Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00046/21.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/04/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES
Descritores:DIREITO DE INSCRIÇÃO NA CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES;
LEI N.º 60/2005, DE 29 DE DEZEMBRO;
Sumário:
1 – Como resulta da letra da lei [Cfr. artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, conjugado com o Estatuto da Aposentação], o legislador dispôs que o cancelamento da inscrição de subscritor só ocorre quando venha a cessar, de forma definitiva, o exercício do cargo que vinha exercendo e que por si era determinante da inscrição do trabalhador na CGA, sendo que, assiste-lhe o direito de tornar a ser inscrito, quando venha a ser investido em cargo ou em função a que correspondia, à data da entrada daquele normativo, o direito de inscrição.

2 - O cancelamento da inscrição de um subscritor só ocorre, e com a sua consequente eliminação do sistema previdencial da CGA, em conformidade com o disposto no artigo 22.º, n.º 1 – primeira parte - do EA, quando o trabalhador/beneficiário deixe de exercer funções, a título definitivo, sendo que, já não será eliminado o subscritor – o que é o caso da representada do Autor -, que vem a ser investido noutro cargo, a que também correspondia o direito de inscrição [cfr. artigo 22.º, n.º 1 – 2.ª parte – do mesmo EA].

3 - Conforme dispõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”. O que é de dizer que o legislador procura sempre as melhores soluções legislativas para efeitos da ordenação da vida em sociedade, e quando seja interpretado o seu pensamento, essa interpretação deve ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que possa estar imperfeitamente expresso [Cfr. nº. 2 do referido artigo 9.º], o que não se afigura ser o caso.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP [devidamente identificada nos autos], Co-Ré na acção que contra si foi intentada pelo Sindicato dos Professores do Norte (SPN), em representação da sua associada «AA» [ambos também devidamente identificados nos autos], inconformada com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgado procedente o pedido de condenação formulado a final da Petição inicial [no sentido do reconhecimento do direito da associada do A. a manter-se como subscritora da R. Caixa Geral de Aposentações, com o número ...68; assim como, a condenação das Rés a praticar os atos e operações necessários à manutenção da A. como subscritora da Caixa Geral de Aposentações, com efeitos à data em que foi ilegalmente inscrita na Segurança Social – 16/10/2007], veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES:
A - Para que possa “reativar” a sua inscrição no Regime Previdencial gerido pela CGA não é suficiente ter existido um vínculo à função pública, que conferiu esse direito, antes de 31 de dezembro de 2005. É necessário existir uma continuidade temporal entre vínculos com a administração pública!
B - É isto que resulta da maioria da jurisprudência dos Tribunais superiores Nacionais! Veja-se, por exemplo, o Acordão 889/13, de 2014-03-06, oriundo do Supremo Tribunal Administrativo, ao qual muitos outros foram buscar, parte, da sua fundamentação para condenar a CGA a proceder à reinscrição de ex-subscritores em situação semelhante à da aqui recorrida, esquecendo-se, todavia da tão importante necessidade de continuidade temporal entre vínculos públicos.
C - Da leitura do referido Acordão resulta claro que o critério a seguir não poderá ser unicamente o de saber se se trata de uma situação em que já tinha existido exercício em funções públicas, com inscrição, antes de janeiro de 2006 ou, se se trata de uma situação em que o funcionário ou agente público nunca havia sido detentor da qualidade de subscritor da CGA.
D - Deverá, igualmente, ter-se em conta se se encontra verificado o critério da continuidade temporal.
E - É o que resulta a contrario do referido Acordão, o qual não deixa margem para dúvidas ao afirmar que não cai no âmbito do artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, em conjugação com o disposto no artigo 22.º n.º1 do Estatuto da Aposentação, a situação de um professor que rescinde o contrato administrativo de provimento que o liga a uma instituição de ensino e celebra com outra instituição um novo contrato com efeitos a partir do dia seguinte – ou seja, em termos formais há descontinuidade do vínculo jurídico mas não há descontinuidade temporal.
F – Ora, no caso da aqui recorrida, verifica-se pela leitura do seu registo biográfico (junto com a petição inicial) que não só existe uma descontinuidade do vínculo jurídico em termos formais, pelo estabelecimento de um “contrato oferta escola” com para exercer funções a partir de 16/10/2007 no Agrupamento de Escolas ..., como também, uma descontinuidade temporal, pelo tempo decorrido entre o vínculo anterior, cessado, que lhe permitia a manutenção de inscrição no regime previdencial gerido pela CGA - 2007-08-31 - e esse novo vinculo – 16 de outubro de 2007.
G – O mesmo é dizer que a aqui recorrida caí dentro do âmbito da artigo 2.º Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro.
H – A passagem da Autora/Recorrida para o regime geral da segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, terá ocorrido no ano letivo 2007/2008 com a celebração, com o Estado Português, de um contrato “Oferta de Escola” (Regulamentado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro) para exercer funções a partir de 16 de Outubro de 2007, no Agrupamento de Escolas .... I - E, atendendo à data em que iniciou funções ao abrigo de tal contrato de trabalho em funções públicas (outubro de 2007), não podia deixar de estar abrangida pelas disposições contidas no n.º 2 do art.º 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro. J – O mesmo é dizer que no caso não existiu qualquer indeferimento de reinscrição por parte da CGA, após o ano letivo 2006/2007! O que sucedeu foi que, tendo sido extinta a relação jurídica de emprego anteriormente, detida pela Autora/Recorrida para dar lugar à constituição de um novo vínculo laboral que em nada se relaciona com o anterior, aquela perdeu a qualidade de subscritora desta Caixa.
K – Acresce que após agosto de 2007 não existiram novos pedidos de reinscrição por parte de qualquer agrupamento de escolas onde a Autora/Recorrida tenha lecionado, apenas um requerimento dirigido à CGA pela própria Autora/Recorrida em janeiro de 2023, via email, na sequência do qual foi, aquela, reinscrita no regime Geral previdencial gerido pela aqui Recorrente com efeitos a partir de setembro de 2023, onde permanece com desconto de quotas até à presente data.
L – Reforça-se que, até ao recebimento da comunicação acima referida a CGA desconhecia a situação da Autora/Recorrida, a qual se mantinha sem alterações desde que cessou o vínculo que lhe permitia a manutenção da inscrição (com o inerente pagamento de quotas). Apenas pela leitura do registo biográfico junto com a petição inicial sabe, agora, que no ano letivo de 2007/08 obteve colocação, somente, em 16 de outubro de 2007 - mediante a celebração de um contrato Oferta Escola - , donde resulta ter existido descontinuidade, formal e temporal entre vínculos.
M – O mesmo é dizer que a Autora/Recorrida cai no âmbito do artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 20 de dezembro, tendo sido corretamente inscrita, pela entidade empregadora, no Regime Geral da Segurança Social a partir de 16 de outubro de 2007.
N – A tudo isto acresce que a sentença de que se recorre, ao reconhecer o Direito da Autora/recorrida com efeitos retroativos viola o disposto no artigo 38.º, n.º2 do Código do Procedimento dos Tribunais Administrativos, pondo em causa o principio da certeza e segurança jurídicas.
O - Resulta do disposto no n.º 2 do artigo 38.º do CPTA, não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável.
Veja-se a redação do artigo 38.º do CPTA:
1 - Nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável.
P - Por acórdão de 4 de Setembro de 2021, proferido no âmbito do processo nº 637/15.3BEPRT, o Tribunal Central Administrativo Norte, referindo-se à anterior redação, fez a seguinte análise do artigo 38º do CPTA:
Neste seguimento, estipula o artigo 38º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, respeitante à acção administrativa comum, que nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado – n.º 1.
E adita no seu n.º 2 que sem prejuízo do disposto no número anterior, a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável.
Na primeira parte deste normativo consagra-se pois o entendimento jurídico, antes presente no direito substantivo materializado no artigo 7.º do DL n.º 48051 de 21.11.67, segundo o qual a falta de impugnação contenciosa de um acto administrativo tido como ilegal não impede o interessado de requerer a apreciação dessa ilegalidade no âmbito de uma acção de responsabilidade civil, sendo que, neste caso, a ilegalidade é conhecida a título incidental servindo apenas de fundamento jurídico ao pedido de indemnização dos danos resultantes da prática do acto.
Avisando e exigindo o n.º 2 do artigo 38.º que a apreciação da ilegalidade do acto administrativo não impugnado, nas vestes de uma acção administrativa comum, só pode ter como finalidade uma pronúncia indemnizatória, nunca uma anulação ou declaração de invalidade do acto, que continuará na ordem jurídica a produzir os seus próprios efeitos – vide, Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, páginas 188 a 192, e Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, Almedina, 8ª edição, p. 209.
Pelo que o artigo 38.º n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não permite que a acção administrativa comum seja utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação de acto impugnável, que o mesmo é dizer que “não se pode ir buscar à acção comum …os efeitos complementares ou “executivos” (como aqueles que se encontram enunciados no artigo 173.º do mesmo diploma) caracteristicamente associados ao juízo próprio de ilegalidade, ao juízo anulatório, por exemplo os relativos ao restabelecimento in natura da situação jurídica ilegalmente criada, porque isso corresponderia ou pressuporia uma verdadeira anulação do acto, a sua eliminação da ordem jurídica – Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, Almedina, 2006, p. 278.
Q - Por força do disposto no n.º 2 do artigo 38.º do CPTA, a ação de cuja sentença se recorre não pode ser utilizada para obter os efeitos que seriam obtidos com a anulação do acto de inscrição da Autora no regime geral de segurança social, designadamente não é possível obter a reconstituição da sua situação previdencial contributiva atual hipotética.
R – Pelo que, ainda que assistisse razão à Recorrida, o deferimento da presente execução apenas poderia ter efeitos ex nunc.
S - Por conseguinte, com o devido respeito, o Tribunal “a quo” não andou bem ao julgar a ação procedente quanto ao peticionado efeito retroactivo da reinscrição da Autora como subscritora da Caixa Geral de Aposentações, desde 15 de fevereiro de 2006, condenando as entidades demandas à prática dos actos e operações necessárias à transferência dos valores descontados à Autora a título de quotizações para a Segurança Social, para a Caixa Geral de Aposentações, I.P.
T - Não apreciou bem a situação da Autora/Recorrida, nem aplicou corretamente a Lei, devendo a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente e absolva os réus de todos os pedidos.



Termos em que, e nos mais de direito, deverá a douta sentença, de que se recorre, ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente, com as necessárias consequências.
[…]”

**

O Recorrido apresentou Contra Alegações, das quais para aqui se extraem as respectivas conclusões, como segue:

“[…]
CONCLUSÕES
1. No seu recurso, a Recorrente alega que o Tribunal “a quo” não interpreta corretamente o disposto no artigo 2º, n.º 2 da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, e o artigo 22º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro.
Contudo, não lhe assiste razão.
2. Da leitura do Artigo 2º da Lei 60/2005, é possível depreender que o legislador pretende que a CGA deixe de proceder à inscrição de subscritores, a partir de 1 de janeiro de 2006.
3. Tal significa que aos funcionários e agentes que “iniciem” funções, a partir daquela data, passa a aplicar-se o regime da segurança social.
4. Neste sentido, a utilização da palavra “inicie” funções, afigura-se inequívoco no sentido de abranger os trabalhadores que ingressem pela primeira vez (ex novo) na função pública.
5. Ou seja, o que se pretende é não aumentar o número de inscrições através do cancelamento da entrada de novos subscritores e, nessa medida, caminhar para a convergência ao mesmo tempo que se limita o crescimento da despesa pública nesta área.
6. Aliás, na exposição de motivos constante da Proposta de Lei nº 38/X pode ler-se, entre o mais, que “A concretização da convergência não deve, porém, fazer-se nem à custa do sacrifício das expectativas daqueles que, no quadro do regime actualmente em vigor, já reúnem condições para se aposentarem. Nem de rupturas fracturantes, optando-se antes por um modelo de transição gradual que aplica aos funcionários, agentes da Administração Pública e demais servidores do Estado o regime de pensões do Estatuto da Aposentação, o regime de segurança social ou ambos simultaneamente.”
7. Desta feita, parece-nos claro poder retirar-se do preceito que o mesmo deve ser interpretado no sentido de a CGA estar impedida de inscrever como subscritor aquele funcionário que, pela primeira vez, venha a ser titular de relação jurídica pública.
8. Por outro lado, o artigo 22º do EA, sob a epígrafe “Eliminação do subscritor”, prevê as situações em que há lugar ao cancelamento da inscrição dos subscritores, estabelecendo o seguinte:
“1- Será eliminado o subscritor que, a título definitivo, cesse o exercício do seu cargo, salvo se for investido noutro a que corresponda igualmente direito de inscrição”.
9. Por sua vez, o nº 2 do mesmo preceito permite, em qualquer caso, nova inscrição se o antigo subscritor vier a ser readmitido em quaisquer funções públicas contempladas no artigo 1º do mesmo Estatuto.
10. Da leitura conjugada das referidas normas retira-se que, para o legislador, só haverá cancelamento da inscrição do subscritor que cesse definitivamente o exercício do seu cargo, assistindo-lhe, porém, o direito a ser de novo inscrito, se voltar a ingressar em funções públicas.
11. Na situação em apreço, a docente representada pelo Autor iniciou a sua prestação de trabalho como trabalhadora em funções púbicas em momento anterior ao dia 1 de janeiro de 2006 e, por esse motivo, foi inscrita, e por iniciativa do seu empregador Ministério da Educação, Ciência e Inovação, no regime de proteção social da CGA.
12. Após essa data voltou a exercer funções (e ainda hoje exerce) às quais correspondia o direito de inscrição antes da entrada em vigor da Lei nº 60/2005, de 29 de janeiro.
13. Os hiatos entre contratos não lhes são imputáveis, pois todos a docente em causa foi opositora aos sucessivos concursos de recrutamento de docentes abertos em cada um daqueles anos letivos pelo Ministério da Educação.
14. Infelizmente, como é de conhecimento público, fruto do regime aplicável aqueles concursos e do desequilíbrio entre o número de vagas e o número de candidatos, não obteve colocação logo no primeiro dia de cada um daqueles anos letivos ou viu os seus contratos cessarem antes do seu termo, tal como muitos milhares de outros candidatos.
15. Os referidos hiatos temporais de que milhares de docentes foram vítimas decorreram de vínculos precários de emprego público, que são da exclusiva responsabilidade da Administração Escolar.
16. Por outro lado, a jurisprudência das três instâncias judiciais administrativas tem sido unânime em considerar que a norma do nº 2 do Artigo 2º da Lei nº 60/2005, de 29 de dezembro apenas proíbe a inscrição de novos subscritores que efetivamente iniciem ex novo funções públicas, independentemente de terem ocorrido, ou não, hiatos temporais entre os vínculos de emprego público (contratos de trabalho em funções públicas a termo resolutivo).
17. A sua interpretação é a de que a norma em causa visou impedir novas entradas no sistema e não eliminar os subscritores que permanecem no mesmo.
18. O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2014/03/06, proferido no Processo nº 0889/13, referenciado pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, sumaria o seguinte:
“I – Considerando a letra do art. 2º da Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro, que se refere apenas ao pessoal que “inicie funções” e a sua razão de ser (proibir a entrada de novos subscritores), afigura-se claro poder retirar-se que o mesmo deve ser interpretado no sentido de a Caixa Geral de Aposentações estar impedida de inscrever como subscritor aquele funcionário/agente que pela primeira vez venha a ser titular de relação jurídica pública.”
19. Na sua fundamentação, e quando em abstrato se dedica a discorrer acerca do sentido e do alcance da norma, conclui: “Assim sendo, considerando a letra do preceito e a sua razão de ser, afigura-se claro poder retirar-se do preceito que o mesmo deve ser interpretado no sentido de a CGA estar impedida de inscrever como subscritor aquele funcionário/agente que pela primeira vez venha a ser titular de relação jurídica pública”.
20. E continua: “(…) O inciso direito de inscrição deve ser objeto de interpretação adequada de modo a harmonizar-se com a letra e a teleologia intrínseca do artigo 2º da Lei n.º 60/2005, preceito que, como vimos, apenas visa abranger o pessoal que inicie absolutamente funções. Logo, esta norma deve ser tomada no sentido restrito de que só há eliminação do subscritor se ele não for investido noutro cargo a que – antes de 1/1/2006 – correspondesse direito de inscrição”.
21. A referência que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo em causa faz à questão da (des)continuidade temporal entre vínculos de emprego público surge, apenas, no contexto da aplicação dessa norma ao caso concreto, tendo em conta a sua factualidade própria, quando o julgador refere: “Para além do mais, considerando que, no caso, não tendo havido sequer qualquer hiato temporal nem sequer descontinuidade na prestação do trabalho, a prevalecer a interpretação sufragada no Acórdão recorrido a mesma conduziria a um resultado desproporcionado e a ruturas fraturantes não desejadas pelo legislador, atenta a razão de ser das normas em causa.”
22. O Supremo Tribunal Administrativo (STA) também apreciou a questão nos acórdãos STA/Formação de Admissão Preliminar (STA/FAP) proferidos em 2022/06/09 no Proc. nº 099/21.6BEBRG; em 2022/09/22 nos Procs. nºs 877/21.6BEBRG e 1974/20.0BEBR; e em 2022/10/06 no Proc. 307/19.3BEBRG, sempre no mesmo sentido. Em todos eles, o STA não admitiu os recursos de revista interpostos pela CGA e pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação em processos de docentes que tiveram interrupção temporal entre os seus vínculos de emprego público e confirmou o mérito das decisões judiciais que reconheceram o direito daqueles docentes manterem a sua inscrição na CGA, com efeitos retroativos.
23. Todos os referidos Acórdãos consideraram que relativamente “ao mérito da decisão, há que não descurar a unanimidade das instâncias na interpretação e aplicação do artigo 2º, n°2, da Lei n°60/2005, de 29.12, sendo que a interpretação adotada, para além de observar os parâmetros consagrados no artigo 9° do Código Civil, mostra-se baseada na jurisprudência - nomeadamente – deste Supremo Tribunal. Além disso, a sua aplicação ao caso concreto é efetuada através de discurso lógico e juridicamente razoável”.
24. Os acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo do Norte, em 2022/01/28, no Processo nº 01100/20.6BEBRG, e em 2022/04/08, no Processo nº 00307/19.3VBEBRG concretizam que: “Verificando-se que antes de 01/01/06, a Autora estava inscrita na CGA e que posteriormente a essa data foi investida, através da celebração de sucessivos contratos com o Ministério da Educação, em cargo a que antes de 01.01.2006 correspondia o direito de inscrição na CGA, a mesma tem o direito à sua reinscrição, de acordo com o disposto no artigo 2º da Lei nº 60/2005.”
25. Neste sentido é irrelevante a existência de interrupções temporais entre contratos, quer se trate de uma interrupção de 2 dias, 5 meses ou de anos do exercício de funções públicas docentes.
26. O limite subjacente na norma prende-se unicamente com a entrada de novos subscritores para o regime social convergente, no sentido de que sejam aqueles que, primeira vez, exercem funções às quais corresponda o direito de inscrição.
27. O legislador pretendeu manter abrangidos pelo regime de proteção social convergente todos os docentes contratados que efetuaram descontos para a CGA em data anterior ao dia 1 de janeiro de 2006 e que, independentemente das vicissitudes da sua carreira, voltaram a exercer funções às quais correspondia o direito de inscrição.
28. Nestes termos, bem andou a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que condenou as Entidades Demandadas a reconhecerem a manutenção do direito da associada aqui representada pelo Autor/Recorrido como subscritora da CGA, e a praticarem todos os atos materiais necessários a repor a sua inscrição com efeitos à data em que foi inscrita no regime geral da segurança social, em conformidade com a posição da jurisprudência e da doutrina maioritária.
29. E prefigura-se ser, assim, de concluir que só poderão improceder as alegações e o que foi por si peticionado em sede de recurso e ser dados como conformes e legais os fundamentos e a decisão proferida na douta sentença recorrida.
Nestes termos e nos demais de direito, que muito doutamente V. Exc.ªs suprirão, deverá ser julgado improcedente o recurso interposto pela Recorrente Caixa Geral de Aposentações e, em consequência, ser confirmada a sentença recorrida, como é de JUSTIÇA!
[…]”

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

**

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], e que passam por saber se o Tribunal a quo errou no julgamento por si prosseguido em matéria de facto, assim como em matéria de interpretação e aplicação do direito.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

Para efeitos da prolação da Sentença recorrida, apreciou e decidiu o Tribunal a quo, nos termos que, por facilidade, para aqui se extraem como segue:

“[…]
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
III-A. Factos provados
Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:
1) A representada do Autor, tendo sido nomeada em 20/06/1995 como Auxiliar de Ação Educativa, pela Escola ..., foi inscrita nessa data como subscritora da Caixa Geral de Aposentações, cfr. teor do doc. 2 junto com a Petição Inicial e fls. 2 do Processo Administrativo (PA).
2) No ano letivo de 2003/2004, terminou o seu contrato como Auxiliar de Ação Educativa com o Agrupamento Vertical Luciano Cordeiro, em 15/12/2003 e foi contratada como professora pelo Agrupamento Vertical ..., ... e ..., em 18/12/2003, cfr. doc. 2 junto com a Petição Inicial.
3) Nos anos letivos 2006/2007 e 2007/2008, a representada do Autor terminou o contrato celebrado com o Agrupamento de Escolas ... em 31/08/2007 e celebrou contrato com o Município ..., em 06/09/2007 e em 16/10/2007 com o Agrupamento de Escolas ..., tendo, em 06/09/2007 passado a pagar contribuições para a Segurança Social, cfr. teor do documento junto pelo ISS, IP com a contestação apresentada, docs. 2 e 3 apresentados com a Petição Inicial.
4) Situação que se mantém até à data, cfr. acordo das partes.
III-B. Factos não provados
Inexistem, com relevância para a decisão a proferir.
Motivação da Matéria de facto
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa mediante o recorte dos factos pertinentes para o julgamento da presente causa em função da sua relevância jurídica para a resolução da lide e atentas as várias soluções plausíveis de direito (cfr. artigo 94.º, n.º 2, n.º 3 e n.º 4 ambos do CPTA).
A respetiva fundamentação assenta na apreciação da prova documental oferecida pelos Autores (não impugnada; cfr. artigos 374.º e 376.º do Código Civil) e constante do processo administrativo em formato digital junto no SITAF (cuja veracidade não foi colocada em crise; cfr. artigos 373.º, 374.º e 376.º do Código Civil), bem como na posição assumida pelas partes nos seus articulados (na parte em que foi possível obter a sua expressa admissão, nos termos do n.º 4 do artigo 83.º do CPTA), tal como se encontra especificado nos vários pontos do probatório.
[…]”
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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que com referência ao pedido formulado a final da Petição inicial, deduzido contra o Ministério da Educação, a Caixa Geral de Aposentações, e o Instituto da Segurança Social [no sentido, em suma, (i) de ser reconhecido o direito da representada do Autor a manter-se como subscritora da CGA, com o n.º ...68; e (ii) da condenação das Rés a praticar os actos e as operações necessárias à manutenção da representada do Autor como subscritora da Caixa Geral de Aposentações com efeitos à data em que foi inscrita na Segurança Social, em 16 de outubro de 2007], veio a julgar a acção procedente, reconhecendo o direito da representada do Autor a manter-se como subscritora da Caixa Geral de Aposentações com o n.º ...68, e mais condenando as demandadas a praticar os actos e operações necessários à sua manutenção dessa qualidade com efeitos reportados a 16 de outubro de 2007.

Com o assim julgado não se conforma a Recorrente CGA, que no âmbito das conclusões das suas Alegações de recurso sustentou, por um lado [Cfr. conclusões A) a M)], que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, por não ter existido continuidade do vínculo laboral da representada do Autor, que é requisito essencial para a inscrição na Caixa Geral de Aposentações, e que assim não tendo sucedido, que a representada do Autor ora Recorrido foi bem inscrita no regime da Segurança Social, por ter interrompido o vínculo no dia 31 de agosto de 2007, vinculo que só veio a ser retomado em relação laboral posteriormente constituída, e mais ainda, por outro lado, sustentou a Recorrente [Cfr. conclusões N) a S) das Alegações de recurso] que ao ter o Tribunal a quo reconhecido o direito da representada do Autor com efeitos reportados à data em que foi inscrita na Segurança Social, em 16 de outubro de 2007, que foi violado o disposto no artigo 38.º, n.º 2 do Código do Procedimento dos Tribunais Administrativos, por ter sido colocado em causa o principio da certeza e segurança jurídicas, e desta forma, que a Sentença recorrida deve assim ser revogada e substituída por outra que julgue a acção totalmente improcedente.
Por julgarmos que a data contida na conclusão S) das Alegações de recurso, se deve a lapso de escrita, doravante assim o trataremos.

Por seu turno, no âmbito das Contra Alegações por si apresentadas, o Recorrido contrariou a argumentação expendida pela Recorrente, tendo a final e em suma pugnado pela manutenção da Sentença recorrida, com fundamento em que por via do referido artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, o que pretendeu o legislador foi apenas e só proibir novas entradas na CGA e não eliminar aquela, como é o seu caso, que já era existente.

Cumpre apreciar e decidir.

Como assim deflui da Sentença recorrida, depois de efectuar o saneamento dos autos, o Tribunal a quo fixou as questões a solucionar, visando [para além da matéria integrativa de excepção, caso seja julgada pela sua improcedência] decidir de mérito [o que passava pela questão de saber se a representada do Autor tem ou não direito a ser (re)inscrita como subscritora da Caixa Geral de Aposentações], tendo logo após fixado também a factualidade que entendeu por relevante [por provada, e que o foi, essencialmente, a partir do acervo documental constante dos autos e do Processo Administrativo], tendo depois prosseguido pela sua submissão ao direito que julgou por convocável, e que passava por saber, essencialmente, se em face do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, se a representada do Autor tinha ou não o direito de manter a sua inscrição na CGA [que se tinha iniciado em 20 de junho de 1995], por terem existido hiatos temporais entre a data em que findou cada um dos contrato de trabalho que foi celebrando e a data em que tornou a celebrar novo contrato, e bem assim, se a sua inscrição oficiosa no regime da Segurança Social [Cfr. o alegado sob os pontos 13, 14 e 15 da petição inicial] e não no regime previdencial da CGA, à data de 16 de outubro de 2007, se é ou não violadora do seu invocado direito.

E a essa questão, ainda que a sua inscrição na Segurança Social tenha ocorrido já em data posterior à prevista no artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, ou seja, após 01 de janeiro de 2006, o Tribunal a quo julgou pela procedência da pretensão da Autora, com amparo em vasta jurisprudência dos Tribunais Superiores desta jurisdição administrativa.

Efectivamente, quanto a essa questão fundamental, o Tribunal a quo ancorou a fundamentação aportada na Sentença recorrida, tendo presente para tanto que a Autora já esteve inscrita na CGA, e que por essa razão não se tratava de inscrição neste regime de previdência de um novo subscritor, e também, porque antes da entrada em vigor da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, já a mesma tinha sido subscritora, o que julgamos tratar-se de um julgamento em conformidade com os normativos que a Recorrente, ao invés, fundada em erro de erro de interpretação, vem a apresentar nesta sua pretensão recursiva como tendo sido violados.

O Tribunal a quo alinhou o seu julgamento em conformidade com jurisprudência de Tribunais Superiores desta jurisdição administrativa [designadamente, o Acórdão deste TCA Norte, datado de 28 de janeiro de 2022, proferido no Processo n.º 0100/20.6BEPRT].

Por julgarmos com relevância para a decisão a proferir, para aqui extractamos o sumário do Acórdão do STA, datado de 06 de março de 2014, proferido no Processo n.º 0889/13, como segue:

Início da transcrição
“I – Considerando a letra do art. 2º da Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro, que se refere apenas ao pessoal que “inicie funções” e a sua razão de ser (proibir a entrada de novos subscritores), afigura-se claro poder retirar-se que o mesmo deve ser interpretado no sentido de a Caixa Geral de Aposentações estar impedida de inscrever como subscritor aquele funcionário/agente que pela primeira vez venha a ser titular de relação jurídica pública.
II – Assim sendo, tendo em conta a letra do preceito e visando o mesmo cancelar novas entradas no sistema e não eliminar os subscritores que permanecem no mesmo, temos de concluir não haver quebra do estatuto de subscritor quando o funcionário ou agente se limita a transitar de uma entidade administrativa para outra sem qualquer descontinuidade temporal, nos termos do estatuído no art. 22º, nº1, do Estatuto da Aposentação, devendo apenas o inciso “direito de inscrição” ser objecto de interpretação correctiva de modo a harmonizar-se com a letra e a teologia intrínseca do art. 2º da Lei nº 60/2005.
III – Se o Associado do Recorrente (professor do ensino superior politécnico) rescinde o contrato administrativo de provimento que o liga a uma instituição de ensino e celebra com outra instituição novo contrato, com efeitos a partir do dia seguinte, embora em termos formais haja descontinuidade do vinculo jurídico, não havendo descontinuidade temporal, a situação não cai no âmbito do art. 2º da Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro, em conjugação com o disposto no art. 22º, nº 1, do Estatuto de
Aposentação.”
Fim da transcrição

De igual modo, por também julgarmos com relevância para a decisão a proferir, para aqui extractamos o sumário do Acórdão deste TCA Norte, datado de 14 de fevereiro de 2020, proferido no Processo n.º 01771/17.0BEPRT, como segue:

Início da transcrição
“I - Os nº. 1 e 2 do artigo 2º da Lei nº. 60/2005, de 29 de dezembro, preconizam a inadmissibilidade de novas inscrições na Caixa Geral de Aposentações, e, bem assim, a obrigatoriedade de inscrição no regime geral de segurança social de todo o pessoal que “inicie funções” a partir 1 de janeiro de 2006, ao qual, nos termos da legislação vigente, fosse aplicável o regime de proteção social da função pública em matéria de aposentação, em razão da natureza da instituição a que venha a estar vinculado, do tipo de relação jurídica de emprego de que venha a ser titular ou de norma especial que lhe conferisse esse direito.
II - Na determinação do que se deve entender relativamente à previsão “iniciem funções” contida nos nº. 2 do artigo 2º da Lei nº. 60/2005, dever-se-á atender ao teor da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, espraiada seu aresto de 06.03.2014, no processo nº. 0889/13, que, quanto a este conspecto, considerou que o disposto no nºs.1 e 2 do artigo da Lei nº. 60/2005 visa apenas abranger o pessoal que inicie absolutamente funções.
III - Por razões atinentes a uma interpretação harmoniosa com a letra e a teleologia intrínseca do art. 2º da Lei nº 60/2005, a eliminação da subscrição do trabalhador em funções públicas decorrente da cessação do exercício do seu cargo prevista no nº.1 do artigo 22º do EA só ocorrerá se este não for investido noutro cargo a que antes de 01.01.2006 correspondesse direito de inscrição.”
Fim da transcrição

Ora, desde já referimos que nos revemos nesta jurisprudência [de entre outra prolatada por este TCA Norte, de que destacamos o Acórdão datado de 28 de janeiro de 2022, proferido no Processo n.º 496/20.4BEPNF, o Acórdão datado de 28 de janeiro de 2022, proferido no Processo n.º 1100/20.6BEBRG, o Acórdão datado de 11 de fevereiro de 2022, proferido no Processo n.º 99/21.6BEBRG, o Acórdão datado de 10 de março de 2022, proferido no Processo n.º 1974/20.0BEBRG, o Acórdão datado de 08 de abril de 2022, proferido no Processo n.º 307/19.3BEBRG [assim sinalizado pelo Tribunal a quo], o Acórdão datado de 30 de setembro de 2022, proferido no Processo n.º 708/20.4BEPRT - todos disponíveis em www.itij.pt], e o recente Acórdão deste TCA, datado de 22 de novembro de 2024, proferido no Processo n.º 148/24.6BEPNF, em que o ora Relator interveio na sua formação em julgamento, como 2.º Adjunto], e cuja fundamentação aqui damos por enunciada [com as adaptações que se mostrem devidas, designadamente em torno da matéria de facto], a fim ser prosseguida e obtida, em consonância com o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

Salientamos ainda que em formação de admissão preliminar, o STA negou a admissão de recurso de revista no Acórdão datado de 09 de junho 2022, proferido no Processo n.º 099/21.6BEBRG, de 14 de julho de 2022, proferido no Processo n.º 0496/20.4BEPNF, de 22 de setembro de 2022, proferido no processo
1974/20.0BEBRG, e de 06 de outubro de 2022, proferido no Processo n.º 307/19.3BEBRG, em situações cuja matéria de facto é similar à que ora está em causa nestes autos, e que na essência do que vinha sustentado pelos aí Recorrentes, a argumentação apresentada na instância superior não foi de molde a abalar a jurisprudência que vinha sendo firmada neste domínio.

Neste patamar, julgamos assim que a interpretação do direito prosseguida pelo Tribunal a quo em torno do referido artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, assim como do artigo 22.º do EA, e a final, aquela que conduziu à solução jurídica por si alcançada, no sentido de que só haverá cancelamento da inscrição do subscritor na CGA que, tendo cessado o exercício de anterior cargo, não venha a ingressar no exercício futuro de outras funções públicas, é aquela se mostra mais consentânea com a Lei e o Direito, sendo assim de salientar que a argumentação de que se vale a Recorrente está desprovida de qualquer indício de conformidade legal.

Ou seja, a Recorrente empreende uma sustentação do seu entendimento e assim, a revogação da Sentença recorrida, tendo por base uma interpretação que não podemos acolher, por não assentar em qualquer amparo legal ou hermenêutico, pois que o que assim quis disciplinar o legislador foi a convergência progressiva do sistema previdencial, impedindo a entrada de novos subscritores para a CGA, sendo que a representada do Autor não pode ser qualificada como nova subscritora, pois que já o era desde 20 de junho de 1995, não podendo assim dar-se o cancelamento da sua inscrição enquanto subscritora, pelo facto de ter vindo a ser investida no exercício de funções públicas a que se reportava o artigo 1.º do EA.

Há que ter presente que quando o legislador regula sobre determinada matéria, procura sempre as melhores soluções para a questão que quer tratar, e não resulta do espírito do referido diploma legal [e na sua confrontação com o disposto, entre o mais, nos artigos 1.º, 2.º, 4.º, n.º 1 e 22.º do Estatuto da Aposentação], que o mesmo tenha querido, de forma expressa ou implícita, não admitir como subscritores da Caixa Geral de Aposentações, quem tenha deixado de exercer funções públicas mas tenha após o dia 01 de janeiro de 2006 vindo a assumir funções públicas, ainda que numa qualquer outra instituição, quando essas funções, até à entrada em vigor desse diploma legal, eram por si determinantes do direito de inscrição na CGA.

É certo que cada vez mais a interpretação da lei passa essencialmente por investigar e extroverter o conteúdo da mesma Lei, fixando o seu sentido, na medida em que há a necessidade de estabelecer um juízo decisório de um concreto problema normativojurídico, ou como melhor diria Castanheira Neves no seu estudo sobre "O Actual Problema Metodológico da Interpretação Jurídica" (RLJ 117/129 e ss.), impõe-se "a realização da intencionalidade prática do direito" - cfr. artigo 8.º [Obrigação de julgar e dever de obediência à lei] e artigo 9.º [Interpretação da lei] do Código Civil.

A letra da lei, embora seja um elemento condicionante da interpretação jurídica, impede a adopção de interpretações que não tenham um mínimo de correspondência no texto legal [Cfr. n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil]. E não sendo todavia o elemento mais importante, pois que é imposto pelo n.º 1 do mesmo artigo que o intérprete não se deve cingir à letra da lei, antes reconstituir, se for caso disso, a partir dos textos o pensamento legislativo, sempre deve ter em conta, sobretudo, a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

Como resulta da letra da lei [Cfr. artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, conjugado com o Estatuto da Aposentação], o legislador dispôs que o cancelamento da inscrição de subscritor só ocorre quando venha a cessar, de forma definitiva, o exercício do cargo que vinha exercendo e que por si era determinante da inscrição do trabalhador na CGA, sendo que, assiste-lhe o direito de tornar a ser inscrito, quando venha a ser investido em cargo ou em função a que correspondia, à data da entrada daquele normativo, o direito de inscrição.

Ou seja, o cancelamento da inscrição de um subscritor só ocorre, e com a sua consequente eliminação do sistema previdencial da CGA, em conformidade com o disposto no artigo 22.º, n.º 1 – primeira parte - do EA, quando o trabalhador/beneficiário deixe de exercer funções, a título definitivo, sendo que, já não será eliminado o subscritor – o que é o caso da representada do Autor -, que torna a ser investida noutro cargo, a que também correspondia o direito de inscrição [cfr. artigo 22.º, n.º 1 – 2.ª parte – do mesmo EA].

Atenta a factualidade constante do probatório, em particular o vertido sob as alíneas a), b), e c), julgamos ser cristalino que assiste à representada do Autor ora Recorrido o direito a ver-se inscrita sob o regime da CGA e não sob o regime da Segurança Social, pelo facto de desde o dia 20 de junho de 1995, que é beneficiária da CGA, inscrita sob o n.º ...68, estatuto que sempre teria de lhe ser garantido face à posterior [à sucessiva] outorga de contrato de trabalho para o exercício de idênticas funções de docência.

Conforme dispõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”. O que é de dizer que o legislador procura sempre as melhores soluções legislativas para efeitos da ordenação da vida em sociedade, e quando seja interpretado o seu pensamento, essa interpretação deve ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que possa estar imperfeitamente expresso [Cfr. nº. 2 do referido artigo 9.º], o que não se afigura ser o caso.

E contrariamente ao sustentado pela Recorrente sob as conclusões N) a S) das suas Alegações de recurso, não divisamos por que termos é que o Tribunal a quo incorreu na violação do disposto no artigo 38.º, n.º 2 do CPTA, porquanto, e como assim emerge da fundamentação aportada na Sentença recorrida, o que está em causa é o pedido de reconhecimento de um direito, o que assim resulta assaz fundamentado.

Ou seja, a CGA não poderia ter deixado de ter e manter a inscrição da representada da Autora como beneficiária, e sempre e de todo o modo, caso assim tivesse prosseguido, sempre deveria ter prolatado acto administrativo nesse sentido, o que assim não resulta do probatório.

De maneira que, tem assim, forçosamente, de improceder a pretensão recursiva da Recorrente, e de ser confirmada a Sentença recorrida.

*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações; Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro.

1 – Como resulta da letra da lei [Cfr. artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, conjugado com o Estatuto da Aposentação], o legislador dispôs que o cancelamento da inscrição de subscritor só ocorre quando venha a cessar, de forma definitiva, o exercício do cargo que vinha exercendo e que por si era determinante da inscrição do trabalhador na CGA, sendo que, assiste-lhe o direito de tornar a ser inscrito, quando venha a ser investido em cargo ou em função a que correspondia, à data da entrada daquele normativo, o direito de inscrição.
2 - O cancelamento da inscrição de um subscritor só ocorre, e com a sua consequente eliminação do sistema previdencial da CGA, em conformidade com o disposto no artigo 22.º, n.º 1 – primeira parte - do EA, quando o trabalhador/beneficiário deixe de exercer funções, a título definitivo, sendo que, já não será eliminado o subscritor – o que é o caso da representada do Autor -, que vem a ser investido noutro cargo, a que também correspondia o direito de inscrição [cfr. artigo 22.º, n.º 1 – 2.ª parte – do mesmo EA].
3 - Conforme dispõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”. O que é de dizer que o legislador procura sempre as melhores soluções legislativas para efeitos da ordenação da vida em sociedade, e quando seja interpretado o seu pensamento, essa interpretação deve ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que possa estar imperfeitamente expresso [Cfr. nº. 2 do referido artigo 9.º], o que não se afigura ser o caso.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pela Recorrente Caixa Geral de Aposentações, IP, confirmando assim a Sentença recorrida.

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Custas a cargo da Recorrente CGA, IP – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.

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Porto, 04 de abril de 2025.


Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Isabel Costa
Rogério Martins