Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00347/20.0BEPRT-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/25/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:INTERVENÇÃO TERCEIROS, INTERVENÇÃO PROVOCADA PRINCIPAL VERSUS ACESSÓRIA, COMPANHIA SEGUROS.
Sumário:1 . Não decorrendo das normas legais, nem, em especial, das cláusulas do contrato de seguro, razão para a admissão e intervenção nos autos de uma seguradora, por via da existência de um contrato de seguro facultativo --- Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Dec. Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril - arts. art.º 140.º, ns. 2 e 3 e 146.º, n.º 1 ---, a titulo principal, a sua admissão apenas se poderá verificar a titulo de intervenção acessória, sendo que, ocupando esta posição processual nos autos, em caso de condenação do réu sempre poderá, verificados todos os requisitos legais e contratuais, ser exercida acção de regresso contra a seguradora, possibilidade apenas possível caso a seguradora também esteja nos autos, como sua “auxiliar”, nos termos do disposto nos arts. 321.º, n.º1 e ss. do CPCivil.

2 . Desconhecendo-se a procedência (ou improcedência) da uma acção e a assim a entidade responsável por uma determinada indemnização, importa, preventivamente, que uma seguradora esteja nos autos, a título de intervenção acessória, como auxiliar de uma e outra parte - réu e chamada a título principal, em virtude dos respectivos contratos de seguro.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . "M., SA", inconformada, veio interpor recurso jurisdicional, em separado, da decisão do TAF do Porto, de 3 de Maio de 2021, proferida no âmbito da acção administrativa intentada por M... contra o Município (...) - ---, que julgou improcedente o pedido de Intervenção Provocada da Seguradora "(...) Companhia de Seguros, SA", requerida pela chamada "A., SA".
*
2 . No final das suas alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
A. A Decisão recorrida merece censura do ponto de vista jurídico – legal;
B. O Tribunal a quo efectua uma incorrecta aplicação da Lei, na subsunção dos factos ao Direito;
C. Sendo que o Tribunal a quo tendo mal fundamentado a Decisão de Não admitir a Seguradora como interveniente principal da Ré M., não deve aquela ser mantida pelo Venerando Tribunal ad quem.
D. Devendo ser o Recurso julgado procedente e ser revogada a Decisão a quo.
E. Sendo admitida a Intervenção Principal da Seguradora chamada pela Ré M.".
*
3 . Notificadas as alegações de recurso, supra sumariadas nas suas conclusões, nenhuma das partes se pronunciou.
*
4 . O Digno Magistrado do M.º P.º neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, emitiu douto e fundamentado Parecer, onde concluiu pela procedência do recurso.
Notificado este Parecer, nenhuma das partes se pronunciou.
*
5 . Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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6 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO
1 . Nos termos do despacho judicial de 18/10/2020, foi admitida a intervenção principal provocada formulada pela Autora, no requerimento de fls. 134 da “A., SA” e ainda intervenção provocada acessória da “(...) Companhia de Seguros, SA”, formulada pelo Réu Município (...), na sequência de contrato de seguro de responsabilidade civil, que juntou aos autos.
2 . Na sequência do pedido efectivado em sede de contestação, pela “M., SA” --- admitida como interveniente espontânea, como litisconsorte do Réu Município (...) ---, de intervenção principal provocada da “(...) Companhia de Seguros, SA”, em 3/5/2021, foi proferida a seguinte decisão – objecto do presente recurso:
“Ao abrigo dos arts. 311.º e 32.º do CPC, admito a intervenção espontânea da M. a título de litisconsorte do Réu".
*
Da intervenção principal provocada requerida pela M.:
A Ré M. vem requerer a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros Fidelidade, o que faz ao abrigo do disposto no art. 316.º e ss do CPC, sustentando ter celebrado contrato de seguro de que resulta a transferência de responsabilidade civil.
Vejamos então se procede o chamamento.
A intervenção principal apenas poder provocada por iniciativa do réu ou do autor, nos termos previstos no art. 316.º, n.º 3, do CPC.
Uma vez que existe uma transferência de responsabilidade civil ao abrigo do contrato de seguro, não está claramente em causa um litisconsórcio necessário. Na verdade, não estamos perante uma situação em que a lei ou o negócio exijam necessariamente a intervenção da companhia de seguros ou em que é necessária a intervenção da Ré e da companhia de seguros para que, em função da própria natureza da relação jurídica, a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, nos termos previstos no art. 33.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. Fica, pois, por aí, afastada a aplicação do art. 316.º, n.º 1, do CPC.
Finalmente, na relação jurídica fundamental dos autos encontram-se, por um lado, o lesado, por outro, o lesante, sendo a intervenção da companhia seguradora da Ré meramente indireta, em virtude de aquela ter assumido responsabilidade perante esta última. Tal apenas não será assim em situações excecionais, em que a seguradora se constitua como garante direta do lesado, o que não vem invocado pela Ré.
De acordo com o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-lei n.º 72/2008, de 16 de abril, a demanda direta da seguradora é possível nos casos de seguro obrigatório (art. 146.º, n.º 1), e ainda, nos casos de seguro facultativo, sempre que o contrato de seguro assim o preveja (art. 140.º, n.º 2) ou quando o segurado tenha informado o lesado da existência de um contrato de seguro e tenha havido início a negociações diretas entre o lesado e o segurador (art. 140.º, n.º 3).
Não tendo sido alegada a existência de nenhuma destas circunstâncias de demanda direta, não estará em causa uma situação de litisconsórcio voluntário, que permita o chamamento a título principal da companhia seguradora, nos termos do art. 316.º, n.º 3, do CPC.
Veja-se, neste sentido, a título exemplificativo, o Ac. do TRP de 31.01.2013, proc. n.º 2499/10.8TBVCD-A.P1 (in www.dgsi.pt), em que este douto tribunal considerou, num caso semelhante ao dos presentes autos, que “(…) não se vê como, no caso concreto, face aos termos dos contratos de seguro em causa e inexistindo lei que sobre tal disponha expressamente, a situação possa enquadrar-se na previsão do litisconsórcio (ainda que voluntário) de modo a justificar a intervenção da empresa seguradora nos termos e com os efeitos próprios que lhe adviriam da qualidade de parte principal.”
Encontrando-se a seguradora em causa já nos autos, na posição de Interveniente Acessória, afigura-se manifestamente inútil a convolação do presente incidente num incidente de intervenção acessória.
*
Indefiro, pois, a intervenção que vem requerida.
Custas do incidente pela Ré M., ao abrigo do art. 527.º, n.º 1, do CPC.
Notifique".

2 . MATÉRIA de DIREITO

No caso dos autos, tendo em consideração, por um lado, a decisão recorrida e sua ratio decidendi, conjugada, por outro, com o corpo das alegações de recurso, verificamos que, se a recorrente discorda da decisão na medida em que não deu aquiescência ao pedido de intervenção provocada da seguradora, “(…) Companhia de Seguros, SA”, também não deixa de a questionar Cfr. arts. 23.º a 28.º do corpo das alegações. quanto ao facto de não ter admitido, pelo menos, a sua intervenção a título de intervenção acessória, sendo certo que uma coisa é a mesma seguradora ser “auxiliar” do Réu Município (...), na qualidade de interveniente acessória, outra é não o poder também como sua “auxiliar”.
Apreciemos!
Brevitatis causa, entendemos que a decisão recorrida se mostra correcta na sua fundamentação e decisão, no que se refere à improcedência do pedido de chamamento, a titulo de intervenção principal provocada, o que, a recorrente, embora dela discordando, não apresenta equacionada nenhuma das possibilidades legais ou contratuais que induzam a admissão da seguradora, a título de intervenção principal.
Porém, ao não admitir/convolar o incidente de intervenção de terceiros num incidente de intervenção acessória, por a seguradora já estar nos autos, na decorrência do chamamento do Réu Município (…), já não se mostra acertada.
Vejamos!
Quanto à improcedência da intervenção a título principal, nos termos justificados na decisão --- que aliás – convenhamos e repetimos – a recorrente não contradita, indicando razões concretas do contrato de seguro ou mesmo uma das situações previstas no Dec. Lei 72/2008, de 16 de Abril que a possibilitem, nomeadamente, arts. 140.º, ns 2 e 3 e 146.º, n.º1, --- não tendo antes da decisão, nem depois, sido alegadas e objectivadas circunstâncias que possibilitem a demanda directa da seguradora, concluímos que inexistem razões para alterar a decisão de 1.ª instância, sendo que a questão em causa não importa outras considerações, até porque – como vimos – a recorrente não contradita com eficiência as razões imanentes a essa decisão.

No que se refere à intervenção, a título de intervenção acessória, vejamos os normativos legais. Assim, dispõe o
Art.º 321 (art.º 330.º do Cód. Proc. Civil 1961):
Campo de aplicação
1 - O réu que tenha ação de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
2 - A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento".
E o art.º 332.º (art.º 331.º do CPCivil 1961, sob a epígrafe "Dedução do chamamento" por sua vez, disciplina que:
1 - O chamamento é deduzido pelo réu na contestação ou, não pretendendo contestar, em requerimento apresentado no prazo de que dispõe para o efeito, justificando o interesse que legitima o incidente.
2 - O juiz, ouvida a parte contrária, aprecia, em decisão irrecorrível, a relevância do interesse que está na base do chamamento, deferindo-o quando a intervenção não perturbe indevidamente o normal andamento do processo e, face às razões invocadas, se convença da viabilidade da ação de regresso e da sua efetiva dependência das questões a decidir na causa principal.
E finalmente, podemos ver o Art.º 333.º (art.º 332.º CPCivil 1961) que preceitua, com o título"Termos subsequente", que:
1 - O chamado é citado, correndo novamente a seu favor o prazo para contestar e passando a beneficiar do estatuto de assistente, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 328.º e seguintes.
2 - Não se procede à citação edital, devendo o juiz considerar findo o incidente quando se convença da inviabilidade da citação pessoal do chamado.
3 - Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, os chamados podem suscitar sucessivamente o chamamento de terceiros que considerem seus devedores em via de regresso, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos anteriores.
4 - A sentença proferida constitui caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no artigo 332.º, relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior ação de indemnização".
Ora, vistas as normas legais, em especial as cláusulas do contrato de seguro em causa, bem como a tramitação concreta dos autos, temos que inexiste razão para a não admissão e intervenção nos autos da seguradora, a titulo acessório, sendo que, ocupando essa posição processual nos autos, em caso de condenação da Meo, esta sempre poderá, verificados todos os requisitos legais e contratuais, exercer acção de regresso contra a seguradora, possibilidade apenas possível caso a seguradora também esteja nos autos, como sua “auxiliar”, a título de intervenção acessória, nos termos do disposto nos arts. 321.º, n.º1 e ss. do CPCivil.
Uma coisa é a seguradora ser demandada, verificados todos os requisitos, a título de acção de regresso, exercitando o contrato de seguros pelo Município (...), outra diversa é poder ser demandada, ainda que com base no mesmo instituto, accionado o contrato de seguro pela M..
Desconhecendo-se a procedência (ou improcedência) da acção e a entidade responsável, importa, preventivamente, que a seguradora esteja nos autos, a título de intervenção acessória, como auxiliar de uma e outra parte, em virtude dos respectivos contratos de seguro.
*
Impõe-se, deste modo, a parcial procedência do recurso, uma vez que a recorrente, ainda que não obtenha o seu principal desiderato recursivo - intervenção principal da seguradora - acaba por obter a sua intervenção a titulo acessório, como sua auxiliar, com possíveis repercussões a nível de uma hipotética - se necessário -, acção de regresso, muito mais simplificada do que seria, caso a seguradora não tivesse esta co-intervenção processual, ainda que mais mitigada.

III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em:
- Conceder parcial provimento ao recuso principal e, em consequência, admitir, como interveniente acessória, como auxiliar processual, da recorrente M., SA" a "(...) Companhia de Seguros, SA".
*
Sem custas.
*
Notifique-se.
DN.

Porto, 25 de Fevereiro de 2022

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
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i) Cfr. arts. 23.º a 28.º do corpo das alegações.