Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:1078/19.9BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/30/2023
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL; DL 220/2006, DE 3 DE NOVEMBRO;
PRESTAÇÕES DO SUBSÍDIO DE DESEMPREGO;
NÃO APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO/CONFISSÃO DOS FACTOS ARTICULADOS PELA AUTORA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
«AA» instaurou acção administrativa contra o Instituto da Segurança Social, I.P., ambos melhor identificados nos autos, peticionando a declaração de nulidade ou anulação do acto de indeferimento do pedido de atribuição do subsídio de desemprego, bem como, a sua substituição por outro que condene a Entidade Demandada a pagar à Autora as prestações do subsídio de desemprego desde a data do pedido e durante o máximo de tempo legalmente permitido, sendo as prestações vencidas acrescidas de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Por sentença proferida pelo TAF de Aveiro foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
a) A situação da aqui Recorrente tem enquadramento, designadamente na previsão do artigo 2º, nº 1 do Decreto-lei nº 220/2006, de 3/11.
b) Importa não perder de vista que as prestações de desemprego têm como objectivo:
a) Compensar os beneficiários da falta de remuneração resultante da situação de desemprego ou de redução determinada pela aceitação de trabalho a tempo parcial; b) Promover a criação de emprego.
c) Assim, e no que concerne à verificação do requisito de atribuição do subsídio de desemprego importa predominantemente atender à existência de emprego remunerado, enquanto elemento essencial do próprio contrato de trabalho.
d) A recorrente achava-se de baixa médica porquanto, conforme foi alegado, o facto de não constarem salários nem registo de actividade profissional por parte da sua entidade patronal em nada a pode prejudicar, no que respeita ao direito, que invoca, em aceder à protecção no desemprego, porquanto, o vínculo laboral que unia a autora e a empresa “[SCom01...]” apenas cessou em 15/01/2018, não tendo a entidade empregadora reintegrado a Autora em funções compatíveis com a sua situação clínica após a alta concedida pela seguradora, em Janeiro de 2015, o que motivou a situação de baixa médica em que se encontrou no período compreendido entre 13/02/2015 e 10/03/2018.
e) Ora, o Tribunal não positivou essa alegação na matéria de facto provada nem a enfrentou, mormente o vertido em 6.º a 12.º e 18.º a 22.º do articulado inicial, antes considerando a factualidade aposta na matéria de facto dada como provada.
f) Face à ausência de contestação, a matéria de facto ali plasmada deveria ter sido dado como provada e, nesse sentido, atribuído benefício do subsídio de desemprego. O que não aconteceu. Mas, mesmo assim não entendendo,
g) Se a falta de entrega de declarações de remunerações, com o correspetivo registo na Segurança Social por parte da entidade patronal não pode prejudicar o direito do trabalhador às prestações, a mera circunstância formal de não constarem do registo de remunerações da Segurança Social o número mínimo de dias necessário ao preenchimento do prazo de garantia para o direito às prestações por desemprego (cfr. artigos 22º nº 1 do DL. nº 220/2006 e 3º do DL. nº 324/2009) não é fundamento legítimo para ser negado esse direito, caso se constate que foram omitidos pela entidade empregadora dias de trabalho, que não foram por ela declarados, como era devido, por não ter ajustado a trabalhadora à sua nova condição laboral não obstante manter o vínculo laboral, além de que a sua situação de desemprego foi involuntária.
h) Sucede é que na situação dos autos tais questões não foram suscitadas em sede administrativa (procedimental), apenas tendo sido invocadas pela autora em sede da presente ação.
i) Pelo que a entidade administrativa, que não foi com elas confrontadas, se limitou a suportar-se nos elementos que possuía, que eram os que constavam no registo de remunerações.
j) Em sede judicial, a Autora sustentou preencher o pressuposto legal para o direito às prestações por desemprego que a entidade administrativa deu como não verificado: possuir 365 dias de trabalho no período de 24 meses imediatamente anterior à data do desemprego. E alegou que apesar de não constar do registo de remunerações da Segurança Social, trabalhou para a entidade patronal até 15/01/2018, que esta não a reintegrou em funções compatíveis com o seu estado clínico, não podendo a falta de regularização formal do registo de remunerações e respetivas contribuições, da responsabilidade da entidade patronal prejudicá-la no direito às prestações.
k) Pelo que a sentença recorrida não fez correta aplicação do direito, ao considerar, não obstante a invocação feita pela autora, que não lhe assistia o direito às prestações por desemprego por não apresentar descontos para a Segurança Social pelo período de 365 dias.
l) O que também sucedeu quando proferiu o presente saneador sentença sem que tenha sido levada a cabo qualquer instrução dirigida aos factos supra alegados, seja em sede administrativa-procedimental, seja em sede judicial.
m) As regras da distribuição do ónus da prova devem atender às posições que correspondem às partes na relação material que se encontra subjacente na ação judicial.
n) Pelo que estando em causa o pedido referente a uma pretensão, in casu, à atribuição de prestações por desemprego, é efetivamente sobre a interessada que recai o ónus de demonstrar a verificação dos pressupostos legais para o seu deferimento.
o) Mas não pode recusar-se o direito peticionado sem que lhe seja dada a oportunidade de os provar, designadamente em sede de um período de instrução a ser aberto para o efeito.
p) A sentença recorrida, não pode, pois, ser mantida.
q) Isto porque, a matéria de facto dada como provada na ação é insuficiente para se aferir se assiste ou não à interessada o pretendido direito às prestações por desemprego (recusado pela decisão administrativa impugnada).
r) Mas simultaneamente a prova documental integrada nos autos não é também bastante para que este Tribunal ad quem proceda desde já, ao abrigo do disposto no artigo 662º nº 1 do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, ao aditamento oficioso de factualidade, que tendo sido oportunamente alegada, é relevante para a decisão da causa.
s) Insuficiência que decorre de não ter sido aberto um período de instrução para aferição da alegação factual feita pela autora na petição inicial.
t) Pelo que o que se impõe, por se mostrar indispensável à solução da causa, é determinar a ampliação da matéria de facto, após abertura de um período de instrução para o efeito, nos termos do disposto no artigo 662º nº 2 alínea c), segunda parte, do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
u) Designadamente tendo em vista averiguar:
1) Se a A. se apresentou na sua entidade patronal que mediante exame médico-legal realizado a considerou inapta temporariamente dado que não conseguia executar a sua actividade profissional, achando-se incapaz para o exercício da mesma – doc. n.º ... junto com a p.i..
2) Se a A. tinha ainda férias por gozar, e se lhe foi concedido o gozo das mesmas, desde 30/01/2015 até 12/02/2015.
3) Após as mesmas, no regresso das férias, a entidade patronal não a reintegrou a A. em funções compatíveis com a sua situação clínica.
4) Se manteve o contrato de trabalho desde a data do sinistro laboral.
5) Se a A. se viu impelida a recorrer à sua médica de família que lhe foi concedendo baixa médica, tudo com o conhecimento e consentimento da sua entidade patronal, por tê-la suspendido de comparecer no seu posto de trabalho, enquanto se discutia no processo laboral a situação de incapacidade para o desempenho da sua profissão que a entidade patronal igualmente entendia – doc. n.º ... junto com a petição inicial.
6) Se a entidade patronal dizia à A. não ter outro local para a colocar ou seja, que tinha necessariamente que continuar a fazer o mesmo trabalho ou tinha que se ir embora pois não podia tê-la ali parada sem trabalhar.
7) Se a baixa médica que se iniciou a 13/02/2015 e se prolongou até 10/03/2018 – doc. n.º ... junto com a petição inicial se moveu por estes motivos.
8) Se, no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho, atenta a não conciliação das partes na audiência de partes, a A. foi submetida a Junta Médica, no dia 17/01/2017 que concluiu por maioria que a A. ficou com coeficiente de desvalorização de 22,50%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), como resulta do teor da JM realizada e consequente sentença proferida – doc. n.º ... e ... juntos com a petição inicial.
9) Se a entidade patronal nunca mais convocou a A. fosse a que título fosse, assim deixando decorrer o tempo, votando-a ao esquecimento.
10) Se a entidade patronal não se preocupou em reintegrar a A. na empresa, conferindo-lhe funções compatíveis com as suas limitações físicas que a impedem em absoluto de realizar esforços permanentes e continuados sobre o membro inferior esquerdo, bem como de permanecer longos períodos de pé.
11) Se a A. ainda tentou resolver consensualmente a situação de incumprimento por parte da entidade patronal, por várias formas mas sem sucesso...
12) Se a entidade patronal, face à imposição da A., em esforço de resolução e por intermédio de acordo de cessação do contrato de trabalho, fez rescindir o vínculo, em 11/01/2018, nos termos do documento cuja cópia se junta e com efeitos a partir do dia 15/01/2018 – doc. n.º ... junto com a petição inicial.

Termos em que se requer se dignem julgar procedente o presente recurso e por via dele, revogar o saneador-sentença, e aditar à matéria de facto o vertido em 6.º a 12.º e 18.º a 22.º do articulado inicial e, nesse sentido, ser atribuído benefício do subsídio de desemprego ou, caso assim se não entenda, determinar o conhecimento do mérito da causa nesse quadrante, com a remessa dos autos para instrução, no que confia a humilde recorrente, fazendo-se assim inteira e sã justiça.

Não foram juntas contra-alegações.

A Senhora Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) A Autora foi admitida ao serviço da empresa “[SCom01...], SA.” em 07/07/1988, aí tendo exercido a actividade profissional com a categoria profissional de Manipuladora, até 15/01/2018 – cfr. doc. nº ... junto com a PI;
2) Em 29/05/2014, a Autora sofreu um acidente de trabalho, tendo, em resultado do sinistro, permanecido de baixa, por incapacidade temporária absoluta para o trabalho, de 30/05/2014 a 11/01/2015 – cfr. doc. nº ... junto com a PI;
3) Em 12/01/2015 foi concedida alta definitiva pela companhia de seguros [SCom02...], considerando a sinistrada na situação de curada com desvalorização de 10,5%, a partir de 13/01/2015 – cfr. doc. nº ... junto com a PI;
4) Com data de 16/01/2015, foi emitida pela [SCom02...], S.A. a “Nota discriminativa das indemnizações liquidadas/declaração para a segurança social”, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai, designadamente, o seguinte: “(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” – cfr. doc. nº ... junto com a PI;
5) Em 18/02/2015, foi emitido pela médica do Centro de Saúde ... certificado de incapacidade temporária para o trabalho, por acidente de trabalho, com início em 13/02/2015 e termo em 24/02/2015 – cfr. doc. nº ... junto com a PI;
6) O certificado de incapacidade referido no ponto anterior foi sucessivamente prorrogado, até 10/03/2018 – cfr. doc. nº ... junto com a PI;
7) Por decisão proferida, em 09/02/2017, no proc. nº 289/15.0T8OAZ que correu termos no Juízo de Trabalho de Oliveira de Azeméis do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro foi fixada à ora Autora incapacidade permanente parcial em 22,5 % com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e condenada a [SCom03...], S.A. no pagamento à sinistrada de pensão anual, vitalícia e actualizável de € 4.229,45 a partir de 31 de Janeiro de 2015 e actualizada para € 4.246,37 a partir de 1 de Janeiro de 2016 acrescida de juros de mora e do montante de € 2.976,19 a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente (...); bem como, condenada a Tranquilidade – Companhia de Seguros, S.A. no pagamento à sinistrada de pensão anual, vitalícia e actualizável de € 1.812,62 a partir de 31 de Janeiro de 2015 e actualizada para € 1.819,87 a partir de 1 de Janeiro de 2016 acrescida de juros de mora (...) e o montante de € 1.275,51 a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente acrescida de juros de mora (...) – cfr. doc. nº ... junto com a PI;
8) Em 11/01/2018, foi celebrado entre a ora Autora e a entidade empregadora “[SCom01...]” o “acordo de cessação do contrato individual de trabalho”, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai, designadamente, que: “(...)
I) A trabalhadora possui a categoria profissional de Manipuladora e foi admitida ao serviço da empresa em 07/07/1988;
II) Por decisão da empregadora, nos últimos meses tem vindo a ser implementada uma reestruturação da área de produção (...) procedeu-se à redução do volume de aves que anualmente têm vindo a ser abatidas, o que originou uma redução das necessidades em termos de recursos humanos relacionados com a área industrial, em especial com o matadouro (...)
III) O presente acordo justifica-se por razões estruturais (...);
IV) O presente acordo de rescisão produzirá plenos efeitos a partir do dia 15 de janeiro de 2018;
V) A empregadora entregará à trabalhadora, na data indicada no ponto IV) supra, o documento necessário para efeitos de obtenção, por parte do mesmo, do benefício das prestações de desemprego (...) e que se destina a ser presente às autoridades competentes;
VI) A trabalhadora declara nada mais ter a receber ou a exigir da parte da emrpegadora, seja a título de créditos já vencidos ou a vencer futuramente em resultado do presente acordo de cessação, ou de quaisquer importâncias inerentes ao contrato de trabalho ora extinto (...)”
- cfr. doc. nº ... junto com a PI;
9) Em 15/03/2018, a Autora apresentou no Serviço de Emprego de ..., requerimento de prestações de desemprego juntando, designadamente, a declaração de situação de desemprego emitida em 15/01/2018 pela empresa “[SCom01...]” – cfr. fls. 1-6 do PA junto;
10) Com data de 15/03/2018 foi elaborada pelos serviços da Segurança Social “informação para despacho de indeferimento” com o seguinte teor: “propõe-se o indeferimento com base nos seguintes fundamentos previstos no Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro (...):
- Não ter prazo de garantia de 360 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses imediatamente anterior à data de desemprego, para atribuição de Subsídio de Desemprego (n.º 1 do art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 64/2012).
Não ter, igualmente, prazo de garantia de 180 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 12 meses imediatamente anterior à data do desemprego, para atribuição de Subsídio Social de Desemprego (n.º 2 do art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro).
(...)” – cfr. fls. 7 do PA junto;
11) Através do ofício datado de 16/03/2018, foi a Autora notificada da proposta de indeferimento – cfr. fls. 8 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
12) A Autora exerceu o direito de audiência prévia, nos termos do instrumento a fls. 93-95 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
13) Na segurança Social inexistem registos de remunerações (ou equivalentes) posteriormente a Janeiro de 2015 – cfr. fls. 96-100 do PA;
14) Com data de 06/09/2019 foi exarado pela Directora do Núcleo de Prestações Previdenciais despacho de concordância sobre a informação com o seguinte teor: “Propõe-se o indeferimento dado que na resposta apresentada em sede de audiência prévia do interessado não foram entregues documentos ou feita prova suscetível de alterar os fundamentos indicados para o indeferimento. Continua a não perfazer os prazos de garantia para atribuição das prestações de desemprego de acordo com o nº 1 e nº 2 do art.º 22º do Dec. Lei nº 220/2006 de 3 de Novembro.
No caso em concreto, não tem prazo de garantia de 360 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses imediatamente anterior à data de desemprego que foi a 2018/01/16, para atribuição subsidio de desemprego.
Não tem igualmente prazo de garantia de 180 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 12 meses imediatamente anterior à data do desemprego para atribuição subsídio social desemprego inicial.” – cfr. fls. 101 do PA;
15) Através de ofício datado de 11/09/2019, foi a Autora notificada da decisão de indeferimento do pedido de atribuição do subsídio de desemprego – cfr. fls. 102 do PA.

DE DIREITO
Está posta em causa a decisão que julgou improcedente a acção.
Como se alcança do probatório, a Entidade Demandada indeferiu o requerimento da Autora para atribuição de subsídio de desemprego, com fundamento no facto de a mesma não observar o prazo de garantia de 360 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses imediatamente anterior à data do desemprego, nos termos do artigo 22º, nº 1, do DL nº 220/2006, de 3 de novembro.
Mais entendeu que a Autora não reunia condições para concessão do subsídio social de desemprego, por inobservância do prazo de garantia previsto no artigo 22º, nº 2, do mencionado DL.
No entendimento da Entidade Demandada, a Autora não tem, assim, período de garantia, por não ter registo de contribuições (ou equivalente), nos termos exigidos pela legislação do subsídio de desemprego.
Por seu turno, a Autora defende, em súmula, que o facto de não constarem salários nem registo de actividade profissional por parte da sua entidade patronal em nada a pode prejudicar, no que respeita ao direito que invoca, em aceder à protecção no desemprego, porquanto, o vínculo laboral que unia a Autora e a empresa “[SCom01...]” apenas cessou em 15/01/2018, não tendo a entidade empregadora reintegrado a Autora em funções compatíveis com a sua situação clínica após a alta concedida pela seguradora, em janeiro de 2015, o que motivou a situação de baixa médica em que se encontrou no período compreendido entre 13/02/2015 e 10/03/2018.
Vejamos,
Considerando que a pretensão formulada pela Autora na presente acção visa a prática do acto de deferimento do pedido de atribuição de prestações de desemprego, que foi objecto do despacho de indeferimento posto em causa nos autos, dirigindo-se o processo, nos termos do artº 66º, nº 2 do CPTA, não à anulação contenciosa do acto mas à condenação da Administração na prática do acto devido, cumpre ao Tribunal aferir se se encontram verificados os pressupostos legalmente previstos para que a sua pretensão seja deferida.
Considerou o Tribunal a quo que a pretensão da ora recorrente não tem viabilidade legal, da seguinte forma:
Volvendo ao caso em apreço, e como do probatório se alcança, a Autora sofreu um acidente de trabalho, tendo, em resultado do sinistro, permanecido de baixa, por incapacidade temporária para o trabalho, no período compreendido entre 30/05/2014 e 11/01/2015.
Pela situação de incapacidade temporária foram liquidadas pela seguradora [SCom02...] as quantias indicadas no ponto 5) do probatório, a título de indemnização, tendo, no entanto, sido concedida alta definitiva, considerando-se a sinistrada na situação de curada (com desvalorização) a partir de 13/01/2015.
A partir de tal data, e como resulta igualmente do probatório, inexistem registos de remunerações (ou equivalências) no sistema da segurança social.
Extraindo-se da alegação produzida no articulado inicial e, bem assim, da matéria de facto enunciada que a Autora não auferiu a partir desse momento qualquer remuneração ou subsídio, de igual modo não tendo prestado trabalho.
Nessa medida, a decisão posta em causa nestes autos afigura-se correcta, verificando-se que a Autora não reúne as condições de acesso ao subsídio de desemprego, mormente o prazo de garantia - ter auferido remuneração ou equivalente, por 360 dias, nos dois anos anteriores à data do desemprego (in casu, 16/01/2018).
Ademais, no que concerne ao invocado período de baixa médica que se iniciou em 13/02/2015 e se prolongou até 10/03/2018, embora tal circunstância justifique a ausência da actividade laboral, não concede, sem mais, o direito a prestações por desemprego, considerando, por um lado, a alta concedida em janeiro de 2015 (e, consequentemente, o facto de apenas existir registo de remunerações por equivalência até essa data, correspondente ao período de incapacidade temporária por acidente de trabalho com pagamento de indemnização pela seguradora) e, por outro lado, o facto de não resultar alegada e demonstrada nos autos uma situação de equivalência legal à entrada de remunerações durante o período a que se alude no artº 22º do DL nº 220/2006.
Assim, face ao não cumprimento do prazo de garantia, sempre teria o pedido de prestações de desemprego apresentado pela Autora de ser indeferido, tal como decidiu a Entidade Demandada, não se encontrando, assim, reunidos os pressupostos legais para que fosse deferida a pretensão material da Autora.
Avança-se já que não secundamos este entendimento.
Pelo contrário, importa reconhecer e concluir que a situação da aqui Recorrente tem enquadramento, designadamente na previsão do artigo 2º, nº 1 do Decreto-lei nº 220/2006, de 3/11.
Com efeito, o artº 2 do DL 220/2006, de 3.11, estabelece que:
1 – Para efeitos do presente decreto-lei é considerada toda a situação decorrente da inexistência total e involuntária de emprego do beneficiário com capacidade e disponibilidade para o trabalho, inscrito para emprego no centro de emprego.
2 – O requisito de inexistência total de emprego considera-se ainda por preenchido nas situações em que, cumulativamente com o trabalho por conta de outrem, cujo contrato de trabalho cessou, o beneficiário exerce uma atividade independente cujos rendimentos não ultrapassem mensalmente 50% da retribuição mínima garantida.”
Importa não perder de vista que as prestações de desemprego têm como objectivo:
a) Compensar os beneficiários da falta de remuneração resultante da situação de desemprego ou de redução determinada pela aceitação de trabalho a tempo parcial;
b) Promover a criação de emprego.
Assim, e no que concerne à verificação do requisito de atribuição do subsídio de desemprego importa predominantemente atender à existência de emprego remunerado, enquanto elemento essencial do próprio contrato de trabalho.
Contudo, a Recorrente encontrava-se de baixa médica porquanto, conforme foi alegado, o facto de não constarem salários nem registo de actividade profissional por parte da sua entidade patronal em nada a pode prejudicar, no que respeita ao direito, que invoca, em aceder à protecção no desemprego, porquanto, o vínculo laboral que unia a autora e a empresa “[SCom01...]” apenas cessou em 15/01/2018, não tendo a entidade empregadora reintegrado a Autora em funções compatíveis com a sua situação clínica após a alta concedida pela seguradora, em janeiro de 2015, o que motivou a situação de baixa médica em que se encontrou no período compreendido entre 13/02/2015 e 10/03/2018.
Ora, o Tribunal não relevou essa alegação na matéria de facto provada nem a enfrentou, mormente o vertido em 6.º a 12.º e 18.º a 22.º do articulado inicial, antes considerando a factualidade aposta na matéria de facto dada como provada.
Sucede, face à ausência de contestação, que a matéria de facto ali plasmada deveria ter sido dado como provada e, nesse sentido, atribuído o benefício do subsídio de desemprego - artigo 567.°, n.° 1, do CPC, aplicável ex vi artº 1º do CPTA-.
O que não aconteceu.
Com efeito, a A. apresentou-se na sua entidade patronal que mediante exame médico-legal realizado a considerou inapta temporariamente dado que não conseguia executar a sua actividade profissional, achando-se incapaz para o exercício da mesma – doc. n.º .... Como a A. ainda tinha férias por gozar, a sua entidade patronal concedeu-lhe o gozo das mesmas, desde 30/01/2015 até 12/02/2015.
Todavia, no regresso das férias, a entidade patronal não reintegrou a A. em funções compatíveis com a sua situação clínica.
Sem prejuízo de manter o contrato de trabalho desde a data do sinistro laboral.
Assim, face à inércia da sua entidade patronal, a A. viu-se impelida a recorrer à sua médica de família que lhe foi concedendo baixa médica, tudo com o conhecimento e consentimento da sua entidade patronal, por tê-la suspendido de comparecer no seu posto de trabalho, enquanto se discutia no processo laboral a situação de incapacidade para o desempenho da sua profissão que a entidade patronal igualmente entendia – doc. n.º ....
Dado que a entidade patronal dizia à A. não ter outro local para a colocar. Ou seja, que tinha necessariamente que continuar a fazer o mesmo trabalho ou tinha que se ir embora pois não podia tê-la ali parada sem trabalhar.
Sucede, porém, que a entidade patronal nunca mais convocou a A. fosse a que título fosse.
A entidade patronal não se preocupou em reintegrar a A. na empresa, conferindo-lhe funções compatíveis com as suas limitações físicas que a impedem em absoluto de realizar esforços permanentes e continuados sobre o membro inferior esquerdo, bem como de permanecer longos períodos de pé. A A. ainda tentou resolver consensualmente a situação de incumprimento por parte da entidade patronal, por várias formas, mas sem sucesso. Até que a entidade patronal, face à imposição da A., em esforço de resolução e por intermédio de acordo de cessação do contrato de trabalho, fez rescindir o vínculo, em 11/01/2018, e com efeitos a partir do dia 15/01/2018 – doc. n.º ....
Em suma,
Como alegado, se a falta de entrega de declarações de remunerações, com o correspetivo registo na Segurança Social por parte da entidade patronal não pode prejudicar o direito do trabalhador às prestações, a mera circunstância formal de não constarem do registo de remunerações da Segurança Social o número mínimo de dias necessário ao preenchimento do prazo de garantia para o direito às prestações por desemprego (artigos 22º nº 1 do DL. nº 220/2006 e 3º do DL. nº 324/2009) não é fundamento legítimo para ser negado esse direito, caso se constate que foram omitidos pela entidade empregadora dias de trabalho, que não foram por ela declarados, como era devido, por não ter ajustado a trabalhadora à sua nova condição laboral não obstante manter o vínculo laboral, além de que a sua situação de desemprego foi involuntária.
É certo que é sobre a entidade administrativa que recai, num primeiro momento, o dever de averiguação dos factos relevantes para a decisão sobre a pretensão que lhe seja dirigida, como foi invocado pela Autora na petição inicial da ação.
Sucede é que na situação dos autos tais questões não foram suscitadas em sede administrativa (procedimental), apenas tendo sido invocadas pela Autora em sede da presente ação. Pelo que a entidade administrativa, que não foi com elas confrontadas, se limitou a suportar-se nos elementos que possuía, que eram os que constavam no registo de remunerações.
Em sede judicial, a Autora sustentou preencher o pressuposto legal para o direito às prestações por desemprego que a entidade administrativa deu como não verificado: possuir 365 dias de trabalho no período de 24 meses imediatamente anterior à data do desemprego. E alegou que apesar de não constar do registo de remunerações da Segurança Social, trabalhou para a entidade patronal até 15/01/2018, que esta não a reintegrou em funções compatíveis com o seu estado clínico, não podendo a falta de regularização formal do registo de remunerações e respetivas contribuições, da responsabilidade da entidade patronal prejudicá-la no direito às prestações.
Ora, repete-se, a mera circunstância formal de não constarem do registo de remunerações da Segurança Social o número mínimo de dias necessário ao preenchimento do prazo de garantia para o direito às prestações por desemprego não é fundamento legítimo para ser negado esse direito caso se constate que foram omitidos pela entidade empregadora dias de trabalho, que não foram por ela declarados, como era devido, por terem sido prestados, como é o caso.
Como advogado, a sentença recorrida não fez correta aplicação do direito, ao considerar, não obstante a invocação feita pela Autora e a confissão dos factos por ela articulados, que não lhe assistia o direito às prestações por desemprego por não apresentar descontos para a Segurança Social pelo período de 365 dias.
As regras da distribuição do ónus da prova devem atender às posições que correspondem às partes na relação material que se encontra subjacente na ação judicial.
A Autora cumpriu com a sua parte.
Pelo que estando em causa o pedido referente a uma pretensão, in casu, à atribuição de prestações por desemprego, era efetivamente sobre a interessada que recaía o ónus de demonstrar a verificação dos pressupostos legais para o seu deferimento, o que, repete-se, sucedeu.
Procedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença e julga-se procedente a acção.
Custas pelo Réu/Recorrido e, nesta instância, sem custas, atenta a ausência de contra-alegações.
Notifique e DN.
Porto, 30/6/2023
Fernanda Brandão
Conceição Silvestre (em substituição)
Isabel Jovita