão num instrumento de planeamento, designadamente no Plano de Equipamentos.

Destarte, encontrando-se tal imposição expressamente consagrada nas peças procedimentais, a sua não inclusão no Plano de Equipamentos configura uma omissão relevante.

Na eventualidade da Autora discordar de tal exigência, por perfilhar entendimento divergente quanto à qualificação dos elementos em causa, incumbia-lhe ter impugnado tempestivamente as peças do procedimento concursal.

Tendo optado pela inércia processual, sibi imputet.

Nesta conformidade, não se vislumbra a existência de qualquer erro manifesto ou grosseiro na atuação da Entidade Adjudicante que pudesse inquinar a validade da decisão ora sindicada.

As considerações precedentemente expendidas obstam, inequivocamente, a qualquer tentativa de validação da ampliação do objeto do presente recurso.

Aqui chegados, é tempo de concluir, por um lado, pela procedência do recurso e, por outro, pela improcedência da ampliação do objeto do recurso, devendo revogar-se a sentença recorrida, e julgar a presente ação totalmente improcedente.

Ao que se proverá no dispositivo.


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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da CRP, em:
(i) CONCEDER PROVIMENTO aos recursos jurisdicionais interpostos pelo MUNICÍPIO ... e a sociedade comercial [SCom01...], S.A.;

(ii) NEGAR PROVIMENTO à ampliação do objeto do recurso deduzida pela sociedade comercial [SCom02...], S.A;

(iii) REVOGAR a sentença recorrida e julgar a presente ação totalmente improcedente.

Custas do recurso e ampliação do objeto do recurso pela Recorrida.

Custas da ação pela Autora.

Registe e Notifique-se.


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Porto, 10 de janeiro de 2025


Ricardo de Oliveira e Sousa

Tiago Afonso Lopes de Miranda

Clara Ambrósio